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Por que precisamos de um movimento para mulheres ocuparem a mídia

Por Mônica Mourão

Depois de protagonizarem manifestações contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que, com o Projeto de Lei (PL) 5069, ameaça direitos sexuais e reprodutivos duramente conquistados, as mulheres agora ocupam a mídia.

Nesta semana, colunas, blogs e outros espaços autorais produzidos por homens estão escutando o que as mulheres têm a dizer: ao invés de textos deles, textos delas. Textos nossos.

A imagem estereotipada da mulher na mídia já é bastante debatida – e criticada. O que não significa que seja um tema superado. Afinal, “não se pode ser o que não se vê”, ou “you can’t be what you can’t see”, nas palavras de Marian Wright Edelman, ativista dos Estados Unidos pelos direitos das crianças.

Lá, The Representation Project acompanha a representação da mulher nos meios de comunicação, celebra alguns avanços e, principalmente, denuncia: se o que se vê é majoritariamente a exibição de corpos com um padrão de beleza inatingível, mostrados como objetos para o consumo masculino, será difícil que meninas possam ser autônomas e protagonistas de suas histórias de vida.

No Brasil, não é muito diferente. Como em diversas outras questões, as mulheres negras sofrem ainda mais, representadas de forma hipersexualizada. Por conta de propaganda com esse teor, a cervejaria Devassa foi processada pelo Ministério Público, em 2013.

Neste ano, a repórter Maria Julia Coutinho, conhecida como Maju, a “moça do tempo” doJornal Nacional, foi vítima de racismo na internet. Houve manifestação de solidariedade dos colegas de telejornal, mas ela decidiu não fazer nenhuma denúncia contra os agressores, postura oposta à da atriz Taís Araújo.

Ofendida nas redes sociais nessa semana, ela afirmou que vai processar os autores dos comentários. Afinal, racismo é crime.

Além de não se poder ser o que não se pode ver, é difícil mostrar aquilo que não se é. Se vivemos numa sociedade machista, óbvio, diversas ideias e valores machistas estão presentes também entre nós, mulheres. Porém, também somos muitas as que lutam contra essas ideias.

Vivemos experiências particulares por sermos mulheres. Ou, mesmo quando estamos de acordo com o que dizem alguns homens, são eles, não nós, que reverberam esses pensamentos. Da maneira deles, não da nossa. A mídia é feita principalmente por homens, e por homens brancos, o que diminui consideravelmente a diversidade de pontos de vista que conhecemos sobre o mundo.

Numa breve pesquisa, a título de exemplo, contamos quantos colunistas são homens e quantas são mulheres em dois veículos de comunicação das maiores cidades do país.

De 122 colunas da Folha de S.Paulo, 34 são assinadas por mulheres, uma por crianças que se revezam a cada mês e as demais 87 por homens. No portal G1, a lista de colunas e blogs apresenta apenas 26 no total, sendo que nove são feitas por mulheres.

Mas o mundo virtual é muito mais dinâmico e o que “bomba” mesmo são canais do YouTube? Em matéria do Correio Braziliense de fevereiro desse ano, a lista dos cinco canais mais acessados no Brasil revela que apenas um é feito por uma mulher, o5incominutos, em quarto lugar em número de inscritos e acessos.

Em terceiro, o canal de humor Galo Frito, no vídeo postado na matéria, faz uma paródia do clipe Gagnam Style: “Eu vou te encoxar, te encoxar” é o refrão dessa produção assinada por homens e mulheres. Impossível ser mais representativo da cultura do estupro.

O canal número 1, Porta dos Fundos, não tem roteiristas mulheres (com raríssimas exceções, como um roteiro de coautoria de Clarice Falcão e Gregório Duvivier) e apenas recentemente uma mulher se reveza na função de direção.

Isso não significa que estamos caladas. Resistimos nos blogs e sites Blogueiras Feministas, Lugar de Mulher, Geledés, Escreva Lola Escreva, na coluna da pesquisadora Djamila Ribeiro aqui neste portal, no canal Jout Jout Prazer. A página de Jout Jout no Facebook foi derrubada; um site falso foi feito em nome da professora Lola, que sofre ameças de morte, estupro e, mais recentemente, de demissão.

