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Para que criar fantasmas?

Na última semana, alguns colunistas e políticos da oposição abriram baterias contra a regionalização da publicidade do governo federal. Não gostaram de saber que os anúncios da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), até 2003 concentrados em apenas 499 veículos e 182 municípios, em 2008 alcançaram 5.297 órgãos de comunicação em 1.149 municípios -um aumento da ordem de 961%.

Por incrível que pareça, conseguiram enxergar nesse saudável processo de desconcentração um ardiloso mecanismo de corrupção dos jornais e rádios do interior. Essa seria a explicação para as altas taxas de avaliação positiva do presidente Lula, registrada pelos institutos de opinião.

O raciocínio não tem pé nem cabeça. Vamos aos fatos.

As verbas publicitárias de todos os órgãos ligados ao governo federal permaneceram no mesmo patamar do governo anterior, em torno de R$ 1 bilhão ao ano. Desse total, 70% são investidos por empresas estatais, que não fazem publicidade do governo, mas de seus produtos e serviços, para competir com companhias privadas.

Além disso, os ministérios e autarquias, que respondem por 20% da verba publicitária federal, não podem fazer propaganda institucional, só campanhas de utilidade pública (vacinação, educação de trânsito, direitos humanos etc.). Apenas a Secom está autorizada a fazer publicidade institucional. Para esse fim, seu orçamento é igual ao do governo anterior (cerca de R$ 105 milhões).

Não houve aumento de verbas. O que mudou foi a política. Em vez de concentrar anúncios num punhado de jornais, rádios e televisões, a publicidade do governo federal alcança agora o maior número possível de veículos. Pelo mesmo custo, está falando melhor e mais diretamente com mais brasileiros. Acompanhando a diversificação que está ocorrendo nos meios de comunicação.

A circulação dos jornais tradicionais do eixo Rio-São Paulo-Brasília, por exemplo, está estagnada há mais de cinco anos, próxima dos 900 mil exemplares. No mesmo período, conforme o Instituto Verificador de Circulação, os jornais das outras capitais cresceram 41%, chegando a 1.630.883 exemplares em abril. As vendas dos jornais do interior subiram mais ainda: 61,7% (552.380). No caso dos jornais populares, a alta foi espetacular, de 121,4% (1.189.090 exemplares).

Por que deveríamos fechar os olhos para essas transformações? A Secom adota hoje o princípio da mídia técnica: a participação dos órgãos de comunicação na publicidade é proporcional à sua circulação ou audiência. Houve época em que eram comuns distorções, às vezes bastante acentuadas, a favor dos grupos mais fortes. Isso acabou.

Esses critérios técnicos, amplamente discutidos com o TCU e entidades do setor, têm favorecido a democratização, a transparência e a eficiência nos investimentos de publicidade do governo federal. Não há privilégios nem perseguições. Tampouco zonas de sombra. Muito menos compra de consciências.

É importante ressaltar ainda que a comunicação do governo não se dá principalmente pela publicidade. Esta apenas presta conta das ações mais importantes e consolida algumas ideias-força. O governo comunica-se com a sociedade basicamente por meio da imprensa, respondendo a perguntas, críticas e inquietações.

Para ter uma ideia, em 2008 o presidente Lula deu 182 entrevistas à imprensa, respondendo, em média, a 4,8 perguntas por dia, incluindo fins de semana e feriados. É pouco provável que exista um chefe de governo no mundo que tenha conversado tanto com a imprensa quanto o nosso. Atendendo a todo tipo de imprensa, pois não existe no Brasil só a imprensa do eixo Rio-São Paulo-Brasília. São várias, com percepções e interesses diferentes. Cada uma fazendo o jornalismo que lhe parece mais apropriado e se dirigindo ao público que conseguiu conquistar.

Exemplo: quando Lula lançou em São Paulo o atendimento em 30 minutos aos pedidos de aposentadoria no INSS, os grandes jornais não destacaram o fato. Mas o tema foi manchete de quase todos os jornais populares e diários das demais capitais. O que para uns foi nota de pé de página, para outros foi a notícia do dia.

Por tudo isso, temos que ficar atentos às mudanças na forma como os brasileiros se informam. O crescimento da internet é um fenômeno que abre extraordinárias possibilidades e lança imensos desafios. Não podemos fechar os olhos para a realidade: os jovens, cada vez mais, buscam informações nos portais, nos blogs e nas redes sociais da internet.

