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Mídia & Governo 2: Uma câmera na mão, irresponsabilidade na cabeça

Sobre o artigo "Angu-de-caroço em Minas Gerais", publicado no Observatório da Imprensa em 8/7/2008 de autoria de Daniel Florêncio, a Superintendência de Imprensa do Governo de Minas vem se pronunciar em razão da grave acusação de cerceamento à imprensa formulada pelo autor, que assina também o vídeo “Gagged in Brazil”.

Em seu trabalho veiculado na internet e fartamente distribuído por meio de e-mails de servidores gratuitos, Daniel Florêncio afirma que "recentemente" existiram rumores de que o governador Aécio Neves "tem suprimido a liberdade de imprensa no Estado". Não há rumores recentes. O que existiu – e é de conhecimento de todos os profissionais de imprensa que realizaram a cobertura jornalística das eleições de 2006 – é um vídeo produzido naquele ano, lançado na internet como arma de campanha da oposição nas eleições para governador, com ampla divulgação e espaço no programa do horário eleitoral gratuito.

“Gagged in Brazil”, publicado neste ano no You Tube, basicamente reedita as imagens e depoimentos da produção realizada em 2006 e, o mais grave, descumpre os procedimentos mínimos necessários a um trabalho que pretenda tratar de fatos reais veiculando acusações falsas. É como se o célebre slogan de Glauber Rocha pudesse ser tristemente atualizado para: uma câmera na mão e nenhuma responsabilidade na cabeça.

Vamos aos procedimentos adotados pelo autor.

O vídeo afirma "ser difícil encontrar qualquer notícia negativa sobre o governador", mas Daniel Florêncio não realizou qualquer pesquisa sobre o noticiário publicado no país ou em Minas em qualquer período de tempo, ou mesmo utilizou qualquer critério que possa ser considerado como base de pesquisa para a acusação que faz. Simplesmente editou recortes de jornais e matérias de TV, coletados aleatoriamente. Uma análise de conteúdo e de comparação entre a cobertura oferecida por veículos de diversos estados seria suficiente para jogar por terra a afirmação feita.

"Gagged in Brazil" exibe dois depoimentos que seriam de supostos jornalistas, embora não tragam qualquer identificação de nomes, funções, local ou cidade onde teriam ocorrido. O autor do vídeo usa do recurso de distorção de voz e imagem pretensamente para proteger suas "testemunhas". Num deles, de um suposto jornalista da Rede Globo, afirma-se que todas as matérias sobre o governo de Minas são revisadas pelas chefias. Ora, não apenas as matérias sobre o governo de Minas são revisadas. Em qualquer veículo, os editores revisam matérias sobre acidentes de trânsito, resultados do futebol, ocorrências policiais ou agenda cultural – sem que isso se caracterize ato de censura. É assim em Belo Horizonte, no Rio, São Paulo, Londres, Nova York… O repórter apura e redige; o editor edita.

Os únicos depoimentos de jornalistas claramente exibidos são cópia do vídeo de 2006. E não merecem credibilidade alguma, já que foram renegados pelos entrevistados. Os jornalistas Marco Nascimento e Ugo Braga gravaram, ainda naquele ano, depoimentos acusando ter havido edição enganosa de suas falas, com vistas a provocar distorção de entendimento.

Daniel Florêncio, que gosta de produzir documentários sobre ética e comunicação, abandonou a ética na criação de “Gagged in Brazil”. Ele sonega à sua audiência a informação de que o vídeo foi contestado pelos próprios entrevistados e, contrariando outra regra básica, não se preocupou em ouvir pessoalmente os dois únicos jornalistas possíveis de serem identificados em seu trabalho.

O vídeo traz um quinto depoimento com críticas ao governador de Minas, todas elas inerentes ao debate político-ideológico. Entre as quais, a de que ele "representa a direita conservadora a serviço da privatização de todos os serviços".

