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Yeda Crusius e a corrupção na mídia

O jornalista Marco Aurélio Weissheimer, da Carta Maior, encontrou uma pista para explicar o tratamento cordial – e tardio – dispensado pela mídia hegemônica ao escândalo de corrupção no governo tucano de Yeda Crusius. Pesquisando os documentos que o Ministério Público Federal apresentou contra a quadrilha que roubou o Detran, ele descobriu que os líderes desta maracutaia investiram na formação de opinião pública favorável bancando anúncios publicitários nos jornais gaúchos. Um lobista do PSDB acusado de integrar a máfia diz, numa carta à governadora, que vários colunistas da mídia comercial foram pagos com dinheiro do esquema ilícito.

Na página 56 do documento, o Ministério Público é taxativo: “O grupo investia não apenas na imagem de seus integrantes, mas também na própria formação de uma opinião pública favorável aos seus interesses, ou seja, aos projetos que objetivavam desenvolver. A busca de proximidade com jornais estaduais, os aportes financeiros destinados a controlar jornais de interesse regional, freqüentes contratações de agências de publicidade e mesmo a formação de empresas destinadas à publicidade são comportamentos periféricos adotados pela quadrilha para enuviar a opinião pública, dificultar o controle social e lhes conferir aparente imagem de lisura e idoneidade”.

Colunistas ou mercenários?

O documento não revela quais os jornais ou colunistas que prestaram o serviço sujo à máfia do Detran. Diante da gravidade da denúncia, o Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande Sul enviou pedido à CPI que apura o caso para que sejam nominados os profissionais e veículos, “pois não é justo que toda a categoria seja colocada sob suspeição”. Já os jornais estaduais – a rigor, existem apenas dois, Zero Hora e Correio do Povo – fingiram-se de mortos diante da grave revelação do MPF. Até agora, a imprensa gaúcha simplesmente nem citou o trecho do documento.

Além das referências feitas pelo Ministério Público ao braço midiático da máfia, outro indício do envolvimento de jornalistas aparece numa carta do empresário Lair Ferst à governadora Crusius. Nela, o lobista tucano diz ser vítima de campanha difamatória por parte de integrantes da máfia e cita o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, João Luiz Vargas, e José Antonio Fernandes. Segundo confessa, a quadrilha “conta com uma série de colunistas de vários jornais que tem remuneração paga por José Fernandes para plantar notícias”. As investigações da Polícia Federal indicam que Ferst se envolveu numa briga interna no grupo pelo controle da rapina do Detran.

Colapso da ética no jornalismo

O lamentável, como afirma Marco Aurélio, é que a imprensa nada divulgue sobre essas relações promíscuas. “Apesar de todas essas informações, a mídia gaúcha decidiu silenciar sobre o tema. Acusados, de forma generalizada, de ter recebido verba publicitária de integrantes da quadrilha, os jornais do Estado não publicaram uma linha sequer sobre esse assunto espinhoso”. O mesmo tem ocorrido na mídia nacional. Mas o ruidoso silêncio não é de se estranhar. Há muito que a mídia comercial mantém relações corrompidas com o poder, como prova Bernardo Kucinski no imperdível livro “O jornalismo na era virtual – ensaios sobre o colapso da razão ética”.

Ele mostra que sempre existiu no Brasil uma imprensa “marrom”, feita de matérias compradas e de deturpações grosseiras para favorecer grupos econômicos e políticos ou simplesmente para vender mais jornal. Cita Assis Chateaubriand, que ergueu seu império dos Diários Associados com base num jornalismo inescrupuloso. “A corrupção é uma prática sedutora na indústria de comunicação pelo fato de nela se combinar o poder de influenciar politicamente a opinião pública com o poder econômico. Nenhuma outra indústria tem essa característica. É uma prática também comum entre os jornalistas, por sua proximidade no jogo de influência dos poderosos”.