Organizamo-nos através da Rede Mulher e Mídia, uma articulação formada em 2009 por entidades e ativistas que discutem e denunciam a representação e a presença da mulher nos meios de comunicação.

Lutamos, junto com o movimento pela democratização da comunicação, por uma regulação dos meios que garanta mais diversidade e espaço para a veiculação de conteúdos e produções de todos os setores sociais, o que inclui mulheres negras, lésbicas, idosas, com deficiência e de todas as regiões do Brasil.

Nessa semana, ocupamos os espaços deles para falar de nós. Mas sabemos falar de muitos outros temas. Temos assunto para muito mais de uma semana.

Que o #AgoraÉQueSãoElas não apenas mostre o que temos a dizer, mas mostre o quanto ainda não temos espaço suficiente para dizê-lo. Porque representatividade importa e porque sabemos: os nossos direitos quem conquistamos somos nós.

*Mônica Mourão é jornalista, feminista e integrante do Intervozes.

A mídia tradicional e a negação do projeto de direito de resposta

Por Bia Barbosa*

Não é fácil admitir que nós, jornalistas, também erramos. E que nosso erro pode fazer muito mal aos outros. Nos bancos das faculdades de comunicação, muito pouco se debate, com profundidade, sobre ética jornalística, sobre a responsabilidade que os meios de comunicação de massa devem ter ao divulgar fatos e dados. Muito menos sobre o direito que o outro, de quem falamos ou escrevemos, tem de ser ouvido e tratado com igual respeito.

Essa sensação de poder só se reforça quando chegamos às redações. Ali, o culto ao absolutismo da liberdade de imprensa é martelado cotidianamente em nossas cabeças pelos colegas “mais experientes”, pelos chefes e pelos donos do veículo. Qualquer restrição à atuação do jornalista – incluindo a necessidade de dar voz a todos os lados envolvidos numa história – é rapidamente tachada de censura.

Esta semana, uma vez mais, os tradicionais veículos de comunicação do país se levantaram contra um direito fundamental, consagrado internacionalmente muito antes da própria Constituição brasileira incorporá-lo em nosso ordenamento jurídico, alegando “risco à liberdade de expressão”. Liberdade de quem?

Depois de três anos tramitando no Congresso, a Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 20, o PL 6446, que regulamenta a garantia do direito de resposta. Desde a revogação total, pelo Supremo Tribunal Federal, em 2009, da Lei de Imprensa, o dispositivo constitucional não conta com uma lei específica que detalhe como os meios de comunicação devem proceder em caso de erro ou ofensa praticada contra qualquer cidadão.

Por conta disso, são inúmeros os casos de pessoas que não conseguem exercer seu direito de resposta contra o mau jornalismo, mesmo que a Constituição o garanta. O texto, modificado, ainda voltará ao Senado, mas já vem sendo alvo de críticas contundentes daqueles que não querem respeitar qualquer regra para operar seu negócio (no caso, vender jornal e revista ou lucrar com os anúncios publicitários no rádio e na TV).

Em editorial do último domingo, o Estadão afirma que o projeto é um “verdadeiro instrumento de coação a quem queira se manifestar”. Isso porque, para o jornal, só teria direito de resposta aquele que fosse vítima de uma informação errada de um veículo, e não quem também fosse ofendido pela imprensa.

Acontece que a nossa legislação em vigor já garante que um veículo ou jornalista possa ser processado por injúria, calúnia ou difamação – condutas que, como se sabe, vão bem além da veiculação de informações comprovadamente inverídicas, e se enquadram nos chamados “crimes contra a honra”, que existem em todo o mundo.

O que não existe, aqui no Brasil, e o PL 6446/13, de autoria do senador Roberto Requião, propõe restabelecer, é um rito para que o direito de resposta seja garantido, e não dependa do bel prazer dos veículos de comunicação. Ao contrário do que afirma o Estadão, os Códigos Civil e Penal do país não tem assegurado a reparação de danos advindos da atividade jornalística. Muito pelo contrário. Há casos que estão há mais de cinco anos à espera de um posicionamento da Justiça – que, aliás, nem precisaria ser acionada, caso os veículos fossem capazes de admitir seus erros e abrir espaço para o contraditório em suas páginas ou programas na TV e no rádio.

