Arquivo da categoria: Análises

Comunitárias: o dia em que os piratas ganharam prêmio de cidadania

Santa Luz, distante 260 quilômetros de Salvador, na Bahia, não existe. Como não existe aquela população que acha que existe por lá – cerca de 34 mil habitantes. A não-existência de Santa Luz foi determinada pela mídia ao estabelecer para o Brasil que o Brasil se resume a Rio, São Paulo e Brasília. É uma mídia preconceituosa e narcisista: ela expurga o que não é espelho, seu espelho. Por isso, Santa Luz e mais outros 5.600 municípios brasileiros não existem.

Mas é de lá, de Santa Luz, região sisaleira baiana, que vem o recado. O representante de uma rádio comunitária, junto com outros nobres jornalistas deste país, recebeu nesta quinta-feira, dia 13 de julho, o prêmio "Amigo da Infância", promovido pela Agência Nacional de Direitos da Infância (ANDI), com o patrocínio da Petrobrás e apoio da Unicef.

Seu nome é Edisvânio Nascimento, mas o tratam, como se viu, como inexistente, irreal, ou, como pirata, bandido, marginal. Isto porque Edisvânio atua numa rádio comunitária não autorizada naquele município. Atua, não; atuava. Porque, como se trata de uma rádio "pirata", o Estado brasileiro achou por bem que ela não deveria estar no ar. E a rádio comunitária de Santa Luz, premiada pela ANDI pelo trabalho em defesa da infância, foi fechada.

Comunicação popular

Azar de Santa Luz porque a rádio mesmo reconhecida pela comunidade, pelos que querem um país mais justo, pela ANDI, pelos defensores da democratização da comunicação, pela maioria do povo brasileiro, não é reconhecida pelo governo. Este governo, que se viciou no jogo político para se manter no poder visando à eternidade, tem aqui mais uma prova (existem milhares) de que rádio comunitária sem a concessão oficial é muitas vezes comunitária.

O prêmio da ANDI é uma lição para o governo de que precisa mudar urgentemente a sua política de comunicação. Ou melhor, criar uma política de comunicação para o povo brasileiro. Hoje, o governo apenas obedece à linha política estabelecida pelos empresários do setor. Quando o governo Lula vai entender que só vai mudar alguma coisa neste país quando deixar de fazer política para se manter no poder? Quando irá reconhecer um direito fundamental do ser humano, o direito à comunicação?

Além de Edisvânio, um outro militante do movimento das rádios comunitárias foi agraciado com o prêmio da ANDI: Sérgio Gomes, fundador e diretor da Oboré, uma entidade aplicada em formular e implementar projetos na área da comunicação popular. Sérgio Gomes, ex-professor da ECA-USP, integra a Associação Mundial das Rádios Comunitárias e é um dos ícones do movimento.

Critérios de premiação

A premiação de Edisvânio e de Sérgio é mais uma prova (mais uma, Lula!) de que o atual processo de concessão de emissoras de rádio e TV no país não presta. É sintomático que a rádio comunitária Santa Luz – considerada pirata pelo Estado – pleiteia um canal há nove anos! Isto é, eis um pirata que há nove anos tenta deixar a legalidade. O Estado, que é tão competente e rápido para fiscalizar e reprimir as rádios não autorizadas, demora quase uma década "analisando um processo". A rádio de Santa Luz foi fechada e o canal não saiu. Não saiu por quê? Ora, porque esta é uma boa comunitária e não tem político ou igrejas empurrando.

Não se trata aqui de um xingamento ao Ministério das Comunicações, mas de uma denúncia com provas. E a prova maior de que as autorizações de rádios comunitárias estão submetidas a interesses políticos e religiosos está no rigoroso estudo assinado pelo professor Venício Lima e pelo consultor legislativo Cristiano Lopes, veiculado neste Observatório. Nele se mostra como as autorizações até hoje concedidas às rádios comunitárias não obedecem à legislação, mas sim, a um coronelismo político e religioso que dá as ordens no MC, no governo, no Estado. O estudo foi apresentado há cerca de dois meses e até agora nada aconteceu. Se este governo fosse sério e tivesse o mínimo de compromisso com a legalidade e a nação, o ministro teria caído.

É importante registrar o que leva a ANDI a premiar os 20 jornalistas Amigos da Infância: a escolha dos jornalistas que o recebem não se baseia em uma reportagem ou conjunto de reportagens específico, mas na produção contínua de matérias que contribuem para a discussão de políticas públicas dirigidas à população infanto-juvenil. São reconhecidos tanto os repórteres quanto os editores e chefes de redação, que estimulam suas equipes e orientam a linha editorial de seus veículos para dar maior visibilidade aos temas da infância e adolescência. Da mesma forma, são valorizados profissionais que atuam em ONGs e no meio acadêmico e que por meio de seu trabalho contribuem com essa causa.

Ensinando cidadania

Outros critérios decisivos na escolha são:

– Ética no exercício da profissão;
– Atuação com grande responsabilidade social enquanto formador de opinião;
– Contribuição para a construção de novos valores, buscando uma mudança de comportamento em seus públicos-alvos no que diz respeito aos direitos infanto-juvenis;
– Estímulo ao protagonismo juvenil através de seu trabalho.

