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Liberdade de empresa

Como já foi dito em várias ocasiões neste espaço do Direto da Redação, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), que reúne os grandes proprietários midiáticos do continente americano, volta e meia se reúne para repetir críticas e se posicionar levando apenas em conta os interesses dos associados. Geralmente bate de frente nos governos de países da América Latina em processo de transformação. Na última destas reuniões, realizada na capital paraguaia, a SIP confirmou que não passa de uma entidade defensora antes de qualquer coisa da liberdade de empresa. Para dourar a pílula, mistura esse gênero de liberdade com a de imprensa e de expressão.

Os grandes veículos de imprensa, impressos ou eletrônicos, repercutem em grandes espaços as resoluções da SIP, que acabou de condenar supostos ataques do Presidente Lula à imprensa. E o que é pior, manifestou a “preocupação” com a anunciada realização, em dezembro deste ano, da Conferência Nacional de Comunicação, anunciada por Lula, bem como defendeu a “flexibilização” da exigência do diploma para jornalistas.

A SIP ficou irritada com Lula por ter o presidente afirmado em entrevista para a revista Piauí que não lê jornais para não ter azia. Desta forma, Lula manifestou seu desagrado contra a constante manipulação da informação da mídia hegemônica e a filosofia do pensamento único. Contra esse tipo de deformação jornalística, a SIP silencia. Prefere condenar quem denuncia.

O patronato reunido em Assunção, sob a presidência de Enrique Santos , irmão do Ministro da Defesa da Colômbia, Juan Manuel Santos, acusado por Hugo Chávez de querer transformar o país em Israel da América Latina, justificou a “preocupação” por entender que “os debates da Conferência Nacional de Comunicação serão conduzidos por ONGs e movimentos sociais que pretendem interferir no funcionamento da imprensa”.

O verdadeiro motivo do posicionamento da SIP é o de pressionar o Poder Público e boicotar a realização da Conferência, ou manipulá-la para evitar que cumpra os objetivos a que se propõe, ou seja, debater e sugerir mudanças na área da mídia. A resistência é tão forte que alguns analistas entendem serem as reformas na mídia mais difíceis de serem incrementadas até do que a reforma agrária, atrasada no Brasil há pelo menos dois séculos.

As mentiras levantadas pela SIP se devem também ao fato de que os proprietários dos veículos de comunicação quererem manter intacto o domínio sobre o setor midiático através de empresas oligopolizadas. Ou seja, não podem ouvir falar numa Conferência que tem por objetivo discutir a mídia no Brasil e apresentar sugestões concretas no sentido de democratizar os meios de comunicação. Entendem os barões midiáticos, representados nestas bandas pelas famílias Marinho, Mesquita, Frias e tantas outras que não se deve ampliar os espaços midiáticos para setores sociais representativos do povo brasileiro.

Vale tudo para evitar que isso aconteça. Uma das estratégias é aproveitar o espaço da SIP para apresentar argumentos que falseiam a realidade e, vale sempre repetir, que misturam alhos com bugalhos, ou seja, conceitos de liberdade que se chocam, como a de empresa e de imprensa.

Lula da Silva fez o anuncio da realização da Conferência no Fórum Social Mundial no final de janeiro em Belém. Os barões midiáticos agora pressionam o governo para evitar que os movimentos sociais brasileiros ganhem espaço na área. Querem porque querem fazer algo a sua maneira e que não coloque em questão o a sua hegemonia.

De quebra, desta vez via SIP, o patronato reafirmou sua posição contrária à exigência do diploma para o exercício profissional jornalístico. Na verdade, quer o patronato ter o controle ideológico total sobre quem elabora a notícia e também conseguir mão de obra ainda mais barata que a atual.

O debate em torno desta questão tem nuances sofisticadas e não pode ficar sujeito aos humores de um patronato que tem como norma que a notícia é uma mercadoria. Ou seja, para esses empresários, salsicha e notícia são o mesmo tipo de mercadoria, e aí então tudo é possível, inclusive a utilização da estratégia de repetir consecutivamente mentiras até que elas virem verdades.

Não é à toa que a SIP defendeu a flexibilização da exigência do diploma na antevéspera de uma decisão da matéria pelo STF. E também não é à toa que certos dirigentes latino-americanos, de Cristina Kirchner a Hugo Chávez, passando por Evo Morales, Rafael Correa, Daniel Ortega e brevemente Mauricio Funes, o presidente recém-eleito de El Salvador que tomará posse em junho, são considerados hoje “inimigos” da liberdade de empresa (e não de imprensa) pela SIP.