Caso o projeto venha a ser aprovado no Senado, o juiz poderá se manifestar nas 24 horas seguintes à citação, já determinando a data e demais condições para a veiculação da resposta. Ou seja, será garantida agilidade nos processos e, assim, efetividade na resposta do cidadão ofendido. Afinal, de que adianta um direito de resposta concedido cinco anos depois do dano causado? Muito pouco…

Além do prazo, o projeto também garante a resposta ou retificação na mesma proporção do agravo, com divulgação gratuita. Ou seja, não vale mais dar uma notinha no rodapé da última página do jornal para retratar um erro cometido em uma manchete de primeira página. Nem ler duas frases no telejornal para retificar uma reportagem de cinco minutos. Muito menos corrigir um erro cometido em horário nobre na programação da madrugada.

E isso é democrático; fundamental para estimular o exercício da boa prática jornalística, para um retorno à credibilidade da imprensa pela sociedade e para equilibrar minimamente o poder de divulgação dos meios de comunicação com os direitos dos cidadãos e cidadãs, reforçando a importância de uma mídia democrática e plural no país.

Lobby midiático

Não é só agora, pós-votação do projeto na Câmara, que os meios de comunicação estão se posicionando sobre o texto. Durante toda a tramitação do PL, as associações que representam os veículos impressos e de radiodifusão no país pressionaram fortemente os partidos políticos e parlamentares para que o direito de resposta continuasse desregulamentado. Além de prorrogar a votação do projeto, que estava pronto há meses para ser apreciado pelo plenário, os donos da mídia convenceram parte importante dos deputados contra o texto.

Durante a votação, o deputado Miro Teixeira (Rede/RJ) chegou a declarar que os homens públicos já têm acesso aos meios de comunicação para responder aos erros e ofensas publicados, seja por meio de notas ou pela convocação de entrevistas coletivas. Mas e o cidadão comum, deputado, faz como? Para o deputado Sandro Alex (PPS/PR), a projeto é um retrocesso, e representa a censura, “o controle da mídia”. Como assim, se o direito de resposta só será veiculado após a publicação de um fato inverídico ou ofensa e depois de uma decisão judicial equilibrada?

É exatamente o contrário. Na prática, a regulamentação do direito de resposta garante mais diversidade de opiniões e mais pluralidade – e não menos. Nenhum jornalista ou veículos será impedido de investigar o que quiser e de publicar suas opiniões. Somente deverá abrir espaço para outros lados e para correções caso já não faça isso no próprio exercício de suas funções ou publique informação mentirosa. Do contrário, tudo continua como está.

O lobby midiático conquistou ainda os votos do DEM e do PSDB contrários ao projeto. E conseguiu alterar, na Câmara, um dos aspectos do texto que saiu do Senado: a possibilidade do próprio cidadão ofendido se pronunciar, pessoalmente, no rádio ou na TV para exercer sua resposta. Na versão que passou na Câmara, são os profissionais do veículo que devem divulgar a resposta. Por conta disso, a aprovação da lei foi prorrogada uma vez mais, tendo o PL que passar novamente pelo Senado.

Mas a medida deve ser celebrada. Em plena Semana Nacional pela Democratização da Comunicação – que aconteceu em 14 estados da federação, entre os dias 14 e 21 de outubro, com debates, atos culturais e audiências públicas sobre o tema –, o Congresso Nacional deu uma boa notícia para a sociedade brasileira. A de que os princípios constitucionais relacionadas à área da comunicação devem ser regulamentados, para se tornarem prática.

Agora só falta fazer o mesmo com os artigos que proíbem o monopólio dos meios de comunicação e a concentração de meios no setor privado (prevendo sua complementaridade com os canais públicos e estatais) e os dispositivos que garantem espaço para a programação regional e independente nos meios. A pressão contrária dos grandes meios continua, obviamente. Mas a aprovação do PL do direito de resposta, numa Câmara dos Deputados presidida por Eduardo Cunha, mostra que nem tudo está perdido.

