Arquivo da categoria: Análises

TV Brasil: uma emissora cada vez menos pública

O anúncio da composição do Conselho Curador da Empresa Brasileira de Comunicação (organização que vai abrigar a nova TV pública) não trouxe surpresas. Infelizmente. Desde que o processo passou às mãos da Secretaria de Comunicação Social, do Ministro Franklin Martins, ficou claro que a composição do conselho, pretensamente representativo da sociedade, seria decidida unicamente pelo Executivo, a partir de critérios próprios.

A TV pública nasce vítima do modelo que o governo criou. Em vez de optar por uma arquitetura pública de participação, preferiu manter o controle e ser responsável direto por todas as indicações. Feita essa opção, recaiu sobre ele o ônus de provar que não era autoritário e que não queria criar a “TV Lula”. Fez tanto esforço para isso que criou um conselho conservador e elitista.

Assim, criou-se um aparente paradoxo: no afã de legitimar o projeto da TV pública com setores da direita, o governo abriu mão do caráter público e deu à  emissora um perfil governamental. Mais: criou no conselho uma composição pensa, que traz uma penca de empresários e nenhum representante dos trabalhadores, seja da comunicação seja do campo geral. Também indicou apenas uma pessoa com atuação no debate das políticas públicas de comunicação (o advogado José Paulo Cavalcanti), que mesmo assim não vinha participando dos debates da TV pública.

Aliás, essa foi a tônica das indicações: nenhum dos escolhidos participou do Fórum de TVs Públicas nem representa setores que vinham se manifestando no debate. Dirão as vozes governistas que esses setores são representativos apenas de um pequeno setor da sociedade. Mesmo se isso for verdade, esse setor (pequeno ou grande) não pareceu digno de representação, a se julgar pela ausência completa de nomes desse campo no conselho. Para piorar, a idéia (positiva) de que o conselho não deve ser composto somente por especialistas acabou sendo tão forte que nenhum representante acadêmico da comunicação foi indicado.

Há de se notar ainda a preocupação com a questão da regionalidade e, minimamente, da diversidade étnico-racial e de gênero. No entanto, isso se deu sem diálogo com o próprio movimento negro, indígena ou feminista, o que mostra que definitivamente representatividade não foi um dos critérios nesse processo. Critérios são sempre questionáveis, dirão alguns. É justamente isso que se está fazendo aqui, questionando-os, embora neste caso – um debate sobre uma TV pretensamente pública, ressalte-se – os únicos critérios que valham sejam aqueles decididos pelo governo.

Esse fato ilustra, a bem da verdade, um problema de origem desse conselho. A lógica de um órgão representativo da sociedade escolhido pelo governo, sem sequer um processo de indicação, é paternalista e anti-democrática. Assessores do ministro vêm utilizando o argumento de que “no Reino Unido é assim”. Não é. No caso da BBC, a composição do Trust ('conselho curador' de lá) parte de um processo de seleção pelo “comitê de indicações públicas”, órgão independente que faz esse papel para mais de 1000 órgãos com participação social. Esse comitê recebe indicações da sociedade, e faz uma lista de candidatos a serem entrevistados. A partir da fase de entrevistas, entra, como um dos avaliadores, um representante do governo inglês. Depois disso, as indicações são passadas ao Secretário de Estado, depois ao Primeiro-Ministro e, finalmente, à rainha (que não manda nada, como indica o próprio cargo, mas mostra que a decisão está acima do governo da vez).

Além disso, embora haja, no final do processo, esse 'filtro' de governo, trata-se de um mecanismo democrático de um país que é parlamentarista há séculos, com uma forte tradição de debate público e de equilíbrio na composição desses espaços. Ainda assim, o BBC Trust já foi criado com dezenas de pesos e contrapesos, 'checks and balances', mecanismos de consulta, medidas para evitar o conflito de interesses dos conselheiros, comitês públicos que analisam a programação, isto é, vários mecanismos que estabelecem um forte compromisso dos trustees com o conjunto da sociedade. Por aqui, se depender da análise prévia, começamos mal.