A lição da rádio comunitária de Santa Luz é dirigida ao governo, à Anatel, à Polícia Federal, ao Estado brasileiro – que aceita, e algumas vezes reproduz, a versão alucinada, criada por alguns setores anti-democráticos, de que rádio comunitária derruba avião. Quem conhece as rádios comunitárias do Brasil, no entanto, sabe que o caso de Santa Luz não é único. Há várias rádios comunitárias, em todo país, fazendo trabalho similar. A grande maioria, porém, é penalizada, satanizada, amaldiçoada, sob a acusação de não ter cumprido a burocracia. Centenas de militantes já foram indiciados pela PF/Anatel, presos e até punidos, por fazerem o que faz Edisvânio. Muitas vezes, paradoxalmente, a Justiça determina ao condenado que a punição seja efetuar serviços para a comunidade. Ora, é exatamente isto que elas – as boas rádios comunitárias – fazem.

O movimento das rádios comunitárias não defende rádios de empresários, políticos ou religiões. O que se defende é a boa rádio comunitária. E elas são muitas. Em todo o país. Algumas têm a autorização de funcionamento, outras não. Mas estão ensinando o que é cidadania e, principalmente, o que é um jornalismo voltado aos interesses do coletivo.

Vampiros modernistas

O lastimável é que o Estado brasileiro, como prova o estudo do professor Venício Lima, cometeu e está cometendo um tipo de erro que não tem solução à vista: outorga concessões contra a lei, ciente de que estas concessões não podem ser revisadas. A legislação brasileira foi arrumada de tal modo que praticamente impede a cassação da outorga concedida, mesmo quando se comprova que a emissora não está dentro da lei ou comete abusos na programação. Se uma emissora brasileira fizer como a RCTV da Venezuela, por exemplo, que conspirou e promoveu um golpe de Estado, o governo vai ter dificuldades em cassar sua concessão.

Por conta deste Estado dominado pelos políticos e religiões, as falsas rádios comunitárias brotam aos montes, por todo o Brasil. A lei 9.612/09 proíbe a outorga a igrejas, mas… No Distrito Federal foi dada autorização para a "rádio comunitária" da Igreja Casa da Bênção, ligada a um deputado distrital, Júnior Brunelli; no Rio de Janeiro, a (rica) Igreja de Nossa Senhora de Copacabana recebeu do MC autorização para instalar uma "rádio comunitária"; em São Gonçalo (RJ) ocorre a mesma coisa. Como instituições religiosas, ferindo a lei, conseguiram autorização? Ao que parece, esta relação promíscua entre o Estado e as igrejas é caso para uma ação do Ministério Público. Poderia se pensar em CPI, mas qual deputado – de esquerda ou de direita – iria enfrentar a Igreja Católica e o seu poder? A nossa ousada esquerda não teria peito para isso. Hoje ela opta por considerar a Igreja uma aliada, mesmo sabendo que a Igreja está saqueando um espaço que pertence ao povo, tornando-se a maior latifundiária da comunicação no país.

Ao premiar Edisvânio e Sérgio Gomes, a ANDI revela este Brasil intencionalmente oculto pela mídia comercial brasileira. Revela o Brasil verdadeiro, de gente que luta contra o Estado, as grandes redes comerciais de comunicação, o governo Lula, a falta de recursos… Enfim, luta contra todos os inimigos da democracia. Quando um cabra como Edisvânio ganha um prêmio como este, ele está dizendo à história que não somente Santa Luz existe, como existe um Brasil vasto, real, belo e corajoso. Um Brasil que não se avista das janelas dos palácios de Brasília, onde as conversas mais inteligentes e profundas, apreciadas por condes e viscondes, discorrem sobre a eternidade humana, e de como continuar o jogo da política para que, quando vier o eterno, eles continuem ali, quais vampiros modernistas, nessa declamatória bizarra, bizantina, interrompida apenas pelo zumbido das milhares de moscas azuis, amarelas e cinzas que habitam com eles este palco de efemeridades.

* Dioclécio Luz é jornalista, diretor do Sindicato dos Jornalistas do DF, autor do livro "A arte de pensar e fazer rádios comunitárias"

Active Image

Saúde e mídia: a Anvisa e a regulamentação da publicidade

Muito se têm discutido as propostas de regulamento da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – a respeito da restrição de publicidades de bebidas alcoólicas e de cervejas para o público em geral e de bebidas com baixo teor nutricional e de alimentos não saudáveis dirigidas para crianças.

Os veículos de comunicação, as empresas e as agências publicitárias, de um modo geral, têm dito, exaustivamente, que tais publicidades, como toda e qualquer publicidade comercial, consubstanciariam manifestações do direito de informação e do direito de expressão. Por conta disso, impor restrições às manifestações publicitárias seria, em última análise, um atentado à democracia, considerando-se a necessidade de subsistência da liberdade de opinião e expressão para a existência de um sistema democrático.

Ocorre que, contrariamente a esse entendimento, a publicidade é ato puramente comercial, e não manifestação do pensamento, criação, expressão e/ou informação. O termo "liberdade de expressão comercial", que vem sendo repetidamente utilizado pelos defensores e representantes do mercado publicitário, simplesmente não faz qualquer sentido. É a clara tentativa de se unirem conceitos distintos em sua essência.

