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Por que o governo Lula perdeu a batalha da comunicação

Texto modificado em 30/06/2008, pelo autor.

A mídia na era Lula deixou de funcionar como mediadora da política, passando a atuar diretamente como um partido político de oposição (1). Apesar de disputarem agressivamente o mercado entre si, há mais unidade programática hoje entre os veículos da mídia oligárquica do que no interior de qualquer partido político brasileiro, até mesmo partidos ideológicos como o PT e o PSOL. Todos os grandes veículos, sem exceção, apóiam as privatizações, a contenção dos gastos públicos, a redução de impostos;. a obtenção de um maior superávit primário, a adesão do Brasil à ALCA; todos são críticos à criação de um fundo soberano, ao controle na entrada de capitais, ao Bolsa Família, à política de cotas ns universidades para negros, índios e alunos oriundos da escola pública, à entrada de Venezuela no Mercosul e ao próprio Mercosul. Todos criticam o governo sistematicamente, em todas as frentes da administração, faça o governo o que fizer ou deixar de fazer.

Na campanha da grande imprensa que levou Vargas ao suicídio, o governo ainda contava como apoio da poderosa cadeia nacional de jornais Última Hora. Hoje, não há exceção entre os grandes jornais. Outra diferença desta vez é a adesão ampla de jornalistas à postura de oposição, e sua disseminação por todos os gêneros jornalísticos tornando-se uma sub-cultura profissional . Emulada por editores, prestigiada por jornalistas bem sucedidos e comandada pelos intelectuais orgânicos das redações, os colunistas, essa sub-cultura é dotada de um modo narrativo e jargão próprios.

Em contraste com o jornalismo clássico, que trabalha com assertivas verazes para esclarecer fatos concretos, sua narrativa não tem o objetivo de esclarecer e sim o de convencer o leitor de determinada acusação, usando como fio condutores seqüências de ilações. É ao mesmo tempo grosseira na omissão inescrupulosa de fatos que poderiam criar outras narrativas , e sofisticada na forma maliciosa como manipula falas, datas e números. O enunciador dessa narrativa conhece os bastidores do poder e não precisar provar suas assertivas. VEJA acusou o PT de receber dinheiro de Cuba, admitindo na pró´pria narrativa não ter provas de que isso tenha acontecido. Em outra ocasião, justificou a acusação alegando não haver nenhuma prova de que aquilo não havia acontecido.

Trata-se de uma sub-cultura agressiva. Chegam a atacar colegas jornalistas que a ela se recusaram a aderir , criando na redações um ambiente adverso a nuances de interpretação ou divergências de análise. O meta-sentido construído por essa narrativa é o de que o governo Lula é o mais corrupto da história do Brasil, é incompetente, trapalhão, só tem alto índice de aprovação porque o povo é ignorante ou se deixa levar pelo bolso , não pela cabeça.

Levantam como principal bandeira o repúdio à corrupção. Mas como quase todo o moralismo em política, trata-se de mais uma modalidade de falso moralismo: é o “ moralismo dirigido” que denuncia os “ mensaleiros do PT” e deixa pra lá o valerioduto dos tucanos, onde tudo de fato começou, e mais recentemente o escândalo do Detran de Yeda Crusius, no Rio Grande do Sul onde tudo continua. É “ moralismo instrumental”, que visa menos o restabelecimento da ética e mais a destruição do PT e do petismo.

O que poucos sabem é que essa sub-cultura se tornou dominante graças a uma mãozinha da Globo. … A central de Brasília, dizem jornalistas que trabalharam no sistema Globo, formou uma espécie de “gabinete de crise “ com líderes da oposição pautando-os e por eles se pautando. Vários jornalistas faziam parte da operação, cada um encarregado de uma “fonte” da oposição. Tinham a ordem de repercutir junto àquela fonte, todos os dias, falas e acusações, matérias do dia anterior, entrevistando sempre os mesmos protagonistas: Heloísa Helena, ACM Neto, Gabeira , Onix Lorenzoni. No dia seguinte, os jornais davam essas falas em manchete, como se fosse fatos. Assim surgiu todo um processo de construção de um relato da crise destinado a se tornar a narrativa dominante e única.

A VEJA lançara sua própria operação de objetivos estratégicos muito antes. Entre 2003 e 2006 VEJA produziu 50 capas contra Lula , sendo 18 delas consecutivas (2).