* Bia Barbosa é jornalista, integrante da Coordenação Executiva do Intervozes e do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

O que o direito à comunicação tem a ver com você?

Por Raquel Dantas*

A comunicação é algo tão natural da nossa lógica de funcionamento humano e tão intrínseca a nossa existência em sociedade que dificilmente percebemos as várias limitações que se apresentam a nós, cidadãs e cidadãos, no seu exercício.

Afinal, estamos nos comunicando a todo instante. Talvez por isso seja difícil, a princípio, identificar a comunicação no rol dos direitos básicos e fundamentais como outros que facilmente surgem a nossa cabeça quando pensamos sobre eles ou nos dispomos a reivindicá-los. A noção de direito denota algo que precisou ser caracterizado como tal para que pudesse ser garantido a todas e todos. Ou seja, um aspecto da vida social que claramente coloca em cheque a dignidade e a justiça entre os cidadãos se for reservado a uns e a outros não. Apesar de ser um desses direitos, a maior parte de nós não compreende a comunicação como tal. E, consequentemente, não identifica como ele pode ser violado. Se você não sabe que tem um determinado direito, como você saberá que ele está sendo violado? Essa é a premissa!

Você pode matutar aí com seus botões que liberdade de expressão e acesso à informação caracterizam o direito à comunicação; e ficar tranquilo considerando que esses dois aspectos são facilmente resolvidos se você consegue falar o que pensa e tem meios de comunicação aos quais pode recorrer, conforme as suas escolhas, que lhe garantam o conhecimento sobre os fatos do mundo. Tudo bem se não houver barreiras para isso. Mas você fatalmente tem. E não se “preocupe” que não é exclusividade sua. Seus amigos, familiares, vizinhos, colegas de trabalho, assim como eu, também estamos na mesma.

Liberdade de expressão é um termo lindo (se não avançarmos sobre a dignidade do outro) e essencial para qualquer sociedade que se preze democrática. No entanto, ela está bem além da capacidade natural do alcance das nossas vozes. Por quê? Porque nossas diferentes visões de mundo, nossas múltiplas características culturais, nossos diversos grupos sociais, todos devem estar representados nos meios de comunicação de massa. Falo daqueles que chegam às casas de praticamente todos os brasileiros e que são espaços públicos, concedidos pelo Estado para que empresas operem: o serviço de radiodifusão – rádios e tvs.

Eu e você devemos ter mecanismos para expressar nossas opiniões no mesmo patamar de alcance desses grandes meios. Só que você talvez não consiga espaço nos já existentes. Muita gente nunca vai conseguir. Podemos ter conhecimentos técnicos para montar uma TV ou uma rádio, por exemplo, mas talvez nos falte grana. E o principal: se não formos política ou economicamente influentes, o Estado não nos dará autorização para que tenhamos nosso próprio veículo. Ou vamos enfrentar muita burocracia e tempo para conseguir, quem sabe, uma autorização para montar uma rádio comunitária que não vai poder chegar a 1 km de raio do ponto de transmissão. E se inventarmos de tentar sem permissão, vai ter polícia levando equipamento, multa e até prisão. A tentativa de exercer o direito de falar, nesses casos, é tratado como crime. Mas quando um veículo de grandes proporções (como a maioria) comete um erro, como por exemplo, criminalizar publicamente alguém sem esta tenha cometido de fato um crime, essa pessoa não tem mecanismos acessíveis para fazer com que o veículo seja responsabilizado e fazer com que todo mundo tenha a possibilidade de saber que houve uma injustiça. Você sabia que isso deveria ser garantido? É só pensar que poderia ser com você.

Um morador de rua, muito provavelmente, também não poderá fazer sua voz ser ouvida no jornal, porque não será entrevistado numa matéria sobre direito à cidade. Terão como fontes um especialista, um acadêmico e um pedestre que tem onde morar. Também vai ser difícil algum programa de TV querer saber o que um jovem da periferia pensa sobre a violência e se ele concorda ou não com a redução da maioridade penal. O silenciamento de alguns grupos ou indivíduos é uma forma de criminalização. É lhe negar o direito à expressão, e muito mais. Lhe negar o direito à própria cidadania, já que sem representatividade você não existe para reivindicar um espaço na sociedade. Isso também caracteriza o direito à comunicação.

