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Baixar música pela internet não é execução pública

Muito se tem falado a respeito do impacto do advento da rede mundial de computadores sobre o Direito. O fim da territorialidade, a subversão da jurisdição e a pulverização dos direitos autorais, são alguns dos problemas mais imediatos que vêm sendo enfrentados pelos operadores do Direito nestes tempos digitais. Dentre os aspectos mais importantes da pluralidade de desdobramentos trazidos à luz com a chegada da Internet, está, sem dúvida, o download digital de arquivos musicais e audiovisuais, que tanta celeuma causou desde o célebre caso Napster, na virada do milênio, quando o jovem americano Shawn Fanning revolucionou o mundo com seu site capaz de realizar a troca de arquivos pelo sistema P2P (peer-to-peer).

Através desse sistema, usuários do mundo inteiro disponibilizavam músicas uns para os outros, inicialmente sem necessidade de um servidor central e sem precisar pagar royalties aos titulares dos direitos autorais, permitindo a qualquer pessoa com um computador baixar músicas sem pagar um centavo de direitos. O negócio chegou a atrair mais de 60 milhões de usuários ao redor do mundo e o caso foi parar na justiça americana, que acabou por fechar a empresa, condenando-a pelo não-pagamento de direitos autorais às grandes gravadoras do mercado, as chamadas majors.

Estava lançado o grande divisor de águas. Dezenas de sites similares surgiram, como E-Mule e Kazaa, oferecendo downloads de obras musicais grátis e até filmes, como o Scour. Recentemente o Napster retornou ao mercado, agora cobrando pelas músicas, mas não conseguiu mais atrair tantos usuários como antes. Todavia, a prática do download proliferou e a indústria, abalada pela queda de 30% nas vendas de CDs e DVDs nos últimos dois anos, adotou medidas severas para restringir a baixa gratuita e passou a estudar a possibilidade de novas receitas através da cobrança de direitos conexos de execução pública, que, na opinião de alguns, devem incidir sobre os downloads de arquivos, principalmente musicais.

Nos Estados Unidos, desde 1998 que a DIMA (Digital Media Association) entidade sem fins lucrativos criada para discutir e oferecer soluções para o mundo digital, contesta a idéia de que os downloads — que já são distribuições e reproduções licenciadas e sobre os quais se deve pagar royalties – sejam também execuções públicas. Isto equivaleria a uma espécie de bi-tributação. A baixa de arquivos embute uma transferência de posse tanto quanto o CD e o DVD e por isso já determina o pagamento de direitos autorais sobre a comercialização.

A ASCAP e a BMI, sociedades arrecadadoras americanas, insistem que os ringtones de telefones celulares constituem execuções públicas e a pressão que exercem sobre o mercado tem sido bem-sucedida: temerosas de ações judiciais, as empresas do setor aceitaram pagar fees regulares mesmo não concordando com a teoria jurídica. Esses valores chegam a 4% ou mais incidentes sobre o valor da licença. E isso, mesmo depois de o Escritório de Direitos Autorais americano (U.S. Copyright Office) ter regulamentado a matéria, atestando que ringtones são apenas distribuições de conteúdo. A questão está sub-judice perante uma corte federal, que deverá decidir brevemente esta controvérsia de modo definitivo.

Essa polêmica dos direitos conexos de execução pública, que são os direitos do espectro autoral cobrados pela comunicação, em locais de freqüência coletiva, de fonogramas musicais, lítero-musicais e peças audiovisuais, também já chegou ao Brasil. Entre nós, a legislação autoral criou o Ecad — Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, para arrecadar e distribuir esses direitos em todo o território nacional, e o órgão interpreta que o ato de “baixar” da Web um arquivo musical digital, seja através de computadores ou telefones celulares, configura uma execução pública de fonograma e já vem adotando agressiva tática judicial para receber os supostos direitos conexos decorrentes.

Aqui cabe uma reflexão mais profunda, de forma que se possa compreender melhor a extensão da legislação autoral existente em relação à nova tecnologia. O download é, na realidade, uma mera distribuição de obras intelectuais, pois não configura uma performance pública do conteúdo, limitando-se às reproduções feitas nas máquinas ou aparelhos telefônicos dos usuários. Esta distribuição é feita eletronicamente, através da difusão de sons ou de sons e imagens e pode ser subsumida pelos incisos II, IV V e VI do artigo 5º da lei autoral brasileira em vigor (lei 9.610/98 ou LDA). Entretanto, o dispositivo que melhor define a natureza dos downloads, é, sem dúvida, o inciso IV – distribuição: “a colocação à disposição do público, do original ou cópia de obras literárias, artísticas ou científicas, interpretações ou execuções fixadas e fonogramas, mediante a venda, locação ou qualquer outra forma de transferência de propriedade ou posse”.

Execução pública significa transmitir ou comunicar uma obra ao público, através de qualquer meio ou processo, quer os integrantes desse público recebam essa obra no mesmo lugar ou em locais separados, ao mesmo tempo ou em tempos diferentes. Alegar que outras pessoas possam estar próximas do computador ou à volta do aparelho telefônico para enquadrar o download como execução pública é, no mínimo, pueril.