Quando surgiu a fita de Waldomiro Diniz, a revista revelou em esse objetivos em ato falho : “Os ares em torno do Palácio tinham na semana passada sabor de fim de governo.”

Na campanha contra Getúlio a sobre-determinante era a guerra-fria, que desqualificava o nacionalismo e as demandas sindicais como meros instrumentos do comunismo. Hoje a sobre-determinante é o neo – liberalismo que desqualifica opções de política econômica em nome de uma verdade única à qual é atribuído o monopólio da eficácia. A unanimidade anti-Lula da grande mídia só tem paralelo na unanimidade pró-neo-liberal dessa mesma mídia.

Mas temos um paradoxo. O governo Lula tem mantido religiosamente seu acordo estratégico com o capital financeiro, que é o setor dominante hoje no capitalismo mundial e brasileiro. E apesar do vasto leque de políticas públicas de apoio aos pobres, não brigou com nenhum dos outros grupos de interesses do grande capital. Por que então tanta hostilidade da mídia? É como se a grande mídia agisse por conta própria, pouco ligando para a dupla capital financeiro-capital agrário e na qual se apóia..

É uma mídia governista, ou ´”áulica”, na adjetivação de Nelson Werneck Sodré, quando o governo faz o jogo da dependência, como foram os governos de Dutra, Café Filho, Jânio Quadros e Fernando Henrique. E anti-governista, quando os governos são portadores de projetos de autonomia nacional, como foram os governos de Getúlio, Juscelino, que rompeu com o FMI, Jango e agora o de Lula..

Uma mídia que já nasceu neo- liberal, muito antes do neo-liberalismo se impor como ideologia dominante e organizativa das políticas públicas. Nunca aceitaram o Estado que chamam pejorativamente de “ populista”. Em artigo recente na Folha, Bresser Pereira associou diretamente o discurso da mídia contra o populismo e sua inclinação pelo golpe à nossa extrema pobreza e polarização de renda. “Como a apropriação do excedente econômico não se realiza principalmente por meio do mercado mas do Estado, a probabilidade de que facções das elites recorram ao golpe de Estado quando se sentem ameaçadas é sempre grande.” Diz ainda que nossas elites “estão quase sempre associadas às potencias externas e às suas elites.” Daí, diz ele ”O que vemos na imprensa , além de ameaças de golpe é o julgamento negativo dos seus governantes…” (3)

A incompatibilidade entre governos populares portadores de projetos nacionais e a mídia oligárquica é de tal ordem que muitos desses governantes tiveram que jogar o mesmo jogo do autoritarismo, para dela se proteger. Getulio criou a Hora do Brasil como programa informativo de rádio para defender a revolução tenentistas contra a oligarquia ainda em 1934, quando o regime era democrático, fundado na Constituição de 34 (4). No Estado Novo foi ao extremo de instituir a censura previa através criando o Departamento de Imprensa e Propaganda. (DIP). No em seu retorno democrático, estimulou Samuel Wainer a criar sua cadeia Última Hora.

Estas reflexões, se têm algum fundamento, mostram como foi equivocada a política de comunicação do governo Lula, a começar por não atribuir à comunicação e às relações com a mídia o mesmo peso estratégico que atribuiu às suas relações com a banca internacional. Nem sequer havia um comando único para a comunicação, que sofreu um processo de feudalização. Só na presidência, três feudos disputavam espaço a Secom, o Gabinete do Porta-Voz e Assessoria de Imprensa. Fora dela, dois ministérios definiam políticas públicas na esfera da comunicação: Ministério das Comunicações e Ministério da Cultura.

Propostas longamente discutidas ainda no âmbito dos grupos de jornalistas do PT, e pelos funcionários da Radiobrás, não foram sequer discutidas. Nesse vazio, o único grande aparelho de comunicação social do governo, o sistema Radiobrás acabou embarcando numa política editorial chamada de “comunicação cidadã,” que tinha como preocupação fundamental e explícita de dissociar-se do governo do dia. O que é pior: despojava a Radiobrás de sua atribuição formal de sistema estatal de comunicação. Isso num momento histórico que exigia, ao contrário: reforçar o sistema estatal de comunicação.