A corrupção institucionalizada

Para ele, porém, a prática da corrupção adquiriu novos e sutis contornos na era do jornalismo on-line e do predomínio da ditadura financeira e da globalização neoliberal. Ela é mais patente no jornalismo econômico, “que estabeleceu relações promíscuas e venais com o capital financeiro. Analistas de bancos e corretores de valores conseguem ganhos extraordinários nas bolsas ou mesas de câmbio por intermédio da disseminação de notícias falsas ou falseadas… Com o colapso da Enron e de outras grandes empresas norte-americanas na primeira crise da economia virtual em 2002, descobriu-se que essas empresas faziam pagamentos volumosos a jornalistas de prestígio pela redação de discursos e relatórios, forma disfarçada de comprar seus favores”.

A chaga da corrupção nos meios de comunicação e até entre os jornalistas, que nunca é abordada pela própria mídia, teria ganhado impulso com o neoliberalismo. “O projeto neoliberal implantou-se no país comprando votos no Congresso e vendendo grandes empresas públicas a consórcios formados por meio de acordos secretos que contaram com recursos dos bancos oficiais e de fundos de pensão, obtidos às vezes com apoio em suborno. O neoliberalismo consagrou a corrupção como padrão de negócios e da política. A própria ideologia neoliberal, fundada no individualismo exacerbado, em sua versão latino-americana, alimentou a corrupção”.

Lembra que na campanha pela reeleição de FHC, “os barões da imprensa se reuniram com ele em Brasília e fecharam totalmente com sua candidatura. Assim, a corrupção nas empresas jornalísticas voltou à dimensão institucionalizada e compartilhada de um grande projeto de classe”. Ele aponta ainda as práticas mais comuns de cooptação de jornalistas usadas por políticos e empresas. Uma delas é o merchandising – a propaganda camuflada em programas de entretenimento. “O exemplo mais notável e mais conhecido foi o da organização de uma falsa ONG, chamada Brasil-2000, pelo presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros, para pagar jornalistas que pudessem fazer merchandising das privatizações e, por tabela, da candidatura de FHC”. Como se observa, Yeda Crusius teve um renomado mestre de Sorbonne.

A reforma da mídia começa comigo

De 6 a 8 de junho, mais de 3.500 jornalistas, ativistas da mídia, acadêmicos e cidadãos preocupados com a estado da mídianos reunimos em Minneapolis, no estado de Minnesota, para a 4ª Conferência Nacional pela Reforma da Mídia. O evento foi promovido pela maior organização de reforma de mídia dos Estados Unidos – a Free Press –, fundada pelo acadêmico Robert McChesney e que hoje conta com meio milhão de ativistas lutando por uma mídia que reflita os anseios da sociedade, e não os interesses dos governos e das grandes corporações.

Ainda tento assimilar a quantidade de informações de alguns dos 75 painéis, workshops e filmes à disposição no Centro de Convenções de Minneapolis, onde o evento foi realizado com o tema "Media Reform Begins With Me".

Em workshops como "Mídia e Eleições", "Futuro da Internet", "Mídia e Democracia", "Reforma da Mídia e Mudança Social" e "Analisando e Desconstruindo a Mídia" foram levantadas questões importantes sobre a necessidade e confirmação de que uma outra mídia é possível – um sistema de mídia baseado nos valores de justiça e democracia. Para isso, todos concordam, a mídia deve ser livre e diversificada, em oposição ao que vem sendo apresentado pela imprensa corporativa norte-americana, principalmente na cobertura vergonhosa da invasão do Iraque.

A luta é de cada um

Num dos painéis de discussão mais disputados não só pelo tema – "Mídia e a Guerra" –, mas pela garra de um dos jornalistas mais progressistas do país, Naomi Klein (The Guardian, The Nation e autora do livro The Shock Doctrine) criticou a cobertura de guerra feita pela imprensa norte-americana dizendo que a invasão do Iraque simplesmente sumiu dos noticiários por conta do interesse em jogo na campanha pelas eleições presidenciais.

Amy Goodman, âncora do programa de TV Democracy Now, onde quer que vá sempre emociona o público quando analisa o estado da mídia com seu tom de voz afiado e seguro. "Se, por uma semana, as imagens das atrocidades de guerra, como crianças mutiladas, fossem exibidas na televisão, essa guerra já teria terminado porque o povo norte-americano tem compaixão."