Se assim fosse, o simples ato de audição de CDs e DVDs implicaria numa execução pública, pois sempre há mais de uma pessoa próxima do aparelho reprodutor. Se a mera distribuição de conteúdo for considerada uma execução pública, qual seria a diferença entre a baixa do arquivo digital e o envio de um CD embalado, do revendedor para o consumidor? Isto seria o mesmo que considerar que uma execução pública ocorre mesmo em ambientes restritos, como o recesso doméstico.

A indústria musical, de telefonia celular e de videogames compartilha um raciocínio muito simples com relação a essa discussão: para poder ser enquadrada como execução pública, a baixa de arquivos da Internet precisa ser efetivamente percebida por ouvidos e olhos humanos em locais de freqüência coletiva. Se houver a audição ou visualização de qualquer conteúdo musical ou audiovisual em um logradouro público, então não resta dúvida de que se trata de uma execução pública, mas baixamos os arquivos na intimidade dos nossos lares, em nossos telefones móveis ou nas dependências de escritórios comerciais.

A RIAA (Recording Industry Association of America), entidade que reúne as gravadoras americanas, apóia os serviços digitais de provisão de conteúdo, que não consideram os downloads uma execução, mas sim uma entrega (delivery) do arquivo de conteúdo, portanto, uma distribuição.

É uma polêmica muito interessante, especialmente diante da queda crescente nas vendas de suportes musicais e audiovisuais físicos e o novo e vibrante mercado de downloading e streaming. Não cremos que o Ecad queira “largar o osso”, afinal, já somos 37 milhões de brasileiros conectados à Internet, este número não pára de crescer e a questão ainda não chegou aos tribunais para interpretação jurisprudencial.


* Nehemias Gueiros Jr: é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e a Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.
 

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Governo e radiodifusores: a promiscuidade se mantém de pé

Há muitos anos milito no movimento de democratização da comunicação. Já vi muita coisa escabrosa, mas poucas vezes me senti tão constrangido quanto na reunião realizada pelo ministro Hélio Costa, no dia 1° de agosto, para discutir a digitalização do rádio.

O tal “conselho” convocado pelo ministro não tem existência de fato. Não há um ato normativo que o tenha criado. Ninguém sabe quantas pessoas o integram, quais os critérios de composição e não há recursos para custear a ida dos participantes (cada um paga do seu bolso, aumentando a desigualdade entre radiodifusores e os movimentos sociais). Tampouco houve uma convocatória pública.

Esta foi a segunda reunião, mas não havia uma ata da anterior, com o relato do que fora discutido. Também não havia uma pauta para esta reunião e, antes do ministro chegar, os presentes foram sugerindo assuntos a um assessor do ministério. Ao final da reunião, a proposta para a criação de grupos de trabalho simplesmente não foi encaminhada e não foi marcada a data do próximo encontro.

Na sala de reuniões estavam mais de quarenta pessoas. Exceto pela presença da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC), da Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (ABRAÇO), do Coletivo Intervozes, do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e da Associação das Rádios Públicas (ARPUB), todos os demais ou eram do governo ou empresários. Alguns em suas falas chegaram a reconhecer que não representavam ninguém, mas apenas a sua própria rádio, o seu próprio negócio. Por que os empresários tiveram o privilégio de comparecer em massa? Até um jornalista da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) acompanhou a reunião, enquanto o restante da imprensa esperava do lado de fora.

O ministro chegou, falou por um longo período, explicando o porque de sua preferência pelo IBOC (padrão norte-americano) e anunciou a decisão para três semanas.

Antes, contudo, o representante da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) já informara que existe uma consulta pública em andamento, que define os critérios para o processo de avaliação, e que, portanto, não há um relatório conclusivo sobre os testes que as emissoras comerciais vêm fazendo com o IBOC. Ora, se a consulta pública não acabou e se não há uma avaliação dos testes, qual o critério que o ministério usará para tomar a decisão?

Tive a oportunidade de questionar o ministro, dizendo que poderiam existir vários critérios diferentes para a escolha. Um deles seria a possibilidade de democratizar o espectro eletromagnético, abrindo-o para novas emissoras. E, neste caso, o IBOC era considerado (em um estudo realizado pela Benton Foundation) um “devorador de banda”. Isso significa que o espaço atualmente ocupado pelas emissoras irá dobrar e, consequentemente, diminuirá a disponibilidade para novas rádios. Fui bruscamente interrompido pelo ministro (várias vezes!) e, quando ficou patente que eu não demonstrava vontade de me calar diante das interrupções, um assessor do ministério simplesmente se levantou e disse que eu devia encerrar minha fala.

Mas o mais curioso foi que, para defender o IBOC diante do estudo da Benton Foundation, o ministro pediu socorro ao assessor da ABERT, Ronald Barbosa, que ficou, então, encarregado de “explicar” como funciona o IBOC. Neste gesto simples, mas tão sintomático, o ex-empregado da TV Globo e proprietário de uma rádio FM em Barbacena demonstrou que não sabe ainda separar a figura do ministro da figura do radialista. O ministério tem assessores e o ministro não pode, em uma reunião pública, se socorrer com as explicações do empresariado. Para citar uma frase repetida à exaustão por membros deste governo, não foi “uma atitude republicana”.

Menos republicano ainda foi descobrirmos que na reunião estavam presentes dois empregados da empresa norte-americana Ibiquity, dona do padrão norte-americano IBOC. Mas, que não havia nenhum representante de outros padrões tecnológicos.