Conferência Nacional de Comunicação, antes tarde do que nunca

No Brasil, comunicação sempre foi um não-assunto. Contam-se nos dedos os jornais que, em algum momento, abriram espaço para uma reflexão crítica a respeito do próprio trabalho. Para o rádio e a televisão dispensam-se os dedos, não há autocrítica. Se do conteúdo informativo pouco ou nada se fala, sobre as lutas de seus trabalhadores o silêncio é total. Lembro uma campanha salarial liderada pelo Sindicato dos Jornalistas do Paraná que espalhou outdoors por Curitiba com a frase "a nossa dor não sai nos jornais". Naquela época, anos 1980, as dores de outras categorias até apareciam em algumas páginas, menos a dos jornalistas.

E os jornalistas, além das suas dores e angústias profissionais, têm muito a falar sobre a sociedade e os meios de comunicação. Muito mais do que seus patrões permitem. Claro que há jornalistas e jornalistas, como lembrou em artigo exemplar nesta página Marcelo Salles [veja aqui] . São, de um lado, os que estão comprometidos com as imprescindíveis e necessárias transformações sociais e, de outro, os ventríloquos dos que lhes pagam altos salários no fim do mês. A maioria ganha pouco, trabalha muito e tem que ficar quietinha cumprindo as pautas determinadas pelos interesses empresariais.

Essa divisão se já era bem nítida, agora escancarou-se diante da anunciada realização da Conferência Nacional de Comunicação, reivindicação histórica de vários setores da sociedade. Bastou o governo confirmar o evento, a campanha contra começou. E a ordem veio de cima, bem de cima: da associação internacional dos donos da mídia no continente, conhecida pela sigla SIP (Sociedade Interamericana de Prensa). A entidade se diz preocupada "porque os debates (na Conferência) serão conduzidos por ONGs e movimentos sociais que pretendem interferir no funcionamento da imprensa". Expressão que pode ser traduzida pelo temor diante da possibilidade de um debate mais sério e aprofundado sobre o pensamento único imposto pelos grandes meios de comunicação aos nossos países. Afinal, debates como o proposto podem conduzir a ações práticas, capazes de impor limites a esse poder incontrolado.

Do lado patronal dificilmente sairia posição diferente, afinal estão defendendo interesses de classe seculares. O triste é constatar que enquanto centenas de trabalhadores da mídia mobilizam-se em todo o Brasil a favor da realização da Conferência, uns poucos jornalistas e radialistas, agem em sentido contrário. Caso emblemático é o de um âncora e de uma repórter da rádio CBN que usaram longos minutos da programação para ecoar pelo país as posições dos seus patrões. Usavam o velho procedimento dos comunicadores populares, decodificando para grandes audiências as concepções ideológicas de quem lhes paga os salários. Esbanjando informalidade, usando a ridicularização como arma, eles levam ao ouvinte as mesmas idéias que os jornais apresentam de forma mais elaborada, nos editoriais ou nas colunas dos seus articulistas. Colaboram, dessa forma, para popularizar as idéias da classe dominante tornando-as dominantes em toda a sociedade, como já notava aquele pensador do século 19, cada vez mais atual.

Mas há resistência. Rapidamente os sindicatos dos jornalistas do Distrito Federal e do Estado do Rio de Janeiro foram a público repudiar a posição da SIP e dos seus porta vozes nacionais. Os jornalistas do DF através de sua entidade perguntam "O que pretendem os grandes empresários da comunicação? Pressionar o governo para retirar o apoio à Conferência, facilitando assim a manutenção intacta dos oligopólios que dominam, e que manipulam a informação, em detrimento do interesse público". E os fluminenses afirmam: "A nossa entidade não pode silenciar diante do posicionamento pouco democrático manifestado pela SIP. É preciso deixar bem claro que o patronato mente quando diz que defende a liberdade de imprensa, pois está, isto sim, defendendo de fato a liberdade de empresa, que não aceita a ampliação dos espaços midiáticos a serem ocupados pelos mais amplos setores representativos do povo brasileiro, como são os movimentos sociais".