Mas foi o lendário jornalista Bill Moyers (Bill Moyers Journal, da PBS) que eletrizou uma audiência ávida por mudanças na maneira como a mídia representa a sociedade norte-americana. Disse que a reforma da mídia é o movimento mais importante da história do país depois do movimento pelos direitos civis. Criticou ferozmente a consolidação dos meios de comunicação e não deixou de mencionar o Iraque: "Nós tínhamos que ter sabido a verdade sobre o Iraque para evitar a destruição daquele país, a morte de milhares de civis e ter salvado bilhões de dólares para investimentos na economia norte-americana". Moyers encerrou enfatizando que a luta pela democracia e por uma mídia mais justa é de cada um de nós, cidadãos do mundo.

As decisões do dia-a-dia

Apesar de todo o entusiasmo e das mensagens inspiradoras dos palestrantes, faltou um debate mais aprofundado sobre a necessidade de integração do movimento de reforma da mídia com outros países. A jornalista Naomi Klein citou rapidamente a América Latina como exemplo de luta contra o neoliberalismo e mencionou uma agenda de integração.

Fica o recado para quem já voltou para casa: a luta é nossa e não podemos esperar pelos governos e pelas corporações. Como diz Amy Goodman, "todos os dias nós acordamos e temos uma série de decisões a serem tomadas. Temos que ter consciência que as nossas decisões podem influenciar o mundo".

* Simone Delgado é jornalista.

Cobertura política: Entre a imparcialidade e o comprometimento

Resultados de pesquisas realizadas por diferentes instituições ao longo da campanha eleitoral de 2006 revelaram que a cobertura que os principais jornais e revistas ofereceram dos candidatos a presidente da República foi desequilibrada, isto é, favoreceu a um deles. Não foi a primeira vez, certamente, que isso ocorreu, mas nas eleições de 2006 o fato pôde ser fartamente comprovado e a cobertura jornalística acabou por transformar-se, no segundo turno, em tema de debate da própria campanha [cf. V.A. de Lima (org.), A Mídia nas Eleições de 2006, Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

Em 2006, apenas a CartaCapital tomou posição editorial a favor de um dos candidatos. Todas as outras principais revistas e jornais deixaram de manifestar publicamente sua posição. De qualquer maneira, a grande mídia sempre insistiu que sua cobertura é realizada dentro das normas da imparcialidade e da objetividade jornalística, isto é, sem a intenção de favorecer a este ou aquele candidato.

Qualquer estudante de jornalismo sabe (ou deveria saber), no entanto, que imparcialidade e objetividade são princípios irrealizáveis na prática concreta da apuração e da redação de notícias, sejam elas de política ou de outra editoria. O que se busca no jornalismo sério e responsável é minimizar a contaminação da cobertura pelas preferências pessoais do(a) repórter e pelos interesses dos donos dos jornais, expressos nos editoriais e nas colunas de opinião dos respectivos veículos.

Na verdade, uma série de fatores tem tornado a imparcialidade e a objetividade cada vez mais difíceis na prática jornalística. Um desses fatores é a transformação das empresas de mídia em grande conglomerados com interesses amplos e diversificados em vários setores da economia e, portanto, na formulação de inúmeras políticas públicas.

Uma das alternativas sempre lembradas para a ausência da imparcialidade que se manifesta, sobretudo, nas coberturas das campanhas eleitorais seria que os jornais declarassem publicamente sua posição política e assumissem a "contaminação" de sua cobertura jornalística pela posição assumida. O leitor saberia que o jornal X tem tal posição política e apóia tal candidato e o jornal Y tem outra posição e apóia outro candidato.

O editorial da Folha

O editorial publicado pela Folha de S. Paulo na sexta-feira (13/6), em defesa da publicação de entrevistas com candidatos a cargos eletivos antes da data permitida pela Justiça Eleitoral, coloca dois elementos interessantes na discussão sobre a cobertura política dos jornais em períodos eleitorais.

Primeiro, faz uma diferença entre propaganda e material jornalístico. Para a Folha, o "material jornalístico" – inclusive, entrevistas – é imparcial e apenas cumpre o dever de informar aos leitores sobre os candidatos a cargos eletivos. Já a propaganda, presumivelmente identificada como tal, é "mensagem em geral paga que tem o intuito de convencer, persuadir" o leitor.