Pouco experiente em jornalismo político, a equipe não conseguiu resolver de forma criativa a contradição entre fazer um jornalismo veraz de qualidade e politicamente relevante, e ser ao mesmo tempo um serviço estatal de comunicação. Com definições opacas, que nada acrescentavam ao que se entende por jornalismo, acabaram desenvolvendo um jornalismo de tipo alternativo, parecido ao que fazem as ongs e movimentos sociais. (5)

A importante mudança do papel da Radiobrás nunca foi discutida no Conselho da Radiobrás. O corpo da Radiobrás chegou a se entusiasmar com a idéia sempre simpática a jornalistas, mas simplória, de deixar de ser “chapa-branca”, mas acabou não havendo muita harmonia entre a nova direção e as bases. Uma apregoada “gestão participativa”, ficou mais no papel do que na prática.

Em minucioso relatório sobre as conquistas da Radiobrás perto do final do primeiro mandato, o presidente do Conselho enumerou os muitos avanços técnicos, mas apontou que a Radiobrás havia criado uma outra missão e outro papel para si, sem discutir essas mudanças previamente com o próprio governo. Também apontou ser falso o debate que contrapõe comunicação de caráter oficial com o direito do cidadão à boa informação.

Mais equivocada ainda foi a proposta de acabar com a obrigatoriedade da Voz do Brasil, formulada pela direção da Radiobrás logo no primeiro ano do mandato de Lula, a partir dos conceitos neo-liberais de que o Estado não faz parte da esfera pública e a liberdade de imprensa do baronato da mídia é a própria liberdade de imprensa . A Radiobrás chegou a co- patrocinar no anexo II da Câmara dos Deputados, junto com os Mesquitas um seminário para apoiar a flexibilização da Voz do Brasil.

Essa mesma visão ingênua levou a Radiobrás a adotar como sua e como se fosse a única possível, a narrativa da grande imprensa na grande crise do mensalão, que como vimos foi em grande parte articulada entre o sistema Globo e a oposição. Embora só hoje se saibam alguns detalhes dessa operação, as forçadas de barra no noticiário e nas manchetes eram discerníveis a qualquer jornalista experiente.

Naquele momento, a Radiobrás era o único sistema de comunicação social capaz de criar uma narrativa realmente independente da crise, que sem ser chapa branca também não fosse submissa à articulação comandada pela Globo. Mas quando veio a crise, seu projeto editorial entrou em parafuso. Mais do que isso: a crise traumatizou a direção da empresa que viu ruir a bandeira ética do PT, sob a qual muitos deles cresceram, formaram-se e criaram sua identidade pública. Só um estado catatônico poderia explicar o fato da Radiobrás; dar ao vivo e na íntegra o depoimento de Roberto Jefferson de junho de 2005 como se quisesse se colocar à frente do sistema Globo. No momento crucial da crise cortou um discurso de Lula em Luziania, o que nem a Globo fez.

Foi a fase em que manchetes da Agência Brasil rivalizavam com as da grande imprensa na espetacularização da crise e na disseminação de noticias infundadas. Entre essas manchetes está a acusação nunca comprovada do dia de renuncia de Zé Dirceu((16/06/05) : “ Ex-agente do SNI diz que Casa Civil está envolvida nas provas dos correios”. E a noticia falsa de que “Miro Teixeira confirmou as acusações de Jeffersson”, dada no mesmo dia 21/06;05 em que até a grande imprensa admitia que Miro Teixeira não havia confirmado essas acusações. Mesmo sem atentar para a dimensão política desse tipo de noticiário, sua fragilidade era incompatível com o padrão que se espera de uma comunicação de Estado.

Outras manchetes meramente reproduziam falas de lideres da oposição:”Nada poderá restringir nosso trabalho na CPI”, diz líder do PFL ( 17/056/05) ou “ PFL e PSDB alegam que PT violou legislação ( 22/06/05). …. Naquele momento nascia o processo de colonização da comunicação de governo e do Estado pelo ideário liberal-conservador , que acabou levando ao fechamento intempestivo da própria Radiobras. ..

Fechar a Radiobrás foi o ato síntese de todos os grandes erros na política da comunicação do governo Lula. Ademais, ao fechar a Radiobrás o governo violou a Constituição que manda coexistirem os três sistemas; púbico, privado e estatal E não é à toa que a Constituinte cidadã assim decidiu. Como sabemos, diversas vezes a grande mídia latino-americana apoiou golpes de Estado, algo inimaginável nas democracias dos países centrais. Ter um sistema Estatal de comunicação minimamente funcional , com credibilidade e legitimidade junto á populaçãoé uma espécie de apólice de seguro contra golpes de Estado.