Por fim, "Gagged in Brazil" trata equivocadamente informações sobre investimentos financeiros feitos pelo governo na área de comunicação, utilizando a moeda americana, mas sem considerar a variação cambial do período, gerando uma grave distorção na informação apresentada.

Mesmo não sendo jornalista, como afirma em seu artigo, é inaceitável que o autor não se sinta eticamente obrigado as ouvir as fontes que utilizou, checar dados ou confirmar números antes de dar eles publicidade.

Florêncio fez contato com a Assessoria de Imprensa do Governo de Minas solicitando posicionamento oficial em agosto de 2007, quando afirmou estar em Londres, onde residia. Mesmo tendo assegurado ter estado em Belo Horizonte durante a produção de seu vídeo, em nenhum momento de sua estada procurou o governo de Minas para gravação ou coleta de depoimento. O produtor também não veiculou o teor da nota enviada pelo governo do Estado, por e-mail, em 31 de agosto de 2007.

Nos exatos 7.199 caracteres de seu texto para o Observatório da Imprensa, o autor do vídeo não respondeu a nenhuma das contestações feitas ao trabalho. Vale destacar que ele próprio manifesta, no seu artigo, estranheza com a forma rápida, intensa e antinatural com que o trabalho foi distribuído pela internet.

O governo de Minas acompanha com atenção as críticas publicadas pela imprensa, mesmo porque elas servem de balizamento para a correção de rumos na administração estadual. A relação entre veículos de imprensa e diversas instâncias de governo – municipais, estaduais ou federal – tem sido tema de importantes discussões. A internet – espaço democrático e propício ao debate – está repleta de questionamentos dessa natureza. É necessário, no entanto, discernir o legítimo e necessário debate de insinuações que afetam a honra pessoal e profissional de tantas pessoas.

* Hugo Teixeira é superintendente de Imprensa do Governo de Minas Gerais.

Azeredo: na contramão do processo de inovação tecnológica

O senador Eduardo Azeredo (PSDB –MG) transformou-se no cruzado do controle da internet ignorando, voluntária ou ingenuamente, que a liberdade de circulação e recombinação da informação está na base do processo de geração de conhecimento sobre o qual a nova economia digital.

Dito assim parece complicado e pretensioso, mas o fato é que a proposta do senador tucano, cujo nome está associado ao mensalão mineiro, revela uma teimosia em não informar-se sobre o que a internet representa no mundo atual. No ano passado, o político tucano esteve no centro de um debate sobre regulamentação da Web, que gerou muita informação sobre a rede mundial de computadores.

Mas ele aparentemente mostrou-se refratário aos novos conhecimentos, pois levou adiante o seu ímpeto regulatório. É claro que a internet não está imune ao crime e ao delito, porque obviamente ela não é e nunca será um colégio de freiras. O problema é que não se pode tentar regular um sistema novo usando regras e valores antigos.

Para criar um conjunto de condutas e valores capazes de coibir a delinqüência virtual (tipo pedofilia, roubo, difamação, chantagem, terrorismo etc) é necessário primeiro procurar entender a natureza do processo no qual estão inseridas a internet e a Web. Impor um modelo repressor idêntico ao usado para canais de comunicação como radio, televisão e cinema, é uma absurda perda de tempo e de energias, porque até os neófitos da rede sabem que será um fracasso.

Se eu fosse cínico recomendaria: aprovem o substitutivo Eduardo Azeredo porque não há a menor dúvida de que a lei será inócua e ficará enterrada nos porões do poder legislativo nacional. O problema é que agindo assim, estamos perdendo uma oportunidade única para ampliar a consciência das mudanças em curso no Brasil e no mundo.

A internet não é apenas um conjunto de computadores interligados entre si. Ela já é uma expressão do novo sistema de produção econômica e cultural gerado a partir de inovações tecnológicas como a computação e a digitalização, que por sua vez são o resultado de pressões dos agentes econômicos por processos mais rápidos e automatizdos, capazes de atender à demanda de uma população em crescimento acelerado.

