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Empresa Brasil de Comunicação: uma Radiobrás sem “eira”?

A Medida Provisória (MP) nº 398, de 9/10/2007, que autorizou o governo federal a criar a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), responsável pela TV Brasil, está prestes a perder a eficácia. Prorrogada por 60 dias em dezembro, ela agora bate no prazo fatal: ou é aprovada, mesmo que com modificações ou substituição, ou morre. Se morrer, levará junto a EBC, que já começou a operar com funcionários próprios. Mas, atenção, não arrastará consigo a TV Brasil.

A explicação é simples. Na hipótese de naufrágio da EBC, a TV Brasil poderá continuar suas transmissões abrigada pela velha Radiobrás – esta deveria ser extinta para dar lugar à nova empresa, mas se manteve em atividade. Assim, os que pretendiam derrotar a MP para forçar o fechamento da TV Brasil caíram do cavalo. Isso não significa que a matéria se tenha tornado irrelevante. Ao contrário. A sobrevivência ou não de mais um canal de TV da administração pública é o de menos (já há dezenas de emissoras desse tipo no País, tanto no âmbito estadual como no federal). O debate central tem que ver, isto sim, com a estrutura que deve ter uma instituição moderna de comunicação pública, agenda que merece a melhor atenção dos representantes do povo. É a primeira vez, em décadas, que o tema entra para valer na pauta do Congresso.

Se a questão se resumisse a lançar mais uma estação de TV, o governo federal não teria de inventar empresa alguma. A ele bastariam as entidades que já existem: a Radiobrás, cujos diretores e conselheiros são nomeados e demitidos pela Presidência da República a qualquer tempo; e a TVE do Rio de Janeiro, que, embora tenha a forma de organização social e não de empresa pública, também tem seus conselheiros e dirigentes feitos e desfeitos pelo Palácio do Planalto. Juntas, as duas somam aproximadamente 2.500 empregados e contam com emissoras de rádio e TV em Brasília, no Rio de Janeiro e no Maranhão.

Além disso, essas velhas estruturas guardam a cultura de promoção pessoal das autoridades, coisa que alguns expoentes do Executivo, de variados matizes partidários, apreciam em silêncio. Nos canais oficiais e (supostamente) públicos do Brasil inteiro, a chapa branca é a regra, ressalvadas as honrosas exceções – que existem, ou existiram, ajudando a demonstrar a natureza antidemocrática da velha comunicação governista. Portanto, mais grave do que o risco de a TV Brasil passar a bajular governantes – um risco real, mas um risco futuro – é a cultura de subserviência cristalizada do presente.

Em resumo, a MP 398 não surgiu porque o governo precisa de autorização para abrir um canal de TV, mas porque ele precisa propor mudanças no modelo sabidamente ultrapassado, se quiser conquistar legitimidade para a sua iniciativa. De poucos anos para cá, a opinião pública despertou para a gravidade da usurpação que vitima emissoras públicas e reclama por uma renovação. A MP veio prometer uma resposta a isso. Seu problema é que promete, mas não entrega.

Há mais debilidades que acertos na MP, a começar por sua natureza de medida provisória, que não deixa muito espaço para a elaboração legislativa – um projeto de lei seria mais adequado. Quanto aos acertos, registre-se o principal: fundir a Radiobrás e a TVE do Rio numa nova instituição, que centralize operações hoje dispersas, por vezes superpostas e redundantes, constitui um passo de racionalidade administrativa. No mais, a EBC tem o semblante – e a nomenclatura – de uma Radiobrás recauchutada. A velha estatal nasceu nos anos 70 com o nome de Empresa Brasileira de Comunicação. A estatal nova se chama Empresa Brasil de Comunicação e, em muitos aspectos, é isso mesmo: uma Radiobrás sem o sufixo ''eira''. Vejamos mais de perto a sua constituição.

