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Liberdade de expressão e mídia alternativa: dois anos depois

Há pouco menos de dois anos, escrevi para o Observatório da Imprensa um pequeno artigo com o título "A morte anunciada da Agência Carta Maior". Atendia a proposta feita em editorial que falava de "fechamento iminente" e conclamava todos interessados a "debater (a) questão, escrevendo a respeito, colocando-a em pauta nos sindicatos, partidos, organizações não governamentais, escolas, universidades, em todos os veículos" tendo em vista que não se tratava apenas de um problema da Carta Maior, mas "da maioria dos veículos de comunicação dessa imprensa alternativa, ou outro nome que se lhe queira dar (…) absolutamente necessário para a democracia da nossa comunicação".

Dois anos depois, retorno ao tema no momento em que passo a colaborar de forma permanente também com Carta Maior, sobrevivente de uma crise que não conseguiu fechá-la. As crises, é sabido, colocam desafios e oportunidades de mudança de rumos. Carta Maior sobrevive. Todavia, questões que eram centrais em 2007 continuam centrais ainda hoje. Trato aqui de duas delas.

Liberdade de expressão e grande mídia

Lembrei, em 2007, que os grandes grupos de mídia ignoram deliberadamente a impossibilidade prática que um cidadão comum tem para exercer a sua liberdade de expressão, o seu direito individual de expressar, ele próprio, sua opinião publicamente. Por que não se aplica ao cidadão comum – sujeito originário do direito – a liberdade de expressão agora apropriada pelos grandes grupos de mídia como liberdade de imprensa? Como exercer a liberdade de expressão em nossos dias?

O jurista Fabio Konder Comparato tem colocado essa questão faz tempo. Afirmava ele ainda em 1990:

"A liberdade de expressão é, tradicionalmente, considerada a pedra angular dos regimes democráticos. (…) Hoje, no entanto, todos entendem que a expressão pública do pensamento passa, necessariamente, pela mediação das empresas de comunicação de massa, cujo funcionamento exige graus crescentes de capitalização. Aquele que controla tais entidades dispõe, plenamente, da liberdade de expressão. Os demais membros da coletividade, não. ("É possível democratizar a TV?" in Adauto Novaes, org., Rede Imaginária – TV e Democracia; Companhia das letras, 1991).

No meu artigo, perguntava: o que (o cidadão) deve fazer? Como competir com os grupos de mídia já existentes? Como conseguir o volume de capital necessário para ser proprietário de uma empresa de comunicações? Ou deveria ele escrever para a seção de cartas dos jornais e revistas? Ou organizar-se, em sua comunidade, criar uma associação ou fundação sem fins lucrativos, juntar os recursos (?) e solicitar ao Ministério das Comunicações uma autorização para uma rádio comunitária? Ou deveria criar um blog na internet e torcer para que ele fosse acessado por milhões de internautas?

Para essas questões ainda não se tem resposta.

Quem financia a mídia alternativa?

Da mesma forma, por que não temos no Brasil uma mídia alternativa aos grandes grupos dominantes, como ocorre em países semelhantes ao nosso na América Latina? Por que será que inúmeras tentativas, sobretudo na mídia impressa, têm sistematicamente fracassado?

Um dos resultados da crise porque passou Carta Maior foi exatamente a articulação do Fórum Mídia Livre que se reuniu pela primeira vez em junho de 2008, no Rio de Janeiro, e que se reúne também no Fórum Social Mundial de Belém. Dentre os vários temas tratados no Manifesto de sua constituição, um se refere à eterna questão do financiamento da mídia alternativa.

Apoiado no princípio de que "um Estado democrático precisa assegurar que os mais distintos pontos de vista tenham expressão pública", o Manifesto reivindica que "as verbas de publicidade e propaganda sejam distribuídas levando em consideração toda a ampla gama de veículos de informação e a diversidade de sua natureza; que os critérios de distribuição sejam mais amplos, públicos e justos, para além da lógica do mercado".

Essa é uma das questões que precisa ser colocada: qual a responsabilidade do Estado democrático na garantia da pluralidade e da diversidade na mídia?

A história da imprensa no Brasil é marcada pela estreita vinculação entre os interesses do Estado e da mídia privada, controlada pelas oligarquias políticas regionais e pelos grandes grupos nacionais. Esse vínculo fica patente não só na legislação que rege, por exemplo, as concessões de radiodifusão, mas, sobretudo, nas formas diretas e indiretas de financiamento público, através de empréstimos bancários, subsídios à importação de papel; isenções fiscais, publicidade governamental, contratos milionários para compra de livros didáticos etc.

Já a mídia alternativa que sobreviveu aos anos de autoritarismo ou nasceu nos últimos 30 anos, em boa parte, mendiga apoio oficial ou sobrevive da ajuda esporádica de entidades internacionais e/ou patrocínios irregulares de origem privada ou pública.

Hoje, alegam-se motivos técnicos e de mercado para a distribuição das enormes verbas de publicidade oficial que privilegia a grande mídia. Ignora-se, por exemplo, que há países na Europa onde leis contrárias à monopolização garantem recursos financeiros para a mídia alternativa e independente. Uma medida neste sentido, portanto, não seria sequer inédita. Por que não se aplica à comunicação social os mesmos critérios que já vem sendo adotados pelo Estado brasileiro em relação a outros setores onde se busca a correção de desequilíbrios históricos? É o que se faz, por exemplo, com as microempresas que gozam de benefícios fiscais; com as quotas étnicas e/ou sociais para acesso ao ensino superior; e com a agricultura familiar para a qual existe o crédito subsidiado.

