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Telenovela e Política: Duas Caras para um só discurso

O ex-presidente da Radiobrás Eugenio Bucci, arguto pensador da mídia, já observou que a telenovela revela mais do Brasil do que o telejornalismo. Enquanto este enfrenta uma enorme multiplicidade de fatos, está sujeito a toda sorte de pressões e utiliza técnicas de abordagem que privilegiam a frieza de análise, o distanciamento crítico e a isenção possível, aquela opera no registro oposto. Seleciona aspectos da vida social e trata deles de forma apaixonada, visceral, pelas ações e conflitos de um grupo de personagens. É dessa forma que o Brasil real emerge, com mais clareza, do microcosmo pulsante dos folhetins do que do caos entorpecente do noticiário.

Bucci refere-se à telenovela em geral, ou àquela que busca realismo em suas tramas, mas visa particularmente a novela das 9 da Rede Globo, ainda hoje, como há quase 40 anos, o principal produto da televisão brasileira pelo volume de audiência, faturamento comercial e importância na estrutura da programação. Se a sua tese é correta, como parece, é muito preocupante o retrato do Brasil que nos oferece o título atual em exibição no horário, Duas Caras. Delineia-se ali um perfil de regressão geral no debate democrático e de fortalecimento do "pensamento único", ou do pensamento conservador que a máquina coordenada da mídia quer fazer passar por verdade universal.

O esfacelamento da diversidade no jornalismo é fato notório, desde que os grandes veículos deixaram de ter em seus quadros gente das mais variadas tendências ideológicas, preferindo dar espaço a uma infinidade de vozes que, com raríssimas exceções, apenas ecoam o pensamento liberal e fazem proselitismo de seu ideário, em absoluta sintonia com a perspectiva patronal. Agora percebe-se que os colunistas de política e economia, os editorialistas, os articulistas amigos e demais zeladores do pensamento único ganharam a companhia dos autores de telenovelas. Ou, ao menos de um peso-pesado entre eles, o consagrado Aguinaldo Silva, regente da orquestra de redatores de Duas Caras.

Acusação oportunista

Antigo militante do progressismo, editor do primeiro jornal voltado à defesa dos homossexuais no Brasil (Lampião da Esquina, anos 1970), Aguinaldo Silva é agora o patrono de uma verdadeira ode ao conservadorismo, entoada ao público em capítulos diários. O tratamento que vem dando a alguns conflitos seriíssimos do cotidiano carioca, foco de sua novela, está carente de equilíbrio e longe de permitir ao telespectador um julgamento isento do que lhe é oferecido. Algumas situações e personagens são construídos por uma ótica muito restrita, totalmente discutível, que não por acaso é a mesma com a qual são pautados os produtos jornalísticos da grande imprensa, em geral.

Nos últimos dias, uma parte importante da trama gira em torno de uma acusação de racismo ao reitor Francisco Macieira (José Wilker), recém-entronizado no comando de uma instituição particular de ensino, a Universidade Pessoa de Moraes. Figura de proa na esquerda revolucionária, exilou-se em Paris durante a ditadura militar e lá permaneceu depois da redemocratização do país, trabalhando como professor, até encontrar a proprietária da universidade, iniciar um romance com ela e receber o convite para voltar ao Brasil.

Macieira chega à UPM como um demiurgo da modernidade, um reformador avançado. Rapidamente entra em conflito com os professores da casa, retratados como um bando de preguiçosos corporativistas, que só querem manter privilégios, trabalhar pouco e ganhar muito. Da mesma forma, conflita com parte dos estudantes, apresentados como marionetes dos professores espertalhões, agitadores inconseqüentes, que só querem atrapalhar a vida da universidade. Um desses estudantes – um rapaz negro com o ariano nome de Rudolf Stenzel (Diogo Almeida), sugerindo ser um órfão criado por família estrangeira, portanto um privilegiado que não deveria se queixar da boa sorte que teve na vida – tenta colocar os colegas contra o reitor "porque ele foi imposto", não foi eleito em consulta democrática.