De toda forma, o governo não precisaria atravessar o Atlântico se quisesse encontrar modelos mais democráticos de representação. Há nas próprias estruturas do Estado brasileiro excelentes referências. Tanto o campo da Saúde quanto o da Habitação, por exemplo, têm modelos avançados de gestão, com conferências periódicas e conselhos representativos, eleitos pelos setores envolvidos por meio de mecanismos democráticos. Se não quisesse sair da própria área da comunicação, o governo poderia adotar o modelo do Comitê Gestor da Internet, que também tem sua composição determinada por voto direto dos setores interessados. Embora esses conselhos tenham atribuições diferentes do que aqui discutimos, todos eles encontraram formas democráticas de a sociedade escolher seus representantes. Mais que isso, nenhum desses conselhos sofre do corporativismo que o governo usa como justificativa para a não adoção desses modelos.

Se não foi por falta de opção nem de aviso, o governo fez uma opção clara e consciente de modelo. Resta torcer para os críticos desta proposta estarmos errados. Não é o que indicam os prognósticos, mas para quem acredita na necessidade de uma TV verdadeiramente pública no Brasil, manter a esperança é questão de sobrevivência.

* João Brant é coordenador do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

O direito de acesso à televisão dos partidos políticos na TV digital

A Constituição do Brasil de 1988 consagra o direito de acesso gratuito ao rádio e à televisão, conforme disposição legal estabelecida pela Lei nº 9.096/974. Além disso, a Lei nº 9.504/97 disciplina a propaganda eleitoral no rádio e na televisão, disciplinando o horário eleitoral “gratuito”, sendo proibida, no entanto, a propaganda paga. Ressalte-se que o horário partidário e eleitoral não é “gratuito’, ao contrário, ele é pago pelos contribuintes, mediante a compensação fiscal assegurada às emissoras privadas de rádio e televisão.

Por sua vez, o Decreto-Lei nº 236/67 garante aos partidos políticos nacionais a participação em sociedade que possua estação de radiodifusão. Apesar desse dispositivo, na prática, os partidos políticos limitam-se à utilização do acesso gratuito às redes nacionais de televisão, seja para fins de propaganda partidária, seja para a propaganda eleitoral. Em outras palavras, eles não são proprietários de estações de televisão por radiodifusão.

Ocorre que devido à aplicação da tecnologia digital ao sistema de radiodifusão torna-se possível a criação e a ampliação de novos canais de televisão. Com  a nova técnica digital, há a otimização do espaço eletromagnético e a abertura de novos espaços comunicativos, rompendo-se com o paradigma tradicional analógico caracterizado pela escassez de freqüências.  Em razão dessa nova realidade é possível a criação de um novo canal de televisão especializado em comunicação política de responsabilidade dos partidos políticos para a divulgação de seus respectivos projetos (se por acaso, evidentemente, os possuírem). E a discussão de temans de relante interesse público.      

Ora, os partidos políticos são do ponto de vista institucional uma agremiação de cidadãos, cuja finalidade primária é servir ao regime democrático, mediante a conquista do poder para fins de realização do interesse público, como também a promoção dos direitos fundamentais, com a implementação de um programa de governo e políticas públicas. Eles são o elo de realização da democracia representativa. Portanto, é perfeitamente legítimo que os partidos possuam um canal próprio de gestão compartilhada entre os mesmos.

Com isso, torna-se possível liberar as emissoras de televisão privadas do horário eleitoral “gratuito”, afastando-se a restrição sobre sua programação normal, ainda mais se tratando de horário nobre. Portanto, a medida sugerida “de lege ferenda” (de lei a ser criada como se diz no jargão jurídica) atende aos interesses dos partidos políticos e ao mesmo tempo os interesses privados e da própria sociedade. Os cidadãos terão a liberdade de escolher a programação de televisão que querem assistir  entre os diversos canais, podendo optar entre novelas, futebol, filmes, ou assistir a comunicação política de caráter partidário. Hoje, não há muita opção para os cidadãos brasileiros que ou assistem à propaganda política ou desligam  o aparelho de televisão.