A exposição de motivos assinada pelos ministros Franklin Martins, Dilma Rousseff e Paulo Bernardo fala em ''preocupação presente de garantir a autonomia da nova empresa, por meio da criação de mecanismos institucionais protetores dos dois flancos que poderiam se constituir em ameaças: a subordinação às diretrizes do governo e o condicionamento às regras estritas de mercado''. Muito bem. Ocorre que tanto a MP como o Estatuto da EBC, apresentado pelo Decreto Presidencial nº 6.246, de 24/10/2007, não dão conseqüência àquela ''preocupação''. Em relação à falta de independência do modelo antigo, o avanço é quase nulo. Basta ver como se compõe o ''órgão de orientação e de direção superior da EBC'', o Conselho de Administração (ver artigos 14 e 15 do Estatuto e artigos 12 e 13 da MP). São cinco membros. O ministro da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República indica dois deles. O terceiro é o diretor-presidente da empresa. Os outros dois vêm do Ministério do Planejamento e do Ministério das Comunicações. A esse conselho cabe eleger e destituir os diretores da EBC, à exceção de dois, o diretor-presidente e o diretor-geral, nomeados diretamente pelo presidente da República. Ora, pode haver estrutura mais passível de ''subordinação às diretrizes do governo''? Pode haver algo de mais semelhante à antiga Radiobrás?

A novidade se resume à presença de outro conselho, o Curador, que tem um representante eleito pelos funcionários e ''representantes da sociedade civil'' – designados, note o leitor, também pelo presidente da República. O Conselho Curador é vistoso, mas não manda. Embora esteja autorizado a, por maioria absoluta, imputar voto de desconfiança aos diretores, tem funções mais consultivas que deliberativas.

Agora, o Congresso pode transformar essas tímidas adaptações em uma renovação de verdade. Recusar sumariamente a MP não seria um gesto sábio. Os parlamentares têm nas mãos a chance de criar – ou abrir caminho para que seja criada – uma instituição de comunicação pública que seja de fato independente do governo.

(*) Eugênio Bucci é jornalista, membro eletivo do Conselho Curador da Fundação Padre Anchieta (TV Cultura de São Paulo), professor do Instituto de Estudos Avançados da USP, foi presidente da Radiobrás entre 2003 e 2007 – publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 14/02/08

A incapacidade de comunicação do Estado

A cobertura jornalística dos casos de febre amarela silvestre, identificados no início de janeiro, no Centro-Oeste do país, esconde uma questão que não pode ser ignorada: a incapacidade do Estado de disseminar informação contrária àquela dominante na grande mídia privada – no caso, a informação correta – servindo ao interesse público e evitando o pânico que chegou a tomar conta de segmentos significativos da população ao longo de várias semanas.

A grande mídia não soube distinguir um problema de saúde pública da cobertura política que sistematicamente vem fazendo das ações de governo, ou seja, mostrou seu despreparo em lidar com informações suprapartidárias de interesse coletivo. Além disso, revelou desconhecer (ou menosprezar) as enormes conseqüências que a divulgação reiterada de informações incorretas (exageradas e/ou alarmistas) pode provocar no comportamento da população.

Essa não foi a primeira vez que distorções graves na cobertura jornalística ocorrem entre nós. E certamente não será a última.

O pronunciamento do ministro da Saúde em rede nacional de rádio e televisão, as entrevistas de autoridades do governo e as notas oficiais não foram suficientes para alterar a percepção dominante sobre a ameaça iminente de uma epidemia de febre amarela que já havia sido criada na opinião pública. Aparentemente, só a possibilidade de ação do Ministério Público – que não se confirmou – fez com que se diminuísse o fluxo de informações incorretas. Mas, já era tarde: o número de casos graves provocados por vacinação desnecessária era equivalente (ou maior) àquele provocado pela ação direta do mosquito transmissor.

Em resumo: o Estado brasileiro não dispõe de um sistema de mídia alternativo capaz de equilibrar fluxos de informação de interesse público divulgados de forma incorreta pela mídia privada dominante.