O acesso à informação é outro aspecto caro numa sociedade que respeita os cidadãos e zela por sua participação política. Infelizmente, grandes grupos – que possuem praticamente todos os meios – falam a partir de um mesmo patamar social, econômico, e até com lentes políticas muito semelhantes. Como saber algo que está fora dessas zonas de interesse? Afinal, quem tem poder tem informação a guardar para preservar seu status.

Ok! Mas tem também a internet que dá a possibilidade de acesso livre às informações. Mas quem disse que o acesso é fácil? Você sabia que metade dos brasileiros não tem acesso à internet? Pois é. E até você que tem como pagar um plano de internet caro e está acessando esse conteúdo agora, sabe que o seu acesso é bem aquém do que deveria ser. Não é? Fora isso, nosso uso da rede está dominado por grandes empresas como o Google e o Facebook que monitoram por onde navegamos, armazenam nossos dados, e ainda limitam o que temos acesso pelo nosso poder de compra e pelo ranking de coisas que foram pagas para estarem no topo da lista das buscas online sobre qualquer assunto que você procure. O mundo é muito mais plural do que a nossa timelime e há muita coisa no mundo virtual e na vida fora da internet que nos diz respeito e a gente não faz a menor ideia.

A não ser que você seja amiga ou amigo do dono de uma emissora de TV ou rádio; um político influente amigo do dono; ou que você mesmo seja dono ou dona de um grande veículo de comunicação, o seu direito à comunicação também está sendo violado. Apesar de tudo o que nos cerca na atualidade estar tão mergulhado no mundo da informação, isso não quer dizer que temos igualmente acesso a variados meios, e que esses meios estão nos oferecendo informação de qualidade; que conseguem representar nossa pluralidade de vozes; que temos como obter informação variada sobre os mesmos temas para que possamos chegar a nossas próprias conclusões sobre o que é de interesse público; que estejamos usando o incrível potencial revolucionário da internet em prol da evolução da sociedade e do bem comum; que as comunidades rurais e as periferias estejam se apropriando do seu direito à comunicação e fazendo seus próprios veículos alternativos; que a mulher negra consegue se defender do racismo e machismo das propagandas de cerveja. Em tudo isso e muito mais, a informação tem um potencial de grande impacto: transformar consciências. Conhecer é deixar de ser alheio a algo. Quando se trata de alguma coisa que lhe diz respeito, é ter nas mãos a possibilidade de agir, reivindicar. E reivindicar é nada mais do que exercitar a cidadania. Essa ilusão do conhecimento que nos deixa alheio ao nosso direito à comunicação sempre servirá a alguém.

Na Semana em que comemoramos o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação, lanço a pergunta por todos os meios que consigam chegar até você: como seria nossa sociedade se deixássemos de ser alheios ao nosso direito à comunicação?

*Raquel Dantas é comunicadora popular do FCVSA/ASA pela Cáritas Regional Ceará e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Texto originalmente publicado no site da ASA Brasil.

Comunicações: moeda de troca evidencia falta de política

Por Jonas Valente*

Na última sexta-feira (2/10), a Presidenta Dilma Rousseff anunciou o que chamou de “reforma administrativa”, conjunto de medidas que teve como novidade uma reforma ministerial para reduzir pastas, ampliar a presença do PMDB na Esplanada e acomodar aliados. Entrou na lista de oferta a partidos da base o Ministério das Comunicações.

Ricardo Berzoini, até então no comando da área, foi colocado em uma turbinada Secretaria de Governo, que passa a reunir funções da Secretaria-Geral e da Secretaria de Relações Institucionais. O seu posto foi oferecido ao PDT, que escolheu o líder do partido na Câmara e deputado federal André Figueiredo (CE) para ocupar a pasta.