Antes de me interromper, o ministro já havia feito o mesmo duas outras vezes. Primeiro, em relação à ABRAÇO. Depois, com o representante da Telavo (empresa que fabrica transmissores). A Telavo argumentava que não podia fazer transmissores IBOC porque a Ibiquity não cedera as especificações necessárias. Com isso a indústria nacional ficaria de mãos atadas. A resposta do ministro não podia ser mais esclarecedora: “se vira”.

Indiretamente, a fala da Telavo revela uma outra preocupação. O padrão IBOC é proprietário da Ibiquity, que cobra uma licença anual para cada rádio que utiliza sua tecnologia. Hélio Costa afirma que essa taxa (paga pelas rádios nos Estados Unidos) não será cobrada no Brasil. Mas, não apresenta um único documento oficial para comprovar o que diz. O exemplo da soja transgênica da Monsanto prova que esse tipo de licença pode ser abolida na implantação da tecnologia, para retornar posteriormente quando todos já a estiveram utilizando. É a máxima que afirma que “a primeira dose é de graça”.

Ao longo da reunião, vários empresários se sucederam para dizer que o ministro tem a “responsabilidade” de escolher o IBOC, que o rádio não sobreviverá no Brasil se esta não for a decisão do governo e que os testes já ocorriam há muito tempo e que o país não poderia esperar mais. Os mesmos empresários que pediam pressa ao ministro não comentavam, contudo, que o Brasil espera há 45 anos por uma nova lei para as comunicações, que aguardamos há 19 anos a regulamentação do capítulo da comunicação da Constituição Federal e que, mais recentemente, o Ministério da Justiça reabriu o debate sobre a classificação indicativa da programação, a pedido dos próprios empresários, mesmo depois de ter concluído um debate de três anos. O sentido de urgência em um caso simplesmente não vale para todos os outros casos.

Para se justificar diante de tantos absurdos, o ministro afirmou que o processo de escolha seguirá os mesmos trâmites da TV digital. O que é, obviamente, um absurdo. No caso do rádio digital não há um decreto criando um “sistema brasileiro”, não foram feitas pesquisas e não há um conselho consultivo. Perguntei ao ministro se, nesse caso, podíamos cobrar que o ministério produziria estudos sobre a política industrial, a legislação em outros países e os modelos de negócios (todos produzidos para a TV digital). Visivelmente constrangido diante da cobrança, o ministro afirmou não ter recursos para fazer tais estudos.

Segundo o ministro, trata-se, apenas, de uma atualização tecnológica e que quem faz política para as comunicações é o Congresso Nacional. Hélio Costa parece ter se esquecido que seu colega de profissão, Franklin Martins, está justamente formulando uma política (que deverá seguir na forma de medida provisória) sobre a criação de uma TV pública. Até onde sabemos, Martins não é um parlamentar, mas integrante do mesmo poder Executivo que abriga o ministro Hélio Costa.

Sei que sobraram poucos companheiros de jornada no governo Lula. Daqueles que ajudaram a eleger este governo e, ao mesmo tempo, a construir um movimento pela democratização da comunicação. Aqueles que estiveram na equipe de transição e que, antes, fizeram o programa de governo para a área. Os que por lá estão devem ter seus motivos. Avaliam que ainda é possível fazer algo de importante pelo país ou precisam pagar o aluguel no final do mês. De uma forma ou de outra, se continuam acreditando nos ideais pelos quais tanto lutaram, devem ter ficado no mínimo constrangidos ao perceber que desde ACM o Brasil não tinha um ministro tão despudoradamente dedicado à causa do oligopólio privado das comunicações.

Eu, pelo menos, fiquei envergonhado com o que vi naquela sala em Brasília.

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TV digital, sistema anticópia e consumidor

As inovações tecnológicas no setor das telecomunicações têm apontado para um cenário em que provedores de serviços antes distintos, como TV por assinatura e telefonia, passarão a competir entre si oferecendo serviços muito similares. A tendência, chamada de convergência tecnológica, terá grande impacto para o consumidor e, por  isso, tem sido acompanhada de perto pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). 

Um exemplo deste grande impacto para o consumidor observa-se na discussão das regras de transmissão da TV digital, cujo padrão foi recentemente escolhido pelo governo federal, a serem  decididas nos próximos dias pelo Comitê de Desenvolvimento do Sistema Brasileiro de TV Digital,  formado por 11 ministros, definirão se a TV brasileira incorporará um sistema anticópia, com o objetivo de combater a pirataria. Se isso acontecer, serão introduzidas restrições que inviabilizarão, por exemplo, a prerrogativa de gravarmos em casa, para assistir depois, aqueles programas que não pudemos ver, por qualquer razão.

Um sistema anticópia é uma tecnologia aplicada a conteúdos digitais, como a programação de TV, que controla aquilo que o consumidor pode fazer com o conteúdo. Repudiado pelos ministérios da Cultura e da Ciência e Tecnologia, tem sido defendido abertamente pelo ministro das Comunicações.

Para entender os impactos dessa decisão sobre os direitos do consumidor, imagine-se que um distribuidor de música inclua o sistema anticópia nos seus CDs.  Se o sistema for contrário às suas expectativas (por exemplo, ao não permitir que as músicas sejam executadas em certos aparelhos), o consumidor pode decidir não adquirir aquele produto.