Setor estratégico

No debate sobre a privatização das comunicações ocorrido nos anos 1990, uma das questões levantadas referia-se às implicações estratégicas para a segurança nacional da privatização da antiga Telebrás. Durante o processo, o então ministro das Comunicações, Sérgio Motta, já falecido, advertiu que:

"A Embratel vai ter que ser uma privatização cautelosa, porque envolve a banda X, que é de segurança nacional. (…) Você precisa garantir um controle societário tal, que seja independente em relação aos utilizadores da infra-estrutura da Embratel" (Correio Braziliense, 30/5/1998, pág. 1-24).

Não é necessário chamar a atenção aqui para a gravidade de uma situação em que o próprio Estado não tenha controle (nem acesso) a um sistema de comunicações. Uma Nota Oficial do Estado Maior das Forças Armadas, divulgada à época (19/6/1998), garantia que:

"No processo de privatização da Telebrás estão incluídos todos os instrumentos que asseguram de forma ampla e eficaz todos os interesses e necessidades ligadas à área de Segurança Nacional, o que inclui, naturalmente, os sistemas operados pelas Forças Armadas e da estrutura básica do governo".

A privatização da Telebrás foi efetivada e não se tem notícia de que o assunto tenha sido tratado novamente, pelo menos de forma pública. Dez anos depois, um problema de saúde coletiva recoloca – agora, por um novo ângulo – a questão estratégica do controle e do acesso do Estado a um sistema próprio de comunicações.

Complementaridade dos sistemas

No momento em que se discute no Congresso Nacional a MP 398/07, que cria a Empresa Brasil de Comunicação, talvez os senhores deputados e senadores seus opositores devessem levar em conta, acima de interesses partidários transitórios, a necessidade de um sistema de comunicação alternativo ao sistema privado que tenha o compromisso permanente de servir, em primeiro lugar, ao interesse público.

Vale constatar, ainda mais uma vez, a sabedoria dos constituintes de 1987-88 que incluíram na Constituição o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão (Artigo 223). A cobertura jornalística recente dos casos de febre amarela silvestre não deixa dúvida sobre a necessidade estratégica dessa complementaridade.

* Venícia A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

TVE-RS: por que a governadora precisa de um conselho

Não é de hoje. Quando se fala em TVE e FM Cultura no estado do Rio Grande do Sul, a tela é sempre pintada nos mesmos tons. A paisagem vai de um vermelho de estagnação até o preto de abandono. Muitos governos passaram, outro está aí, e a sensação é de que sobram diagnósticos desanimadores, críticas interessadas e faltam propostas. Apesar do título, este texto não pretende ser uma provocação gratuita endereçada à governadora Yeda Crusius. Muito menos contém qualquer alternativa mágica para as duas principais emissoras educativas do Rio Grande do Sul. [Em agosto deste ano comemoram-se os 40 anos da assinatura do convênio entre os governos federal e estadual que estabeleceu os termos para a utilização do canal 7 de Porto Alegre por uma televisão educativa.] É um aceno público no sentido de estabelecer um diálogo a partir de um ponto de vista relativamente privilegiado. No lugar do conflito, a intenção é o consenso. Em vez de plantar mitos, a idéia é cultivar saídas em parceria com o Estado e a sociedade.

Comecemos pelos mitos. Guardadas as nuances e a origem dos avaliadores, a falta de rumo seria basicamente motivada pela falta de uma política de financiamento e de gestão da Fundação Cultural Piratini. O primeiro é o mais batido: a rádio e a TV são maus negócios para o Estado e os contribuintes. Custam cerca de 15 milhões de reais/ano para os cofres públicos e arrecadam menos de 700 mil reais em apoios culturais e convênios. Isso representa um gasto mensal de 1,3 milhão de reais frente a um repasse do governo de 1,2 milhão de reais. Ou seja, de cara a conta não fecha. Somente o prédio onde está instalada sua sede custa 25 mil reais de aluguel, pagos ao INSS, além de outros 7 mil reais exigidos para sua manutenção. A quase totalidade do orçamento da Fundação é usada para gastos com pessoal – são cerca de 250 funcionários.