Apesar das pressões, não há dúvida que a Conferência vai sair. Pelos estados já se realizam conferências regionais preparatórias para o encontro nacional marcado para o começo de dezembro, em Brasília. Diante do fato irreversível, as entidades patronais tentam impor suas pautas ao debate. Segundo a Folha de S.Paulo, para Paulo Tonet, da Associação Nacional de Jornais, discutir monopólio e propriedade cruzada é um retrocesso. Para ele o tema tem que ser "conteúdo nacional e igualdade de tratamento regulatório". Mais uma frase que precisa tradução: ele quer dizer que a Conferência só deve tratar dos interesses das empresas de rádio e televisão, preocupadíssimas com a entrada no mercado de radiodifusão das operadoras de telecomunicações.

E parte para o sofisma ao chamar de retrocesso a discussão em torno do monopólio e da propriedade cruzada dos meios de comunicação, sem dúvida a maior chaga existente na comunicação social brasileira. Não há como democratizá-la sem que se enfrente com determinação esse obstáculo.

O tema geral da Conferência será "Comunicação: Direito e Cidadania na Era Digital". Amplo o suficiente para caber tudo. Daí a importância da mobilização nacional, necessária para impedir que os interesses empresarias da mídia se sobreponham aos da sociedade. Conferências de outros setores, como saúde, educação e direitos humanos, por exemplo,tem sido decisivas para o encaminhamento das respectivas políticas públicas. A da comunicação não pode fugir à regra.

O programa que incomodou o ministro

No dia 11 de março de 2009, fui convidado pelo jornalista Paulo José Cunha, da TV Câmara, para participar do programa intitulado Comitê de Imprensa, um espaço reconhecidamente plural de discussão da imprensa dentro do Congresso Nacional. A meu lado estava, também convidado, o jornalista Jailton de Carvalho, da sucursal de Brasília de O Globo. O tema do programa, naquele dia, era a reportagem da revista Veja, do fim de semana anterior, com as supostas e "aterradoras" revelações contidas no notebook apreendido pela Polícia Federal na casa do delegado Protógenes Queiroz, referentes à Operação Satiagraha.

Eu, assim como Jailton, já havia participado outras vezes do Comitê de Imprensa, sempre a convite, para tratar de assuntos os mais diversos relativos ao comportamento e à rotina da imprensa em Brasília. Vale dizer que Jailton e eu somos repórteres veteranos na cobertura de assuntos de Polícia Federal, em todo o país. Razão pela qual, inclusive, o jornalista Paulo José Cunha nos convidou a participar do programa. Nesta carta, contudo, falo somente por mim.

Fora da grade

Durante a gravação, aliás, em ambiente muito bem humorado e de absoluta liberdade de expressão, como cabe a um encontro entre velhos amigos jornalistas, discutimos abertamente questões relativas à Operação Satiagraha, à CPI das Escutas Telefônicas Ilegais, às ações contra Protógenes Queiroz e, é claro, ao grampo telefônico – de áudio nunca revelado – envolvendo o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. Em particular, discordei da tese de contaminação da Satiagraha por conta da participação de agentes da Agência Brasileira de Informação (Abin) e citei o fato de estar sendo processado por Gilmar Mendes por ter denunciado, nas páginas da revista CartaCapital, os muitos negócios nebulosos que envolvem o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de propriedade do ministro, farto de contratos sem licitação firmados com órgãos públicos e construído com recursos do Banco do Brasil sobre um terreno comprado ao governo do Distrito Federal, à época do governador Joaquim Roriz, com 80% de desconto.

Terminada a gravação, o programa foi colocado no ar, dentro de uma grade de programação pré-agendada, ao mesmo tempo em que foi disponibilizado na internet, na página eletrônica da TV Câmara. Lá, qualquer cidadão pode acessar e ver os debates, como cabe a um serviço público e democrático ligado ao Parlamento brasileiro. O debate daquele dia, realmente, rendeu audiência, tanto que acabou sendo reproduzido em muitos sites da blogosfera.

Qual foi minha surpresa ao ser informado por alguns colegas, na quarta-feira (18/3), exatamente quando completei 43 anos (23 dos quais dedicados ao jornalismo), que o link para o programa havia sido retirado da internet, sem que me fosse dada nenhuma explicação. Aliás, nem a mim, nem aos contribuintes e cidadãos brasileiros.

Apurar o evento, contudo, não foi muito difícil: irritado com o teor do programa, o ministro Gilmar Mendes telefonou ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, do PMDB de São Paulo, e pediu a retirada do conteúdo da página da internet e a suspensão da veiculação na grade da TV Câmara. O pedido de Mendes foi prontamente atendido.