No caso da TV digital, é diferente. Se o sistema for adotado como padrão, toda a tecnologia da televisão digital será afetada. O consumidor perderá sua liberdade de escolha na medida em que todas as transmissões, assim como os conversores (que deverão ser adquiridos para viabilizar a leitura do sinal digital pelos atuais aparelhos de TV), estarão condicionadas ao sistema.

Outro impacto ocorrerá  sobre a chamada “convergência das mídias”. Com a tecnologia digital, os limites entre os serviços de “televisão”, “rádio” e “internet” estão desaparecendo. Para o consumidor é desejável a flexibilidade dos conteúdos:  que o sinal da TV digital seja recebido no computador, celular ou em qualquer dispositivo. O sistema anticópia, entretanto, eliminará essa possibilidade, por não permitir que os sinais que saem do conversor sejam exibidos em outros aparelhos, exigindo uma espécie de “licença” para funcionar. Isso contraria o Decreto 4901/03, do Sistema Brasileiro de TV Digital, no objetivo de “contribuir para a convergência tecnológica e empresarial dos serviços de comunicações”.

Além disso, se adotado como padrão, todos os conversores sairão de fábrica com essa tecnologia. Com isso prejudica-se a inovação, pois o fabricante brasileiro que quiser criar utilidades para os conversores da TV digital  correrá o risco de violar os padrões técnicos impostos pelo sistema, inviabilizando a oferta de produtos que atendam melhor aos anseios do consumidor.

Para o consumidor, o problema mais grave está no fato de que, em nome do combate à pirataria, desconsidera-se as liberdades de reprodução criadas com o intuito de promover o acesso a conteúdos e estimular a circulação de informação, cultura e conhecimento, elementos fundamentais para a promoção do desenvolvimento. Esses direitos, existentes na lei de direitos autorais, incluem a possibilidade de copiar pequenos trechos sem intuito de lucro, bem como a reprodução de obras em domínio público. E pior, o consumidor perderá estes direitos para nada, pois esse sistema anticópia vem sendo apontado como ineficaz por estudos internacionais, como os das Universidades de Berkley e Princeton e será fatalmente burlado por aqueles que fazem da reprodução em grande escala uma profissão. Por isso foi rejeitado nos Estados Unidos, país que tradicionalmente defende os detentores de direitos autorais.

Se adotada, a medida defendida pelo Ministério das Comunicações seria um “tiro no pé” para o combate da cópia ilegal, pois reduziria drasticamente o acesso à cultura e ao conhecimento sem, contudo, contribuir para a redução da pirataria.  Diante disso, somos contra a adoção do mecanismo em qualquer condição, pois seus efeitos colaterais serão maiores do que o problema que pretende resolver.

*Marilena Lazzarini, coordenadora executiva do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), é presidente da Consumers International; Luiz Fernando Moncau é advogado do Idec.

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Maiorana vs Barbalho: a caça ao poder no Pará

Os Maiorana e os Barbalho estão em nova rodada de escaramuças. Desta vez não é apenas por motivos políticos: as razões comerciais se tornaram mais fortes. Agora, o grupo Liberal já não é o único dono das comunicações no Pará. A situação mudou de vez ou pode reverter? É o que está por trás da nova temporada de acusações.

Começou e está em pleno curso uma nova temporada de caça entre os Maiorana e os Barbalho, que dividem – e disputam – o controle das comunicações no Pará. Desta vez, a declaração de guerra partiu do grupo Liberal. Uma sucessão de matérias foi desencadeada a partir do dia 16, quando o jornal O Liberal noticiou, com grande destaque, a proposição de uma ação civil pública em Brasília. O Ministério Público do Distrito Federal requereu a extinção da concessão feita à TV RBA e a realização de uma nova concorrência para o canal 13 de televisão. Alegou que a transferência da concessão para o Sistema Clube do Pará de Comunicação, como forma de contornar o impedimento à renovação, por causa dos débitos da RBA junto ao governo federal, violava os princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade.

A ação tramita perante a 1ª vara da justiça federal em Brasília. Se a liminar requerida pelo MPF não for concedida, o processo deverá seguir a instrução regular, com provas e contra-provas, alegações e contraditas. Enquanto isso, será mantido o status quo: a Rádio Clube, como sucessora da RBA, continuará a usufruir do canal 13, cuja concessão foi renovada pelo Ministério das Comunicações, graças à renegociação do seu débito, principalmente previdenciário. A dívida seria de 80 milhões de reais, segundo o grupo Liberal, ou de um valor "infinitamente menor", de acordo com a RBA, que não se referiu a números na nota que divulgou.

Enquanto a questão fica à espera de uma definição judicial, a opinião pública, acostumada a essas escaramuças sazonais, se pergunta pela motivação real por trás do reaquecimento das denúncias do grupo Liberal. Elas visam o principal inimigo e concorrente dos Maiorana, o deputado federal Jader Barbalho, sócio-cotista tanto da RBA quanto da Rádio Clube (e por isso, independentemente do aspecto legal referente à renovação da concessão, responsável solidário pela quitação do débito, numa como noutra empresa).