Rudolf inscreve-se num curso de verão de Macieira, mas falta sistematicamente às aulas. No dia em que resolve aparecer na classe, o reitor ironiza a sua presença, perguntando se ele é algum zumbi, um ser errático que surge das sombras. Oportunista inescrupuloso, o rapaz distorce a acepção em que termo zumbi foi usado, enxerga nele um sentido pejorativo e acusa o reitor formalmente de racismo, dando queixa à polícia. O caso explode na mídia e Macieira está às voltas com uma grande dor de cabeça.

Destrambelhados de terceiro grau

O problema dessa história está na diferença de tratamento. Enquanto Macieira tem todas as condições para afirmar o seu discurso, justificar suas ações, delinear-se como um personagem coerente, Rudolf é pouco mais que um figurante. Personagem unidimensional – como, de resto, são os seus professores –, não se sabe ou se ouve dele nada além da sua obstinação em protestar, criar caso, arrumar problemas sem razão objetiva. No episódio em questão, a sua má-fé é clara e, obviamente, suscita toda simpatia do telespectador ao seu oponente. Mas Rudolf não é apenas o "aluno-problema", como o site da novela no portal Globo.com o define. Ele representa um estereótipo abertamente negativo do estudante engajado, que é desqualificado como inconseqüente, intransigente e desonesto.

Esse estereótipo começou a ser construído há algumas semanas, quando Aguinaldo Silva concebeu uma invasão estudantil à UPM, em protesto contra as mensalidades cobradas aos alunos. Inspirando-se nas ocupações do ano passado na USP, Unicamp e PUC-SP, o autor e sua equipe reproduziram o mesmo discurso da grande imprensa naqueles episódios: o de que os estudantes mobilizados são radicais, não têm uma postura construtiva e são baderneiros, depredadores do patrimônio alheio.

Ainda que os casos de vandalismo tenham sido marginais nos movimentos universitários citados, foram apresentados com grande estardalhaço, como se sintetizassem a postura estudantil. Duas Caras embarcou nesse clima e providenciou o seu próprio grupo de destrambelhados de terceiro grau. Fez o estrago que desejava. Outro dia, um dirigente estudantil comentou na Unicamp que, "depois da novela, ficou impossível convencer a minha mãe que a política estudantil não é aquela baderna apresentada". Agora, tempos depois da invasão, os estudantes politizados da novela não são mais apenas baderneiros. São também mentirosos, ardilosos, desonestos.

Legítima defesa

Se Duas Caras ataca a organização estudantil e apresenta como modelo de comportamento a obediência bovina, acrítica e despolitizada dos "bons alunos" da Universidade Pessoa de Moraes, o tratamento que dá à favela da Portelinha não é muito melhor. Todos sabem que, em qualquer grande favela brasileira, do Rio de Janeiro ou alhures, o crime (em geral, o tráfico de drogas) tem um grande poder político, derivado de sua força militar e do intenso assistencialismo que promove. Tanto os "chefes de morro" quanto seus subordinados são, inequivocamente, bandidos e dessa forma são percebidos por toda a comunidade, ainda que as eventuais bondades que distribuam sejam apreciadas e usufruídas. Com absoluta certeza, qualquer morador de favela preferia se ver livre deles, se tivesse a mínima chance de obter isso.

Na favela da Portelinha, entretanto, a ambigüidade é total. O chefão Juvenal Antena (Antonio Fagundes) não é traficante nem bandido, assim como todos os seus fiéis soldados. É apenas dirigente da associação de moradores local, que toca com mão-de-ferro e democracia zero, que não impedem o povo de considerá-lo um herói. Impossível saber como Juvenal conseguiu o milagre de, durante muitos anos, manter o crime longe de sua comunidade, sem apoio do Estado ou das milícias paramilitares que vendem segurança, e também sem usar qualquer tipo de arma.

Apenas recentemente, quando um grupo de traficantes tentou invadir a Portelinha, os moradores souberam que Juvenal estocava um verdadeiro arsenal de guerra, incluindo bazuca, de procedência ignorada. Foi o que lhes permitiu rechaçar os invasores, num combate apresentado como muito honroso, travado em legítima defesa, como se os dois lados em conflito não estivessem na ilegalidade do porte e uso de armas privativas das Forças Armadas.