O governo lidou com a comunicação como se a nossa democracia fosse igualizinha a democracia americana. Mas o que vale para os Estados Unidos da América, pode não valer para o Brasil. O Estado americano não tem uma Radiobrás ou uma Voz do Brasil, porque nunca sofreu um golpe midiático, mas tem a Voice of America, para defender seus interesses imperiais. O Estado brasileiro não contempla interesses imperiais, mas precisa se defender do golpismo e das pressões externas sobre a Amazônia. Por isso precisa de uma Radiobrás e de uma Voz do Brasil.

(1) Observação feita originalmente por Venício Lima num texto para o Observatório da Imprensa.

(2) Nesse mesmo período, houve quatro outras capas dedicadas a Lula neutras, e nenhuma a favor.

(3) Folha de S. Paulo, 05/05/2008, pg B2. Governar Países Pobres.”

(4) Portanto é falacioso o argumento de que a Hora do Brasil é filha do Estado Novo e inspirada em Goebbels. Sua inspiração foi muito mais o programa Conversas ao pé da lareira de Roosevelt, surgido sem 1933. Conf.: A Voz do Brasil, Lassance, A . Mimeo, 12007.

(5) O texto fundador dessa proposta editorial se entitula: Jornalismo de espírito público não pode ser “chapa branca.” O titulo consegue cometer duplo pleonasmo, já que jornalismo só pode ser de espírito público e sendo assim não pode ser chapa branca. In: Comunicação & Educação, Ano X, numero 2, maio/agosto de 2005, pp227-232.

Mídia e a democracia desvirtuada

A democracia tem sido desvirtuada nas sociedades capitalistas contemporâneas a partir dos processos midiáticos. Na divulgação das idéias políticas, sobrepõe-se o modelo publicitário – voltado essencialmente para a sedução do público, para assim conquistá-lo – em detrimento da adequada prática de diálogo, onde, de forma argumentativa, os vários agentes apresentam sua posição, a fim de formação da opinião pública e posterior decisão.

Mas isto nem sempre interessa a grande parte dos próprios políticos, que fazem questão de se mostrarem de forma mais sedutora para que os eleitores acreditem em suas falas, mesmo que não reproduzam a verdade. Não sendo privilegiada a razão, impera a emoção nas campanhas de dimensão política em geral, como atestam os períodos pré-eleitorais, a exemplo do que ocorrerá neste 2008, para Executivos e Legislativos municipais. Em derradeira análise, tais distorções contribuem para os resultados desastrosos que o Brasil tem vivenciado, quanto a compromisso público e comportamento ético de atores públicos e privados.

As promessas de campanha devem ser mais bem documentadas com um comprometimento maior, de forma que o não cumprimento de qualquer uma delas resulte numa cobrança mais clara, pelo eleitor, com a contribuição da mídia pública e do aparato jurídico, gerando punições pelos descumprimentos. A dificuldade de monitoramento dos mandatos dos representantes eleitos limita e desgasta a democracia representativa, abrindo-se um vácuo entre o prometido na campanha e a prática do exercício do mandato.

Informação sem demagogia

É nesse bojo que devem ser estimulados referendos e plebiscitos, como atos democráticos advindos da democracia direta que tentam potencializar o modelo representativo, reconhecendo-se que os parlamentares nem sempre atuam coadunados com seu eleitorado e daí decorrendo a necessidade de excepcionalmente chamar o próprio povo para decidir sobre dadas questões fundamentais da vida social. Nessas consultas, devem ser colocados claramente os pontos a serem discutidos, para que todos entendam as várias posições, sendo todo espaço midiático voltado para a elucidação do eleitor, e não de interesses menores.

No entanto, esses instrumentos de democracia direta – implantados de modo eventual – são contaminados com as estratégias publicitárias de comunicação com o público. Ocorre que a mesma forma publicitária responsável pela dissonância entre representante e representado está presente em toda a comunicação. Trata-se de um sério problema, adstrito à confluência das ações midiáticas com a democracia.