Rosas e espinhos

O incidente em torno do canal, embora tenha seu significado intrínseco e constitua assunto de real interesse público, serviu de pretexto para uma nova onda de ataques contra o líder do PMDB no Pará. Há dois componentes no contencioso, o comercial e o político. O comercial foi agravado pelo enfraquecimento empresarial do grupo Liberal e a ascensão do grupo RBA, com destaque para a área do jornalismo impresso, no qual começa a assumir a liderança, pondo fim à hegemonia quase absoluta do jornal O Liberal. A queda de faturamento fez os Maiorana investir com maior agressividade sobre o ponto vulnerável do concorrente: a figura polêmica do seu dono, o político Jader Barbalho.

Há o nítido esforço para destacá-lo, não só explorando seus pontos fracos, especialmente o uso de verbas públicas, como tentando, por meio dele, atingir sua principal aliada política no Estado, a governadora Ana Júlia Carepa. No mesmo movimento em que voltaram as críticas contundentes a Jader, brotaram elogios e mais elogios a Ana Júlia, além de notas curtas e venenosas sobre um desentendimento crescente entre o PT e o PMDB.

As relações entre os dois partidos nunca foram pacíficas e naturais: há suspeitas, animosidades e retaliações mútuas dentro deles, que ainda não foram superadas e é pouco provável que um dia o sejam. Há sempre rastilhos de pólvora sendo espalhados, chegando em alguns casos próximos do ponto de explosão. Os petistas reclamam da entrega aos peemedebistas de órgãos públicos estaduais "de porteira fechada", na sugestiva linguagem dos currais eleitorais. E peemedebistas se queixando de serem sabotados pela direção do PT, ainda mais quando nela há um grupo mais fechado e exclusivista, como a Democracia Socialista. Mas essa pressão das bases fará os líderes dos dois grupos usá-la como arma de combate até um inevitável rompimento aberto e definitivo?

Os Maiorana parecem apostar que sim, disparando notas – com texto até ingênuo, de tão óbvio – para azedar e azucrinar a aliança PT-PMDB, depois de passar o tempo anterior entremeando rosas e espinhos no colo da governadora, ora soprando, ora mordendo. Ao mesmo tempo em que procuram mostrar força, fazendo sentir o quanto será ruim enfrentá-los, oferecem os serviços de sua ainda poderosa corporação. Poderosa sobretudo, a esta altura do enfraquecimento do jornal, por causa da associação com a Rede Globo de Televisão.

Ponto de entendimento

Até aqui, esse jogo tem sido mais favorável aos Maiorana do que aos seus aliados, aliados em trânsito, ex-aliados ou novos adversários. Mas há uma novidade em relação às quedas-de-braço anteriores (com a CVRD, a Rede/Celpa e o Banco da Amazônia): o grupo já não é tão poderoso quanto antes. Pode ser que tenha realmente ingressado numa era de declínio, sem possibilidade de reconquistar a posição anterior. Essa nova situação não está ainda consolidada por deficiência do seu principal concorrente, o grupo RBA. Carente de efetiva profissionalização, ele revela sua fraqueza nos momentos de confronto exatamente por sua estreita vinculação ao ex-ministro Jader Barbalho, que sempre é explorada com bons rendimentos, sejam ou não procedentes os argumentos usados contra ele. Jader é o anti-teflon: tudo que é atirado contra sua imagem, gruda.

Essa fragilidade de imagem do seu grupo de comunicação só não se tornou uma barreira intransponível ao crescimento por dois motivos: a falta de profissionalização do próprio grupo Liberal, erodido por cisões internas, e o surgimento de alternativas comerciais, com ênfase para a Rede Record de Televisão, a que mais tem investido no jornalismo local.

Por diferentes motivos, o longo reinado dos Maiorana nas comunicações deixou de ser um dado inquestionável, tornando-se, na melhor das hipóteses para a corporação, numa dúvida a apurar. O maior anunciante privado do Pará, o grupo Yamada, resolveu pagar para ver: há dois meses se mantém fora dos veículos das Organizações Romulo Maiorana, uma atitude inimaginável até recentemente. O maior precedente anterior foi o da Companhia Vale do Rio Doce, que reagiu a uma campanha agressiva do grupo levando-o à justiça. Mas o presidente da empresa, Roger Agnelli, preferiu contemporizar as coisas e voltar a agradar a família. Os processos dormem a sono solto em duas varas cíveis de Belém, órfãos de movimentação.

Os Yamada manterão a atitude de resistir à pressão dos Maiorana por mais tempo que a Vale, ou por todo tempo que for necessário? Outras empresas seguirão seu exemplo? Começará a se fortalecer uma postura menos condescendente aos atos de império dos Maiorana, que conseguiam fazer prevalecer suas vontades sobre a dos anunciantes – e sobre qualquer mortal em geral no Pará?

A dúvida também se aplica à governadora. As sugestões para que rompa com Jader Barbalho são quase diárias nos veículos do grupo Liberal. Há influentes petistas engrossando esse coro e há peemedebistas tão insatisfeitos com a situação que uma reunião foi convocada para o próximo dia 2. Nela, Jader seria pressionado pelos seus correligionários a endurecer com a governadora e o PT. Ciente desses movimentos, Ana Júlia optou por uma conversa com seu principal cabo eleitoral na eleição do ano passado.