Obscurantismo político

Sem levar em conta o ridículo da situação (o programa já havia sido veiculado seis vezes pela TV Câmara, além de visto e baixado por milhares de internautas), esse episódio revela um estado de coisas que transcende, a meu ver, a discussão pura e simples dos limites de atuação do ministro Gilmar Mendes. Diante desta submissão inexplicável do presidente da Câmara dos Deputados e, por extensão, do Poder Legislativo, às vontades do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), cabe a todos nós, jornalistas, refletir sobre os nossos próprios limites.

Na semana passada, diante de um questionamento feito por um jornalista do Acre sobre a posição contrária do ministro em relação ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Mendes voltou-se furioso para o repórter e disparou: "Tome cuidado ao fazer esse tipo de pergunta" (assista ao vídeo aqui ). Como assim? Que perguntas podem ser feitas ao ministro Gilmar Mendes? Até onde, nós, jornalistas, vamos deixar essa situação chegar sem nos pronunciarmos, em termos coletivos, sobre esse crescente cerco às liberdades individuais e de imprensa patrocinados pelo chefe do Poder Judiciário? Onde estão a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), e a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e os sindicatos?

Apelo, portanto, que as entidades de classe dos jornalistas, em todo o país, tomem uma posição clara sobre essa situação e, como primeiro movimento, cobrem da Câmara dos Deputados e da TV Câmara uma satisfação sobre esse inusitado ato de censura que fere os direitos de expressão de jornalistas e, tão grave quanto, de acesso a informação pública, por parte dos cidadãos. As eventuais disputas editoriais, acirradas aqui e ali, entre os veículos de comunicação brasileiros não pode servir de obstáculo para a exposição pública de nossa indignação conjunta contra essa atitude execrável levada a cabo dentro do Congresso Nacional, com a aquiescência do presidente da Câmara dos Deputados e da diretoria da TV Câmara que, acredito, seja formada por jornalistas.

Sem mais, faço valer aqui minha posição de total defesa do direito de informar e ser informado sem a ingerência de forças do obscurantismo político brasileiro, apoiadas por quem deveria, por dever de ofício, nos defender. [Brasília, 19 de março de 2009]

Veja aqui o programa retirado do site da TV Câmara.

As mudanças na mídia

Um estudo amplo sobre os dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC) – que audita a tiragem de jornais e revistas – e do IBOPE – para TV e rádio – comprova que a última década foi de mudanças estruturais. Essas modificações reduziram sensivelmente o papel e a influência da chamada grande mídia – categoria onde entram a Rede Globo, os jornais Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense. E um sensível aumento de competidores, da imprensa do interior e dos jornais populares.

Entre as TVs abertas, a Globo tinha um share de audiência de 50,7% em 2001. Chegou a bater em 56,7% em 2004 – coincidindo com a queda de audiência do SBT. Hoje está em 40,6% – coincidindo com a subida da TV Record – que saiu de 9,2% em 2001 para 16,2%. Nas três últimas semanas, o Jornal Nacional deu 26% de audiência em São Paulo. Seis anos atrás, era de 42%. Nessa época, quando o JN caiu para 35% houve um reboliço na Globo. A ponto de edições do JN terem blocos de 22 minutos com várias matérias de apelo. Aparentemente, perdeu esse pique.

O que interessa

Com os jornais da chamada grande mídia, repete-se o mesmo fenômeno. O estudo dividiu os jornais entre tradicionais (Folha, Estado, Globo, JB e Correio Braziliense), jornais das capitais, jornais do interior e jornais populares.

De 2001 a 2009, os tradicionais perderam 300 mil exemplares diários – de 1,2 milhão para 942 mil, queda de 25%. Os jornais de capitais (excetuando os do primeiro grupo) cresceram de 1,2 milhão para 1, 37 milhão – crescimento de 10,5%. Os jornais populares passaram de 663 mil para 1,2 milhão – alta de 85%. E os jornais do interior saltaram de 300 mil para 552 mil – alta de 83,5%.

Não apenas isso. Nos últimos anos, gradativamente os jornais estão se desvencilhando da pauta da chamada grande mídia. Antes, havia um processo de criação de ondas concêntricas em torno dos temas levantados pelo núcleo central, com os demais jornais acompanhando as manchetes e as análises.