Por que não se pode fazer o mesmo com a mídia alternativa em nome da democratização do setor e no espírito da Constituição de 1988?

Princípios básicos

O cerceamento da liberdade de expressão individual e o financiamento da mídia alternativa são questões gêmeas. Dizem respeito à pluralidade e à diversidade de informações e opiniões que circulam na sociedade – vale dizer, dizem respeito a princípios básicos da democracia representativa. É por isso que não se pode deixar de debatê-los.

* Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007).

A Conferência de Direitos Humanos e o direito à comunicação

Realizada praticamente no apagar das luzes de 2008, entre 15 e 18 de dezembro, a XI Conferência Nacional dos Direitos Humanos reuniu, em Brasília(DF), mais de mil delegados(as) das 27 unidades da federação.

Por lidarem com demandas transversais a vários setores, as conferências de direitos humanos são como vários eventos simultâneos em um único espaço.

Nesta edição, a mais ampla e representativa ocorrida até hoje, esteve presente a maioria das grandes organizações e movimentos sociais do país que atuam com seus temas próprios e pautas específicas, mas que também abraçam a perspectiva dos direitos humanos.

O movimento negro, em suas várias correntes e campos; as organizações indígenas e indigenistas; o MST e outras entidades da Via Campesina e da luta pela reforma agrária; as organizações de defesa dos direitos das mulheres; os militantes LGBTT (lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais e transgêneros), em grande número e bastante ativos; entidades ligadas aos direitos de crianças e adolescentes, idosos, deficientes, migrantes e outros segmentos marginalizados; sindicatos de inúmeras categorias; organizações que trabalham com monitoramento e elaboração de políticas públicas em diversas áreas, além de gestores(as) públicos e representantes do Executivo, Legislativo e Judiciário, nos três níveis da federação, bem como procuradores(as) e promotores(as) do Ministério Público, estudantes, pesquisadores, advogados etc.

Todos estes atores sociais fizeram da conferência um riquíssimo fórum de debates e formulação de propostas. O resultado, além das moções com posicionamentos políticos, foram centenas de diretrizes voltadas ao fortalecimento das ações e instituições de proteção e promoção dos direitos humanos em nosso país.

Dentre as várias questões debatidas, a comunicação teve destaque e por vários motivos. Em primeiro lugar, o contexto onde se observa o interesse cada vez maior, por parte dos movimentos e entidades da sociedade civil, pelos temas ligados à luta pela democratização da comunicação. Isso se deve tanto à mudança das concepções político-teóricas a respeito da comunicação – passando de uma visão instrumental para a concepção da comunicação como direito humano fundamental para a efetivação dos demais direitos – quanto ao impacto das novas tecnologias da comunicação e informação sobre a organização e a ação cotidiana destes movimentos e entidades. A isso soma-se a crescente visibilidade da mobilização em prol da realização da inédita Conferência Nacional de Comunicação.

Os debates sobre os temas da comunicação ocorreram em todos os espaços da conferência de direitos humanos. Rádios e TVs comunitárias, liberdade na internet, inclusão digital, monitoramento e prevenção de violações de direitos na mídia, reestruturação e readequação do marco legal do setor, acessibilidade na mídia e aos bens culturais, promoção da educação para direitos humanos nos meios de comunicação, entre muitos outros, geraram polêmicas e fortes debates entre os(as) delegados(as).

O apoio à Conferência Nacional de Comunicação foi unanimidade em todos os grupos de trabalho onde o tema surgiu, bem como a necessidade de se reforçar os mecanismos e instituições de controle público e social da mídia, na perspectiva da proteção e da promoção dos direitos humanos.

Na plenária final, foram aprovadas resoluções bastante consistentes em relação a estas e outras questões, comprovando que o debate de alto nível sobre a comunicação não está mais circunscrito aos especialistas e profissionais da área.

Definitivamente, a comunicação está sendo (finalmente) reconhecida como direito da sociedade e obrigação do Estado. Que venha a I Conferência Nacional de Comunicação para consolidar e fazer avançar, no dia-a-dia dos brasileiros e brasileiras, esta concepção e a sua realização efetiva.

* Rogério Tomaz Jr. e Iano Flávio Maia são jornalistas e integrantes do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, participantes da XI Conferência Nacional dos Direitos Humanos.


TV pública: O direito democrático à informação e à cidadania

Disse Alexis de Tocqueville (1805-1859) que somente os jornais podiam depositar ao mesmo tempo, em milhões de mentes, as mesmas idéias. Daí que sua responsabilização formativa poderia ser autora tanto das virtudes públicas fundamentais ao processo civilizatório democrático, como ser uma perigosa arma de destruição da controvérsia saudável e do amor à cultura por parte de uma nação. Soren Kierkegaard (1813-1855) temia esta última possibilidade e dizia: os jornalistas não conhecem limites porque podem descer sempre mais baixo na escolha dos seus leitores.