Ora, é sabido que o grande poder da mídia é exatamente tornar as coisas públicas. Qualquer político precisa de visibilidade (que só a mídia oferece), mas não basta ter visibilidade, é preciso que ela seja favorável. Uma matéria jornalística poderá sempre favorecer ou prejudicar um determinado candidato dependendo do tipo de visibilidade que ela ofereça: positiva ou negativa. Desta forma, embora matéria jornalística e propaganda sejam, sim, diferentes, ambas podem, no entanto, funcionar como fator de "convencimento" direto e/ou indireto do leitor/eleitor.

Segundo, a Folha argumenta que as limitações da Lei Eleitoral e das resoluções do TSE se aplicam ao rádio e à televisão – que são concessões públicas – mas não se aplicam aos jornais. Na verdade, diz o editorial, "se o jornal desejasse apoiar e promover um postulante a cargo eletivo, teria pleno direito de fazê-lo".

As emissoras de rádio e de televisão, por serem concessões de um serviço público, isto é, de todos nós, não podem promover um determinado candidato porque estaria configurada a quebra do princípio da "impessoalidade" que rege a prestação de qualquer serviço público. Mas os jornais não estão sujeitos a essa limitação. Lembra o editorial corretamente que os jornais "surgiram vinculados a grupos e partidos políticos".

É verdade. Os jornais chamados "independentes" aparecem com a necessidade de captar recursos publicitários entre anunciantes de diferentes posições políticas e partidárias. O jornal não é uma concessão pública. É uma empresa que sobrevive no mercado da forma que julgar mais conveniente. Em outras palavras, o jornal não tem compromisso com o interesse público, o interesse de todos, como o rádio e a televisão. Pode, eventualmente, expressar a posição de uma parte, de um partido.

A posição política e seus riscos

Os pontos levantados pelo editorial da Folha de S.Paulo podem indicar uma saída para a maior transparência das coberturas jornalísticas nas campanhas eleitorais. Os jornais assumiriam publicamente sua posição política, o apoio a determinado candidato e teriam sua credibilidade junto aos leitores alicerçada nessa posição – e não mais numa suposta imparcialidade da cobertura política.

Melhor assim do que ter posição política, apoiar um candidato e "fazer de conta" que a cobertura foi feita com imparcialidade e objetividade, contrariando as evidências das pesquisas e do senso comum.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

Encilhamento na revisão do PGO das telecomunicações

Houve um período na história de nosso país, logo após a proclamação da República, em que ocorreu grande expansão de crédito para as empresas industriais, propiciando o surgimento de numerosas sociedades anônimas e intensa especulação de ações. Este período foi denominado Encilhamento (1), um termo que também era aplicado para definir o momento em que “os jóqueis se preparavam para montar na sela e os apostadores tentavam comprar suas desistências. Durante essas negociações, a montaria pronta para a corrida era refreada antes da largada final” (Levy, 1980). O termo caiu em certo esquecimento, mas aquela prática persiste em vários setores da economia e nas formulações contratuais.

A proposta de revisão do Plano Geral de Outorgas – PGO traz à baila conduta típica do Encilhamento. Atores e grupos de interesse se articulam para definir, o mais breve, o “resultado do páreo”, alterando o ânimo dos competidores. Há, no entanto, importantes considerações para ser viabilizada uma assertiva revisão do PGO que, tal qual ocorre no páreo principal do turfe, exige tempo de maturação, propósito favorável, cautela e, para empolgar espectadores, intenso empenho de todos os competidores envolvidos. Em conseqüência, devem ser aplicados esforços para que o marco final resulte preciso agreement it's agreed upon (2), imprimindo ao Estado e às empresas do setor de telecomunicações, sob o amparo contratual da concessão pública, corresponderem aos majoritários interesses da sociedade brasileira.

Novas metas

Ora, os referenciais para os interesses da sociedade deveriam estar expressos no Plano Geral de Metas para a Universalização do Serviço Telefônico Fixo Comutado – PGMU (ou simplesment PMU). Por mérito, numa percepção do governo Lula, providenciou-se um novo plano, permutando compromissos anteriores por uma disponibilização de acesso à Internet. Essa atitude representa a atualização de compreensão das carências essenciais da população brasileira, no que tange ao acesso à informação e, ainda, à contextura das diferentes regiões do país, trazendo distinção de ações para o atendimento das áreas remotas, rurais ou metropolitanas.