De braçada

Na moral ambígua de Duas Caras, em suma, a turma do bem pode transgredir a lei sem problemas, se for para combater a turma do mal. Estudantes que dissentem da orientação da universidade são radicais perniciosos, portanto formam na turma do mal. Professores idem, eles que são vagabundos e manipuladores. E um fascistóide explícito como Juvenal Antena, ainda que contestado em suas práticas antidemocráticas pelo pupilo Evilásio Caó (Lázaro Ramos), segue firme e forte na turma do bem, com direito a namorar a maior beldade da trama, a disputada Alzira (Flávia Alessandra).

OK, tudo isso é novela e não se pode levá-la tão a sério, dirão os que discordam da tese de Eugênio Bucci. Há que se conceder descontos ao autor, para que a trama possa funcionar como folhetim e a telenovela cumpra o seu papel de impelir a indústria televisiva. Mas é a própria TV Globo que se ufana do compromisso de suas novelas com a realidade brasileira, sempre exaltado em seu discurso institucional e em sua publicidade. Se é assim, suas novelas podem e devem ser levadas a sério, e criticadas com rigor no discurso que enunciam.

Anos atrás, na mesma TV Globo, O Rei do Gado de Benedito Ruy Barbosa deu grande contribuição para uma visão menos estereotipada dos trabalhadores sem-terra e suas ações. Duas Caras, ao contrário, nada de braçada no preconceito. Dificilmente será lembrada no futuro, pelo que fez ao avanço da democracia no Brasil.

O novo estilo de ouvidoria petista na Anatel

Imagine, leitor, a confusão de papéis de um ombudsman que parte para a condenação radical da própria instituição em que trabalha, de sua ética, de suas bases legais e do comportamento de seus dirigentes. Pois é exatamente isso que ocorre com o ouvidor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Aristóteles dos Santos.

A agência tem, realmente, muitas falhas, em especial aquelas já apontadas diversas vezes nesta coluna, resultantes da interferência político-partidária e da nomeação de dirigentes não qualificados. Mesmo assim, ainda é a melhor (ou a menos ruim) das agências reguladoras.

Bem diferentes de nossas críticas são as acusações feitas pelo ouvidor à agência e encaminhadas na semana passada em relatório ao presidente da República. Muito além da defesa dos usuários – missão que lhe compete como ouvidor – Aristóteles Santos parte para o ataque político-ideológico ao modelo institucional vigente no setor.

O relatório é, na verdade, um panfleto inteiramente afinado com o discurso dos sindicalistas da Federação Interestadual dos Trabalhadores Telefônicos (Fittel), entidade a que pertencia o ouvidor. Aquela federação se notabilizou em 1998 por liderar dezenas de ações na Justiça em defesa do modelo estatal e até agredir fisicamente investidores nos leilões de privatização da Telebrás.

O ouvidor Aristóteles dos Santos sabe que a maioria dos problemas da Anatel decorre de nomeações políticas, inclusive de sindicalistas, totalmente despreparados para o trabalho na agência.

Sem orçamentos mínimos adequados, degradada e desprofissionalizada pelo próprio governo Lula, a Anatel é agora apontada pelo ouvidor como prova da inadequação do modelo privatizado. Nenhuma palavra sobre os resultados extraordinários desse modelo, traduzidos no aporte de mais de R$ 170 bilhões de investimentos em infra-estrutura e o aumento da densidade porcentual de míseros 14 acessos telefônicos por 100 habitantes, em 1998, para mais de 80, atualmente.

Em telefonia móvel, o País saltou de apenas 5,2 milhões de celulares em julho de 1998 para 120,9 milhões hoje, um crescimento de 2.480%. E, resumindo: só em 2007, os investimentos privados em telecomunicações foram maiores que os do PAC em todas as áreas.