Por outro lado, a referida medida deve ser acompanhada de forte combate à propriedade direta e (ou) indireta (mediante a utilização do nome e ação de seus familiares) por políticos de estações de televisão. Tanto o princípio democrático quanto o princípio da moralidade administrativa coíbem a titularidade de emissoras de televisão pelos políticos. Portanto, é fundamental evitar-se a criação de indevidos privilégios com a utilização de um bem público constituído pelas freqüências em favor de determinados políticos sejam deputados sejam senadores Trata-se de um odioso privilégio criador de um feudo comunicativo em um ambiente democrático que se pretende consolidar no Brasil.    

É preciso, portanto, que o Congresso Nacional dê um passo à frente do modelo tradicional de direito de antena dos partidos políticos, de modo a superá-lo. O acesso gratuito dos partidos políticos ao serviço de televisão por radiodifusão em um novo ambiente tecnológico deve servir à dignidade da política, cujo significado maior segundo as lições de Hannah Arendt é busca do entendimento recíproco, mediante o diálogo dentro da classe política e desta com a sociedade, para fins de uma ação conjunta em favor do bem comum. Nesse sentido, a criação de um canal de televisão destinado aos partidos políticos ou a ampliação do acesso gratuito à televisão deve respeitar o pluralismo político, servindo aos partidos políticos da situação, bem como aos partidos da oposição.

No Brasil, o resgate da dignidade da política cabe, obviamente, não só à classe política, mas também à sociedade brasileira. Só assim é possível pensar e realizar o desenvolvimento econômico-social, conforme o quadro constitucional de direitos fundamentais em nosso País, democratizando-se a comunicação social brasileira.   

Ericson Meister Scorsim é advogado e doutor em Direito pela USP.

Silvio Santos e SBT: como é difícil largar a rapadura

Lá vem o SBT descendo a ladeira. O outrora exuberante "campeão absoluto da vice-liderança", que se ufanava de ter pela frente apenas a onipotente TV Globo e que ironizava a debilidade dos demais competidores no mercado televisivo, agora é líder disparado apenas em más notícias e presságios sombrios. Em todas as faixas horárias, em todas as praças do país, a Record está lhe mordendo nacos substantivos de audiência. Já contratou muitos de seus artistas, produtores e técnicos. E quase todas as semanas leva embora uma de suas emissoras afiliadas, emagrecendo sua rede e minguando suas receitas publicitárias. Agora é a emissora do bispo que se proclama, orgulhosa, "a caminho da liderança". O SBT vai no caminho do buraco.

Como isso é possível? Por que o SBT assiste ao próprio declínio sem esboçar uma reação organizada? Onde estão a velha agilidade e o senso incomum de oportunidade, que lhe asseguraram 26 anos na segunda posição e lhe permitiram aprontar várias vezes com a supremacia da Globo? Será possível um novo pulo-do-gato, um novo coelho tirado da cartola, como tantos nesses anos passados, para surpreender o mercado e conter a concorrência? Qual o problema, enfim, com o SBT?

Nasce um império

Todos os dedos apontam para apenas uma pessoa: Silvio Santos. Que não é apenas o patrão, mas também o fundador da empresa, o estrategista, o articulador, o comandante-em-chefe, além de apresentador do programa mais rentável da casa. Que não é, claro, a única pessoa que pensa em toda a organização, mas é seguramente a única que manda. Que sempre confiou, acima de qualquer consideração, pesquisa ou conselho, no seu próprio instinto e nunca se avexou de tomar decisões mirabolantes. E que agora, ao que tudo indica, não consegue mais manobrar com destreza. Perdeu o toque de Midas.

Esse toque, o carioca de ascendência judaica grega Senor Abravanel adquiriu há mais de 50 anos, em 1956, quando começou na TV Paulista como garoto-propaganda das lojas Clipper e "esquentador" de auditórios. Bom de voz e de conversa, usou as habilidades como camelô, pregoeiro de lojas, locutor de circo e comícios eleitorais, até chegar ao rádio e dele saltar à televisão, sempre acumulando cacife. Que multiplicou-se exponencialmente a partir de 1958, quando o produtor e apresentador Manoel da Nóbrega pediu-lhe que o ajudasse a fechar uma empresa falimentar, o Baú da Felicidade, que comercializava baús de brinquedos de Natal, pagos antecipadamente em prestações por consumidores de baixa renda.