O uso do Minicom (como também é conhecido o Ministério pelos agentes do setor) como moeda de troca não é novo na história dos governos pós redemocratização. Mas após a gestão de um quadro forte do PT na pasta como Berzoini, que chegou com promessas de avanços, a retomada desse caráter para a pasta sinaliza novo retrocesso no setor.

O PDT volta a dirigir o órgão depois de 11 anos. O partido foi o primeiro a ocupar a vaga no governo Lula, em 2003, com o então deputado Miro Teixeira, que recentemente integrou o bonde de migrações para a Rede, de Marina Silva.

Teixeira teve mandato apagado na pasta, com algumas exceções, como o decreto que fixava diretrizes para o Sistema Brasileiro de Televisão Digital. Em 2004, deu lugar a Eunício de Oliveira (PMDB-CE), que também não disse a que veio e foi substituído pelo então senador Hélio Costa (PMDB-MG).

Costa imprimiu a agenda dos radiodifusores no Minicom, implantando o sistema de TV Digital nos moldes do que as Organizações Globo queriam, represando a entrada de novas emissoras no espectro e minando o aproveitamento de potencialidades como a interatividade que a nova tecnologia poderia trazer. Costa permaneceu na pasta praticamente todo o segundo mandato de Lula, saindo no fim para concorrer ao governo de Minas.

No primeiro governo Dilma, se o Ministério não foi usado para acomodar outros partidos, serviu de abrigo para um nome chave que teve de deixar pastas do núcleo do governo: Paulo Bernardo. A gestão do paranaense, que havia ocupado o Ministério do Planejamento, foi marcada pelo abandono de duas agendas ensaiadas no último ano do governo Lula:

1. A elaboração de um anteprojeto de novo marco regulatório das comunicações, iniciada por um grupo de trabalho então comandado pelo ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins,

2. O Plano Nacional de Banda Larga, a partir da Telebrás e do uso da infraestrutura de fibra sob controle do governo e das estatais.

O resultado do grupo de Martins foi colocado em uma gaveta e fechado a sete chaves. No segundo caso, o Ministério não só não deu continuidade aos planos de Lula de tirar o Brasil do atraso na oferta de banda larga como implementou políticas na linha do que os empresários defendiam: desonerações e recursos públicos para que as operadoras fizessem o básico, ou seja, investissem na oferta do serviço à população. A negociação para a venda de um “plano popular”, que alavancaria os acessos, foi um fracasso, e a ampliação do acesso se deveu ao crescimento da telefonia móvel 3G e 4G.

No segundo governo Dilma, sopraram, se não ventos, brisas de mudança. Ricardo Berzoini também era um quadro do núcleo político do PT, mas mais próximo aos movimentos sociais. Passou a, ao menos, apresentar publicamente a importância de um novo marco regulatório para a radiodifusão, que tirasse do papel os princípios previstos para o setor na Constituição Federal.

Mas nada se concretizou, e a agenda parece enterrada em meio ao cenário de crise política. Medidas que não dependem de mudanças legais (como a fiscalização e a punição de emissoras que violam a lei em diversos aspectos) também não foram implementadas. O programa “Banda Larga para Todos”, espécie de PNBL 2.0, também não prosperou e entrou nos cortes orçamentários. Nem mesmo o diálogo com as organizações da sociedade civil ocorreu dentro do que se esperava.

Incógnita

A chegada de André Figueiredo ao Ministério das Comunicações sinaliza um retrocesso, com a volta do uso da pasta como moeda de troca para a chamada governabilidade. Também repete a lógica de entregar o Ministério a quadros sem conhecimento da área. A falta total de contato do deputado com o tema instaura ainda um clima de incógnita quanto ao seu mandato.

As condições, definitivamente, não são boas. Um governo acuado, um PMDB cada vez mais empoderado e os grupos de comunicação operando como lideranças políticas do processo de desgaste são uma mistura temerária para uma agenda progressista. Soma-se a isso a movimentação do governo, incluindo aí a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), para tentar destruir, do setor de telecom, a lógica de obrigações de universalização, continuidade e controle tarifário criada após as privatizações nos anos 90 – com a possibilidade da entrega de mais de R$ 100 bilhões em bens do então Sistema Telebrás às concessionárias de telefonia fixa. O cenário não é animador.