Prioridade absoluta

A publicidade, a seu turno, pode ser definida como função de venda, ou seja, de prática comercial, que se vale dos meios de comunicação social de massa para difundir benefícios e vantagens de determinado produto ou serviço, cujo consumo se pretende incentivar, perante o respectivo público consumidor, potencial ou efetivo.

E é justamente por isso que a correta ambientação da publicidade na Constituição Federal é na ordem econômica.

Não é possível considerar a publicidade como expressão de um direito fundamental da Constituição Federal – como é a livre manifestação do pensamento. Os direitos fundamentais são aqueles considerados como direitos humanos, ou seja, de proteção ao ser humano em suas diversas dimensões. Mesmo porque o ser humano é o núcleo essencial da Constituição Federal.

Por serem fundamentais, esses direitos devem ser sempre interpretados de forma a serem protegidos e garantidos. Isso quer dizer que, apesar de a Constituição Federal também disciplinar sobre a ordem econômica, a tutela das liberdades e o direito à saúde, entre outras garantias fundamentais, devem ter prioridade absoluta e ser objeto de proteção integral por parte do Estado e da sociedade.

Violação aos direitos

Não há dúvidas de que, a princípio, a publicidade é lícita, faz parte da livre iniciativa e da livre concorrência – princípios básicos da ordem econômica –, porém, quando for contrária às garantias e aos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal – tais como, direito à saúde, direito à educação, direito à informação adequada, direito à proteção integral da infância, direito à prioridade absoluta da infância e da juventude – deve ser repudiada.

Toda e qualquer publicidade que incite seus destinatários a um consumo inadequado para a sua saúde, como é o caso das publicidades de bebidas alcoólicas, cervejas, bebidas com baixo teor nutricional e alimentos com alto teor de sódio, açúcar e gorduras, será considerada inconstitucional – sem que isso signifique "censura" ou qualquer outra forma de atentado ao Estado de direito democrático.

Mas não é só. Os defensores do mercado publicitário, além de suscitarem a suposta violação à liberdade constitucional de manifestação e expressão do pensamento, também tentam barrar as novas propostas de regulamento técnico da Anvisa mediante o argumento de que haveria violação do disposto constitucional que prevê a competência privativa da União para legislar a respeito da propaganda comercial.

Entendem, assim, que, qualquer limitação à atuação do mercado publicitário, além de constituir-se violação aos direitos e garantias fundamentais, somente poderia ser implementada por lei federal vinda do Poder Legislativo, mas nunca por uma agência regulatória do Poder Executivo.

Deficiência de julgamento

No entanto, também em relação a esse argumento, estão sem razão o mercado publicitário e seus defensores. De fato, não se faz necessária a elaboração de novas normas pelo Poder Legislativo para regular a matéria, posto que já existe legislação federal que regulamenta a publicidade no país.

O Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078/90, com efeito, possui dispositivos específicos que regulamentam a publicidade e prevêem a proteção do consumidor que a ela está exposto, ressalvando-se, a propósito, que será considerado consumidor, para os fins dessa lei federal, qualquer pessoa que tiver sido exposta à mensagem publicitária, ainda que não tenha adquirido o produto e/ou serviço anunciado.

Por meio do Código de Defesa do Consumidor, foi instituído o princípio da veracidade, pelo qual a publicidade tem obrigação de informar adequadamente o consumidor, sendo enganosa a publicidade que o induz a erro, ainda que por omissão de informação essencial.

Também definiu que será abusiva a publicidade considerada antiética e/ou for contrária aos valores da sociedade. E dentre os exemplos de abusividade que o Código de Defesa do Consumidor enumerou está a publicidade que se vale da deficiência de julgamento e experiência da criança e do adolescente, assim como a publicidade que induz o consumidor a se comportar de maneira prejudicial à sua saúde.

Segurança alimentar

Assim, pela compreensão do texto constitucional e da norma federal mencionada, pode-se concluir que todas as publicidades que se pretende sejam expurgadas, por meio dos novos regulamentos técnicos que a Anvisa quer implementar, já são consideradas inconstitucionais e ilegais.

Aliás, fazer ou promover publicidade enganosa e/ou publicidade abusiva é conduta tipificada, nos termos do próprio Código de Defesa do Consumidor, como crime e passível de ser punida com pena de detenção.

Por tudo isso, é bem certo que a Anvisa está apenas e tão somente trabalhando para dar efetividade às normas constitucionais e legais. Efetividade que deriva da intensidade com que a norma jurídica é observada na realidade social.

A esse respeito, vale ser lembrado que a Anvisa é um órgão que tem como missão "proteger e promover a saúde da população garantindo a segurança sanitária de produtos e serviços e participando da construção de seu acesso". Sua maior finalidade é promover o bem-estar social no país.

Sua atribuição para criar regulamentos, controlar e fiscalizar a publicidade de produtos sob o regime da vigilância sanitária é decorrente da Lei nº 9.782/99, que define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, norma essa em absoluta consonância com os dispositivos constitucionais e as normas infraconstitucionais que tratam dos direitos do consumidor, da criança e do adolescente e do sistema nacional de segurança alimentar e nutricional.