Esse raciocínio corrobora o entendimento de que a atuação publicitária da mídia, a privatização dos patrimônios culturais e a ausência de controle do que é publicizado são limitadores para a projeção de um efetivo espaço público, de encontro e confronto argumentativo de posições. Para tal, é indispensável ultrapassar o formato publicitário dos discursos políticos, sendo necessária uma nova mídia, onde a qualidade do que é midiatizado não fique subordinada às metas de acúmulo de audiência e lucros. Isso requer, simultaneamente, cidadãos comprometidos com o esclarecimento de idéias, onde o povo tenha acesso à verdadeira informação, sem demagogia.

À procura do modelo ideal

Um espaço público não precário – portanto, voltado para a diversidade e a democracia – demanda, no seu âmago, condições econômico-culturais dignas e universalizadas. Ou seja: a plena participação em dinâmicas interativas mais complexas pede requisitos, do econômico ao cognitivo (todos, elementos interligados), para a completa integração na vida democrática, virtual ou não. A publicidade vem se revelando como um mecanismo que nem sempre atinge os objetivos propostos, tendo em vista a consolidação de técnicas de recepção, como o zapping, e a convicção de que o momento de compra é fundamental para a decisão do consumidor.

Mas não é isso que está em discussão: o debate, aqui, não é acerca da eficácia da publicidade como instrumento de indução à compra, mas sua inadequação às propostas de diálogo livre, plural e racional, que, pelo menos em termos ideais, deve marcar a democracia. O caso é de confronto de idéias, não de apresentação dos apelos mais emotivos. Parece que tudo isto passa por uma mudança de comportamento, não só daqueles que apregoam idéias fantasiosas, mas também daqueles que transmitem as suas idéias e até daqueles que se deixam enganar. Mas, ainda assim, continuaremos à procura de um modelo ideal que contente a todos, sempre em busca de algo melhor.

* Valério Cruz Brittos é professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e presidente do Capítulo Brasil da Unión Latina de Economía Política de la Información, la Comunicación y la Cultura (ULEPICC-BR)

Por que um negro, senhores da mídia?

Gostaria de ser um dos signatários do documento a ser enviado ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para barrar os bandidos que almejam candidatar-se a mandatos eletivos e que têm problemas de ordem moral – que vêm corroendo as finanças do país desde tempos imemoriais da ocupação portuguesa no solo brasileiro – e facilidade para ocupar cargos políticos. Até porque o dinheiro fácil que o poder lhes proporciona os faz galgar postos, não somente nos fóruns de debates, como nos cargos executivos.

Ocorre que as figuras desses larápios engravatados, em sua maioria, são brancos ou assemelhados, conforme suas ascendências vindas dos meios lusitanos que colonizaram o Brasil.

A TV Globo, entretanto, está a exibir a figura de um homem negro, um ator de sobeja competência, na novela A Favorita, que faz política – um riquíssimo deputado para quem o dinheiro e as tentativas de compra de consciências ocorrem com a maior facilidade, sendo um dos piores exemplos de corrupto já mostrado nesse tipo de ficção.

Ações racistas e intolerantes

Imaginem: um negro, e não um branco, a exemplo de um Lauro Maia, o empresário recentemente preso no Rio Grande do Norte pela Polícia Federal, além de outros da mesma estirpe, que continuam a enganar um eleitorado inconsciente ainda da sua cidadania.

Quando do caso dos "anões do orçamento", o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, à época, fez por onde os tais "anões" não fossem indiciados e julgados. Até hoje tem gente exercendo mandato político, na oposição, danado da vida por não poder meter a mão no dinheiro público.

A Globo está invertendo os valores. Por que será? Seria a ideologia dos psicanalistas dos anos 1930, ou daqueles que foram da polícia política dos tempos do Getúlio Vargas, ou mesmo as ações racistas e intolerantes nos tempos de Agamennon Magalhães quando governador de Pernambuco, para os quais todos os males do país eram causados pelos negros ou assemelhados?

Barrar candidaturas

Creio que se trata de uma inversão proposital, para renascer, talvez, um sentimento de perseguição aos afro-descendentes, especialmente quando o presidente da República vem criando pastas administrativas para cuidar de políticas de inclusão social e de igualdade racial, valorizando, assim, etnias secularmente alijadas de posições de destaque na vida política, jurídica, administrativa e econômica do país.

Pois outra razão não vemos nessa criminosa amostra de um negro, que mesmo sendo um ator, ter que representar muito bem o papel de um prócer da corrupção no Brasil. É necessário que as ONGs que lidam com cidadania atentem para este fato.