Tentei nesta frase sintetizar grosseiramente todo o processo do qual a Web e a internet são parte. Neste processo, a rapidez de circulação e recombinação de informações é um componente essencial porque todos os sistemas usuais de regulamentação e certificação se mostram incapazes de acompanhar o ritmo frenético da digitalização.

As viagens espaciais teriam sido simplesmente inviáveis sem a computação porque as calculadoras analógicas não conseguiriam nunca processar dados na rapidez e volume necessário para operações, como por exemplo, a reentrada na atmosfera terrestre. Por outro lado, a indústria mundial teria entrado em colapso sem a automatização e robotização viabilizadas pela revolução digital.

O mundo moderno tornou-se complexo demais para que continuemos a usar sistemas e valores surgidos junto com a da revolução industrial. No contexto atual, a troca e conseqüente recombinação de informações, sejam elas em texto, áudio ou imagens precisa ser a mais ampla possível para que os conhecimentos sejam produzidos no ritmo exigido pela economia e pela sociedade contemporânea.

É por isto que a legislação vigente sobre direitos autorais e o próprio sistema de produção de leis tornam-se anacrônicos diante de sua incapacidade para acompanhar a inovação produzida por sistemas digitais em redes planetárias. Se não levarmos isto em conta, as propostas contidas no substitutivo em tramitação no Congresso Nacional serão tão inócuas como chover no molhado.

O debate sobre a regulamentação da internet necessita ser abordado noutras bases. A demanda regulatória existe e continuará a existir na sociedade do futuro. O que não dá, é tentarmos resolver um problema novo com ferramentas antigas. É o mesmo que usar o telégrafo na era do correio eletrônico.

Quando o ourives alemão Johannes Gutenberg inventou a impressão com tipos móveis em 1439 ele provocou um conjunto de mudanças que provocaram reações conservadoras muito parecidas com as embutidas no substitutivo do senador tucano[1].

P.S. Os professores André Lemos e Sergio Amadeu produziram uma petição ao Congresso Nacional para que o substitutivo do senador Eduardo Azeredo seja arquivado. Os interessados podem assinar o documento que contém uma contextualização ainda mais abrangente que a do post acima.

* Carlos Castilho é jornalista, professor, autor de livros e artigos sobre jornalismo online.


[1] Mais detalhes no livro O Contexto Dinâmico da Informação, de Kevin McGarry, especialmente na bibliografia citada no capítulo III.

Sem limites para a propriedade cruzada

A concentração do controle da mídia, sobretudo eletrônica, é um fato histórico no nosso país. Ignorada pelos responsáveis pela sua regulação e negada por empresários do setor, ela certamente é uma das causas da crescente homogeneização do conteúdo bem como da ausência significativa de pluralidade, diversidade e de regionalização na mídia brasileira.

A concentração na mídia, no entanto, não é um problema só brasileiro. A convergência tecnológica e o processo de privatização das telecomunicações fizeram com que, desde o último quarto do século 20, ela se transformasse numa das características do setor. Um grupo cada vez menor de conglomerados globais controla a produção e a distribuição de dados, informação e entretenimento (e publicidade) no mundo. O Brasil é apenas uma parte – importante, diga-se de passagem – de uma tendência universal.

Dados recentemente divulgados pela consultoria KPMG – ela própria uma empresa global – confirmam a continuidade dessa tendência e mostram como, na verdade, a comunicação é um dos setores onde ocorreu o maior número de fusões e aquisições no Brasil nos últimos 15 anos (ver aqui).