O ex-governador deixou seu veraneio em Fortaleza para uma conversa a portas fechadas e sob luz vermelha, no gabinete de Ana Júlia, no palácio dos despachos da Augusto Montenegro. O encontro durou quatro horas. Dele, o Diário do Pará deu apenas uma curta nota na coluna Repórter Diário. Sugeriu que houve conciliação de parte a parte, com recuos mútuos na busca de um novo ponto de entendimento. O PMDB continuou com a Secretaria de Saúde, mas perdeu seus órgãos internos. Se ainda persistem divergências, a tensão foi rebaixada. Significa que não há antídoto para o envenenamento das relações entre aliados compulsórios, mas eles estão tentando se acomodar.

Jogo de cartas

A atitude tem sua razão de ser na eleição municipal de 2008. Em Belém, por exemplo, com pouco mais de um quinto do eleitorado, PMDB e PT correm o risco de ficar de fora do 2º turno se não somarem votos (se tal for possível). Nenhum dos dois partidos dispõe, hoje, de um nome forte para enfrentar o projeto de reeleição de Duciomar Costa, muito enfraquecido, mas com a máquina nas mãos, e de Valéria Pires Franco, que surge como a alternativa dos derrotados no ano passado, com promessa de retaguarda robustecida. Ou de um tucano capaz de rebrotar do desgaste da legenda e do governo, mas ainda sem qualquer vislumbre de força.

Mesmo que PT e PMDB prefiram ir para o 1º turno com candidatos próprios, expostos a uma derrota já nessa etapa, se um deles passar para o 2º turno terá que somar cada voto para tentar a vitória nessa probabilidade de disputa acirrada. Os votos do PMDB foram decisivos para Ana Júlia derrotar Almir Gabriel. Poderão ter a mesma função em 2008. Uma vitória na capital será um trunfo nada desprezível para Ana Júlia usar em 2010.

Resistir ao canto de sereia do grupo Liberal, porém, terá um preço – e ele não será exatamente barato. Os veículos das ORM têm tido um comportamento dúbio em relação ao governo: ora o apóiam, ora o combatem. A incapacidade de dar um tratamento jornalístico à administração estadual evidencia o movimento pendular da corporação. Como ela ficou dependente das abundantes verbas públicas durante os 12 anos de governos tucanos, não sabe qual o tamanho do custo da abstinência. Por isso, ainda tenta restabelecer a farta dieta antes de experimentar o confronto aberto e, talvez, irremediável.

O problema, nesse caso, é de dosagem: até que momento a hostilidade é eficaz e a partir de quando se torna contraproducente? Qual o limite para passar da apresentação de dificuldades ao oferecimento de facilidades, que constitui a quintessência das campanhas interesseiras? Acostumados a impor sua vontade, os Maiorana podem ter perdido o tato para esse ponto de equilíbrio, tanto em relação às empresas (como no caso Yamada) quanto ao governo. Só que não lhe resta mais escolha: têm que continuar a praticar esse jogo até que ele gere seus efeitos. Ou se torne um jogo de vida e morte, sem alternativas.

Às vezes os jogadores, mesmo os mais habilidosos, perdem o domínio da situação, que constitui sua razão de ser, quando blefam demais. É pouco provável que esse seja um método de sucesso sem fim, mas não se pode dizer que o jogador audacioso ou voluntarioso esteja próximo do desastre sem examinar atentamente as cartas na mesa. Um observador cético da cena paraense, acostumado à fraude recorrente de suas elites, pode achar que há cartas escondidas: debaixo da mesa ou na manga dos jogadores.

O noticiário recente do jornal O Liberal pode ser explicado segundo os parâmetros desse jogo de cartas. Um dos recados para a governadora, que tem as melhores cartas nas mãos (porque controla as verbas públicas), é no sentido de se desgarrar do aliado pesado, que sempre está no meio de denúncias de malversação de dinheiro público, enriquecimento ilícito, tráfico de influência e irregularidades em geral, abusando do poder que seus votos lhe conferem. Se tomar essa atitude, contará com o calor de veículos de comunicação que podem fazer a diferença na hora de influir sobre a opinião pública (embora tenham mais perdido do que ganhado eleições).

Resposta prática

Outro recado é mais sutil. As referências elogiosas a Ana Júlia insinuam que já houve, está em andamento ou pode vir a existir uma negociação secreta entre os Maiorana e a governadora para restabelecer a antiga parceria, muito forte na era dos tucanos, com proveito mútuo. Como não há uma "terceira via" qualificada no Pará, as ondas de boatos vão e voltam desse ponto: um acerto de bastidores entre o grupo Liberal e Ana Júlia, pessoalmente ou com a participação do seu partido. Algumas correntes têm esse dado como real, defintivo, talvez exatamente porque sobrem boatos e faltem informações checadas na mesa do jogo.

Um dos termômetros dessa questão é o contencioso entre a Funtelpa e a TV Liberal. A anulação do convênio, herdado de Almir Gabriel e Simão Jatene, já privou os cofres da emissora de três milhões de reais nestes sete meses. É dinheiro para deixar anêmica uma empresa que gira mais à base do escambo da permuta do que do faturamento real. E que vive uma grave crise de liquidez justamente por causa dessa anomalia comercial. O pior é que, desde o dia 6 de junho, a Fundação de Telecomunicações do Pará é co-autora da ação popular visando anular o tal convênio, por ser um contrato disfarçado para permitir várias irregularidades na relação, e, mais do que isso, fazer a TV Liberal devolver o que recebeu indevidamente. Na conta atualizada, esse débito é de mais de R$ 40 milhões, ou equivalente a metade do que os Maiorana dizem que a RBA deve ao governo federal.