Silvio Santos não apenas evitou a bancarrota como tornou-se sócio da empresa, e depois seu dono. Construiu a partir dela um império, com presença nos setores financeiro, varejista, hoteleiro, industrial e de comunicação, que teve uma receita operacional bruta de 3,2 bilhões de reais em 2006, 10,6% acima da registrada em 2005, segundo levantamento do jornal Valor Econômico.

Cerimônia inédita

Nessa escalada, a televisão sempre foi a ferramenta principal de sedução e mobilização da clientela. No início dos anos 1960, Silvio Santos converteu-se no principal apresentador de programas de jogos e brincadeiras da televisão brasileira, infalíveis máquinas de produzir audiência, consumo popular e faturamento. Caso atípico de artista com grande tino comercial, já em 1963 ele estreava o Programa Silvio Santos, que produzia de forma independente e veiculava comprando horários nas emissoras comerciais. Quem pagava a conta era o Baú da Felicidade, inicialmente, e depois os seus outros negócios, anunciados maciçamente nos intervalos e no interior de seus programas.

Em 1969, com 13 anos de televisão, Silvio Santos já era um dos maiores artistas e empresários do negócio. Dono dos domingos, onde chegou a ficar no ar, ao vivo, das 11 às 20 horas, Silvio Santos sobreviveu na TV Paulista, quando a emissora foi comprada pela TV Globo do Rio de Janeiro e tornou-se a Globo-SP. Mas, a essa altura, ele já tinha ambições de autonomia. Em 1972, comprou os estúdios da extinta TV Excelsior, no bairro paulistano de Vila Guilherme, para fazer ali a sua central de produção. Logo depois, conseguiu a concessão da TV Continental, canal 11, do Rio, e acumulou forças para lançar, em maio de 1976, sua primeira estação, a TV Studios, ou TVS. Também se tornou sócio da família Machado de Carvalho, na antiga TV Record.

O passo seguinte, a constituição de uma rede nacional de televisão, viabilizou-se com a decisão do governo general João Figueiredo, em 1980, de cassar a concessão das emissoras ligadas à Rede Tupi e entregá-las a outros grupos de mídia. Silvio Santos derrubou competidores poderosos, como a Editora Abril e o Jornal do Brasil (então no auge), e lançou em agosto de 1981 o SBT – Sistema Brasileiro de Televisão, numa cerimônia inédita em que transmitiu o próprio ato de assinatura da concessão. Inicialmente com quatro estações (São Paulo, Rio, Porto Alegre e Belém), a nova rede cresceu exponencialmente, para atingir as declaradas 105 atuais – talvez uma a menos até o final deste texto.

Mudanças de horário

Ao longo dessa trajetória de quase três décadas com o SBT, Silvio Santos demonstrou uma capacidade inegável de enxergar as circunstâncias do mercado e de posicionar a sua empresa para aproveitar as mínimas brechas e chances deixadas pela líder Globo. Jamais permitiu que a concorrente estabilizasse o domínio sobre a audiência dominical. Sempre foi rapidíssimo em trazer para o seu elenco qualquer artista de outra emissora, que despontasse como possível ameaça à sua vice-liderança. Marcou tentos significativos quando atraiu até mesmo nomes globais, do porte de Jô Soares ou Lilian Wite Fibe. Quase fez naufragar o Big Brother Brasil da oponente, quando clonou a fórmula e lançou antes a Casa dos Artistas, de grande sucesso.

Nos últimos anos, entretanto, nada de importante ocorreu no SBT – ao contrário. A Record tomou-lhe o diretor comercial, o competente Walter Zagari, e no último mês de agosto conseguiu ultrapassá-lo na média nacional de audiência. As mudanças constantes na programação, desarticulando o trabalho comercial de suas afiliadas, fez várias delas também bandearem-se para os domínios do bispo: TV Cidade (Fortaleza), TV Itapoan (Salvador), TV Pampa (várias praças no Rio Grande do Sul), TV Pajuçara (Maceió), TV Atalaia (Aracaju), TV A Crítica (Manaus).