O ouvidor não se limita a analisar com isenção e objetividade os problemas da agência. Prefere discorrer sobre a economia setorial, confundindo faturamento com lucro, dando aulas sobre tarifas (sem mencionar a hipertributação de mais de 40%) e defendendo a criação de uma megaconcessionária nacional, a partir da fusão entre Brasil Telecom e Oi.

Sobre essa fusão, é preciso deixar bem claro que nenhum brasileiro pode ser contra a criação de uma grande concessionária privada nacional de telecomunicações. Mas uma operação desse tipo deve responder previamente a duas perguntas básicas: para quê e em benefício de quem?

Não há dúvida de que, para a nova empresa, haverá benefícios de escala. Difícil, no entanto, é provar que a fusão de duas empresas aumenta a competição ou que a nova tele será mais forte numa competição com a Telefônica ou a Embratel.

A fusão das concessionárias ou a aquisição de uma por outra, no entanto, tem que seguir trâmites legais rigorosos e apoiar-se em negociações livres entre as partes. Não é o que ocorre até aqui nesse casamento arranjado pelo governo, que mais parece uma aquisição com promessa de ajuda, de empréstimo e participação direta do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos fundos de pensão das estatais no capital da nova empresa.

Que tipo de empresa privada será essa, com a injeção de bilhões do BNDES e dos fundos de pensão? Além disso, o governo reivindica uma golden share – ação que lhe dará poder de veto na nova concessionária -, que apavora qualquer investidor privado porque politiza a administração de qualquer empresa.

Do ponto de vista legal, a fusão só pode ser concretizada depois da elaboração de um novo Plano Geral de Outorgas (PGO) pela Anatel e de sua sanção por decreto do presidente da República. Tudo teria que começar na Anatel, a partir de estudos específicos, com um grande debate nacional, em audiências públicas, terminando com o texto do decreto submetido à sanção presidencial. Nada disso foi ou está sendo feito. O carro caminha, portanto, adiante dos bois.

Mudança de regras

O Brasil só conseguirá a confiança de investidores privados com regras duradouras, em ambiente de completa isonomia e sem critérios discriminatórios quanto à origem do capital das concessionárias. O que vemos hoje nas telecomunicações é um claro retrocesso, com recaída nacionalista e a volta do discurso xenófobo e estatizante.

Em lugar de aperfeiçoar o modelo ou formular políticas públicas bem pensadas, ministros e sindicalistas propõem a seu bel-prazer mudanças de nítida inspiração populista, sem maior debate com a sociedade, com especialistas e com o Congresso.

Será que vivemos uma epidemia da metamorfose ambulante nas telecomunicações?

BrT mais Oi e o interesse público

A compra da Brasil Telecom (BrT) pela Oi modificará profundamente o setor de telecomunicações no Brasil. O negócio necessita de mudanças em regras regulatórias (PGO), contará com recursos do BNDES e terá conseqüências concorrenciais significativas. Como tal operação afeta o interesse público? Este artigo comenta as justificativas utilizadas para a fusão e avalia os seus efeitos sobre os mercados afetados, quais sejam, voz e dados em telefonia fixa e oferta de banda larga.

Embora não exista declaração de motivos para justificar a fusão, dois são citados com freqüência: 1) a constituição de grande empresa nacional que competiria com a Telefônica e a Telmex; e 2) economias de escala oriundas da junção das suas operações (regiões 1 e 2, todo o Brasil menos o Estado de São Paulo).

São duas falácias, em nosso entendimento. Embora a Telefônica e a Telmex tenham, internacionalmente, um faturamento de pelo menos quatro vezes o tamanho da BrT e da Oi somados, a competição em telecomunicações não ocorre em um suposto “mercado mundial”, mas em cada mercado nacional.

No que se refere ao Brasil, a receita líquida, em 2006, dessas empresas (Telefônica, R$ 12.113 milhões; Embratel, R$ 940 milhões) não é significativamente diferente das supostamente fracas Oi (R$ 14.388 milhões) e BrT (R$ 8.418 milhões). Além disso, por deter a rede de telefonia fixa em todo o País, com exceção de São Paulo, BrT e Oi detêm um poder de mercado muito mais significativo.