Mensagem dirigida à emoção

Como no Brasil não há uma alta autoridade para regular a comunicação, contrariamente ao que ocorre em outros países democráticos, assim como a velocidade das mensagens publicitárias é tamanha, atualmente, constata-se, na prática, a absoluta falta de aplicação do que está na lei.

Os regulamentos técnicos da Anvisa que se quer fazer valer são, pois, plenamente legais e funcionais, na medida em que a Constituição Federal e a legislação pátria infraconstitucional são extremamente protetivas. A grande virtude desses regulamentos é a de que venham a se transformar em instrumentos importantíssimos de efetividade, que comprometerão um conjunto de agentes públicos com a aplicação da lei, bem como propiciarão uma maior mobilização da sociedade civil em torno do tema e em busca da efetivação do que já existe em termos legais.

E mais. A importância dessa questão, por tudo o que foi dito, diz respeito à preservação dos direitos e garantias fundamentais no país. A regulamentação da publicidade é tão cara ao ordenamento porquanto, além de vender produtos e serviços, tem impacto cultural, forma valores e referências sociais.

Ora, o elemento essencial da publicidade é a persuasão. E, justamente, em razão do seu intuito puramente comercial, a mensagem publicitária é elaborada para atingir o emocional daquele a quem se dirige, na medida em que é notório que o convencimento acontece de forma muito mais bem-sucedida quando o público consumidor alvo da mensagem publicitária é guiado pela emoção, e não pela razão.

Políticas sociais e econômicas

E quando se fala da publicidade que atinge o público infanto-juvenil, todas essas questões se tornam ainda mais sérias. Por isso, a publicidade que anuncia bebidas de baixo teor nutricional e alimentos com alto teor de sódio, açúcar, gordura saturada e gordura trans para crianças, fomentando a obesidade infantil e a desnutrição, não pode ser tolerada.

Nos termos da Constituição Federal, é dever não só da família, mas também da sociedade e do Estado assegurar à criança, com absoluta prioridade, o direito à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à dignidade, ao respeito, dentre outros direitos enumerados pela Carta Magna. Além disso, é igualmente dever de tais instituições colocar as crianças e os adolescentes a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No mesmo sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece os direitos dessas pessoas em desenvolvimento e a necessidade de respeito à sua integridade, inclusive com relação à sua saúde e aos seus valores.

A Constituição Federal estabelece ainda que a saúde é um direito de todos e dever do Estado, o qual deverá garantir por meio de políticas sociais e econômicas a redução do risco de doença e de outros agravos.

Mercado milionário

A propósito, vale mencionar que o Brasil hoje tem 48,8 milhões de pessoas com idade até 14 anos. As crianças brasileiras possuem, em média, R$28,60 de mesada, o que, no universo mencionado, significa R$69.237.069,00, a cada mês, sendo que o mercado infantil, no ano de 2004, movimentou R$5 bilhões com consumo de fast food e em 2006 o mercado publicitário infantil investiu, só em produtos infantis, R$209,7 milhões.

E o mais grave: em recente pesquisa, ao serem perguntadas em que mais gastam seu dinheiro, as guloseimas foram citadas por 73% das crianças entrevistadas, os salgadinhos por 47%, os sorvetes por 44%, as bebidas por 29%. Ou seja, alimentos e bebidas possuem muito mais apelo do que brinquedos e roupas.

Esses dados são ainda mais assustadores se for lembrado que, no Brasil, 30% das crianças estão com sobrepeso e aproximadamente 15% já são consideradas obesas.

Da mesma forma, também a publicidade que incentiva o consumo de bebidas alcoólicas e de cervejas é tão danosa à sociedade.

Se a publicidade não aumentasse o consumo, não seria tão necessária ao mercado publicitário milionário dos grandes fabricantes, distribuidores e/ou representantes nacionais.

Público hipossuficiente

A alegação de que o que falta no país é educação e, portanto, novas regras de restrição à publicidade não seriam uma solução, é parte do discurso daqueles que não querem ver o desenvolvimento da sociedade brasileira. A publicidade de bebidas alcoólicas e de cervejas tem como objetivo vender, persuadir e aumentar o consumo desses produtos.

Obviamente não se pede que a publicidade eduque – o que seria ótimo, diga-se de passagem –, mas tem a obrigação legal de não atacar valores da sociedade e de não promover a deseducação, principalmente de crianças e adolescentes.

O consumo de álcool é hoje um dos mais graves problemas de saúde e segurança pública no Brasil: (i) é responsável por mais de 10% de todos os casos de adoecimento e morte; (ii) provoca 60% dos acidentes de trânsito; (iii) é detectado em 70% dos laudos cadavéricos de mortes violentas; (iv) transforma 18 milhões de brasileiros em dependentes; (v) leva 65% dos estudantes de 1º e 2º graus à ingestão precoce, sendo que a metade deles começa a beber entre 10 e 12 anos; (vi) está ligado ao abandono de crianças, aos homicídios, à delinqüência, à violência doméstica, aos abusos sexuais, a acidentes e mortes prematuras; (vii) causa intoxicações agudas, coma alcoólico, pancreatite, cirrose hepática, câncer em vários órgãos, hipertensão arterial, doenças do coração, acidentes vascular-cerebrais, má-formação do feto, doenças sexualmente transmissíveis, Aids e gravidez indesejada; e (viii) impõe prejuízos incalculáveis, atendimentos em prontos-socorros, internações psiquiátricas, faltas no trabalho, além dos custos humanos com a diminuição da qualidade de vida dos usuários e de seus familiares.