Posta nestes termos, a realidade pintada parece tenebrosa. Um caso perdido, como diriam alguns deputados e formadores de opinião gaúchos. Só que Estado não faz negócios. Entre outras tarefas, arrecada tributos e presta serviços. E a missão da Fundação Piratini (mantenedora das duas emissoras) se encaixa perfeitamente na segunda. Sua função social vai muito além de render altos índices de audiência e faturar com publicidade. É ela que dá aos gaúchos uma visão de um Rio Grande pouco explorado pelas redes nacionais de TV, que têm seu umbigo encravado no eixo Rio-São Paulo e seu olhar fixo no gráfico de receita.

Produção própria

A cerimônia de encerramento do Festival de Cinema de Gramado, os festivais da canção nativista, a posse da mesa da Assembléia Legislativa, a Festa da Uva, a transparência das ações governamentais em matérias de interesse público, as campanhas de esclarecimento, um programa infantil para os pequenos, de música e entrevistas para o jovem, de informação para o consumidor. Necessariamente, esse tipo de conteúdo não dá lucro. Nem atrai a maior parte dos telespectadores. Mas, como dizem os mais liberais, o papel do Estado é atuar em áreas e atividades que não atraiam a iniciativa privada ou onde não lhe interessa estar.

Se for encarado por este prisma, o valor gasto pelo contribuinte gaúcho para manter uma rádio e uma TV pública é irrisório. Cerca de 1,40 real/ano por morador ou 4,40 reais por domicílio com receptor de TV. [Os dados de referência são da PNAD 2006, do IBGE. Total de domicílios permanentes com TV no RS: 3,408 milhões. Total de moradores nestes domicílios: 10,583 milhões.]

Para onde vão estes recursos? Os 15 milhões de reais citados mantêm funcionando a segunda maior rede de televisão do estado em termos de cobertura, cujo patrimônio é estimado em 10 milhões de dólares. Potencialmente, a programação da TVE pode atingir 70% da população gaúcha. Seu parque técnico, que inclui cerca de três dezenas de retransmissoras espalhadas pelo interior, está avaliado em 4,5 milhões de dólares. Seu acervo inclui horas de imagens que preservam momentos marcantes da história do Rio Grande do Sul. Sua grade de programação é composta por 35% de produções próprias, um porcentual duas vezes maior que o de muitas TVs comerciais do Brasil e do estado.

O "problema" da gestão

O segundo mito, um problema endêmico de gestão, é alimentado por um argumento reproduzido por muitos governantes que passaram pelo Palácio Piratini. "Quem paga, manda." Com esse raciocínio em mente, o mandatário de plantão sente-se no direito de conduzir a Fundação como se fosse um instrumento de seu governo. Raramente os postos de comando são ocupados por profissionais com algum conhecimento da área. Normalmente, suas diretorias são distribuídas pelo velho jogo das alianças políticas. Como resultado, a permanência média dos presidentes foi de nove meses nos últimos quatro anos [de abril de 2004 até o momento, passaram pela Fundação cinco presidentes diferentes]. Qual empresa conseguiria cumprir sua missão com tamanha rotatividade?

Conforme demonstrado acima, não é o governo quem paga pelas emissoras educativas. Logo, não é ele quem deveria mandar. No caso de uma fundação pública, o poder precisa ser dividido com a sociedade. O Conselho Deliberativo da Fundação Piratini é formado por 25 membros. Somente dois deles são indicados pelo Executivo (secretarias estaduais da Cultura e da Educação) e um pelo Poder Legislativo (Comissão de Educação da Assembléia). As vagas restantes são ocupadas por representações da sociedade civil como sindicatos, associações empresariais, instituições de ensino e de imprensa, além de seis membros eleitos com contribuições relevantes à causa das comunicações e um representante dos funcionários.