E a suposta internacionalização pela empresa BrT mais Oi é mera hipótese que não tem nenhum resguardo nos fatos. Tanto BrT quanto Oi já têm tamanho para atuar em todo o País, mas nunca fizeram isso. Preferiram monopolizar seus mercados regionais respectivos em vez de competir, até mesmo nacionalmente.

A internacionalização da Telefônica e da Telmex foi impulsionada pela onda de privatizações ocorrida na América Latina a partir dos anos 90, quando as redes já estabelecidas (fixas e móveis) foram vendidas e ampliadas. Qualquer novo entrante, agora, teria de ofertar novas tecnologias ou serviços, inicialmente em escala muito menor, pois as posições já estão consolidadas. Portanto, ao alcance de BrT e Oi, separadamente.

O segundo motivo pelo qual as economias de escala poderiam reduzir o custo de operação é ainda mais frágil que o primeiro. Os custos no setor são determinados pelos investimentos em ativos fixos nas redes, e, como as duas empresas atuam em áreas totalmente distintas, os ganhos de escala se restringirão aos custos administrativos, com participação insignificante no custo total.

Para discutir os efeitos da fusão no mercado brasileiro, serão abordados três efeitos: 1) concorrência no setor; 2) expansão dos serviços, em particular da banda larga, essencial para a inclusão digital; e 3) institucionais sobre a regulação.

A fusão deve gerar uma empresa com enorme poder de mercado, enfraquecendo a competição no mercado nacional, seja no de voz, seja no de banda larga. Apesar de essas empresas não competirem diretamente entre si, até o momento, elas estão entre as mais capacitadas para fazê-lo ampliando sua atuação para todo o Brasil.

As operadoras fixas locais (BrT, Oi e Telefônica) são quase monopolistas em suas respectivas áreas no serviço de voz, pois todas têm mais de 90% dos assinantes. Igualmente, elas detêm posição dominante no provimento de banda larga – essencial para inclusão digital -, com 75% do total, ante 23% das operadoras de cabo. A velocidade da penetração da banda larga no Brasil só foi acelerada com a entrada das operadoras de cabo neste mercado, pois, mesmo com capilaridade geográfica muito menor, implementaram estratégias agressivas que obrigaram as telefônicas a seguir seu movimento.

Finalmente, a constituição de empresa com tal poder dificulta o processo regulatório pelo aumento de sua influência política e possibilidade de captura do regulador pela empresa. Nos EUA, com muito maior maturidade institucional, se reconhece que a possibilidade de captura era maior quando existia um monopolista privado no setor de telecomunicações.

Concluindo, fica a pergunta de por que o setor de melhores resultados pós-privatização terá um dos pilares do modelo vencedor, a competição, enfraquecido em prejuízo de consumidores e potenciais usuários de banda larga, por motivos tão pouco robustos e que não são os de interesse do País no longo prazo?

Crise nos jornais pressiona faculdades a mudar ensino do jornalismo

O debate sobre a urgência de mudanças no exercício do jornalismo profissional transferiu-se também para dentro das universidades norte-americanas onde o papel das faculdades passou a ser severamente questionado.

Logo depois do ano novo, cerca de 30 diretores de faculdades de jornalismo em universidades norte-americanas, editores chefes e executivos da imprensa se reuniram em Nova Iorque, num brain storm fechado para tentar definir um novo papel para os cursos de graduação, num momento em que a mudança de rotinas nas redações torna-se cada vez mais rápida e irreversível.

O dilema dos participantes era o seguinte: a adaptação dos jornais à nova realidade informativa gerada pela internet exige profissionais que não estão disponíveis no mercado porque as faculdades não os estão formando e as empresas já não podem mais suprir esta lacuna.

“ Nós estamos estamos ficando sem alternativas”, constatou o todo poderoso Bill Keller, Chefe de Redação do The New York Times, num desabafo surpreendente. “As escolas de jornalismo são a nossa última esperança”, completou Bill, depois de admitir que sua receita para os jovens jornalistas já não funciona mais.