Daí porque a regulação da publicidade comercial e do mercado publicitário é absolutamente compatível com o estado de direito democrático. Aliás, é imprescindível, para que sejam assegurados os direitos de todos os consumidores – considerados, por lei, a parte vulnerável nas relações de consumo. Principalmente quando se fala na publicidade que afeta o emocional do público infanto-juvenil, que mais do que vulnerável é naturalmente hipossuficiente.


* Vidal Serrano Junior e Isabella Vieira Henriques são, respectivamente, promotor de justiça do Ministério Público de São Paulo, professor titular de direito constitucional da PUC/SP e membro do conselho diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) e advogada, mestre em direito das relações sociais – direitos difusos e coletivos – pela PUC/SP, e coordenadora do projeto Criança e Consumo do Instituto Alana  

Mídia e Política: cobertura tem um longo caminho a percorrer

Na intensa dinâmica que tem presidido o desenrolar da conjuntura das políticas de comunicações e o comportamento da cobertura jornalística da política nacional, a semana que passou foi rica em novos desdobramentos. Alguns exemplos:

1. Há apenas quinze dias, em pequeno balanço do semestre que arrisquei neste Observatório [ver "Balanço provisório de um semestre inusitado"], escrevi que o debate gerado pela Portaria 264 do Ministério da Justiça em torno da classificação indicativa dos programas de televisão revelava, não só os verdadeiros interesses em jogo, mas também qual é a noção de interesse público com a qual esses grupos operam. Faltou acrescentar que o desfecho do debate revelaria o mais importante: a verdadeira correlação de forças existente entre os atores na disputa.

Uma nova Portaria, a de nº 1220, foi publicada no Diário Oficial da União na semana passada e os radiodifusores tiveram acatadas 18 das suas 22 exigências. A classificação dos programas será agora feita pelas próprias concessionárias – que ainda ganharam seis meses para se adaptar à norma que vincula a programação e as faixas de horário em todo o território nacional.

Matéria sob o título "Abaixo a tesoura", publicada na Veja desta semana (edição 2017, de 18/7/2007), exemplifica bem a forma como os atores com interesse na questão trataram a disputa e o tipo de jornalismo (?) opinativo que foi produzido por eles. A Portaria 264 é identificada como "inequívoco viés autoritário", "mecanismo equivalente à censura prévia dos tempos da ditadura militar", "aberração", "entulho antidemocrático" e "dispositivo stalinista". O diretor do Departamento de Classificação do Ministério da Justiça é desqualificado como "comissário com DNA comunista" e adepto de "corrente da retroesquerda".

A questão que fica é a seguinte: o governo cedeu aos radiodifusores privados o necessário para evitar que ficassem "insatisfeitos" e manter os princípios básicos que nortearam a elaboração da Portaria 264 ou, na verdade, cedeu mais do que era necessário e possível?

Sem checagem

2. Tanto o Fantástico como o Jornal da Nacional da Rede Globo exibiram recentemente imagens do circuito interno de televisão do Ministério de Minas e Energia – obtidas pela Polícia Federal (PF) – que "comprovariam" a entrega por funcionária da empreiteira Gautama de envelope com 100 mil reais no gabinete do ex-ministro Silas Rondeau e, portanto, o seu envolvimento no esquema de corrupção montado pela construtora. Os principais jornais e revistas de referência nacional "embarcaram" na denúncia que provocou, inclusive, a renúncia do então ministro.

Laudo produzido pelo Laboratório de Perícias da Unicamp e divulgado pela CartaCapital (nº 452, de 11/7/2007), no entanto, desmente a veracidade das imagens.

Tudo indica que existe um fluxo permanente de informação entre parte da Polícia Federal (PF) e alguns dos principais veículos da grande mídia.

Estaria a grande mídia praticando as mesmas irresponsabilidades que caracterizaram parte da cobertura jornalística da crise política de 2005 e das eleições de 2006, isto é, divulgando sem checar as denúncias que lhe chegam às mãos?

Não seria o caso, ao contrário, de se buscar jornalisticamente compreender o que se passa – e por que – na PF? Estaria havendo alguma partidarização das investigações e das ações da PF?

Mesma direção

3. Matéria no Estado de S.Paulo ("Rádio de Argello é operada por grupo italiano", pág A-10, de 15/7) revela estranhos vínculos do futuro senador Gim Argello (PTB-DF) com a radiodifusão. Ex-concessionário de uma emissora de rádio educativa (!), ele a transferiu para uma organização religiosa italiana. Além disso, o futuro senador é sócio de uma emissora de rádio comercial – Rádio Global Comunicação Ltda. – no município de Formiga, interior de Minas Gerais, e teria "interesses" em cinco rádios comunitárias na periferia de Brasília para cuja legalização trabalhou junto ao Ministério das Comunicações.