O triunfo mais recente, o concurso de calouros moderninho Ídolos, impactou muito menos que os sucessos do passado e a empresa detentora do formato ameaça levá-lo para a Record. Duas estrelas do telejornalismo, contratadas a peso de ouro – Ana Paula Padrão e Carlos Nascimento – padecem na ciranda de mudanças de horário e formato de seus programas, e já amargam uma lamentável invisibilidade. Descontente por ver a imprensa comentando esses fatos, Silvio Santos desativou a assessoria de comunicação por um ano, reorganizando-a apenas recentemente.

Glórias passadas

Se o SBT é dirigido com o mais extremo personalismo, tudo indica, portanto, que Silvio Santos perdeu a mão. Não consegue enfrentar o poderio de Edir Macedo, que, assim como ele, soube integrar e potencializar seus negócios extra-televisivos com a rede que mantém, mas confia muito mais nos colaboradores, da mesma forma como fez Roberto Marinho para construir a Rede Globo.

Com a emissora em situação periclitante (foi o único dos negócios de seu grupo a registrar prejuízo em 2006, sendo também o único dirigido diretamente por ele), Silvio atingiu 77 anos de idade e não consegue promover a sua sucessão. Não por falta de parentes à disposição, se for o caso de uma transferência de comando familiar. Além do sobrinho Guilherme Stoliar, as filhas Cíntia Abravanel e Daniela Beirute trabalham no Grupo SS.

O problema é que Silvio Santos não sabe e nem quer largar a rapadura. Não vê que o tempo passou também para ele, e que é hora de celebrar as glórias conquistadas, abrindo caminho para quem possa projetá-las ao futuro. Enquanto não cair essa ficha – se é que ela vai cair –, o país assistirá ao ocaso de uma grande rede de televisão, que nasceu pela vontade e o esforço de um único homem, e pode desaparecer junto com ele

As matérias que não viraram notícias

Numa sociedade focada essencialmente na “informação”, a mídia adquiriu, como nunca na epopéia humana, um papel relevante na caracterização daquilo que entendemos por verdade. Comumente nos deparamos com notícias imprecisas que adquirem facticidade em resultado da sua divulgação maciça, ainda que conflitem diretamente com fatos reais não publicizados, desvelando a associação aguda entre a “verdade” e a “informação compartilhada”.

Essa vinculação resta bastante agravada em razão da prevalência dos interesses privados sustentada por parcela importante da mídia em desfavor da coisa pública.

A propósito do assunto, o caso das “matérias que não viraram notícias”, em Fortaleza/CE, é exemplar! Trata-se de matérias realizadas pelo jornal Diário do Nordeste e pela TV Diário (empresas do Sistema Verdes Mares de Comunicação), em resultado da denúncia de um envolvido no grave acidente ocorrido na Vaquejada de Itapebussu 2007, que, por razões desconhecidas, não foram veiculadas naqueles canais de comunicação. Aliás, convém salientar, que esse sinistro, preliminarmente, não fora noticiado pela imprensa cearense, até que, em resultado da provocação, fora publicizado no jornal “O POVO”, em 20.10.2007 e 21.10.2007, essa última, sob o titulo “O fato que não virou notícia”, por meio da qual o periódico incita uma reflexão sobre o silêncio da mídia a respeito daquele evento.

Não há como validar a estranha “cegueira” da imprensa e o suposto desconhecimento do fato e, pela gravidade, suas implicações. Todavia, mais inusitada do que a “cegueira” é a injustificada “mudez”, desvelada na não-divulgação de matérias produzidas sobre o acidente por alguns canais de comunicação, sem que lhes seja facultado o álibi do desconhecimento do fato.

Urge assentar que as matérias somente foram realizadas após inúmeras reiterações, muitas delas suscitando as razões da inexplicável omissão daqueles canais, com vistas a contraditar a SEGURANÇA TOTAL propagada pelos organizadores da Vaquejada, na mídia local, mormente no especial veiculado no Programa “Vaquejada”, da TV Diário.

Instados, diversas vezes, a respeito das “matérias que não viraram notícias”, sobretudo o sentido de se realizar reportagens que apenas se prestariam para avolumar os arquivos “mortos” daquelas entidades, os envolvidos se limitaram a apresentar evasivas no afã de validar o veto: “estamos com problemas de espaço no jornal…”, “eu acho que ainda vai sair…” “pode ter havido problemas na filmagem…” etc.