Nos números divulgados para o primeiro trimestre de 2008, o setor de tecnologias da informação (TI) aparece em 1º lugar; a publicidade e as editoras aparecem em 5º; enquanto as telecomunicações e a mídia aparecem em 16º lugar no ranking de fusões e aquisições. Todavia, se observadas as curvas históricas desde 1994 – quando os dados começaram a ser divulgados –, verifica-se que as tecnologias de informação (TI) aparecem em 2º lugar; as telecomunicações e a mídia em 3º e a publicidade e as editoras, em 7º lugar. Se fossem agrupados – o que já ocorre na realidade dos mercados –, esses setores certamente estariam entre os primeiros com maior número de fusões e aquisições. É mais um dado que confirma a tendência de concentração da mídia no Brasil.

Concentração ainda maior nos jornais?

Há algumas semanas circula com insistência em blogs de comprovada credibilidade a informação, não confirmada, de que as Organizações Globo estão avaliando a oportunidade de comprar o grupo O Estado de S.Paulo. Demissões de jornalistas e, por outro lado, a contratação de pelo menos um conhecido e respeitado profissional para comandar a sucursal do Estadão no Rio de Janeiro são apenas dois "sintomas" de que algo está a ocorrer.

A ser verdadeira a informação – um negócio que só é possível pela ausência de regulação sobre a propriedade cruzada – significa um importante aumento da concentração da mídia brasileira. O maior grupo de mídia, líder na televisão e proprietário de um dos dois maiores jornais em circulação no país, estaria comprando o mais tradicional jornal de São Paulo, o principal mercado nacional.

Conseqüências do monopólio

Registre-se, aliás, que algumas das conseqüências da concentração no setor de telecomunicações – incluído nas comunicações pela convergência tecnológica – começam a se tornar mais perceptíveis para o cidadão comum, ao contrário do que sempre aconteceu em relação à concentração nas áreas de jornais, revistas, emissoras de rádio ou televisão.

Exemplo emblemático foi a recente pane no sistema de transmissão de dados quase monopolizado da Telefônica, em São Paulo. Empresas públicas e privadas foram igualmente afetadas e a rotina do cidadão comum prejudicada em relação à prestação de serviços essenciais como transporte, segurança e saúde.

A Telefônica de Espanha – desnecessário dizer – é um dos símbolos da privatização das telecomunicações no Brasil; e sua filial brasileira é hoje comandada por um ex-executivo da agência reguladora do setor, a Anatel.

Por tudo isso, nunca será demais lembrar a concentração da mídia e a necessidade de uma regulação que – na defesa do interesse público – estabeleça barreiras e limites à sua continuidade. Nunca será demais lembrar, mesmo quando a história insiste em mostrar que a realidade caminha na direção oposta.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de “A mídia nas eleições de 2006” (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

Censura ou intimidação? – O protesto da imprensa contra o Judiciário

A pergunta da urna eletrônica da última edição deste Observatório da Imprensa ("O protesto da imprensa contra a censura é uma intimidação ao judiciário?") deveria propiciar um pouco de autocrítica sobre o poder de fogo da imprensa, capaz de construir ou destruir reputações e afetar a confiabilidade de instituições que são necessárias também à defesa da liberdade de imprensa.

Não me esqueci do período em que jornais e revistas sofriam censura regular e sistemática, por órgãos governamentais de então, sem a menor possibilidade de buscar defesa ou proteção junto ao Poder Judiciário, sede em Estado de Direito e Democrático adequada para que sejam dirimidas questões que envolvam limites e/ou violações de direitos.

Todavia, os tempos são outros. Portanto, invocar o período de exceção como precedente que pudesse justificar a reação contra as promotoras de Justiça, por força da insurgência diante da publicação de entrevistas com candidatos a prefeitos antes de iniciado o período legal de campanhas eleitorais – e o juiz eleitoral que fixou as multas contra os jornais Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo – é fazer tempestade em copo d'água, ou dar tiro de canhão para caçar borboleta. A desproporção tomou caráter, sim, de intimidação. Intimidação é conduta típica de quem se sente poderoso(a). De fato, o poder da imprensa é incomensurável. Nos tempos atuais, é inegável que quem detém a informação, ou a capacidade de manipulá-la, detém o poder.