“Minha geração recomendava que todo o interessado em fazer jornalismo deveria começar num jornal do interior fazendo reportagem de rua. Aprender fazendo era a regra básica. Acontece que a maioria dos jornais locais já não existe mais e os editores-tutores já se aposentaram. As faculdades acabaram se tornando a única alternativa para a renovação do jornalismo”.

Esta é a proposta básica de um ambicioso programa lançado em 2005 pelas fundações Carnegie e Knight para tentar despertar as faculdades de jornalismo dos Estados Unidos para a nova realidade da comunicação digital. O projeto chamado News21 reúne as cinco mais importantes escolas de jornalismo dos Estados Unidos.

O problema é que a mudança de currículos, e principalmente da cultura universitária em matéria de jornalismo e comunicação, está sendo mais lenta do que esperavam os executivos de jornais.

Esta situação faz com que apenas metade dos novos profissionais contratados por um jornal como o The New York Times saiam direto da universidade para a redação. O mesmo quadro se repete noutras redações e possivelmente também aqui no Brasil, onde o tema simplesmente parece não chamar a atenção nem dos executivos de jornais e nem dos diretores de faculdades de jornalismo.

O brain storm dos americanos tocou em temas muito familiares como, por exemplo, a questão da multidisciplinaridade no exercício da atividade jornalística, bem como a velha dicotomia entre formação generalista versus formação especializada, na capacitação de profissionais do jornalismo.

O problema da multidisciplinaridade, tanto lá como aqui, emperra em questões burocráticas porque as faculdades, departamentos e centros tendem a ser estanques dentro das universidades, dificultando a integração horizontal.

Os executivos de jornais precisam de jornalistas especializados porque a realidade informativa é hoje extremamente diversificada. Não basta uma conversa com um especialista para dar ao repórter a condição de expert em comércio exterior. A formação do profissional é muito mais complexa hoje em dia, e exige que o estudante de jornalismo tenha freqüentado também aulas de economia, segundo a visão dos donos de órgãos da imprensa.

As universidades ainda não conseguiram adaptar suas estruturas a esta nova realidade, da mesma forma que ainda estão atoladas no velho dilema entre a formação generalista ou especializada. Os editores responsáveis já mudaram o discurso, que glorificava o repórter polivalente, e agora sonham com profissionais especializados capazes de contextualizar rapidamente novas notícias.

As faculdades também não encontraram ainda respostas convincentes para outro dilema das redações: os cursos de graduação devem dar mais ênfase ao treinamento de futuros profissionais nas novas habilidades técnicas da era digital ou preocupar-se com o desenvolvimento do seu juízo critico, capacidade analítica, visão multimídia ou com o novo relacionamento com os leitores.

Convenhamos, não são opções fáceis. Mas pelo menos uma coisa parece que vai mudar, e rapidamente. O tradicional divórcio entre empresas e faculdades no ramo do jornalismo, especialmente aqui no Brasil, tende a acabar, porque caso contrário, tanto um lado quanto o outro só tem a perder. 

Fusão Oi/BrT: o risco da fusão a qualquer preço

Há pouco menos de um ano, discutíamos a possibilidade de fusão da Brasil Telecom com a Telemar (hoje Oi). No primeiro trimestre de 2004, discutíamos se a Calais, um consórcio formado pela Telemar, Brasil Telecom e Telefônica, poderia adquirir a Embratel. Agora discutimos se a Oi poderá comprar a Brasil Telecom. Em comum, estes três momentos compartilham o fato de atropelarem o marco regulatório, de serem divulgados para a imprensa como fatos consumados, de terem personagens em comum e o fato de virem a público sem as devidas justificativas para o consumidor, para os minoritários e para o governo. No caso específico da compra da Brasil Telecom pela Oi, agora em debate, para mudar as regras do jogo o governo precisa ainda baixar uma diretriz política, ou seja, redefinir a política de telecomunicações a ser seguida e em que base se dará a mudança no Plano Geral de Outorgas (PGO), com a edição de um novo decreto. Mas nada disso ainda existe.