No decênio de 1990, David Broder, importante colunista político americano, em uma série de artigos publicados no Washington Post, ao retomar o espírito que presidiu algumas reflexões do século 19 sobre a imprensa, afirmava que os jornalistas deveriam utilizá-la primordialmente para modificar e melhorar o debate público sobre a cidadania. Ainda apostava na força da palavra e dos argumentos como os melhores meios de exercitar as faculdades críticas dos cidadãos.

O mandamento primeiro do jornalista consistia em contribuir para a elevação moral dos homens, ajudando-os na formação de um juízo público esclarecido e responsável. Para tanto, pressupunha-se o pluralismo informativo e a capacidade de resistir às pressões dos interesses privados, voltados tão somente para o lucro e para a conquista de audiência e, por isso, incompatíveis com o direito democrático à informação devido à cidadania.

Fórmulas batidas e viciadas

No atual momento da comunicação no país estamos diante de algo muito mais complexo e perturbador: a força da imagem advinda da televisão, a qual está presente nas residências de todos, como um verdadeiro totem. A tecnologia das comunicações nos coloca diante de algo que até a segunda metade do século 20 sequer se suspeitava. A invasão totalizante da imagem para o interior dos espaços mais recônditos da subjetividade das pessoas. Nada lhe escapa; sobretudo torna as crianças e adolescentes as maiores vítimas indefesas. A televisão tem força plástica e modeladora: os comportamentos daqueles que comparecem na "telinha" são percebidos como normativos.

A barbárie valorativa presente nos programas televisivos, pautados substancialmente por critérios privados de mercado e pela tirania dos índices de audiência, tem relegado sua função de serviço público formativo a uma negligência perigosa. A festejada liberdade dos interesses de mercado tem se sobrepujado a qualquer outra consideração de ordem ético-educativa da sociedade. O imperativo maior deste tipo de negócio é "caçar audiência", custe o que custar.

Isto tem produzido como conseqüência o avassalador nivelamento por baixo dos seus conteúdos programáticos. Sabe-se muito bem que a qualidade da oferta condiciona o gosto e a exigência cultural dos telespectadores e ouvintes. Há experiências feitas na área cultural em várias partes do mundo que comprovam isto.

Diante deste quadro, qual seria o papel de uma televisão pública? A resposta parece cristalina. Ser aquela que tem por obrigação precípua restabelecer padrões programáticos compatíveis com uma nação que se quer mais integrada, mais culta, mais coesa moralmente e mais democrática.

A TV pública tem de ser modelar em ousadia de programação cultural, tem de priorizar a qualidade intelectual de seus programadores para que possam fazer ofertas culturais e artísticas que os coloquem de forma diferenciada no mercado televisivo. Que deixem para trás o lugar-comum da programação habitual, fincada na acomodação preguiçosa das fórmulas batidas e viciadas que infantilizam o espectador, reduzem-lhe as possibilidades de aquisição do juízo crítico e, portanto, não auxiliam na longa e difícil tarefa de construção de cidadãos esclarecidos.

"Fatos" deformados pela opinião

O debate contemporâneo sobre justiça distributiva, reconhecimento de direitos, cidadania, democracia e dignificação da vida aponta para o papel dos meios de comunicação, em especial a televisão, como meios de vital importância na difusão e orientação de valores democráticos permanentes e irrenunciáveis à construção de uma sociedade democrática. Contudo, estes pressupostos são negados cotidianamente nas televisões comerciais. De modo geral, os conteúdos nelas veiculados infelizmente percorrem sentido oposto à afirmação destes valores.

Quanto ao direito democrático da cidadania ao máximo possível de verdade na atividade informativa, o que vemos no Brasil de hoje é o desprezo impressionante pelos fatos e a celebração da opinião do jornalista que a apresenta com todos seus preconceitos e pré-noções como substitutivos dos fatos. Semelhante fenômeno alcançou dimensões assustadoras na sociedade contemporânea, o que suscitou o livro do jornalista italiano Marco Travaglio, cujo titulo emblemático é “O desaparecimento dos fatos”. Pede-se a abolição das noticias para não perturbar as opiniões.

Os âncoras dos grandes jornais televisivos opinam claramente utilizando-se de contrações faciais, exclamações aparentemente inocentes e espontâneas, técnicas de convencimento como se estivessem em espaço privado, conversando com amigos pessoais. O telespectador sequer imagina que estes profissionais da informação estão em uma concessão pública, prestando um serviço público.

A conseqüência disto, infelizmente, é que na consciência coletiva se enraízam e se fixam estes "fatos" deformados pela opinião e, assim, se usurpa sem mais o direito democrático à informação factual realizada com a objetividade necessária à verdade informativa, aliás, função originária da atividade jornalística.

Construção e resgate da memória

A televisão pública pode ser inestimável instrumento de política da memória pública, resgatando fatos da história sobre os quais pesa grande silêncio, tanto quanto fatos do presente, que não são noticiados na expectativa de criar a realidade conforme os interesses e desejos dos poderosos, portanto de parte da sociedade.

A seleção dos fatos da memória como modo de decidir o que os telespectadores devem esquecer, ou não saber, e àqueles que devem ser incessantemente lembrados, constitui uma das operações de poder persuasivo mais arbitrário, fartamente utilizado pelos regimes antidemocráticos.