Sabe-se que no raciocínio técnico de implementação tecnológica levam-se em conta as diferentes regiões, mas sob uma lógica de otimização de recursos para provimento de serviços, em bases de ganho de capitais, que marginalizam os aspectos sociais. Com a diretriz de substituir Postos de Serviços Telefônicos – PST – por backhaul, a fim de interligar municípios – muitos dos quais ainda isolados –, e áreas rurais ao backbone das empresas, o governo Lula afirma outra prioridade para as ações tecnológicas. Desta feita, estimula-se esforço sensato no contexto do desenvolvimento social.Deve-se reconhecer a conscientização do atual governo às alterações tecnológicas e suas decorrências e, naturalmente, seus esforços para a efetivação das transformações necessárias.

Contudo, estas preciosas ações de governo representam, apenas, impulsos para que os atores do setor pertinente cumpram suas atribuições. Observe-se que a especialização de agentes, a serviços do Estado na área, corresponde aos funcionários de carreira do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel. É redundante afirmar que a elaboração cotidiana destes profissionais, todavia, necessita de canais políticos para concretizar-se em transformações ditames, fato que legitima os impulsos oriundos do governo federal a fim de estabelecer ação técnico-política e, até mesmo, regulamentar.

Cartões com menos créditos

Não obstante, ao avaliar-se em detalhes os compromissos primevos do PMU de 1998, renovado em 2003, tem-se clareza de que não houve sua completude. O serviço básico de telefonia – voz – não alcançou amplamente a população brasileira. Por exemplo, a despeito da maior disponibilização dos Telefones de Uso Público – TUP, ocorre uso refreado deste serviço. Tal resultado é observável, principalmente, sob avaliações de base socioeconômica, onde se destacam os efeitos das tarifas e da imediata dificuldade à aquisição dos cartões telefônicos. O cartão telefônico com menor quantidade de créditos disponibiliza 40 unidades – cujo preço é obstáculo para o acesso ao serviço básico de telefonia. Visando benefícios e respeito à população de baixa renda, é capital a disponibilização de cartões telefônicos com menor número de créditos: com dez e com vinte unidades.

Com estas últimas observações é possível perceber o contraste entre a tecnologia em construção, de banda larga e já evidente nas áreas ricas do país, com aquelas tecnologias de serviços considerados basais e destinados aos serviços de voz, ausentes em parte da nação. Concomitante, ao admitir-se esta oposição de gerações e expressões tecnológicas, ocorre a ruína do arcabouço que, hoje, estrutura as leis e compromissos das telecomunicações brasileiras.

Por isso torna-se pertinente aplicar empenho de oposição ao Encilhamento. É mister que todos os atores se apliquem em disputa, e que outros ainda venham ao páreo, trazendo influência ao resultado, especialmente para que a construção de entendimento, que não implique contradição, permita vislumbrar além das transformações tecnológicas aquelas sociais e culturais. Não se pode permitir que o páreo seja definido antes de “cruzar-se o disco final”, o que deve acontecer somente quando a sociedade brasileira, por meio de seus legítimos representantes, afirmar aceitação ao contrato.

O PGO está, historicamente, firmado para o Serviço Telefônico Fixo Comutado – STF, que por sua vez se caracteriza nas redes com infra-estrutura cabeada, admitindo algumas exceções, em soluções sem-fio (WLL). A decorrência deste contexto é manter esta parte do amplo sistema de telecomunicações, tal qual um “sistema fechado” (3), cujos elementos estão organizados para formar um conjunto harmônico e infindo – porém isolado – sem permitir análises do ambiente em que fora inserido. A homeostase é sua principal característica e visa manter sua estabilidade a todo custo, exibindo reações drásticas no caso de acontecimentos externos que sejam inesperados.

Não é mera extrapolação teórica, pois as estimativas de fortes reações já foram evidenciadas, por exemplo nos debates (de fato, na ausência deles) para viabilizar-se o unbundling (4). Contudo, o rio do desenvolvimento tecnológico é passível de desvio, mas não de interrupção. As telefonias fixa e móvel paulatinamente abandonam os circuitos e encaminham-se para outras estruturas mais abrangentes, que operam em pacotes de informações – em Internet Protocol – IP, e que incrementam serviços básicos tal como “voz sobre IP”, ou mais complexos tal como multisserviços de vídeo. Exigem-se, pela passagem sucessiva dos desenvolvimentos tecnológicos, maiores capacidades em bandas de transferência de informação e maior robustez.