Estão presentes na matéria denúncias graves que envolvem:

** o descumprimento da norma constitucional (Artigo 222) que proíbe a propriedade superior a 30% de empresa de radiodifusão por estrangeiros, além de determinar que a gestão e o controle da programação deve ser feito por brasileiros;

** o desvirtuamento dos objetivos de uma concessão educativa (Decreto 236/67) para atividades de proselitismo religioso;

** a proibição de "exercício de mandato eletivo" simultaneamente à direção de uma empresa concessionária de serviço público (Artigo 54 da Constituição); e

** o desvirtuamento dos objetivos de uma autorização de rádio comunitária para atividades de proselitismo político (Lei 9.612/98).

Infelizmente, os exemplos apontam na mesma direção, isto é, indicam o quanto ainda teremos que caminhar para que o interesse público efetivamente prevaleça tanto na elaboração das políticas de comunicações quanto na cobertura jornalística da política.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor, entre outros, de Mídia: crise política e poder no Brasil (Editora Fundação Perseu Abramo, 2006)

Active Image

Classificação Indicativa: agora uma responsabilidade de todos

Desde o dia 11 de julho de 2007, de acordo com a Portaria 1.220/07 do Ministério da Justiça, a classificação indicativa (por faixa etária e horário de exibição) de produtos audiovisuais de entretenimento televisivo passou a ser uma autoclassificação, feita pelas próprias emissoras de TV e não mais pelo Departamento de Classificação do Ministério da Justiça. Essa mudança, no entanto, tem uma implicação previsível, já que a vidraça mudou de lado – para o lado que, literalmente, está exposto aos olhos de todos: a televisão.

Não resistindo a mais uma onda de ataque por parte das grandes redes, o Ministério da Justiça renunciou ao poder que há vários anos vinha exercendo sobre elas – de analisar previamente a programação, especialmente as telenovelas – mas não abriu mão do vínculo entre classificação e horário, outro ponto que as emissoras, representadas pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), queriam abolir. E a nova portaria ainda criou para a autoridade pública um poder adicional, o de exigir uma reclassificação, caso não concorde com alguma das autoclassificações televisivas. Em síntese, as emissoras não conseguiram a liberdade total desejada e ainda por cima terão de arcar com mais trabalho e mais responsabilidade.

Utilizando-se de um argumento questionado por vários segmentos – da sociedade e do governo –, de que o exame prévio da programação representava um exercício da censura, algo que é taxativamente vedado pela Constituição, a Abert liderou uma campanha contra a suposta inconstitucionalidade da classificação indicativa exercida pelo Ministério da Justiça. Não foi a primeira vez que adotou essa postura, valendo-se de métodos como a arregimentação de artistas famosos na cruzada contra a volta dos "censores". O governo FHC foi igualmente pressionado e, à época, a Abert também acenou com a alternativa da autoclassificação.

Fusos horários

Agora, as emissoras terão a oportunidade de sentir na própria pele o quanto é complexa e passível de críticas a tarefa de classificar conteúdos, ofício que vinha sendo desempenhado por um quadro técnico de 25 pessoas, no Ministério da Justiça, que agora se acha diante de um novo desafio: checar a pertinência das "indicações" feitas pelas emissoras.

Entretanto, se o governo e as próprias emissoras cumprirem com o dever de informar a população sobre essa mudança de responsabilidade, cada cidadão, cada associação, cada movimento e cada ONG poderão atuar como observadores da responsabilidade social das televisões. Ou, quem sabe, governo, sociedade e mercado encontrem formas de se representarem num conselho paritário, sugestão feita em carta dirigida ao ministro da Justiça, Tarso Genro, pela Dra. Zilda Arns, coordenadora da Pastoral da Criança, entidade vinculada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Um colegiado dessa natureza funcionaria como uma instância plural, capaz de dirimir eventuais discordâncias entre os vários setores interessados.

Face a um eloqüente interlocutor preocupado com a defesa da liberdade de expressão, o secretário nacional de Justiça, Antônio Biscaia, orientado pelo ministro Tarso Genro, inicialmente atuou como moderador, promovendo uma audiência pública (em 20 de junho) que lotou o Auditório Tancredo Neves, no Ministério da Justiça, quando se sucederam oradores pró e contra a Portaria 264, alvo das críticas da Abert. Em seguida, encontrou uma fórmula de atender os dois lados. Derrubou a "censura prévia" dos conteúdos, mas manteve de pé outras exigências, entre elas, a vinculação das faixas etárias aos respectivos horários de exibição e o respeito às populações situadas em diferentes fusos horários.

No Acre, por exemplo, são duas horas a menos da hora de Brasília; três, no verão. As emissoras terão 180 dias para encontrar uma solução técnica para esse problema, possivelmente, a "reapresentação" dos programas e capítulos de telenovelas, embora nada impeça que eles sejam captados por quem dispõe de antenas parabólicas.

Dado novo

Durante todo o período em que procurou cumprir com as exigências da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, de classificar conteúdos de diversões públicas, o ministério da Justiça desenvolveu paulatinamente um esforço de se legitimar com relação ao seu ingrato papel de classificador, possivelmente porque o mesmo atraía para si a pecha de "censor".