Ameaça

Oi e Brasil Telecom dizem que não sobreviverão à competição com a Telefônica ou com a Embratel, dois gigantes que atuam em nível internacional e que somadas faturam US$ 100 bilhões. A realidade não aponta nesse sentido. Até onde se sabe, nem Oi nem BrT têm negócios significativos fora do Brasil, nem mostram grande interesse em expandir sua atuação para o México, Espanha, Argentina, Honduras ou Guatemala, por exemplo, que são alguns dos países em que mexicanos e espanhóis atuam. E aqui dentro, a Brasil Telecom e a Oi ainda não fizeram nenhum grande esforço para disputar o mercado do Estado de São Paulo, por exemplo. Aliás, só agora a Oi pretende entrar no território da Telefônica, mas por meio de uma operação de telefonia celular. Além disso, as empresas nacionais supostamente ameaçadas apresentam balanços muito melhores do que o da Embratel de Carlos Slim, e estão estrategicamente posicionadas na convergência fixo-móvel de uma maneira muito superior à da Telefônica. O problema, então, seria a sobrevivência no futuro? Nesse quesito, a Embratel poderia alegar que precisa comprar alguma delas porque não tem uma rede de acesso local dominante e a Telefônica poderia dizer o mesmo porque não tem uma operação de telefonia móvel só sua. Ou seja, Oi e Brasil Telecom ainda precisam demonstrar qual é a grande ameaça de permanecerem separadas e qual o ganho para a sociedade caso se unam.

Modelo

Já o governo, se é verdade que está fomentando essa negociação, precisa dizer o que quer. Primeiro, precisa confirmar o que alguns jornais publicam sem creditar a fonte: que Lula e Dilma Rousseff avalizaram a operação. Feito isso, precisa dizer qual é a diretriz política a ser seguida. Por exemplo, dizer que "o governo brasileiro proporcionará meios para desenvolver empresa de capital nacional controlada por empresários brasileiros que busque disputar o mercado internacional de telecomunicações". Essa frase, ou algo parecido, precisa aparecer em algum instrumento que possa ser usado pela Anatel para justificar as mudanças no PGO. Isso porque, hoje, o que se tem são dois instrumentos de orientação da política de telecomunicações: a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/07) e o Decreto de Políticas de Telecomunicações baixado pelo presidente Lula em seu primeiro ano de governo (Decreto 4.733/03). E em ambos fala-se de estímulo à competição, de compartilhamento de infra-estrutura, mas não da fusão de duas concessionárias para fazer frente a empresas multinacionais. Se não houver essa diretriz política de forma clara e embasada, qualquer mudança no PGO será casuísmo da Anatel, do Ministério das Comunicações e do presidente da República. Casuísmo condenável e injustificável.

E o Cade, como vai olhar essa questão? As empresas vão justificar que a fusão pode ser aprovada porque não existe competição entre elas e, portanto, não haverá concentração? Nesse caso, ou as duas empresas admitem que a competição no mercado de telecomunicações é impossível (então, por que o medo da Embratel ou da Telefônica?) ou terão que dizer que há um acordo pelo qual uma não entra no território da outra, ou seja, vão admitir a existência de um cartel.

Mas os problemas da fusão não param por aí. Além de saber exatamente quais os benefícios que justificam uma mudança tão radical no modelo, o governo precisa ter claro quais os meios que estão sendo usados para se chegar a ela. O financiamento do BNDES aos sócios privados da Oi para que isso aconteça é um absurdo em si. Quem já buscou dinheiro no BNDES sabe que, em teoria, o banco estatal não empresta dinheiro para a aquisição de empresas, mas para novos projetos de desenvolvimento e expansão muito bem explicitados em rígidos planejamentos financeiros. Por que a exceção nesse caso?

Opportunity

Outro problema é o Opportunity. Como é que o governo pode pensar em permitir que BNDES e fundos de pensão negociem alguma coisa que envolva a celebração de acordos judiciais com um grupo que foi flagrado pelos próprios fundos cometendo ilícitos na gestão de seus recursos nas empresas que administrava? E os mais de R$ 600 milhões de prejuízos causados por Dantas à Brasil Telecom, objetos de duas representações na CVM e 14 ações judiciais? E os mais de US$ 300 milhões de prejuízos causados por Dantas ao Citi buscados na Justiça de Nova York? Tudo isso deixa de existir porque, para acertar uma fusão cujo interesse público ainda está por ser demonstrado, seria preciso comprar as ações do Opportunity?