Este raciocínio circunspecto, por algum bloqueio, ainda não gerou uma compreensão repentina e por isso deve-se induzir uma nova frente de debates para contribuir com a revisão do PGO, adequado-o ao futuro tecnológico, em conseqüente articulação com os tratados de sustentação das telecomunicações brasileiras.

Fixos e móveis, sem distinção

Não são raciocínios imediatos e sem outros desdobramentos, pois o simples conceito de desagregação também apresenta-se em utilidade no gerenciamento do espectro de radiofrequência: permitindo compartilhar uma mesma banda espectral para serviços variados. Além disto, especialistas reconhecem exequível o emprego de soluções complementares da tecnologia de redes cabeadas com as sem-fio, em outro paradigma de acesso para a última milha. Por isso, não há porque manter distinção entre os serviços fixos e móveis, uma vez que as soluções estarão demandadas pelas carências essenciais, desde as chamadas de voz até acessos à Internet e outras coisas que não são possíveis de intuir de imediato.

A sociedade brasileira requer tais benefícios tecnológicos oriundos das telecomunicações. Compreende-se inevitável que ocorra mudança reacional nas empresas de telecomunicações e, naturalmente, no modelo de negócio que aplicam. O paradigma fixo-móvel é, apenas, realimentado pela histórica cisão, que vem da origem remota da telefonia fixa. As novas tecnologias parecem ignorar a história e oprimem pela convergência completa.

A fusão de empresas de telecomunicações, com operações em áreas e tecnologias, ora polarizadas, é pequena parte do que se pretende resolver, de imediato, com a revisão do PGO. Porém, há que se admitir que a solução imediata terá consequências futuras na organização, manutenção e surgimento de empresas, organização do mercado, políticas tarifárias, garantia de acesso e universalização. Indo além, existem implicações em outros campos em que o Estado brasileiro – e não meramente o governo sazonal – tem responsabilidade e preponderância, tal como na política industrial.

As fusões das empresas de telecomunicações podem e devem vir enquanto alternativa no cenário empresarial, e que sustentem as soluções tecnológicas de completa convergência e, verdadeiramente, de transformação nos serviços. Contudo, ao entender as empresas de telecomunicações baseando-se em moldes tecnológicos ultrapassados, isso conduz à manutenção da distinção de serviços de telecomunicações que atualmente reina na estrutura do PGO, e cujas conseqüências estão convidadas à permanecerem em seu substituto, revitalizado em antiguidade. Há que se romper com esta linha!

ste é um ponto crítico; sua superação permitirá estabelecer ganhos para a sociedade brasileira, indo além dos benefícios para as poucas empresas de telecomunicações que permanecerem – nesta tendência natural das coisas. Há sérios riscos, especialmente o de ocorrer fracasso em modelo idealizado à acolher a nação em universalização plena e efetiva.

Observe-se que é recorrente e predominante em todos os regulamentos, que derivam a partir da Lei Geral da Telecomunicações – LGT, uma negligência às transformações tecnológicas. Ignóbil admitir-se que a Anatel ignore a tecnologia. Contudo, empresas industriais e operadoras otimizam o extrato financeiro nestas oportunidades temporais de renovação tecnológica, porque os usuários aplicam capacidades financeiras em favor das novas tecnologias, em fato, dos seus atravessadores.

Também, a partir da promulgação da LGT, o Estado deixa escapar oportunidades para estabelecer políticas de desenvolvimento tecnológico e industrial, que maximizariam vantagens para a ampla sociedade: indústria; comércio; serviços; usuários; educação, dentre outros.

Todavia, o debate predominante ainda é pueril, pois ignora-se que existam tantos outros pólos a se apresentar e defender, e todos estes atrelados à “simples” revisão do PGO. Observe-se que, destas questões, sobressaem e destacam-se aspectos econômicos; políticas tarifárias; regulação e concepção de políticas públicas.