Não faltaram campanhas de esclarecimento, consulta nacional, audiências públicas, publicações, seminários, cartilhas, livro e convites à participações do cidadão, por telefone e por e-mail. Com a mudança nas regras do jogo, mesmo que o ministério da Justiça permaneça em silêncio e mesmo que as emissoras busquem um perfil discreto sobre a sua atuação auto-regulamentadora, dificilmente as iniciativas do tipo "Quem financia a baixaria é contra a cidadania" (da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados) deixarão de estar atentas.

E se antes se alinhavam ao governo, quando este era alvo de críticas, mais um motivo terão, agora, de se fazerem fiscais da mídia, já que é sempre mais antipático para o Estado essa função de leitura crítica, quase sempre identificada, na retranca, como investidas da "censura".

A nova conjuntura classificatória também abre mais espaço para um ator cada vez mais presente no cotidiano brasileiro, o Ministério Público. Junto ao mesmo, o ministério da Justiça prometeu recorrer sempre que não for ouvido pelas emissoras, quando solicitadas a reclassificar programações.

Em tese, qualquer cidadão ou entidade pode fazer o mesmo, ou seja, na lacuna de um Conselho de Comunicação Social aberto à sociedade (o que existe é apenas um órgão auxiliar do Congresso Nacional, sem poder deliberativo), o Ministério Público poderá fazer as vezes de ouvidora pública de mídia, com uma capacidade que outras figuras institucionais não o têm: encaminhar o assunto direto para o Judiciário, como já aconteceu.

Para a sociedade, uma das vantagens da auto-regulamentação é que o exercício da responsabilidade social não elide os recursos civis e penais, embora as soluções consensuais sejam mais encorajadas do que as punitivas.

Desse embate em torno da melhor forma de classificar conteúdos de entretenimento midiático, um ganho adicional para todos poderá ocorrer se cumprida a promessa feita pela Abert, de criar um novo Código de Ética da Radiodifusão Brasileira, em substituição ao de 1993, jamais posto em prática – possivelmente porque se referia à relação entre modalidades de conteúdos e respectivas faixas etárias e horários de exibição. Segundo informaram o diretor-geral da Abert, Flávio Cavalcanti Júnior, e o advogado da Abert, Luís Roberto Barroso, um código "mais atualizado" será feito. Ou seja, as emissoras poderão ter uma bússola para essa dupla tarefa que abraçaram, a de garantir Ibope sem descuidos para com o decoro.

Em suma, há elementos para se concluir que a classificação indicativa – e não impositiva, como sempre desejou a Abert – poderá contar com a participação dos mais variados segmentos da vida pública. Para além do dado novo, que é a auto-regulamentação, o Estado permanecerá atento, já que o ministério da Justiça poderá valer-se do seu bem-treinado olho classificatório para exigir a "reclassificação" sempre que entender que as emissoras foram abusivas. Por sua vez, as ONGs, que integraram toda uma militância liderada pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) em favor da manutenção do sistema classificatório na mão do Estado, não ficarão inertes.

Liberdade e responsabilidade

Em passado recente (2005), as ONGs deram uma surpreendente demonstração de que podem contar com a austeridade do Ministério Público e do Judiciário. Foi quando desbancaram o apresentador João Kleber, então na Rede TV!, obtendo contra ele um inédito e histórico direito de resposta na TV em favor de toda uma legião de humilhados e ofendidos em matéria de direitos humanos.

Falido aqui, sucesso no além-mar. João Kleber foi ter com os lusitanos, onde tem contabilizado em euros muito êxito com testes de fidelidade e outras baixarias. De lá, tem até exportado as suas "Tardes quentes" para outros países. Por aqui, no entanto, teve de ceder o espaço equivalente a 30 dos seus programas (dez dos quais por ele financiados) para um coletivo de ONGs (Intervozes na cabeça) que fazem advocacia de direitos humanos difusos e específicos (igualdade racial; liberdade de orientação sexual etc.).

Em matéria de classificação indicativa de conteúdos de TV, poderemos, então, estar chegando a uma "maioridade", na acepção kantiana. O eterno filósofo da Fundamentação metafísica dos costumes entendia que a verdadeira maioridade moral é atingida quando nos tornamos capazes de agir com autonomia, ou seja, de modo que as nossas ações estejam acima de nossos interesses e inclinações individuais e corporativas. De forma veemente, representantes da Abert repeliram a insinuação de "raposa cuidando do galinheiro" nesse assunto de autoclassificação. Estaremos testemunhando, realmente, o primado da responsabilidade social das empresas? Existirá, de fato, uma genuína "cidadania empresarial", mesmo quando a violência é um dos principais filões mercadológicos?

O fato é que toda essa polêmica pode ter representado um avanço institucional. Nem o Estado, nem o mercado e nem a sociedade estão, agora, isolados ou hegemônicos em relação ao decoro para com as diversões públicas. E a partilha de poder – e de conseqüente interlocução – tem sido uma das fórmulas das democracias modernas. Em outras palavras, a liberdade só não é um valor absoluto porque há a contrapartida da responsabilidade – não apenas do mercado, mas de todos.