Isso, no entanto, não justifica negar a necessidade de uma agenda neglicenciada nos últimos 13 anos. Sem uma atuação firme, as operadoras de telecomunicação seguem oferecendo serviços caros, inacessíveis e de baixa qualidade.

Sem um marco regulatório democrático e moderno para a radiodifusão, a democracia brasileira segue refém do poder político dos grandes grupos de comunicação e a população continua tendo acesso a uma programação centrada no eixo Rio-São Paulo e marcada por constantes violações de direitos humanos (neste sentido, a sociedade civil tem dado contribuição fundamental para o debate por meio do Projeto de Iniciativa Popular da Lei da Mídia Democrática).

Por isso, mesmo em momento de crise, é urgente e necessária uma agenda que tire o Ministério das Comunicações do imobilismo. O simples cumprimento dos dispositivos constitucionais e da legislação já seria um avanço importante, como no caso do respeito aos limites de anúncios publicitários, percentuais mínimos de conteúdos educativos e jornalísticos, proibição do controle de emissoras por políticos e punição por abusos na programação.

Da mesma forma, também se mostram essenciais o fortalecimento da comunicação pública e da Empresa Brasil de Comunicação e a desburocratização, descriminalização e o fortalecimento das rádios comunitárias. Nas telecomunciações, o cenário de cortes não pode sepultar a urgência de medidas robustas que garantam acesso barato, universal e de qualidade à banda larga. As tarefas não são poucas nem simples, mas o novo ministro André Figueiredo aceitou encará-las. Vamos ver se conseguirá cumpri-las.

* Jonas Valente é jornalista, doutorando em Sociologia pela UnB e integrante do Conselho Diretor do Intervozes.

Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.

Ministério Público fortalece ações por comunicação democrática

*Por Helena Martins

A omissão histórica dos governos brasileiros em relação ao setor da comunicação ganhou um oponente de peso nos últimos anos: o Ministério Público Federal (MPF). Detentor da missão de defender a ordem pública, o regime democrático e os interesses sociais e individuais, o órgão confirmou seu interesse em atuar pela garantia de direitos na comunicação em seminário realizado nesta semana, em São Paulo.

Promovido pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o encontro discutiu a regulação da mídia e o direito à comunicação, a partir das experiências brasileiras e de países tais como Argentina, Uruguai, Equador, Colômbia e Espanha.

No debate, que reuniu procuradores integrantes do Grupo de Trabalho sobre Comunicação do MPF, organizações da sociedade civil e estudiosos do tema, ficou claro o atraso do nosso País na adoção de políticas que garantam a pluralidade e a diversidade nos meios de comunicação.

Enquanto no Brasil se vivencia uma brutal desigualdade entre meios privados e públicos, o cerceamento da liberdade de expressão da maioria da população que não tem acesso aos veículos e a ausência de canais para a defesa do público, em países vizinhos há defensorias específicas, regras que limitam a concentração da propriedade e que garantem a presença de conteúdos regionais e independentes na mídia. Neles há também uma atuação decisiva do Estado para garantir que as normas saiam do papel, o que, infelizmente, também não encontra eco na realidade brasileira.

Há décadas analisando a comunicação brasileira, o jornalista Alberto Dines classificou o envolvimento do MPF na pauta como histórico, por anunciar o rompimento com a lógica do silêncio sobre a mídia e com a ausência de ações para efetivar os mecanismos de regulação existentes nas leis brasileiras.

Legislações estas que são ignoradas pelo órgão que têm a função garantir outorgas para a exploração do serviço de radiodifusão, fiscalizar o setor e, quando necessário, aplicar sanções, o Ministério das Comunicações (MiniCom).

O MiniCom, além de não tirar das suas gavetas as diversas propostas que tratam de um novo marco regulatório da comunicação, sequer tem utilizado as leis existentes no sentido de garantir um ambiente democrático e sanar o desrespeito que marca a atuação dos oligopólios midiáticos. Ao contrário, por diversas vezes a leitura jurídica feita pelo Ministério das Comunicações em relação às normas existentes é não apenas equivocada como legitimadora de práticas ilegais no setor.