De alguns anos para cá, essa dependência cessou. Um estudo de caso analisou bem essa diferença de enfoque. Lula esteve em São Paulo. Anunciou que as informações do INSS seriam fornecidas em três horas. Os grandes jornais e o JN deram destaque para a visita a uma sinagoga (para repercutir a questão do Holocausto) e para intrigas políticas. Todos os jornais populares, do interior e das capitais, deram destaque àquilo que interessava diretamente ao seu leitor: a diminuição dos prazos de informações do INSS.

Caminho longo

Esse exemplo sintetiza a armadilha na qual se meteu nos últimos anos a chamada grande mídia. Perdeu-se a noção dos temas relevantes ao leitor. Em vez de buscar a informação útil, enrolaram-se no chamado jornalismo de intriga – sempre procurando frases ou enfoques que privilegiassem conflitos.

Enquanto isto, os jornais populares – com exceção dos paulistanos (Agora, Diário de S.Paulo e Jornal da Tarde), que não decolaram – passaram a tratar dos temas de interesse de seu público, assim com os jornais de interior e da capital. Vai ser um longo trajeto para recuperar os princípios do jornalismo.

Conseguirá Cristina fazer o que Lula não fez?

Na abertura da sessão legislativa no último dia 1º de março, a presidenta argentina Cristina Kirchner reiterou que será enviado ao Congresso, ainda este ano, projeto de lei geral de radiodifusão para substituir o decreto-lei 22.285, promulgado pela ditadura militar em 1981, que pretende desmonopolizar o mercado e democratizar a radiodifusão. O envio será precedido pelo lançamento de grande campanha de comunicação que deverá estimular o debate público do tema e realçar sua importância para o cotidiano dos argentinos.

A principal preocupação do governo argentino é o controle da mídia – eletrônica e/ou impressa –, hoje concentrado nas mãos de uns poucos empresários privados (nacionais e/ou estrangeiros) – o que lhes confere, obviamente, enorme poder (ver abaixo trechos de entrevista de Gabriel Mariotto, interventor do Comité Federal de Radiodifusión). Além disso, ao contrário do Brasil, a Argentina não decidiu ainda sobre o padrão digital que adotará. Também não se decidiu sobre a entrada das teles na distribuição de conteúdo audiovisual. Tudo isso deverá ser regulado previamente por uma nova Lei Geral de Radiodifusão.

Três pontos do projeto

Pelo que se sabe, três pontos se destacam no futuro projeto:

1. A radiodifusão passaria a ser organizada em três "sistemas", cada um equivalente a 33% do mercado: comercial, explorado pelo setor privado (este setor controla hoje cerca de 95% do mercado); estatal, explorado pelo Estado; e o restante pelo setor privado não comercial. A expectativa do governo argentino é que o processo de digitalização multiplique por cinco o número de canais hoje disponíveis, possibilitando, assim, a distribuição de novas concessões e a democratização do controle da radiodifusão.

2. Deverá ser reduzido pela metade (12), o número de concessões de rádio, televisão aberta e televisão a cabo, para um só grupo empresarial que, ademais, não poderia controlar mais de 35% de um mesmo mercado (essa medida, por exemplo, atingiria diretamente os interesses comerciais do Grupo Clarín, que detém cerca de 80% das concessões de TV a cabo em Buenos Aires).

3. A exploração das concessões de radiodifusão seria considerada uma prestação de "serviço público", o que permitiria que o Estado, a exemplo do que já ocorre com a prestação de outros serviços públicos, regule os preços cobrados pelos concessionários (de TV a cabo) aos consumidores.

Lições para o Brasil

Anunciado pela primeira vez em maio de 2008, o projeto do governo – que ainda não se materializou – enfrenta, todavia, resistências ferozes da oposição política e, claro, dos atuais controladores da mídia argentina.

A oposição acusa o governo de tentar controlar a mídia, "a exemplo do que faz Hugo Chávez, contra a mídia privada na Venezuela". A presidente da Comissão de Liberdade de Expressão da Câmara dos Deputados considera que não existem as condições mínimas necessárias para discussão e aprovação de uma reforma na radiodifusão tendo em vista os constantes enfrentamentos entre governo e meios de comunicação. A Federação Argentina dos Trabalhadores de Imprensa, por outro lado, emitiu nota apoiando as intenções do governo e declarando-se comprometida com a modificação de uma "lei da ditadura, que será defendida com unhas e dentes pelos grandes senhores do monopólio".