Não quero (e nem posso) me imiscuir na esfera decisória da linha editorial daqueles canais de comunicação, mas, bastam poucos minutos de leitura ou audição diárias para perceber que a matéria-denúncia sobre o acidente de Itapebussu comporta muito mais relevância e interesse público do que muitas das outras matérias veiculadas regularmente naqueles veículos de comunicação. Ademais, pelas particularidades que as entornam, as matérias contemplam várias linhas de interesse editorial, facilitando, por conseguinte, sua publicação.

Diante dessas evidências, parece razoável aventar a possibilidade de as reportagens intentarem, unicamente, calar o denunciante, que suscitou a “parcialidade” da emissora ao preservar uma imagem equivocada (de SEGURANÇA TOTAL) da Vaquejada, e, sobretudo, inquirir: a quem interessa esse silêncio sobre o acidente? Será que a vinculação direta dos organizadores da Vaquejada com a TV Diário (que apoiou, sob patrocínio financeiro, o evento) estaria contribuindo para obstar a veiculação das matérias (já realizadas), para não fragilizar a “imaculada competência” dos produtores do evento? Se o assunto era, do ponto de vista jornalístico, irrelevante, como justificar a mobilização de repórteres para investigar a denùncia? Estaria havendo, no âmbito de instâncias que deveriam primar pela isenção e plena persecução da Verdade, um inadmissível aviltamento do interesse público (presente nos esforços para desnudar a falsa imagem de “ausência de incidentes graves na Vaquejada”)   em favor de interesses privados?

Diante desse flagrante desrespeito à denúncia, ao grave fato, aos envolvidos no acidente, aos repórteres que realizaram as matérias e, sobretudo, à VERDADE, resta-me, tão-somente, lastimar profundamente a conduta e, por conseqüência, questionar a exortação sistematicamente difundida pelos denunciados de propagarem “Informação com Credibilidade”.

Enquanto isso, para os leitores e expectadores daqueles canais de comunicação, a despeito dos riscos que esse engodo pode acarretar em eventos futuros, a “Segurança Total da Vaquejada” permanece como a mais cristalina expressão da verdade.

Disputa no Congresso evidencia interesses de teles e radiodifusores

Foi recentemente aprovado na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria e Comércio da Câmara dos Deputados o substitutivo do deputado Wellington Fagundes(PR-MT) ao PL 29/07, que trata da regulação de serviços de telecomunicações e televisão por assinatura. A proposta é a ponta do iceberg de uma grande batalha pelo futuro do sistema de comunicações no país. Por trás das diversas emendas apresentadas ao substitutivo e dos projetos apensados a ele, estão os interesses dos diferentes setores econômicos que atuam nos setores da radiodifusão, das telecomunicações e da infra-estrutura das comunicações.

Mas o que é de fato a chamada convergência tecnológica? Suas raízes estão na digitalização dos conteúdos (que transforma as mais diversas formas de informação em dígitos binários), condição para que as diversas plataformas pudessem trocar e reconhecer dados. Entretanto, o fenômeno não pode ser observado apenas a partir da evolução das tecnologias, mas também sob a perspectiva de um movimento de concentração dos grupos de mídia, cujas fusões reduziram o setor a menos de dez conglomerados multinacionais.

Tais processos vêm desfazendo as fronteiras entre serviços e plataformas de comunicação: um celular, por exemplo, pode fazer ligações, acessar a internet e, em breve, receber conteúdos de televisão. Já a Internet, principal referência da convergência, transmite serviços de voz (como o VoIP do Skype), dados (e-mails) e vídeo (Youtube).

O tabuleiro e os jogadores

No entanto, se vozes mais otimistas proclamam a emancipação informacional a partir de um suposto acesso crescente aos meios de comunicação, a forma como as pessoas irão se relacionar com estas possibilidades será determinada pelo resultado da guerra entre os grandes atores do mercado, cuja face mais visível está na disputa entre empresas de telecomunicações e emissoras de televisão.