Essa atitude do governo do PT pode não passar de jogo de cena, que não negaria (antes esconderia) o entendimento de bastidores? Não é impossível, mas já não é muito provável. A apelação da Funtelpa contra a decisão da juíza da 21ª vara cível de Belém, Rosileide Filomeno, que, surpreendentemente, considerou legal o convênio, já foi recebida na instância superior do Tribunal de Justiça do Estado. Mesmo que a ação demore a ser definida, prolongando-se até a decisão de último grau, com a mudança de posição da Funtelpa, que deixou de ser ré para se tornar autora da ação, a posição da TV Liberal na demanda se enfraqueceu.

Pode ser também que a estratégia jurídica adotada pelo governo deixe uma brecha para a TV Liberal explorar através de uma ação judicial própria. É que a Funtelpa continua a transmitir a programação da emissora dos Maiorana, apesar de declarar nulo o contrato e suspender o pagamento da mensalidade. Como o advogado da emissora sustenta que ela realiza um serviço de utilidade pública e se qualificou para desempenhá-lo, respondendo à convocação do governo no sentido de reforçar a integridade do Pará através de uma programação televisiva com linguagem e conteúdo regional, a TV Liberal pode ir à justiça para cobrar os quase R$ 6 milhões que lhe cabiam até o final deste ano, prazo que a Funtelpa prorrogou em 31 de dezembro do ano passado. O governo Ana Júlia podia ter simplesmente revogado de imediato esse aditivo, pondo fim, sem qualquer efeito colateral, aos 10 anos de relação esquizofrênica, na qual a Funtelpa pagava caro para ter seus equipamentos e seu pessoal usados pela TV Liberal.

O governo ainda pagará por esse erro, se foi um erro? A resposta prática virá logo, ou muito antes da resposta judicial. Quem prestar atenção, verá.

Respostas: cadê?

Na nota através da qual retrucou às matérias do jornal O Liberal, a direção da RBA julgou "importante ressaltar" que todo o processo de transferência de outorga do canal de televisão que possui para a outra empresa do grupo, a Rádio Clube, "ocorreu quando presidia a Comissão de Ciência e Tecnologia, o Dep. Vic Pires Franco, ex-apresentador da TV Liberal e amigo da mais íntima intimidade de Romulo Maiorana Júnior, conhecido como Rominho no seu círculo de amizades, e não quando a presidência do órgão estava sendo ocupada pelo Dep. Jader Barbalho, sócio cotista da RBA, que como todos sabem, é o grande alvo da ação apresentada pelo procurador e divulgada por setores bem identificados da imprensa que lhe fazem oposição".

Talvez conviesse ao deputado federal Vic Pires Franco retomar a prática salutar que manteve até recentemente em blogs da rede mundial de computadores: responder à nota, esclarecendo se o que ela diz corresponde ou não à verdade e como foi o trâmite da questão durante o tempo em que presidiu a comissão especializada da Câmara Federal.

Mais adiante, a mesma nota garante que a renovação de outorga da TV Liberal "tramitou por incríveis 12 anos no Congresso Nacional em virtude da falta de certidões negativas de débito junto a União e só foi concluído no final do ano passado".

Como até 2005 as demonstrações financeiras de Delta Publicidade, empresa responsável pela edição do jornal, mantinham rubrica com a pendência dos débitos federais, em valores expressivos, a direção da empresa podia esclarecer ao público se conseguiu a renovação porque finalmente quitou a dívida. Como o grupo Liberal não aborda o que não lhe interessa, talvez seja preciso esperar pela publicação do balanço de 2006 para saber. A publicação, como nos anos anteriores, está atrasada. Mas como a Delta é uma sociedade anônima, terá que sair da casca algum dia.

No balanço de 2005, com a dívida federal pendente, a empresa fechou as contas com prejuízo (acumulado desde exercícios anteriores), com capital líquido negativo e endividamento crescente. Ou seja: tecnicamente, em estado pré-falimentar.

Falta de transparência compromete a credibilidade da imprensa

O International Center for Media and the Public Agenda (ICMPA) da University of Maryland tornou público, no início da semana passada, os resultados de uma importante pesquisa sob o título "Openness & Accountability: A study of transparency in global media outlets"

Coordenado pela Dra. Susan Moeller (PhD Harvard; BA Yale), o estudo pesquisou os sítios de notícias das 25 principais empresas de mídia dos Estados Unidos, Inglaterra e do Oriente Médio [ABC; Al Jazeera (em inglês); CBS; CNN; Fox News; ITN; NBC/MSNBC; Newsweek; NPR (edição da manhã) ; PRI/BBC/WGBH: "The World"; Sky News; The BBC World Service; The Christian Science Monitor; The Daily Telegraph; The Economist; The Financial Times; The Guardian; The Int’l Herald Tribune; The Los Angeles Times; The Miami Herald; The New York Times; The Wall Street Journal; The Washington Post; Time e USA Today] em torno de cinco critérios básicos:

1. Correção de erros: existe disposição para reconhecer e retificar os erros cometidos?

2. Propriedade: os leitores sabem quem são os donos da empresa de mídia?

3. Política de emprego: como a empresa trata eventuais conflitos de interesses?

4. Política editorial: os leitores sabem quais são os valores que orientam o trabalho dos jornalistas?

5. Interatividade: os leitores têm canais para expressar seus comentários e críticas?

Dentre outros resultados, a pesquisa concluiu que a mídia hesita em admitir erros e é relutante em revelar suas políticas editoriais. Apenas 11 dos 25 sítios pesquisados publicam ou transmitem correções de matérias de maneira clara e somente 7 têm um ombudsman.