Quanto aos políticos corruptos de fato, esperemos que o TSE reveja sua posição, barrando nas fontes, ou seja, nos TREs, as candidaturas de indivíduos notoriamente reconhecidos nas hostes da imoralidade pública.

* José Amaro Santos da Silva é musicólogo, professor do Departamento de Música da UFPE e vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos Dom Helder Câmara.

O Direito Autoral no Brasil hoje

Dez anos se passaram desde a última alteração da Lei de Direito Autoral no Brasil. Desde então transformações radicais se deram nas formas como as obras culturais são usufruídas pelo público, basicamente devido ao avanço tecnológico no ambiente digital, que agravou desequilíbrios já existentes na lei. Várias manifestações que tenho recebido fizeram-me crer que chegou o momento de consultar a sociedade, por meio do Fórum Nacional de Direito Autoral, que terá nova etapa nos dias 30 e 31 de julho, no Rio de Janeiro, com a realização do seminário A Defesa do Direito Autoral: Gestão Coletiva e Papel do Estado.

O fórum buscará responder aos anseios da população brasileira, em seus diversos grupos constituídos, a respeito do assunto. Tal consulta não significa que não tenhamos um mapeamento prévio das imperfeições da lei. Minha concepção inicial é de que precisamos alterar a lei para que ela seja um instrumento efetivo de incentivo à criação, ao mesmo tempo em que permita à sociedade usufruir dessas criações sem deixar de dar o devido reconhecimento ao autor e o retorno a quem nele investe. Buscamos o restabelecimento de equilíbrios ausentes em nosso quadro atual: de um lado, equilíbrio entre o autor, que é, em última instância, o motivo da lei, e o investidor, que promove e divulga a obra.De outro, equilíbrio entre quem consome obras protegidas e o titular dos direitos.

Temos algumas idéias prévias a respeito de como restabelecer tais equilíbrios, que são fruto da série de reclamações que o ministério recebe a respeito do formato atual da lei e de estudos comparativos com legislações de outros países. Elas passam por três pontos principais: 1) redefinir o papel do Estado na área autoral: o Brasil é um dos raríssimos casos no mundo em que o Estado não possui qualquer papel na seara autoral, e nem há, dentro do Estado, por exemplo, qualquer instância de mediação e arbitragem para resolver conflitos de interesses na área, aliviando a sobrecarga do poder Judiciário; 2) repensar o capítulo de limitações de nossa lei, no qual o desequilíbrio é marcante, nãoprevendo, entre outros, o acesso de várias categorias de deficientes às obras protegidas, ou acópia para uso privado, caso que atinge principalmente os cursos universitários; 3) fazer com que os autores retomem o controle sobre as utilizações de suas obras, pois na legislação atual é permitida a celebração de contratos com cláusulas de cessão e transferência total e definitiva de direitos, prática imposta pelo mercado e que prejudica os autores quanto à gestão na utilização futura de suas criações.

Seria inadequado, no entanto, consolidar quaisquer idéias iniciais sem partir para um processo mais amplo de consulta aos grupos da sociedade interessados no tema. Assim, o Ministério da Cultura lançou o Fórum Nacional de Direitos Autorais, no qual esperamos contar com ampla participação da sociedade.

…mas publicidade é informação?

É democrático estabelecer limites legais para as mensagens de publicidade? Ou será censura?

De tempos em tempos, essas perguntas vêm à tona. Agora, por exemplo. No mês passado, seria votado no Congresso Nacional, em regime de urgência, um projeto de lei, encaminhado pelo governo, que resultaria em restrições à propaganda de cerveja. De repente, por um acordo de parlamentares, a urgência foi retirada do projeto e, até agora, não há mais previsão de data para a votação. A manobra reacendeu as velhas perguntas. Uns invocam a liberdade de expressão e dizem que qualquer restrição é censura. Outros exigem que o Estado imponha limites. Quem tem razão?

Na terça-feira (10/60, o debate ganhou novo fôlego com a realização do Primeiro Fórum Brasileiro de Auto-Regulamentação Publicitária na Comunicação Social, em Brasília. Quem controla a publicidade? Quem protege a sociedade e as crianças de eventuais excessos dos comerciais? Organizado pela Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Deputados, o fórum girou em torno da experiência de auto-regulamentação do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária (Conar), que completa 30 anos agora em 2008.