Desde as discussões sobre a implantação da TV digital no país, cujo ápice se deu entre 2005 e 2006, os radiodifusores “alertam” sobre a ameaça da entrada das teles no negócio da produção de conteúdo. O argumento das Organizações Globo, principal grupo entre estes atores, baseia-se no risco das companhias de telefonia fixa e móvel utilizarem seu peso econômico para controlar o conteúdo audiovisual, um dos pilares da identidade nacional. Não à toa, em debate recente, um graduado representante dos radiodifusores chegou a afirmar que o “Brasil só é Brasil por causa da tela da Globo”, em referência ao poder da rede criada por Roberto Marinho em estreita cooperação com as sucessivas gestões do governo brasileiro.

Além disso, a característica “livre e gratuita” da radiodifusão também poderia ser alterada com a entrada das operadoras de telecomunicação na oferta de conteúdo, uma vez que seu modelo de financiamento é a assinatura. A conseqüência deste diagnóstico, em tese, é a necessidade da legislação brasileira proteger o conteúdo, e a radiodifusão, dos grupos internacionais. O interesse público nesta visão é manter os conteúdos hoje veiculados, um patrimônio nacional, nas mãos dos brasileiros.

Do outro lado, as teles, como são chamadas as empresas de telecomunicações, defendem a inexorabilidade da convergência, já que os avanços tecnológicos possibilitam às pessoas receberem informação independente da plataforma ou da infra-estrutura utilizada. Nesse sentido, a convergência conformaria uma tendência pela qual cada vez mais as pessoas poderão usufruir a maiores funcionalidades e mais velocidade no acesso a dados, voz e vídeo. Frente a isso, também em tese, não haveria porque o Brasil limitar estas possibilidades.

Segundo os atores deste mercado, a mudança das regras é fundamental para que as empresas tenham segurança para investir na expansão na infra-estrutura para oferta do serviço. A principal fronteira é a conexão à Internet, especialmente em banda larga. Isso porque a telefonia celular já atingiu seu ápice com os mais de 112 milhões de aparelhos em funcionamento no país. Do ponto de vista das teles, o interesse público seria a liberdade de ter acesso aos mais variados tipos de serviços e tecnologias. 


Os primeiros movimentos

Embora tenha se valido de um tom alarmista em relação ao avanço das empresas de telefonia fixa e móvel, os lances que deflagraram o embate atual partiram das próprias Organizações Globo. Em situação financeira delicada desde a sua quase falência no início de 2003, o maior grupo de mídia brasileiro não teve preconceitos ao fechar um acordo com a Telmex, maior empresa de telecom da América Latina, para que esta, após adquirir a Embratel, assumisse parte majoritária da NET Serviços (maior distribuidora de sinal de TV a cabo).

Com esta transação, a Globo deu passo fundamental ao arranjo que avaliou ser possível no cenário de convergência: ela passaria a comandar toda a esfera da produção e programação audiovisual, uma vez que já não possuía capital para disputar o mercado da infra-estrutura de distribuição. A partir da aliança, a NET Serviços passou a oferecer, junto a seu sinal de TV por assinatura, internet banda larga e telefonia por IP, o chamado Triple play.

As empresas de telefonia, que viam na oferta de telefonia fixa e banda larga por meio da tecnologia ADSL um mercado em expansão, saíram da espreita para contra-atacar. A rápida migração de pessoas deste serviço (como a internet turbo da Brasil Telecom, o Virtua da Telefônica), para o triple play da NET fez acender a luz amarela no setor. A resposta veio rápida: as teles avançaram sobre operadoras de TV por assinatura, com a compra pela Telefônica da TVA (por MMDS e cabo) e a aquisição pela Oi da Way TV.

A pró-atividade das Organizações Globo também se refletiu no parlamento. Já no final de 2006, a Vênus Platinada tentou emplacar uma proposta de Emenda Constitucional (PEC) de autoria do senador Maguito Vilella (PMDB-GO) que estendia às empresas de telecomunicação a restrição de 30% para a presença de capital estrangeiro, como já prevê a Constituição Federal para as concessionárias de radiodifusão. O texto foi logo rechaçado, dando espaço ao surgimento, no início de 2007, do PL 29, de autoria do deputado Paulo Bornhausen (DEM-SC). Como resposta à PEC dos radiodifusores,  Bornhausen propôs liberalizar a legislação para que empresas de telecomunicação pudessem entrar no negócio da produção e programação de conteúdo.