Infelizmente, no Brasil a regulação democrática da mídia permanece um tema que não consegue avançar faz tempo. Ao contrário das enormes expectativas que se criaram antes do primeiro governo Lula, a elaboração de um projeto de lei geral de comunicação eletrônica jamais se concretizou.

As últimas esperanças para algum avanço na democratização do setor convergem para a Conferência Nacional de Comunicação, cuja realização passou a ser de interesse de todos, tendo em vista a ausência de regulação e a necessidade de regras para a disputa dos mercados. E é exatamente aí que está o maior risco de se ter uma conferência nacional que acabe controlada pelos atores – organizados e poderosos – que sempre dominaram o setor e que legitime a perpetuação de uma mídia concentrada e longe de contemplar o direito à comunicação da cidadania brasileira.

Enquanto isso, apesar da feroz oposição que enfrenta da grande mídia local, o governo de Cristina Kirchner, compreendendo a enorme importância da mídia, parece que quer avançar.

Será que se fará na Argentina o que mal se consegue discutir nesta Terra de Santa Cruz?

Entrevista de Gabriel Mariotto

Trechos de entrevista concedida ao Página 12 por Gabriel Mariotto, em julho de 2008 (muito antes, portanto, da eleição de Barack Obama), logo depois de fazer uma viagem aos Estados Unidos para discutir a regulação da mídia (íntegra disponível aqui).

En el imaginario social, Estados Unidos no se caracteriza por la intervención del Estado, sino por dejar al mercado sin demasiadas regulaciones. ¿Con qué realidad se encontró en materia de medios?

Gabriel Mariotto – Están viviendo un debate. Están muy preocupados porque no se concentren en pocas manos los medios de una misma área de cobertura, de una misma región. Las leyes de comunicación en Estados Unidos garantizan libertad de expresión sobre la base de leyes antimonopólicas que también tiene la sociedad norteamericana y que son muy fuertes. En Estados Unidos hay muchos medios de comunicación y muchas voces que se expresan, pero también se ve una tendencia a concentrar. Entonces aparece el Estado en su función, en su rol parlamentario, para profundizar el debate y pedir mucha información cada vez que un empresario quiere comprar otro medio en una misma área de cobertura. Y la sociedad también pide mucha información. En Argentina, en cambio, en los últimos 25 años vivimos un fenómeno de concentración casi sin debatirlo. Parece que fuera natural.

¿Cómo es la legislación estadounidense en materia de comunicación?

G.M. – El Estado es absolutamente claro en fijar normativas para garantizar la libertad de expresión. Porque hay una preocupación de los funcionarios, de la Comisión Federal de Comunicaciones, de los parlamentarios y de la sociedad, que busca garantizar múltiples puntos de vista. Eso hace a una democracia real y plural y participativa, como corresponde. Concentrar, en cambio, significa restringir puntos de vista. En Estados Unidos y la Argentina llegamos a un lugar filosófico del debate pero con dos realidades distintas: los norteamericanos están discutiendo para que el sistema de medios no se concentre y nosotros para que se pluralice.

Os argumentos do establishment

O para atenuar la concentración ya existente.

G.M. – Nosotros buscamos garantizar pluralidad, no atenuar concentración solamente. Garantizar que haya muchas más voces que puedan expresarse. Por eso el proyecto de la ley que hemos terminado garantiza que personas jurídicas sin fines de lucro, el Estado y las personas jurídicas con fin de lucro dispongan del 33% del espectro cada una. Para que esa pluralidad de voces ya tenga un status legal y que a la pregunta de quién es el que emite, haya diversidad de respuestas.

¿La próxima batalla parlamentaria es la ley de radiodifusión?

G.M. – La ley de servicios de comunicación audiovisual es la redistribución de la palabra. Por eso están ligados una cosa con la otra. Desde la Ley 22.285 impuesta por la dictadura no se debate sobre la conformación de un sistema de medios democrático. Esa falta de debate trajo una concentración de voces que no ha sido motivo de discusión en los ámbitos políticos.

La oposición dice que la nueva ley no puede ser sancionada sin también legislar sobre el acceso a la información pública.

G.M. – Hay que sancionar muchas leyes y debatir muchos temas de comunicación. Es cierto que hay otros temas que hay que poner en agenda, pero se me ocurre que cuando los diputados de la oposición están diciendo que con esta sola ley no alcanza, están siendo funcionales a los argumentos de los sectores del establishment mediático que durante veinticinco años no quisieron tratar la ley de radiodifusión y sostuvieron la 22.285.