Quem aceitaria se expor?

Editoriais e articulistas renomados não pouparam adjetivos para tachar as promotoras de Justiça e o juiz eleitoral de ignorantes, despreparados, chegando a ridicularizar o texto da representação e da sentença. Certos profissionais da área jurídica, que vieram engrossar o coro do achincalhe, do deboche, do escracho, foram até alçados à condição de juristas, termo esse que reservaria a bem poucas pessoas. Que saudades de um Raimundo Faoro!

Tudo se apresentou como se os jornais todos fossem oráculos dos deuses, só se conduzindo pelo estrito compromisso com a mais honesta informação. Ora, sabemos todos que caciques políticos, de norte a sul, leste a oeste deste país detêm, entre tantos negócios, jornais, além de emissoras de rádio e de TV – este Observatório fez extenso trabalho para apontar o elevado número de parlamentares que têm concessão de rádio e TV [ver "Concessionários de radiodifusão no Congresso Nacional: ilegalidade e impedimento" e "Rádios comunitárias – O coronelismo eletrônico de novo tipo (1999-2004)"]. Só para citar os mais conhecidos clãs: de ACM, do ex-presidente José Sarney e do ex-presidente Collor de Mello. E por que a propriedade de jornais é sempre tão atraente? Tudo em honra da missão de levar a melhor e mais precisa informação, para que os cidadãos, todos bem informados, façam a melhor escolha? Não nos tomem por ingênuos!

Acreditar que seja possível distinguir entre informação e propaganda eleitoral em dada entrevista é fazer pouco caso da inteligência alheia. Nas ditas entrevistas, em nenhum momento os candidatos se viram numa situação de confronto ou questionamento que os mostrassem sem subterfúgios, lhes retirassem o discurso pré-preparado, de sorte a permitir que o leitor/eleitor os visse sem a maquiagem da propaganda eleitoral. Qual deles aceitaria se expor, dando munição ao adversário que poderia, no futuro, já no período eleitoral propriamente dito, se valer do que foi dito em resposta a uma pergunta mais capciosa, mais elaborada?

O gérmen da destruição

O regramento do TSE que se seguiu só serviu para demonstrar que a questão não estava clara. Mesmo o regramento parece ter descurado da realidade do país, na qual muitos órgãos de imprensa não estão a serviço da informação, mas de seus próprios donos, candidatos a cargos eletivos, ou ligados ao grupo político destes.

A imprensa usou novamente seu poder destruidor de reputações no episódio envolvendo a suspensão por liminar – ou seja, por decisão temporária – de matéria que exporia irregularidades apontadas pelo TCU em relação ao Conselho Regional de Medicina de São Paulo. Ainda que não tenha sido a mais brilhante ou feliz das decisões, ela era precária, passível de revisão – como o foi – ou reforma por instância superior.

O que não tem reforma, depois de publicada uma matéria, após anos de discussão judicial, ainda que culmine com a condenação do jornal/revista, são os estragos feitos pela notícia, pois a publicação da sentença no jornal/revista – se fizer parte da condenação, e muitos anos depois do episódio, quando quase ninguém se lembra do assunto – sai num cantinho interno das páginas finais de um caderno menos importante, em meio a notas sem nenhuma relevância. O artigo de Carlos Brickmann sobre o direito de resposta, neste Observatório, aborda o assunto [ver "A justiça, quando tarda, falha"].

Na reação dos órgãos de imprensa e seus profissionais contra a denominada "censura", que em muito extrapolou a defesa da indispensável liberdade de imprensa, acabou por incorporar a mesma tática de desqualificar o acusador ou sentenciante, muito usada por advogados criminais – aqueles "juristas" anteriormente mencionados – dos casos nos quais os réus são do andar de cima.