Se é verdade que os fundos estão pressionados pelo Citi para encontrar uma saída para os investimentos realizados na época da privatização, também é verdade que o Citi entrou no mercado brasileiro (aliando-se a Dantas, diga-se de passagem) porque quis. A pressa e a conveniência do mundo dos negócios não estão acima do interesse público. Se Dantas lesou os acionistas controladores e minoritários das empresas que um dia administrou, e há farta documentação disso, ele deve responder à Justiça até o fim, e não até que se celebre um "acordo". Sob o risco de que no futuro a conveniência dos negócios coloque novamente Dantas à frente de uma empresa de telecomunicações (da BrOi, por exemplo), já que foi ele quem primeiro vislumbrou essa fantástica idéia de uma "mega empresa nacional". Primeiro comprando em 1999, à revelia da legislação, um pedaço da Telemar, mesmo sabendo que não poderia fazê-lo, já que era ao mesmo tempo controlador da Brasil Telecom. E depois em 2001, quando voltou com essa idéia de uma mega-tele brasileira em entrevista ao Jornal Valor Econômico. Como Dantas é mestre em acordos de gaveta, um deles pode, por exemplo, aparecer depois que a BrOi estiver formada, permitindo que ele saia agora pela porta da frente e volte depois pela porta dos fundos. Ou alguém acredita que Dantas está prioritariamente dedicado à criação de gado no Pará, conforme manchete do Jornal Valor?

Alternativas

Por fim, vem a questão da falta de alternativas. O discurso pró-fusão diz que não existe outra opção além de juntar as duas empresas. A tese de que as empresas poderiam ser pulverizadas é rapidamente detonada, sempre que vem à tona, com o argumento de que isso permitiria uma tomada hostil, por um grupo estrangeiro, por Daniel Dantas ou por quem quer que seja. Não é verdade: a proposta da pulverização precisa ser mais bem discutida porque ela é viável. Para o Citi sair com ganho de capital da BrT e para os fundos terem liquidez em seus investimentos, seria mais transparente e honesto seguir o projeto original já anunciado de pulverizar as ações em bolsa, criando uma companhia no Novo Mercado, sem controladores. O mesmo vale para a Oi. O risco de take over (tomada hostil) na hipótese de uma pulverização é uma falácia. Primeiro, porque não há precedentes no Brasil. A tentativa recente da Sadia tomar a Perdigão foi impedida pelos acionistas, incluindo os fundos, por exemplo. Além disso, há os acordos de acionistas que podem ser criados. E as empresas do Novo Mercado têm no estatuto uma cláusula chamada “poison pill” (pílula de veneno) que impede take over. É o seguinte: se alguém quiser comprar em bolsa mais de 10%, 15% ou 20% (o índice é estabelecido como se queira) é preciso fazer uma oferta pública para todos os demais acionistas. E tem mais uma cláusula: o preço da oferta pode ser 100%, 120% ou quanto se queria estabelecer acima do valor de mercado.Empresas que seguem as práticas do Novo Mercado, como Totvs e Datasul, têm estes mecanismos.

Para mudar um modelo estabelecido, é preciso saber quem ganha e quem perde com isso. No caso da fusão, é preciso saber que acertos precisariam ser feitos, que recursos teriam que ser empregados, que processos judiciais seriam esquecidos, que metas seriam estabelecidas. É preciso dizer que garantias haverá de que a empresa cumprirá seu papel. E ter a certeza de que nenhum outro caminho era possível.

* Rubens Glasberg é presidente da Converge Comunicações, empresa responsável pelas publicações especialidas Tela Viva, Tele Time e Pay Tv. O presente texto foi publicado em forma de editorial no site da Tele Time – www.teletime.com.br