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Mídia e direito de resposta

Participei na quarta-feira (27) de um debate na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) sobre liberdade de imprensa, direito de resposta e novas mídias. Esses debates são um bom momento para reflexões sobre os novos tempos. Participaram o professor Venício Lima, da Universidade de Brasília, e o advogado Luciano Ferraz, procurador da prefeitura.

Um dos pontos abordados – que já andei explanando aqui – é sobre a pulverização dos centros de formação de opinião. No modelo tradicional, existem quatro ou cinco jornais, alguns jornais televisivos e algumas revistas que formam opinião. Depois, essa opinião se espraia por jornais regionais, rádios etc.

Esse modelo está sendo substituído por outro, mais amplo, em que não há mais centros únicos de opinião. Blogs, sites na Internet, redes sociais (tipo Orkut), fóruns de discussão, acabam criando núcleos pequenos, que formam sua própria opinião e, depois, vão testá-las em outros ambientes – especialmente nos blogs.

Seria o início de uma mídia independente? Esse conceito foi bastante discutido. A rigor, não existe a pretendida isenção, nem dos órgãos de imprensa nem de blogueiros tido como independentes. Cada qual tem um viés, posições apriorísticas, limitações políticas, econômicas ou mesmo sociais na hora de emitir sua opinião.

A vantagem da internet é permitir que todas as opiniões sejam expressas e, através dela, se possibilite ao leitor formar consensos. Mais que isso, o leitor deixa de ser um agente passivo da notícia ou da discussão. Participa com informações, análises e opiniões.

Perda de legitimidade

Para ser um bom blogueiro, há a necessidade de duas características. A primeira, segurança para expor a opinião e sujeitar-se às críticas. A segunda, humildade para corrigir-se, quando algum leitor aponta dados consistentes contra a sua tese.

Dentro desse quadro difuso, mas com grandes veículos ainda dominando o mercado, como fica o direito de resposta? O advogado Ferraz é filiado a uma nova corrente do direito que julga que o direito de resposta, o direito de apresentar o contraditório deveria preceder a própria publicação da matéria.

Hoje em dia, considera-se que o direito de resposta cabe apenas nos casos de ofensa grave à honra de terceiros. Portanto, é exercido à posteriori. Ferraz considera que o direito deve preceder a própria matéria. Basta alguém ser citado para ter direito à ver sua posição claramente explicitada na própria matéria.

Obviamente, esse tipo de procedimentos tornaria quase impossível o exercício do jornalismo convencional. Imprimiria uma lentidão enorme ao processo de geração de notícias. De qualquer modo, é um bom alerta para se pensar mais seriamente sobre a importância do direito de resposta como fator legitimador do jornalismo.

No novo quadro que se instaurou, com as novas tecnologias, tornou-se praticamente impossível varrer erros para baixo do tapete. A insistência de alguns órgãos – como a revista Veja – em não conceder quase nunca o direito de resposta acaba se constituindo, no frigir dos ovos, em um fator forte de perda de legitimidade da mídia, podendo ser explorado pelos inimigos da liberdade de imprensa.

As mudanças na mídia

Um estudo amplo sobre os dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC) – que audita a tiragem de jornais e revistas – e do IBOPE – para TV e rádio – comprova que a última década foi de mudanças estruturais. Essas modificações reduziram sensivelmente o papel e a influência da chamada grande mídia – categoria onde entram a Rede Globo, os jornais Folha de S.Paulo, Estado de S.Paulo, O Globo, Jornal do Brasil e Correio Braziliense. E um sensível aumento de competidores, da imprensa do interior e dos jornais populares.

Entre as TVs abertas, a Globo tinha um share de audiência de 50,7% em 2001. Chegou a bater em 56,7% em 2004 – coincidindo com a queda de audiência do SBT. Hoje está em 40,6% – coincidindo com a subida da TV Record – que saiu de 9,2% em 2001 para 16,2%. Nas três últimas semanas, o Jornal Nacional deu 26% de audiência em São Paulo. Seis anos atrás, era de 42%. Nessa época, quando o JN caiu para 35% houve um reboliço na Globo. A ponto de edições do JN terem blocos de 22 minutos com várias matérias de apelo. Aparentemente, perdeu esse pique.

O que interessa

Com os jornais da chamada grande mídia, repete-se o mesmo fenômeno. O estudo dividiu os jornais entre tradicionais (Folha, Estado, Globo, JB e Correio Braziliense), jornais das capitais, jornais do interior e jornais populares.

De 2001 a 2009, os tradicionais perderam 300 mil exemplares diários – de 1,2 milhão para 942 mil, queda de 25%. Os jornais de capitais (excetuando os do primeiro grupo) cresceram de 1,2 milhão para 1, 37 milhão – crescimento de 10,5%. Os jornais populares passaram de 663 mil para 1,2 milhão – alta de 85%. E os jornais do interior saltaram de 300 mil para 552 mil – alta de 83,5%.

Não apenas isso. Nos últimos anos, gradativamente os jornais estão se desvencilhando da pauta da chamada grande mídia. Antes, havia um processo de criação de ondas concêntricas em torno dos temas levantados pelo núcleo central, com os demais jornais acompanhando as manchetes e as análises.

De alguns anos para cá, essa dependência cessou. Um estudo de caso analisou bem essa diferença de enfoque. Lula esteve em São Paulo. Anunciou que as informações do INSS seriam fornecidas em três horas. Os grandes jornais e o JN deram destaque para a visita a uma sinagoga (para repercutir a questão do Holocausto) e para intrigas políticas. Todos os jornais populares, do interior e das capitais, deram destaque àquilo que interessava diretamente ao seu leitor: a diminuição dos prazos de informações do INSS.

Caminho longo

Esse exemplo sintetiza a armadilha na qual se meteu nos últimos anos a chamada grande mídia. Perdeu-se a noção dos temas relevantes ao leitor. Em vez de buscar a informação útil, enrolaram-se no chamado jornalismo de intriga – sempre procurando frases ou enfoques que privilegiassem conflitos.

Enquanto isto, os jornais populares – com exceção dos paulistanos (Agora, Diário de S.Paulo e Jornal da Tarde), que não decolaram – passaram a tratar dos temas de interesse de seu público, assim com os jornais de interior e da capital. Vai ser um longo trajeto para recuperar os princípios do jornalismo.