Construir uma televisão pública no sentido maior que o termo indica pressupõe grande responsabilidade cívica, sendo que uma das mais importantes é o profundo compromisso com a verdade dos fatos, pois este dever preliminar fertiliza a construção e o resgate da memória pública. É fator importante de estímulo do debate público democrático. Somente assim será possível que uma nação discuta abertamente seu presente para incluir todos no debate sobre seu destino comum.

Convívio cívico e bens coletivos

Fato irrenunciável à tarefa de uma televisão pública é sua contribuição à luta pela dignidade da vida, na medida em que constitui valor supremo da democracia como modo de vida coletivo. Desta feita, sua diferenciação fundamental, em meio aos critérios comerciais que presidem as televisões privadas, nas quais a indignidade da vida se torna mercadoria muito vendável, é enfrentar o desafio de se fazer portadora da política democrática de dignificação do telespectador, ofertando-lhe noticiosos e programas culturais do melhor nível possível. Assim fazendo, se torna veículo de elevação da educação nacional, contribuindo fundamentalmente para a dissolução de estereótipos e preconceitos que pesam duramente sobre os pobres, as mulheres, as minorias étnicas e culturais, os negros, os homossexuais. Assim sendo, podemos imaginar a televisão pública como força auxiliar à imperiosa necessidade da revolução educacional no Brasil, cumprindo o papel de meio de revolucionar as referências culturais dominantes.

A universalização da escola, a melhoria dos conteúdos escolares em todos os níveis, a expansão da universidade pública e do ensino profissionalizante serão insuficientes como meios imprescindíveis de elevação do nível geral de educação. Exige, para se efetivar como processo educativo mais profundo e duradouro, o acompanhamento de uma mudança radical dos paradigmas valorativos da televisão brasileira. Para tanto, a televisão pública, voltada para a tarefa de inaugurar novos modelos de veiculação cultural à televisão, pode desempenhar papel decisivo na melhora da qualidade dos padrões gerais de civilização e cultura.

O significado maior deste processo se inscreve na exigência normativa de democratização incessante da democracia como forma política de convívio cívico e construção incessante de padrões mais altos de cultura, de ética, e de política como bens coletivos.

* Walquiria Domingues Leão Rego é professora titular do Departamento de Sociologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ainda a internet e os impérios da mídia

Chamo atenção para os que não o notaram: no post anterior, sobre a tragédia criada por Israel em Gaza, acrescentei um remendo para dar crédito (omitido na versão original) a uma história e à foto que a ilustrava. Em comentário, um leitor cobrou a informação e respondi. Não fiz a mesma coisa em relação a outra foto excelente (espero fazer ainda, com a ajuda de alguém), limitando-me a explicar como a recebi.

A veiculação na internet de fotos e ilustrações em geral (para não falar na reprodução dos próprios textos, informações e opiniões) tornou-se rotina e traz um complicador. Envolve questões de autoria e copyright insuficientemente definidos. Na prática parece prevalecer o consenso de que portais e sites comerciais, que faturam com anúncios, têm de remunerar tal uso; os outros apenas divulgam e promovem.

A característica principal da nova mídia é que a maioria esmagadora dos dedicados a ela não tem sequer fonte mínima de recursos para garantir a sobrevivência do esforço, muito menos para obter algum lucro (o Daily Kos e o Drudge Report, exceções à esquerda e à direita, são exceções que celebrizaram Markos Moulitsas e Matt Drudge). Isso cria uma área cinzenta que tende a ser alvo de regulamentação. Hoje já existem acordos especiais na mídia corporativa, com pacotes que incluem os diferentes veículos – o que é apenas um ponto de partida.

De certa forma, estou dos dois lados. Antes da experiência na internet já via textos meus reproduzidos na íntegra. Cheguei a ler páginas de um de meus livros transcritas – sem qualquer crédito ou até atribuídas a outro. Quem o faz deve levar em conta o custo e a dificuldade de ações judiciais nessa área, já que até algumas editoras maiores deixam de prestar contas, sonegando o pagamento aos autores.

Os critérios errados e seus efeitos

Com a drástica redução de empregos no campo da mídia, mesmo profissionais de alto nível são frequentemente prejudicados pelo critério em vigor de usar estagiários e nivelar salários por baixo. Ficam os que aceitam fazer mais (trabalho), em troca de menos (remuneração). Claro que há exceções para as estrelas, mas elas não são numerosas. Resta aos profissionais a opção de virar free lancer.

Eles mudam o status voluntariamente ou por decisão de empresas determinadas a não assumir os encargos trabalhistas. Tudo isso, bem ou mal, afeta o trabalho de quem decide aderir à internet, ainda que em caráter experimental, como uma espécie de teste. Os blogs são o melhor exemplo disso, já que permitem a qualquer pessoa tentar trabalho fascinante e criativo, defender uma causa ou montar um negócio.

Entre os problemas estão as regras fluidas. Às vezes elas surgem no próprio desdobramento da atividade. Se uma grande empresa de mídia acolhe você no portal dela, é diferente. Você passa a relacionar-se com ela de forma não muito distante das relações entre empresa e empregado contratado (ou free lancer). Muitas vezes há um contrato.

Aliás, tornou-se freqüente agora o trabalho com a empresa incluir, mesmo em caráter informal ou não explícito, também um blog no portal do veículo. Com isso o profissional fatura a imagem de blog independente (status cobiçado mais pela experiência insólita dos que se tornaram celebridades em vários países), apesar de ter plena consciência de estar sujeito, até na própria opinião, a autoridade superior.