Por mais utópico que isso possa parecer, a composição do Conselho reflete o real jogo de forças que emana da sociedade. Os debates em seu interior são muitas vezes acirrados e muitas propostas são discutidas por pessoas que não recebem remuneração para se dedicar à causa da comunicação pública. Infelizmente, as atribuições deste espaço público são podadas por uma legislação que impede o Conselho de atuar com a autonomia que lhe foi conferida. Deliberativo no nome, suas competências acabam sendo meramente consultivas de fato. Não por acaso, esta é a primeira vez em 11 anos que um chefe do governo recebe oficialmente seus representantes, dando um atestado de maturidade política e abertura ao diálogo.

Sistema público de comunicação

Em tempos de televisão digital e constituição de uma rede nacional de TV pública, acreditamos que está na hora de os gaúchos darem um passo a frente. Por que não pensar a TVE e a FM Cultura como âncoras de um inédito sistema público de comunicação que vá muito além da mera extensão do núcleo de propaganda do Poder Executivo? Por que não imaginar um consórcio de emissoras sem fins comerciais que possa explorar, de forma compartilhada, a infra-estrutura e os recursos para produção de conteúdos que promovam a cidadania e a cultura gaúchas? Por que não entender que as empresas com sede no estado podem apoiar uma rede pública nestes moldes visando um retorno de médio prazo para sua imagem institucional?

Tecnologia e recursos para isso existem. Com a implantação da TV digital no Brasil, um canal que atualmente carrega o sinal da TVE analógica poderá carregar até quatro sinais digitais com qualidade de DVD. Com pouco investimento, seria possível passar a transportar dentro do mesmo sistema de geração e retransmissão da Fundação Piratini outras três programações. Hipoteticamente, por que não oferecer um canal da TVE, outro da TV Assembléia [o orçamento da TV Assembléia, sintonizável apenas em cidades com operação de TV a cabo, já representa um terço do valor gasto com a Fundação Piratini], um terceiro de um consórcio de universidades e ainda uma programação eclética composta de produções independentes nacionais e regionais? Ou usar uma parte da banda de transmissão para oferecer um canal de educação a distância? Seria uma experiência pioneira no Brasil.

Juntamente com as prefeituras e outros organismos de caráter público e educativo, a Fundação Piratini lideraria um sistema com um quarto das emissoras de televisão do estado e mais da metade das retransmissoras. Fazendo uma estimativa modesta, este grupo de veículos seria impulsionado por um orçamento anual conjunto de pelo menos 50 milhões de reais. A diversidade criada com este sistema garantiria a independência de sua gestão e a continuidade de seu financiamento.

Sistema público de televisão no RS:

 

Origem

TVs

RTVs

FCPRTV

1

27

Universidades

4

0

TV Câmara

1*

0

TV Assembléia

1*

0

TV Justiça

1*

0

POATV (canal comunitário)

1*

0

Demais fundações

0

4

Prefeituras

0

274

CEEE

0

7

Total de estações públicas

9

312

Total geral UF (públicas e privadas)

34

538

% sobre total geral

26%

58%

 

 

 

 

 

 

 

 

Considerar qualquer solução mágica para a Fundação sem levar em conta este diagnóstico e os caminhos abertos pelo futuro da comunicação pública é enveredar por um caminho já percorrido sem sucesso. O embrião para uma saída estruturante – para usar um termo caro à governadora – passa por uma proposta de ajuda financeira emergencial que o Conselho lhe apresentará em audiência na tarde de terça-feira (12/2). Passa também por uma articulação com a Assembléia Legislativa, prefeituras e universidades para desencadear o esforço de criação da rede de retransmissoras públicas. Passa, por fim, por um pacote de medidas que não vise apenas a redução da dívida, buscando um equilíbrio contábil passageiro e de alto custo social e político. O Conselho Deliberativo da Fundação Piratini quer discutir estas e outras questões não apenas com a governadora. Este debate precisa ser feito juntamente com o maior interessado no assunto: o povo gaúcho.

***

Em tempo: A governadora Yeda Crusius cancelou na última hora a audiência marcada para a tarde de terça-feira (12/2) e ainda não marcou nova data.