A preponderância na revisão do PGO deve oferecer liberdade a todos em que refletir seu conteúdo, “no seio de uma sociedade organizada, segundo a própria determinação, dentro dos limites impostos por normas definidas” (Ferreira). Cabe, por fim, ressaltar que há grande disponibilidade de representantes sociais para construir referenciais justos e debater em cenário democrático, tal qual hoje é apresentado nessa nação.

(1) Afirma Maria Barbara Levy (1980) que “as interpretações que o envolviam tinham caráter profundamente ideológico¨.
(2) Contrato firmado em acordo com o que foi previamente combinado.
(3) Da teoria física.
(4) Desagregação da rede.

Levy, Maria Barbara; in Economia no Brasil, uma visão histórica; Neuhaus, Paulo (org.); Rio de Janeiro; Campus; 1980; p. 191-255.
Ferreira, Aurélio B. H; Dicionário eletrônico Século XXI; versão 3.0; Nova Fronteira; SL; 1999.

*José Zunga Alves de Lima foi presidente da CUT DF e da FITTEL, fundou o IOST e está representante da sociedade civil no conselho consultivo da Anatel.
* Marcus Manhães é pesquisador em telecomunicações.

Um balanço do Fórum Mídia Livre

O 1º Fórum de Mídia Livre, realizado neste final de semana no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro, superou as expectativas mais otimistas. Apesar da frágil divulgação e da débil estrutura, ele reuniu cerca de 500 ativistas de vários estados, o que confirma a crescente rejeição à ditadura midiática e a existência de inúmeras e ricas experiências independentes e alternativas por todo o país. Lançado em março, num encontro em São Paulo com 42 jornalistas, docentes e comunicadores sociais, o fórum já mostrou a sua força e tem tudo para ser um ator importante na luta pela democratização dos meios de comunicação e pelo fortalecimento da mídia livre.

Além do aspecto quantitativo, que garantiu a sua representatividade, o fórum teve uma qualidade que deve ser preservada e valorizada: a sua pluralidade. Durante os dois dias do evento na UFRJ, houve a convivência madura e franca entre distintas concepções e variadas experiências. Desde os que priorizam as iniciativas atomizadas e autonomistas, até os que encaram esta batalha como eminentemente política, na qual a pressão sobre o Estado é decisiva. O fórum teve a presença de jornalistas da “mídia grande” – embora poucos – e de ativistas que realizam, de forma heróica e criativa, experiências em rádios e TVs comunitárias, sites, blogs, revistas e jornais.

Nesta unidade na diversidade, surgiram várias propostas para o fortalecimento da mídia livre no país – como a da construção de uma rede colaborativa, um tipo de portal, que crie maior sinergia entre as várias experiências; a campanha pela democratização das verbas publicitárias; a luta pela realização da Conferência Nacional de Comunicação com critérios democráticos de participação; a exigência de que os Correios distribuam impressos alternativos, superando a atual monopólio do setor; a campanha pela inclusão digital e pela difusão do software livre; construção de pontos de mídia livre, seguindo a rica experiência dos pontos de cultura; entre outras idéias.

Os participantes também aprovaram os próximos passos organizativos e políticos do Fórum de Mídia Livre, o que consolida o movimento e indica que ele veio para jogar papel na sociedade. A próxima fase, no segundo semestre deste ano, será a da constituição dos núcleos nos estados, que terão autonomia para organizar fóruns estaduais representativos; em janeiro próximo, durante o Fórum Social Mundial em Belém, ocorrerá um encontro de caráter mundial ou latino-americano dos “midialivristas”; e o segundo fórum brasileiro foi marcado para 2008. Também foi composto um novo grupo de trabalho executivo nacional (GTE) para encaminhar as decisões da UFRJ.

No que se refere à ação política, ficou acertada a ampla difusão do manifesto do movimento, que será alvo de debates com os movimentos sociais e as forças políticas. Já os núcleos municipais e estaduais agendarão encontros com representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário, assim como serão marcadas audiências com o presidente da República, do Congresso e do STF. A idéia é promover nesta data um ato político em Brasília. A partir do belo evento da UFRJ, o Fórum de Mídia Livre (FML) agora adquire nova dinâmica e seu êxito dependerá do engajamento de todos os que encaram esta luta como indispensável à ampliação da democracia no Brasil.