A variante disso é algo como o blog de Ricardo Noblat. Teve sucesso ao nascer independente, depois de Noblat deixar o Correio Braziliense (dos Diários Associados) e ser cooptado pelo portal do Estadão e, depois, por O Globo. Hoje o vínculo explícito (coluna no jornal e tudo) nega a independência – como escancararam sua adesão à campanha anti-Lula em 2006 e a análise de Gilson Caroni Filho no caso "Gilmar Mendes".

Os ombudsmans e a transparência

Comecei com uma questão prática dos blogs (crédito, uso de trabalhos alheios) e saí da rota com dois ou três atalhos e digressões. É que o surpreendente aumento das visitas a este blog me obriga a dar explicações aos que o distinguem. Considero-me, de certa forma, pioneiro na defesa de uma mídia mais transparente – desde que entrevistei um Ombudsman na redação do Washington Post.

Foi em 1978. A entrevista saiu no ano seguinte em número especial do jornal do Sindicato dos Jornalistas do Rio, do qual eu então era vice-presidente. Num texto paralelo, defendi o exercício da autocrítica pela mídia e a criação de ombudsmans nas redações – o que se tornaria realidade em muitas redações. Mas de lá para cá, deixei de alimentar ilusões sobre transparência na mídia corporativa.

Enquanto tinha ilusões, escrevia cartas à redação – como ainda faz Roldão Simas. Escrevi ao Jornal do Brasil, onde tinha trabalhado duas vezes, Veja, Folha de S.Paulo, O Globo, onde trabalhei em três ocasiões diferentes. Eram jornais que lia (nem sempre por prazer). O JB da melhor fase publicava todas. Já decadente, passou a censurá-las. A Folha, pilhada num escorregão, vetou uma. Não escrevi mais.

O Globo foi caso à parte. Só publicava cartas com elogios. Quando o diretor Roberto Marinho fazia aniversário, enchia páginas com cartas laudatórias. Com Evandro Carlos de Andrade à frente, a redação melhorou, mas o jornal continuou avesso a crítica – ou autocrítica. E quando o Ombudsman da Folha ousava alguma crítica, a fúria de O Globo era infalível, manifestada até na coluna social.

Sem dr. Roberto e Evandro, o império passou aos irmãos Marinho. Há uns três anos um amigo jurou que o jornal mudara, já fazia correções e autocrítica. Acreditei. Fiz uma carta citando erro que me pareceu grave. Não saiu. Mais tarde, outra sobre tema diferente também foi vetada. Meu amigo entendera mal. Referia-se a coluna que, na página 2, corrigia irrelevância ("faltou vírgula aqui, acento ali"), substância não.

Quando há muito a esconder

Para mim, é um o equívoco brutal de O Globo, mas há razão forte. O império dos Marinho nunca reconhecerá que se fez à sombra da ditadura, aplaudindo seus crimes – como El Mercurio no Chile, cujo Roberto Marinho era Agustín Edwards, que se reuniu pessoalmente com o diretor da CIA e recebeu dinheiro (cash) para escapar da falência. Edwards apoiou o golpe contra Allende, virou porta-voz da ditadura e hoje a família Edwards é dona de um império – jornal, rádio, TV, etc. Soa familiar?

Nesses dois jornais, claro, jamais haverá transparência, o que exigiria mea culpa e reconhecimento de erros passados. No caso dos Marinho, apoio à ditadura e à tortura, boicote das Diretas-Já, fraude contra Brizola (ProConsult), falsificação do debate Collor-Lula, etc. Basta observar o cuidado com que O Globo omitiu o próprio papel nas recentes reportagens a propósito do aniversário do AI-5.

Observe-se ainda a conduta recente do império dos Marinho ao transformar em campanha torpe o noticiário e a seleção de cartas sobre a anistia de Jaguar e Ziraldo, do Pasquim, cujo papel na ditadura fora oposto ao de O Globo. A ponto de ser cinicamente sonegada aos leitores a carta contundente do jornalista Arthur Poerner, que resistira no Correio da Manhã, outro jornal destruído pela ditadura.

O fenômeno dos blogs ultrajantemente independentes é um desafio ao jornalismo do império Globo. A transparência chega com tal força ao centro do palco da nova mídia que já se estende a portais gigantes – não aqui, mas em Nova York, Washington, Londres. New York Times, Washington Post e outros grandes mudam o rumo para sobreviver. Os emails ali já são bem mais duros do que a carta de Poerner – ou as minhas.


Um ano de EBC: o desafio de fortalecer seu caráter público

Ao completar seu primeiro ano a Empresa Brasil de Comunicação dá passos importantes para a estruturação de uma empresa pública de comunicação. Mas o desafio continua a ser fortalecer seu caráter público, ser uma estrutura transparente a serviço da sociedade e, assim, construir sua legitimidade.

A existência de uma empresa pública de comunicação no Brasil é uma causa de parte da sociedade brasileira que exige há muito tempo o que está escrito na Constituição: um sistema de comunicação que não seja estatal, mas que também não tenha fins comerciais, ou seja, uma comunicação pública, baseada no interesse público e não no interesse do mercado, dos anunciantes ou dos governantes do momento. O desafio de avançar está agora nas mãos da atual administração da EBC, de seus trabalhadores e do Conselho Curador.