Assim, no lugar de contrariar a acusação e/ou a decisão, pelos meios legais adequados, desqualifica a pessoa que ocupa o cargo em instituições criadas exatamente para fazer aquilo que lhes causa embaraço.

Quando a única forma de afirmação da força de uma entidade é a desqualificação de instituições, o gérmen da sua destruição se instala, adentrando-se na senda perigosa do salve-se quem puder.

* Ana Lúcia Amaral é procuradora Regional da República, associada do Instituto de Estudos Direito e Cidadania (IEDC)

Mídia & Governo: Angu-de-caroço em Minas Gerais

Petista. É como o PSDB de Minas quis me chamar nos sete vídeos-resposta que produziram em resposta ao meu documentário “Gagged in Brazil”, ou “Amordaçados no Brasil” [com legendas em português, no YouTube], que trata das relações entre a imprensa e o governo Aécio Neves em Minas Gerais que produzi para a Current TV no Reino Unido.

O documentário que produzi para a TV de Al Gore tem como ponto de partida um artigo sobre Aécio Neves publicado no Le Monde em 2006, do qual constavam elogios e criticas, e no entanto a divulgação do artigo em Minas só fez alusão aos elogios; deixou as criticas de lado, entre elas a menção ao documentário Liberdade, essa palavra, onde jornalistas mineiros narram suas demissões de veículos do estado.

Eu que não sou jornalista, mas desde minha vinda ao Reino Unido para estudar, em 2004, tive a oportunidade ter contato com vários jornalistas de diversas nacionalidades, inclusive brasileiros, mineiros também. Os relatos e histórias desses jornalistas sobre o que se passa dentro das redações dos jornais me surpreendeu.

E foi exatamente por não ser jornalista – e não ter a experiência do convívio diário das redações – que aquelas historias me impressionaram. Para quem consome o que é veiculado na mídia, há uma sensação de que as pessoas por trás daquilo compreendem a responsabilidade que esperamos delas. E normalmente elas têm essa noção, mas seus patrões não.

Somos feitos de bobo. Eu e uma legião de supostos cidadãos bem informados. “Gagged in Brazil” foi o resultado dessa indignação. Foquei em Minas Gerais por ser mineiro, pela facilidade de obter fontes e porque, como minhas fontes mesmo me relataram, "essa ser uma situação descarada". Os indícios e fatos eram claros e não haveria muita dificuldade em coletar dados. O filme foi o último de uma série de pjosdireitoaco (documentários de curta duração) produzidos para a Current TV, para quem produzi mais de uma dezena de outros filmes, alguns deles premiados.

O funcionamento e a lógica

E por que diabos haveria a Current TV de Al Gore e Joel Hyatt de se interessar em produzir um filme sobre liberdade de imprensa no Brasil? E em Minas Gerais?

Uma das razões de Gore e Hyatt para criarem o canal foi democratizar a televisão. Al Gore se sentiu prejudicado nas eleições à presidência dos Estados Unidos quando perdeu para George W. Bush, e percebeu, antes da Guerra do Iraque, que a mídia claramente tentava influenciar a opinião publica norte-americana a favor da guerra. O resultado de sua indignação foi a criação da Current TV, que hoje alcança os EUA, Reino Unido e Itália. A rede abrange tudo que diz respeito a jovens adultos – política, moda, sexo, religião, economia, música – e trata de temas e assuntos que estão fora da pauta da grande mídia. Meu filme se encaixava na proposta do canal.

Gagged” estreou na TV e como todo o conteúdo da Current o filme estava também no website do canal. Enviei o link para alguns contatos de minha lista de e-mails e, em cerca duas semanas um conhecido já o havia legendado e feito o upload para o YouTube. Com uma versão em português na rede, enviei um outro e-mail para minha lista de contatos no Brasil. O resultado em pouco mais de um mês foram mais de 50 mil pessoas assistindo ao filme, alem de mais 2 mil referências no Google e os sete vídeos-resposta produzidos pelo PSDB de Minas Gerais.