 

* Luiz Martins da Silva é jornalista, professor da Faculdade de Comunicação da UnB e co-autor (com Fernando Paulino) de um dos capítulos do livro Classificação Indicativa no Brasil – Desafios e perspectivas, Brasília, DF, Ministério da Justiça, 2006.

Active Image

Só 30% das famílias americanas têm TV digital

Quando vejo o que acontece nos Estados Unidos, 9 anos depois de iniciada a introdução da TV digital, penso que devemos ser mais realistas em nossas projeções sobre o que pode acontecer no Brasil. Por mais entusiastas e otimistas que sejamos quanto à digitalização, é bom considerarmos que sua introdução no Brasil será um processo lento, que exigirá de 10 a 15 anos para alcançar a maioria dos domicílios. Isto se considerarmos apenas a mera recepção do sinal digital a partir de um conversor.

Vale a pena refletir sobre os dados da pesquisa divulgada no final de junho pela entidade que representa a indústria, a Associação Americana de Eletrônica de Consumo (Consumer Electronics Association ou, simplesmente, CEA). Ela mostra que, até agora, só 30% dos domicílios americanos dispõem de um televisor capaz de receber sinais digitais. Isso significa que 70% dos televisores dos Estados Unidos ainda são analógicos, mesmo depois de 9 anos de transmissões regulares de TV digital.

Ainda assim, a agência reguladora das comunicações, a Federal Communications Comission (FCC) mantém o prazo de encerramento das transmissões analógicas em fevereiro de 2009.

O estudo, que tem o título de Alta Definição: Você tem o televisor, mas não tem conteúdo, mostra que apenas 44% dos domicílios que dispõem de televisores digitais estão recebendo regularmente programação em alta definição (High Definition TV ou HDTV). A maioria, portanto, não recebe e alega, entre outras razões, o alto custo dos pacotes de programas na TV a cabo ou a falta de interesse na alta definição.

O mais surpreendente, no entanto, é a resposta de alguns proprietários de televisores digitais que dizem não saber exatamente se estão ou não recebendo programas de alta definição, na TV aberta. Por outras palavras, há telespectadores que não identificam a HDTV nem quando vêem as imagens de um programa.

Comentando a pesquisa, Joe Bates, diretor da CEA, afirma que o telespectador precisa ser continuamente informado e educado sobre a tecnologia, suas características, suas vantagens e o modo de utilizá-la. Muitos ainda não entendem o que significa alta definição nem tiveram a oportunidade de sentir a experiência total de alta definição, que os especialistas chamam de “full HD experience”.

O estudo também revela as duas razões principais que levam o consumidor americano a tomar a decisão de comprar um televisor de alta definição. A primeira delas, imaginem, é melhorar ao máximo o visual dos videogames. A segunda é dar nova vida aos filmes.

Segundo a CEA, de cada 100 proprietários de HDTV, 66 recebem seus programas via TV a cabo, 27 via satélite, 8 pela atmosfera, 3 via fibra óptica e os 3 restantes pela internet.

No Brasil, a popularidade da TV aberta pode ser medida pela presença do televisor em mais de 94% dos domicílios do País – uma penetração até um pouco superior à dos Estados Unidos. Já a TV por assinatura não alcança sequer 10% dos lares brasileiros, mesmo com o crescimento expressivo dos últimos dois anos.

O longo tempo de maturação da TV digital em todo o mundo e, em especial, nos Estados Unidos deve servir de alerta e de lição para o Brasil. E é bom lembrar que os países desenvolvidos têm tudo para acelerar a universalização da HDTV. Basta lembrar que a renda per capita do cidadão americano é quase 8 vezes superior à dos brasileiros.

Vale lembrar, também, que a introdução da TV digital ocorreu nos EUA, em 1998, tendo como grande motivação a HDTV, isto é, o salto de qualidade das imagens. Naquela época, nem indústria nem emissoras manifestaram interesse noutras características da TV digital, como a interatividade e a mobilidade. O único propósito era oferecer a HDTV como algo mais ao telespectador da TV aberta e gratuita. Mas essa estratégia de valorização da TV aberta não está funcionando como se esperava.

O sistema nipo-brasileiro de TV digital escolhido e adotado no Brasil é muito mais ambicioso do que o dos Estados Unidos. Desde o início das discussões, o País exigiu que a tecnologia digital proporcionasse tanto a alta definição como a interatividade e a mobilidade.

Alta definição significa imagens da melhor qualidade possível, com mais de 2 milhões de pixels. Interatividade possibilita a intervenção do telespectador, respondendo a pesquisas, votando e acessando novos serviços, como os de comércio eletrônico e governo eletrônico. Mobilidade, por sua vez, quer dizer viabilidade de recepção de TV em veículos ou no telefone celular.

O Brasil tem a seu favor hoje muito maior disponibilidade e maturação da tecnologia do que os Estados Unidos de 1998, quando introduziram a TV digital. A tudo isso se soma a paixão avassaladora pela TV aberta e gratuita. O grande limitador, no entanto, é o baixo poder aquisitivo de sua população.

Será que teremos melhores resultados que os Estados Unidos?

* Copyriht O Estado de São Paulo.