A forma como a comunicação se estruturou no país, na maior parte comercial e com algumas experiências estatais, é uma dificuldade a mais. Porque o papel da EBC não é o mesmo dessas outras iniciativas que estão há muito mais tempo no imaginário e na realidade da sociedade brasileira. Além disso, é preciso ainda construir uma diferenciação entre aquilo que é público do que é estatal, que na história de nosso país foram entendidos como “a mesma coisa”.

A proposta de criação da EBC foi e continua sendo polêmica. Porque alguns setores da sociedade são contra a existência de uma empresa pública de comunicação devido apenas aos seus próprios interesses econômicos e políticos. Afinal, por exemplo, os recursos que agora legitimamente financiam a comunicação pública historicamente estavam apenas no setor privado. Isso sem falar no nível de concentração da mídia brasileira e seu conseqüente poderio na realidade política do país.

Por isso, utilizam a mídia comercial para literalmente bombardear a necessidade de uma comunicação pública e da EBC. Mas ao invés de apresentarem propostas de mudança na legislação, para que deixe de existir a necessidade constitucional da comunicação pública, preferem desqualificá-la, muitas vezes com argumentos que não buscam fortalecê-la e sim acabar com essa experiência ainda recente.

Entretanto, nem todos aqueles que apresentam sugestões, críticas e discordâncias têm o mesmo objetivo. Os trabalhadores da EBC, por exemplo, mostraram ao longo de 2008 que desejam fortalecer a nova empresa pública de comunicação. Prova disso foi a paralisação temporária da produção para mais de uma mídia realizada por profissionais da Agência Brasil e das rádios. Naquele momento, exigíamos a melhoria imediata das condições em que a informação, direito do cidadão, é produzida e o fortalecimento e valorização das rádios da empresa. Mais tarde, a própria direção reconheceu que as propostas apresentadas pelos trabalhadores eram necessárias para a melhoria da qualidade do trabalho realizado.

A primeira greve dos trabalhadores da empresa não reivindicava apenas melhorias – legítimas – no acordo coletivo e no Plano de Cargos e Salários (que, até aquele momento, sequer havia sido enviado para conhecimento dos trabalhadores). O ponto central era o modelo de gestão a ser implementado na nova empresa. Ou seria algo efetivamente participativo e democrático, incorporando a experiência e demandas dos trabalhadores e da sociedade, ou seria uma gestão verticalizada e centralizada. E foi a partir da greve, por exemplo, que avançamos para um diálogo direto entre trabalhadores e a presidente da empresa.

Em seguida, apresentamos a proposta para a realização do I Encontro dos Trabalhadores e Direção da EBC. O objetivo era que coletivamente realizássemos um balanço do primeiro ano e apresentássemos sugestões para o futuro, além de termos acesso ao planejamento das ações em curso da diretoria.

E foi justamente durante o encontro em dezembro que os trabalhadores puderam apresentar um conjunto de contribuições. Defendemos a necessidade de investimentos em comunicação pública. Comemoramos o fato de que, em 2008, a nova empresa executou um orçamento superior a R$ 300 milhões, necessários para os investimentos represados há anos.

Destacamos que a sociedade brasileira esta está cada vez mais crítica em relação a linha editorial dos grupos de mídia do país. É só ler o que é publicado na internet em relação à mídia. E esperamos que esteja também cada vez mais crítica em relação à comunicação que fazemos na EBC.

Reiteramos que o desafio da EBC é produzir uma comunicação diferenciada. Porque se queremos fazer como as outras, talvez seja melhor deixarmos que elas continuem fazendo a sua mesmice. A partir disso, nossos parâmetros não devem ser as empresas comerciais de comunicação. Não precisamos copiar modelos e formatos. Temos que inovar, dar espaço ao novo. Nesta empresa não deve haver espaço para exposição privilegiada de certas opiniões em detrimento de outras, muitas vezes disfarçadas de jornalismo. Também aqui não deve haver promoção de apenas algumas pessoas ou determinados grupos e opiniões. Afinal, isso é utilização de um bem público para fins privados ou particulares.

Para isso, a EBC precisa enfrentar o desafio de rapidamente abrir um debate amplo para definir e documentar os critérios que norteiam a produção de comunicação de cada um de seus veículos e programas. Ter a sua linha editorial. Isso é fundamental para que tanto os trabalhadores, mas também a sociedade tenham claro qual é a missão e critérios de cada um dos veículos, orientações objetivas, fazendo com que a qualquer momento o trabalhador que produz esta comunicação possa recorrer a estes valores e princípios que não devem, em uma empresa pública, ficarem à mercê do chefe do momento, como acontece na maior parte das mídias comerciais e também nas estatais.

E não há como definir a linha editorial de cada um dos veículos sem a participação daqueles que fazem a empresa funcionar, ou seja, os trabalhadores. Esta é uma demanda urgente, para a qual estamos dispostos a participar.

Mas defendemos que a sociedade também precisa ser consultada, afinal é dela que vem os mais de R$ 300 milhões do orçamento desta empresa e é para atender ao seu direito de ser informada que trabalhamos. Se a proposta é produzir uma comunicação diferenciada, com foco de fato no cidadão e não no consumidor, faz mais sentido a produção de comunicação compartilhada, como é o caso do quadro “Outro Olhar” da TV Brasil, ou deve se dar destaque à cotação do dólar na página principal da Agência Brasil?