Confirmação disso foi a resposta enviada por esse Ministério à denúncia feita pelo Intervozes das violações praticadas pelas emissoras Record e Band nos programas Cidade Alerta, apresentado por Marcelo Rezende, e Brasil Urgente, que tem José Luiz Datena à frente. Recentemente, eles exibiram, ao vivo, uma perseguição policial a dois suspeitos, chamados de “bandidos” e outros termos do gênero, praticaram incitação à violência e ainda legitimaram a ação das forças de segurança, que mataram os dois homens.

Apesar dos problemas flagrantes, o MiniCom ainda não sancionou as empresas. Na justificativa, o órgão disse que abriu um procedimento interno para estudar o caso, mas já alegou que tem o papel de fiscalizar apenas grades de programação e que uma sanção por incitação à prática de crime dependeria de uma decisão judicial.

Diante disso, uma atuação independente dos interesses que permeiam o vasto campo da comunicação é muito importante. Ela pode ser capaz de mostrar que os limites à concentração da propriedade são desrespeitados no País, que as concessões são públicas, mas seguem sendo tratadas como mercadoria, e que direitos não podem ser violados na mídia. Todas as ações podem ter mais impacto se capilarizadas nos estados, como propõe o projeto Ministério Público pelo Direito à Comunicação, site que reunirá mostras de boas práticas, ações judiciais e artigos sobre o tema.

Exemplos do que pode ser concretizado já existem. O Ministério Público Federal, em parceria com a sociedade civil, atuou contra transferências ilegais de concessões, como ocorreu quando a Abril anunciou a venda do canal que era ocupado pela MTV por R$ 290 milhões, sem sequer informar o Ministério das Comunicações sobre a intenção de fazer a transação.

No campo da regulação democrática do conteúdo, o MPF também tem sido importante para proteger direitos, como comprovam as várias ações movidas devido às violações de direitos humanos constatadas em programas, dos policialescos aos supostamente humorísticos. Entre essas ações, podemos citar a que resultou, em 2005, num direito de resposta na Rede TV! contra o programa Tardes Quentes, do apresentador João Kléber, que violava direitos da população LGBT; outra relativa à humilhação de um suspeito por uma repórter da Band Bahia; e, por fim, uma terceira que resultou na garantia de direito de resposta, também na Band, para reparar violações presentes em conteúdos exibidos pela emissora contra ateus. Sem dúvida, uma medida relevante para a defesa do Estado laico.

De forma geral, a criação do Fórum Interinstitucional pelo Direito à Comunicação (Findac), que reúne integrantes do MPF de São Paulo e representantes de organizações da sociedade civil, é uma mostra do potencial dessa parceria em favor da defesa do interesse coletivo. A partir dessa experiência, que neste ano foi vencedora do Prêmio República na categoria Constitucional, várias outras ações já foram promovidas, o que é fundamental para se conquistar medidas concretas e exemplares, bem como para ampliar e manter presente na agenda política do país o debate público sobre comunicação.

Uma mudança estrutural no setor é necessária para que, de fato, o direito à comunicação seja garantido para toda a população brasileira. Isso só vai ser efetivado com amplo debate público e muita vontade política de quem está à frente dos Poderes, especialmente do Executivo e do Legislativo. A falta de coragem para enfrentar os muitos interesses que permeiam o setor está clara e deve ser ainda mais abafada na atual conjuntura, marcada por retrocessos profundos em relação a direitos.

É claro que, como acontece em outras instituições,  o conservadorismo também está presente e tem força no Judiciário. Medidas tomadas por esse Poder contra a liberdade de expressão e que criminalizam movimentos sociais não deixam esquecer que esse é um campo de disputa intensa, inclusive de classes. Mas, também por isso, é importante destacar o trabalho daqueles e daquelas que, atuantes nesse espaço complexo e muitas vezes contraditório, abrem-se à boa discussão e à participação popular para fazer valer o Estado Democrático de Direito, como vem fazendo o Ministério Público Federal.

*Helena Martins é jornalista, membro do Conselho Diretor do Intervozes e integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

**Texto originalmente publicado no Blog do Intervozes na Carta Capital.