Algumas coisas me surpreenderam com a repercussão desse vídeo. Primeiro, por poder testemunhar a organicidade da rede e seu poder. Várias pessoas, inclusive algumas das bminhas fontes, relatavam que recebiam e-mails com o link do vídeo no YouTube, não uma ou duas, mas três ou quatro vezes. Pude observar a versão em português no YouTube recebendo uma média de 1 mil visitas por dia, e a curiosidade em "googlar" o assunto também me surpreendeu ao notar o número de referências crescendo todos os dias. A outra surpresa foi em perceber a reação do governo de Minas Gerais e do PSDB com seus vídeos-respostas e a completa falta de preparo para responder a um documentário.

Em meu documentário não estou imputando crime a ninguém. Explico o funcionamento e a lógica de uma política de comunicação e das relações entre poder e mídia. Uma lógica que funciona dentro da lei sim, mas, frente às expectativas do papel que a mídia deve exercer, soa ridículo, absurdo além de antiético.

Coronéis eletrônicos

O PSDB me acusa de partidarismo e de manipular dados para levar a uma conclusão que não existe. Acusa-me de não adotar princípios jornalísticos. E chega ao absurdo de insinuar que o filme não tem tanta importância, pois eu sou mineiro, e não inglês – como se o governo de Minas tivesse que prestar contas apenas a ingleses, e não a seus próprios cidadãos e contribuintes.

É risível negar que os fatos narrados no documentário existam e atribuir a mim uma suposta "manipulação dos dados" com fins partidários. Qualquer indivíduo um pouco menos ingênuo vê que não há nada de fantasioso em interesses comerciais e políticos ultrapassarem as barreiras jornalísticas de veículos ao ponto de a influenciar no que é publicado.

Além do mais, a questão da mídia no país vem sendo amplamente debatida pela sociedade civil. Jornalistas de renome como Luiz Carlos Azenha e Paulo Henrique Amorim criaram blogs onde tratam de analisar os interesses e bastidores da imprensa no Brasil. Uma ONG cujo objetivo é "vigiar" a atuação da imprensa no país, o Movimento dos Sem Mídia, foi criada recentemente. Textos e mais textos sobre o assunto podem ser lidos neste Observatório, alguns deles de minha autoria, inclusive tratando do mesmo assunto que trato no documentário. Propostas para a democratização da mídia vêm sendo debatidas em fóruns, encontros universitários, bem como propostas de regulamentação de uso de verbas para publicidade oficial.

Mas esse debate ganha corpo e musculatura entre aqueles com aparentemente menos poder de mudança. O que precisa acontecer para que não apenas o governo de Minas Gerais, mas os governos estaduais e especialmente o governo federal encarem o problema da comunicação, entrem no debate e comecem a vislumbrar soluções?

Enfrentar esse problema implica bater de frente com os veículos de comunicação e toda a sua estrutura de alimentação da opinião pública, o que não é tarefa simples. Desagradar a esses leões pode custar uma futura eleição. E deixar de usufruir dos mecanismos de que dispõem pode abrir espaço para que a oposição comece a fazê-lo.

É a falta de coragem dos governos de enfrentar essas possíveis conseqüências que revela um defeito crônico de nossa classe política: a incapacidade de pôr à frente seus projetos de comunicação (se é que existem) em vez de seus projetos de poder. Mas revela também outro problema ainda mais grave: a inaptidão das poucas famílias que controlam os grupos de mídia no país compreenderem que o debate, a pluralidade de pensamentos e a exposição de pontos de vista diversos são fundamentais para a manutenção da democracia.

Resta então à sociedade civil, dentro de suas limitações, se mobilizar, organizar e cobrar mudanças. Pois esperar que os Marinho, os Civita, os Frias e os coronéis eletrônicos revejam o modus operandi de seus negócios seria contar um pouco demais com a boa vontade alheia…

* Daniel Florêncio é documentarista.