A sociedade quer ver na EBC análises subjetivas produzidas por pessoas de nossas equipes sobre o resultado de uma eleição municipal e o impacto na futura eleição presidencial ou quer uma cobertura do processo eleitoral em si, com os fatos e dados, sem adjetivos e suposições futurológicas?

Há espaço para a opinião daqueles que fazem a comunicação pública? E esta opinião reflete as idéias de quem? Da direção da empresa? Do profissional de comunicação que escreve ou fala? De toda a sociedade é impossível, já que não existe consenso em relação a praticamente nenhum assunto.

Em que casos devemos utilizar off? Uma empresa pública deve informar ao cidadão que “segundo uma qualificada fonte do governo o corte no orçamento em 2009 será de…”? Em quais casos pode ser admitido um off? Em matérias sobre economia ou política? Para servir a quais interesses?

O que para a EBC é pauta e notícia? Trabalhamos de fato para o cidadão, aquele que tem diversos direitos humanos previstos no papel que é a Constituição brasileira? É função da EBC, então, cobrir as políticas públicas que deveriam garantir os seus direitos ou devemos cobrir as ações comerciais de empresas que mantém relações com seus acionistas e consumidores?

Queremos disputar a audiência repetindo os mesmos formatos e as mesmas fontes? Uma empresa pública deve ter, então, porta-vozes de certas opiniões tendo figuras da mídia tradicional? Uma empresa pública deve buscar a audiência com a superficialidade ou espetacularização da notícia? Reforçaremos a lógica do entretenimento vazio? Entraremos em coberturas sensacionalistas? Reforçaremos ou questionaremos os preconceitos existentes na sociedade?

Este debate precisa então acontecer, interna e externamente, porque significa responder a inúmeras outras perguntas, que vão do jornalismo, passando pelas rádios, pela programação e chegando até os serviços prestados pela empresa. E as respostas precisam ser construídas a partir de reflexões coletivas, não encaminhadas por um email ou documento de cima pra baixo. Todas essas perguntas tem relação direta com o dia-a-dia dos trabalhadores e do cidadão, mesmo que em alguns momentos a alienação do processo de produção e de acesso à comunicação não nos permitam perceber.

As respostas, com suas devidas justificativas, precisam estar disponíveis para conhecimento do cidadão. Para que, com esses critérios muito bem definidos, ele possa sim nos perguntar se estamos ou não cumprindo aquilo para o qual existimos enquanto empresa pública e para o qual estão nos financiando.

Defendemos mais investimentos e as mudanças legais necessárias para que os 190 milhões de brasileiros possam ver e ouvir as programações e conteúdos da EBC. Somente assim a empresa terá condições técnicas de estabelecer um verdadeiro diálogo com a sociedade. Mas para isso também é importante fortalecer internamente espaços como a Ouvidoria da EBC, que deve acompanhar todos os veículos desta empresa e abrir espaço interno e externo para levantar a forma como a sociedade está vendo a comunicação que produzimos. E a partir daí precisaremos dar respostas. E que sejam muitas também.

Não temos apenas que colar nos murais os elogios, que devem servir de estímulos, mas sim as mais diversas opiniões em relação ao resultado final do que produzimos. Inclusive as críticas. E que sejam muitas, porque elas nos fazem pensar, refletir. E com isso esperamos que a EBC possa avançar.

É fundamental ainda ser uma empresa transparente, tanto interna quanto externamente. Devem ser transparentes os atos normativos, chegando até a própria linha editorial dos veículos. A transparência inclusive evita a desinformação que existe dentro e fora da EBC, que pode servir para prejudicá-la. Portanto, precisamos investir na comunicação interna e também na externa de nossas ações. Mas os veículos de comunicação pública não podem ser utilizados para veiculação promocional da empresa, como aconteceu na Agência Brasil durante a greve. Para isso, devem existir os espaços institucionais da Empresa Brasil de Comunicação.

Reivindicamos que o Conselho Curador e o Conselho de Administração sejam transparentes também. Afinal, são instâncias decisórias desta empresa. Todo cidadão deve ter ferramentas para poder saber o que discutem, o que cada um que está lá defende e as suas deliberações. Afinal, as informações de uma empresa pública são necessariamente públicas. Infelizmente, nem os trabalhadores, nem a sociedade têm vaga no Conselho de Administração, responsável por decisões também estratégicas.

Para isso, é necessário a realização das audiências públicas em que a sociedade poderá participar para opinar em relação a EBC. Mas é preciso democratizar o acesso ao conjunto de reuniões realizadas pelo Conselho Curador. Acaba de ser eleito o representante dos trabalhadores neste espaço. Ele será um aliado também da sociedade na defesa de uma empresa pública e de um conselho participativo e em contato permanente com a sociedade. Um conselho que fiscalize e participe ativamente da gestão da empresa.

No encontro, defendemos a realização da I Conferência Nacional de Comunicação. Momento em que toda a sociedade terá a oportunidade também de debater a comunicação pública e, obviamente, o papel da EBC.

Durante o encontro, os trabalhadores expuseram a necessidade da valorização de todos os veículos da EBC, que precisa ser vista e compreendida pela sociedade como a Empresa Brasil de Comunicação. Precisamos valorizar a sua história, história esta da qual nos orgulhamos. Temos orgulho do papel das emissoras de rádio, de todas as emissoras de TV, da agência de notícias e dos serviços que são prestados por esta empresa.