As conclusões também incluem uma afirmação do jornalista Sydney Schanberg, vencedor do prêmio Pulitzer, que diz:

"A imprensa (mídia) pede transparência para governos, corporações e para todos. Mas (…) os repórteres rejeitam transparência para eles mesmos, e ainda dizem que estão praticando bom jornalismo. O público precisa da explicação completa, que só pode ser dada pelos próprios repórteres".

De acordo com os critérios da pesquisa, os sítios com maior grau de transparência são o The Guardian, o New York Times, a BBC News, a CBS News e o The Christian Science Monitor. Os menos transparentes são Time Magazine, CNN, ITN, Sky News e Al Jazeera.

Mais abertas

Uma parte importante do relatório disponibilizado ao público refere-se à justificativa do ICMPA para o porquê de fazer uma pesquisa sobre "transparência" na mídia. Depois de uma rápida menção a casos recentes em que a falta de transparência gerou escândalos tanto no business (casos Enron e Arthur Andersen) como no governo (a invasão do Iraque baseada em informações falsas), o estudo afirma que transparência é uma buzzword (jargão) do século 21.

Para a mídia, a transparência é não só uma maneira de avaliar como os jornalistas e as empresas estão se comportando em relação aos seus próprios valores, mas uma parte natural destes valores.

Nos últimos seis anos, as pesquisas realizadas pelo conceituado The Pew Research Center for the People and the Press revelam consistentemente que metade ou mais do público americano acredita que as organizações de mídia são politicamente tendenciosas. As mesmas pesquisas revelam que boa parte do público acredita que a mídia prejudica (hurts) a democracia. E, além disso, não é mais novidade que o público não acredita nos produtores de notícia.

Por tudo isso, a ICMPA diz que as organizações de mídia precisam ser mais humildes e mais abertas. Elas devem permitir que suas audiências saibam como elas fazem o que fazem – e por que fazem o que fazem. No final das contas, transparência se transforma em responsabilidade e, esta, em credibilidade.

Perda de confiança

Desnecessário dizer que os resultados da pesquisa do ICMPA deveriam provocar algumas reflexões por parte da mídia brasileira. Por um lado, algumas das empresas globais dos sítios que receberam avaliações mais negativas têm parcerias com empresas brasileiras. A IstoÉ publica conteúdo da Time; a Band conteúdo da TV Al Jazeera; e a Globo é antiga sócia da Sky (News Corporation).

De outro lado, se em países de democracia mais consolidada do que a nossa, empresas tradicionais de mídia foram avaliadas de forma tão negativa, quais seriam as avaliações da mídia nacional se realizássemos aqui uma pesquisa semelhante?

Já tive a oportunidade de comentar sobre pesquisa mundial que o Instituto GlobeScan realizou para a BBC, a Reuters e o The Media Center sobre a credibilidade de várias instituições [ver, no OI, "Pesquisa revela a (des)confiança na mídia" e, de Carlos Castilho, "Credibilidade na imprensa é maior nos países pobres"]. No Brasil, o trabalho foi realizado pela GfK Indicator em março de 2006 – quase um ano depois do início da grave crise política que envolveu o país. Foram ouvidos, por telefone, mil adultos de nove regiões metropolitanas – Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

Mais da metade dos entrevistados – ou 55% – declarou que não confiava nas informações obtidas através da mídia. Entre todos os países pesquisados, esse percentual é igual ao da Coréia do Sul e só não é mais negativo do que o obtido na Alemanha (57%).

A pesquisa revelou também que o Brasil é, comparativamente, o país onde os entrevistados estavam mais descontentes com a sua própria mídia: 80% disseram que a mídia exagera na cobertura das notícias ruins; 64% concordam que raramente encontram na grande mídia as informações que gostariam de obter; 45% não concordam que a cobertura da grande mídia seja acurada; e 44% declaram ter trocado de fonte de informação nos 12 meses anteriores por terem perdido a confiança.

Resultado conhecido

No Brasil, portanto, a percepção majoritária do público é de uma grande mídia que exagera na cobertura apenas do que é ruim e na qual a maioria não confia nem encontra o que quer. Além disso, quase a metade dos entrevistados não acredita que ela cubra os fatos corretamente e declara haver mudado de fonte de informação por falta de confiança.

Em qual dos cinco critérios básicos da pesquisa do ICMPA nossa grande mídia teria chance de se sair bem? Existe na nossa mídia disposição para reconhecer e retificar os erros cometidos? Os nossos leitores/ouvintes/espectadores sabem quem são os donos das empresas de mídia e quais são os seus interesses? Por acaso sabemos como as principais empresas de mídia brasileiras tratam os eventuais conflitos de interesses que surgem entre os seus contratados e o interesse público? Por acaso sabemos quais são os valores que orientam o trabalho dos jornalistas ou temos canais efetivos para expressar nossos comentários e críticas?

Deixo para os leitores(as) as respostas que a sua própria experiência comprove, mas não tenho dúvida de qual seja o resultado.  

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

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