* James Görgen é jornalista, vice-presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Cultural Piratini – Rádio e Televisão

Fusão Oi/BrT: o consumidor nacional

A FUSÃO Oi, antiga Telemar, e Brasil Telecom vem gerando um caloroso debate. As manifestações de preocupação se baseiam, como não poderia deixar de ser, no receio de que a empresa resultante viesse a afetar negativamente os consumidores. Assim, sem a pretensão de esgotar o tema, creio ser importante analisar o que representará a fusão para os usuários dos serviços prestados por essas operadoras.
No setor de telecomunicações, os principais serviços adquiridos pela população são os serviços de voz, que nos permitem falar ao telefone, e de acesso à internet. Em relação aos serviços de voz, os usuários, estimulados pela mobilidade e pelos planos de pagamento oferecidos, vêm cada vez mais preferindo o uso do telefone celular ao telefone fixo. Assim, no que diz respeito à telefonia móvel celular, o que poderíamos esperar com a fusão Oi/BrT?

Atualmente, apenas três operadoras podem oferecer o serviço de telefonia móvel em todo o país: Vivo, TIM e Claro. A Oi só oferece o serviço nos Estados da região Sudeste, Nordeste e parte da Norte, e a Brasil Telecom GSM só o fornece no restante dos Estados da região Norte, na região Centro-Oeste e na Sul. Com a fusão, deverá surgir uma nova operadora com capacidade para prover o serviço em todo o país, aumentando, portanto, a concorrência e os benefícios a ela associados.

Na telefonia fixa, hoje, grosso modo, a Oi oferece o serviço nos Estados da região Sudeste -exceto o Estado de São Paulo-, Nordeste e parte da região Norte, e a Brasil Telecom, no restante dos Estados da região Norte, na região Centro-Oeste e na Sul.

Assim, observamos que não há coincidência nas áreas de atuação das duas concessionárias. Dessa forma, a operação não deve criar nenhuma mudança na concorrência em cada uma das áreas de atuação das empresas e, por causa disso, não há indícios de prejuízos para os consumidores.

Ainda assim, os consumidores poderiam se sentir atingidos pela argumentação de que a fusão eliminaria a possibilidade de, no futuro, a Oi oferecer o serviço de telefone fixo nos Estados atendidos pela Brasil Telecom e vice-versa.

No entanto, para que isso venha a ocorrer, as empresas teriam que investir em uma região em que elas não têm rede para vender telefone fixo, um serviço que o consumidor já dispõe e que parece disposto a usar cada vez menos. Uma hipótese, portanto, bastante difícil de se concretizar.

Porém, e no caso da oferta de acesso à internet para computadores pessoais? Sendo um mercado em crescimento, a competição entre as operadoras não seria inevitável? Atualmente, o serviço de acesso fixo à internet pelo computador pessoal é prestado nos Estados do Brasil pelas operadoras locais e por outros fornecedores. Além disso, o início das operações do telefone celular de terceira geração, previsto para os próximos anos, criará uma nova opção de acesso pelos computadores à internet em alta velocidade, aumentando ainda mais a competição.

Com tudo isso, parece também difícil imaginar uma operadora fixa disposta a investir na oferta de acesso fixo à internet em uma região em que ainda não possua uma rede.

No entanto, apesar dos argumentos acima expostos, as restrições regulatórias hoje em vigor impedem um debate mais profundo sobre os efeitos dessa operação para a sociedade.

Com efeito, sem uma modificação no Plano Geral de Outorgas, uma eventual fusão Oi/BrT esbarraria em questões jurídicas que impediriam sua análise pelos órgãos competentes. Isso caminha, na verdade, no sentido contrário do que aponta a experiência internacional.

Sendo assim, o Brasil é, nesse sentido, uma exceção, indicando que a lógica da restrição vigente no Plano Geral de Outorgas precisa ser revista. Portanto, o que podemos concluir é que, antes de tentar esgotar o debate, deve-se permitir que os órgãos competentes, Anatel, Cade e CVM, entre outros, analisem com profundidade os riscos e benefícios para a sociedade de uma operação dessa natureza.

* MARCIO COUTO, 46, é economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas e ex-superintendente-executivo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações).