O contra-ataque dos radiodifusores não tardou e, menos de um mês depois, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) apresentou o PL 70, que recupera o espírito da PEC de Maguito Vilela e prevê a extensão do limite de capital estrangeiro para empresas que entrem no mercado da produção e programação. No mesmo período, apresentando-se como uma “terceira via”, os parlamentares petistas Paulo Teixeira (SP) e Walter Pinheiro (BA) apresentaram o PL 332, que cria a figura do serviço de acesso condicionado, abarcando a televisão por assinatura, telefonia e internet, e prevê estímulos ao conteúdo nacional.

Luzes e sombras no embate

Desde então, todos os projetos passaram então a tramitar apensados ao PL 29. De um lado, alinham-se os radiodifusores, com pouco peso econômico e muito peso político no Congresso. De outro, as teles, com pouca (mas crescente) influência no parlamento, gordas receitas e pesada capacidade de investimento.

Por trás do discurso dos radiodifusores está um movimento de resistência e reserva de mercado na radiodifusão. Por trás da venda das maravilhas da “sociedade da informação” das teles está a ânsia de expandir a oferta de banda larga e de conteúdo, hoje dificultada pelo fato de seu competidor, a NET, já oferecer o triple play. Para não perder mercado para a NET e crescer naquela que é a principal fronteira das telecomunicações no mundo, as teles precisam mudar a legislação para que possam também poder agregar o conteúdo televisivo aos seus pacotes de serviços.

Outra luz a ser lançada neste processo é a dicotomia entre teles e radiodifusores. Se observado de outro ângulo, há um conflito entre Telmex (México) e Telefônica (Espanha) pelo comando de parte volumosa das comunicações brasileiras. A diferença entre uma é outra é que a mexicana optou por se aliar às Organizações Globo ao invés de confrontar seu poder político. Já a Telefonica ficou de fora do acordo e agora tem de entrar no mercado de TV por assinatura por outros meios.

Este cenário transformou este mercado na principal disputa relativa à convergência. Os substitutivos do deputado Wellington Fagundes (PR-MT) e o que será apresentado pelo deputado Jorge Bittar (PT-RJ), relator da proposta na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática, expressam esta disputa e retiram do debate qualquer aspiração mais ampla sobre a regulação dos serviços de acesso condicionado (serviços pagos ou por assinatura).

Ainda não há sinal de acordo possível, mas os agentes tem mostrado onde estão seus limites. Os radiodifusores não admitem mexer na radiodifusão (o que até agora não tem sido pleiteado pelas teles), mas já começam a aceitar a entrada das operadoras de telefonia na distribuição do sinal de TV por assinatura, contanto que as “matérias-primas fundamentais” da programação, como contratos de direitos de transmissão de esportes, continuem em suas mãos.

A experiência da Telefônica na compra da Endemol (empresa que detém os direitos sobre o formato do programa Big Brother) e sua posterior venda a um valor mais baixo mostram que somente o poder econômico não garante sucesso no mercado de conteúdo. Além disso, o custo alto da produção e compra de direitos só se viabiliza quando há um mecanismo de distribuição em grande escala, como é a televisão aberta no Brasil. No entanto, se as teles não querem ir ao núcleo do negócio das emissoras de rádio e TV, também não querem ficar dependentes apenas das cinco grandes programadoras, especialmente da Globo. Daí o interesse nos mecanismos de fomento à produção independente que devem aparecer no substitutivo de Jorge Bittar na CCTCI.

Este parece ser o limite de ambos os setores. As organizações Globo sabem que em um futuro próximo o avanço da banda larga e da televisão por assinatura fatalmente pressionará a concentração de receitas de publicidade em sua emissora de televisão aberta (cerca de 70% dos recursos em anúncios vão para a Rede Globo). No entanto, apesar de todo seu poder político, a trincheira da televisão por assinatura parece ter sido conquistada. Resta saber por quanto tempo ela conseguirá deter que haja no Brasil uma reorganização mais estrutural como acontece neste momento na Europa com a criação da figura de um serviço audiovisual que pode ser operado em qualquer plataforma.