Em 2008 a Rádio Nacional completou 50 anos. Houve uma justa homenagem e uma comemoração, da qual participou a presidente Tereza Cruvinel. É importante que cada trabalhador que entre nesta empresa seja incentivado a conhecer a história não só do veículo ou do setor no qual irá trabalhar, mas da empresa como um todo. Quantos livros já foram escritos para contar histórias desta empresa? Vários. Temos um setor que registre, documente e torne disponível para a sociedade a sua bela história? Pois este espaço é sim importante.

Também em 2008 uma emissora de TV operada pela EBC, a TV NBR, completou 10 anos. E o que a EBC fez para comemorar e valorizar a importância desta emissora para o cidadão brasileiro? E não é só nas datas comemorativas, mas sim no cotidiano que os veículos devem ser tratados de forma igual, com o mesmo respeito, valor e investimentos que merecem.

Consideramos necessários e urgentes os investimentos em carros, laptops, telefones celulares, rádios comunicadores, computadores, transmissores, infra-estrutura, sede e retirarmos de condições insalubres todo os trabalhadores, em todos os setores. Mas uma empresa precisa de uma política que valorize o cidadão que é seu funcionário e põe a empresa para funcionar. E nos referimos não só aos funcionários do quadro, aqueles concursados, mas também os demais.

A iniciativa da recente Semana de Saúde é um bom sinal, mas precisamos de mais. De ações culturais e pedagógicas, por exemplo. De ações ambientais. Sugerimos dividir em duas categorias esse investimento no ser humano. A primeira é na infra-estrutura, nas condições de trabalho e na remuneração que seja de fato justa para todos. Estamos longe disso nos contra-cheques da maior parte dos trabalhadores. Hoje, 2 em cada 3 dos 900 funcionários concursados têm um salário-base menor do que R$ 2.000,00.

Mas a segunda categoria é algo mais simples, mas tão importante quanto a primeira, é algo que reúne duas palavras: respeito e humildade. E isso vale para todos, para nós empregados, para chefes e diretores. A arrogância e a desqualificação superficial do trabalho realizado na história da antiga Radiobrás serve apenas como estímulo a um processo de desgaste do nosso ambiente e das relações sociais internas, que é prejudicial para todos, inclusive para o cidadão que é informado por nós.

Precisamos então de uma política de recursos humanos que valorize os trabalhadores, que os incentive a trabalhar tendo noção de sua importância para a sociedade, que os qualifique, que os incentive a permanecer na empresa, que seja um estímulo para que cada um de nós tenha compromisso com os recursos públicos, que cada um seja valorizado pelas suas qualidades e auxiliado a superar fraquezas.

Ninguém na EBC pode ser visto como professor, muito menos perfeito ou tem valor superior aos outros, seja porque tem um ou dez anos de profissão, seja porque já passou por um ou outro veículo, seja porque já trabalhou com um ou outro ministro. Ninguém é imprescindível nesta empresa, ela existe apenas porque há trabalho coletivo, de muitos que estão neste momento nos prédios da EBC em Brasília, em São Paulo, no Rio de Janeiro, no Maranhão, mantendo a empresa em funcionamento. Muito menos nenhum veículo é mais importante que os outros.

O fim é tão importante quanto os meios. Não há setor de viagens sem que existam jornalistas, radialistas, cinegrafistas, fotógrafos viajando para produzir comunicação. Sem esses, não há setor de viagens. Sem o setor de viagens, não há produção de comunicação em um país como um nosso. Precisamos então incentivar a solidariedade entre os setores, áreas, diretorias e profissionais. Assim, todos sairão ganhando. Mas para isso precisamos manter sempre o respeito e a humildade.

Em relação à direção, precisamos ampliar em muito os processos internos e externos de fato democráticos, que permitam a participação de todos e que haja respeito e tranqüilidade para construirmos juntos, cada um com suas devidas responsabilidades, todas com a mesma importância, uma empresa de comunicação de fato pública. A realização neste momento de reuniões entre diretoria e empregados sobre o novo plano de cargos, uma reivindicação dos trabalhadores, é apenas um dos exemplos de como deve se dar a gestão da EBC.

Da mesma forma que nossa referência editorial não são as empresas de comunicação comerciais, nosso funcionamento interno ou nossas relações e processo internos também não são os mesmos das demais empresas comerciais. Na EBC, não temos donos e sim o cidadão lá fora, para o qual trabalhamos. Ter esta noção é fundamental para que, a cada dia que entramos na EBC, façamos com que nosso trabalho seja cada vez mais importante para aqueles que estão lá do lado de fora, e que, para nós que estamos do lado de dentro, seja também prazeroso e recompensador.

Não sabemos o que vai acontecer com a EBC daqui 1 dia ou em 2 ou 10 anos. Mas sabemos que ter os trabalhadores como defensores de uma empresa pública para a sociedade pode e tem condições de evitar retrocessos e pode permitir muitos avanços. Cada um dos trabalhadores, dentro e fora da empresa, deve ser visto como um aliado e defensor da empresa pública de comunicação.

* Flávio Gonçalves é jornalista e representante eleito da Comissão dos Empregados da EBC; é membro do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.