Fusão Oi/BrT: um benefício às avessas

O GRUPO Oi teria chegado a um acordo sobre a aquisição da BrT (Brasil Telecom), operação que depende de mudança no marco legal do setor de telecomunicações. A aquisição justificar-se-ia pela preservação de uma empresa de capital nacional, ameaçada pela força das teles estrangeiras.

Em 1998, na privatização do setor, foi editado o Plano Geral de Outorgas, decreto que dividiu o país em quatro regiões: uma (todo o Brasil) só para os serviços de ligações de longa distância e três regiões para o serviço local. Leiloada a infra-estrutura de telecomunicações, uma concessionária assumiu cada região (com metas de universalização), ficando proibida de atuar sob concessão nas demais áreas.

Na prática, o modelo buscava impedir justamente o que hoje se discute: a aquisição de uma empresa por outra.

Na região 3 (SP), opera a espanhola Telefônica. No resto do Brasil, atuam Oi (1) e BrT (2). Para incentivar a competição, esperava-se a criação de empresas-espelho, as quais prestariam o serviço sem obrigações de universalização. Após cumprir suas metas de universalização, cada concessionária poderia "invadir" a região das outras mediante autorização. O objetivo era claro: possibilitar alguma concorrência entre as empresas.

O modelo aumentou a disponibilidade de linhas, mas a competição não vingou e a universalização visualizada está longe de ser atingida. Sem competição, as tarifas ficaram impeditivas para a maioria da população e, desde 2002, o setor de telefonia fixa estacionou em 39 milhões de linhas ativas, enquanto a telefonia celular cresceu impulsionada pelo serviço pré-pago, que corresponde a 80,66% dos atuais 120 milhões de celulares.

É uma universalização às avessas: o pré-pago móvel tem tarifas muito superiores às do fixo (o consumidor tem o telefone, mas não pode usá-lo); as empresas que prestam o serviço móvel não têm obrigações de universalização; e, ainda, são quase todas controladas pelas próprias concessionárias de telefonia fixa. Com a aquisição da BrT pela Oi, o quadro tende a se agravar.

Na telefonia fixa, estará definitivamente enterrada a possibilidade de que a Oi venha a disputar os clientes da BrT na região 2 e vice-versa. Na móvel, a única empresa controlada apenas parcialmente por uma concessionária (TIM) pode fundir-se com a Vivo (da Telefônica) em uma medida de compensação à operadora espanhola.

E, no que diz respeito à internet, a principal estrutura (telefonia fixa) utilizada para o brasileiro se conectar (77% dos internautas em 2006) terá menos um competidor.

Antes de levar adiante essa operação, portanto, é preciso que o governo federal demonstre claramente qual o interesse público que procura atender, bem como qual o risco caso as empresas não se unam. Para o Idec, a possibilidade de competir no exterior com uma empresa de capital nacional, por exemplo, não beneficiará verdadeiramente o consumidor brasileiro.

Dessa forma, na apresentação da proposta à sociedade, governo e Anatel terão que apresentar medidas que compensem a inexistência de competição, adotando regulação mais forte e vetando, a qualquer custo, outras fusões. Deverão insistir em medidas que criem condições para a entrada de competidores no mercado residencial, como a desagregação das redes, e que impeçam que as concessionárias controlem o acesso à internet por outras vias (como cabo e WiMax).

E, muito importante para os consumidores, deverão adotar providências e impor obrigações que evitem problemas comuns em operações dessa natureza, como a queda na qualidade do serviço e modificações unilaterais de contratos. A Anatel terá que se mostrar um regulador forte e presente para proteger os consumidores, algo que ela ainda não é.

Acima de tudo, tais medidas devem ser debatidas em consulta pública, com prazos e condições razoáveis, para que todos os interessados possam participar. Do contrário, a aquisição não atenderá os interesses da coletividade, mas somente os dos particulares envolvidos na operação.

* MARILENA LAZZARINI, 59, é coordenadora-executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).
* LUIZ FERNANDO MONCAU, 25, é advogado do Idec.