Sem dúvida, a prática pioneira do Conar tem muito a ensinar aos comunicadores, mas não se pode esperar que o órgão dê todas as respostas. Sendo uma entidade enraizada no mercado anunciante, representa os interesses desse mercado. É uma parte, portanto. Nesse sentido, quando combate desvios ou abusos de alguns anúncios – e efetivamente os combate –, ele o faz para proteger, mais do que a sociedade em geral, a credibilidade da propaganda, ou, em outras palavras, para proteger o negócio da propaganda contra seus próprios abusos.

Objetivo único

Nada de errado com isso, evidentemente. Trata-se de uma ação altamente educativa e legítima. Com efeito, é legítimo que dirigentes do Conar se insurjam contra qualquer tentativa de restringir a veiculação de anúncios. Defendem o vigor do mercado que representam, e fazem isso de boa-fé. E com bons argumentos. Alegam, por exemplo, que o direito de anunciar é a contrapartida do direito fundamental do consumidor à informação. Segundo advogam, qualquer restrição à propaganda agrediria, indiretamente, o direito fundamental à informação, constituindo uma modalidade de censura.

O argumento merece atenção. De fato, a tradição democrática assegura o direito do cidadão à informação. Esse direito só é uma garantia fundamental porque, desde o advento da democracia moderna, o poder emana do povo e em seu nome é exercido. Por isso, e não por outro motivo, o cidadão tem o direito de estar devidamente informado, pois só assim será capaz de delegar, fiscalizar ou mesmo exercer o poder.

Aí é que entra a liberdade de imprensa: ela é indispensável para que o cidadão tenha acesso a informações independentes sobre o poder. Independentes: para estar à altura do direito à informação a imprensa não se pode deixar capturar pelos tentáculos do governo, dos partidos ou do poder econômico. É por isso que se diz que a imprensa só é imprensa quando é livre.

A publicidade preenche esses requisitos? A resposta só pode ser não. Para começar, ela é um discurso interessado. É parcial. É unilateral. Enquanto o jornalismo leva notícias ao cidadão para que este forme livremente sua própria vontade – os melhores cânones do jornalismo recomendam sempre que ele não se arvore a direcionar a formação da vontade do cidadão –, a publicidade tem o único objetivo de convencer o público a comprar mercadorias ou serviços. A imprensa se realiza quando a sociedade a conduz. A propaganda, quando a sociedade lhe obedece. São totalmente distintas.

Uma e outra

É verdade que, não raro, o jornalismo se deixa seduzir pelo proselitismo – e, aí, afasta-se de seus ideais. Ainda assim, no entanto, mesmo se rebaixa nesse desvio, ele não se iguala à propaganda. O jornalismo, bom ou mau, aflora dos debates naturais do espaço público – refletindo versões, opiniões, doutrinas e narrativas diversas – e a ele retorna. Nasce da opinião pública e para ela se dirige. De outro lado, a propaganda se organiza como operação de venda, seus fins são comerciais, ela se dirige ao consumidor, não ao cidadão. O seu discurso é a fala do vendedor. Tanto que as mensagens publicitárias são difundidas em espaços e horários pagos: os anunciantes compram fragmentos do olhar e da atenção do público para oferecer a ele suas mercadorias. É óbvio que, se prestasse atendimento a algum direito do leitor ou do telespectador, a publicidade não teria de comprar minutos do seu olhar.

Em suma, por melhor que seja, a publicidade não se subordina ao direito fundamental à informação. Ela serve, sem nenhum demérito, aos objetivos de venda do anunciante. Isso não significa que a propaganda não deva ter assegurada a sua liberdade – ela a tem, indiscutivelmente, assim como os vendedores a têm. Significa apenas que a sociedade, assim como tem o direito de limitar, por lei, a circulação de certas mercadorias, também tem o direito de limitar, legal e democraticamente, segundo critérios transparentes, a propaganda de certas mercadorias – pois a propaganda é parte da operação de venda dessas mercadorias. Isso não configura censura à imprensa nem fere o direito à informação. Limites à publicidade, desde que democraticamente adotados, não reduzem o grau de liberdade de um país. Muitas vezes, a ausência de limites é que produz distorções.

Sem publicidade, disso todos sabemos, não há imprensa livre. Por isso mesmo, é bom que uma não se queira passar pela outra. A separação clara de papéis sempre foi, é e será vital para ambas.