Por último, não se sustenta o raciocínio de que as altas taxas de aprovação do governo Lula teriam a ver com um arrastão de compra de jornais e rádios no interior. Basta recorrer ao último Datafolha, que atribui 67% de ótimo e bom para o governo federal nas regiões metropolitanas e 71% no interior. A diferença está situada dentro da margem de erro da pesquisa. Os números são praticamente os mesmos. O resto é preconceito.

O mais provável é que as altas taxas de aprovação do governo tenham uma explicação bem mais simples: a maioria da população está satisfeita com seu trabalho. É legítimo que aqueles que não concordam com tal percepção recorram à luta política para mudá-la. O debate faz parte da democracia. E faz bem a ela. Mas é necessário criar fantasmas?

Franklin Martins, 60, jornalista, é ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República.

A velha caixa preta midiática

Os principais colunistas de economia da grande imprensa continuam, em claro exercício ideológico, repetindo o credo neoliberal, sem deixar de reverenciar sua santíssima trindade: liberalização, desregulamentação e privatização. Mesmo com a colossal crise provocada pela financeirização do capital, os principais colunistas de economia da grande imprensa continuam, em claro exercício ideológico, repetindo o credo neoliberal, sem deixar de reverenciar sua santíssima trindade: liberalização, desregulamentação e privatização. Indiferentes à falência do receituário, repetido como mantra nos últimos dez anos, os colunistas econômicos da TV Globo, Miriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg, não se fazem de rogados.

Se o objetivo é atrair a atenção dos donos do dinheiro em busca de onde investir, o fundamental continua sendo reduzir gastos públicos, melhorar o quadro regulatório e aliviar o peso do Estado sobre a iniciativa privada. Afinal, era o que recomendavam o que eles chamavam de “exemplos mundiais bem sucedidos de boa governança” Se o modelo faliu, o fundamentalismo de mercado não deixa alternativa.

A saída é, ignorando todas as evidências, tratar como acidente de curso o que todos sabem ser uma falência estrutural. Torcer- não cabe outro verbo – para que políticas anticíclicas de crédito e financiamento da produção não tenham sucesso, para que possam ressurgir os talentos que levaram o país ao colapso nos oito anos de governo FHC. Até agora nada disso tem funcionado, mas a perseverança é uma virtude dos “bons quadros” das redações.

Essa é uma postura antiga, sedimentada como pensamento único pelos jornalistas da emissora da família Marinho. O interessante é que a profissão de fé tem que ocultar as práticas corporativas de quem paga o salário. Para mostrar ao leitor a voltagem em que se opera a desfaçatez, reproduzo, em Carta Maior, artigo produzido para o Observatório da Imprensa, há mais de quatro anos. À época, a Argentina sofria forte pressão para saldar dívidas externas, sacrificando qualquer possibilidade de crescimento e geração de empregos.

De calotes e edições

“Parece que momentos festivos não comportam comedimento. Ainda mais se, com direito a programação especial, comemoram-se 40 anos de um monopólio. Talvez tenha sido essa a lógica que levou o departamento de jornalismo da TV Globo a decidir que, na quinta-feira, após mais um episódio da microssérie Hoje é dia de Maria, o fim de noite seria dedicado à Argentina. Afinal, havia um fato novo envolvendo o país vizinho, digno de destaque: o Comitê Global de Detentores de Bônus Argentinos (CGBA) rejeitou com veemência a proposta apresentada pelo ministro Roberto Lavagna de trocar títulos não pagos por novos papéis com desconto de 75% e prazo bem elástico de pagamento.

A edição do Jornal da Globo que foi ao ar na noite de 13/1, apresentado pela jornalista Ana Paula Padrão, não deixou dúvidas. A bola da vez era a insistência portenha em negociar com soberania. Longe de ser apenas um mecanismo técnico de ordenamento de informações, o processo de edição busca a adesão do telespectador à linha editorial da emissora. Era importante mostrar que qualquer lógica que não obedeça às prescrições do capital financeiro não passa de insensatez. E, convenhamos, nunca é demais lembrar aos governantes de plantão qual o limite de tolerância do conglomerado da família Marinho.

Quase um bloco reservado ao tema, com abertura que não deixa margem para qualquer ambigüidade:

"No Brasil não falta quem elogie a Argentina pela postura durona nas negociações com credores internacionais e organismos como o FMI. Pois hoje foi o dia de quem tem a receber falar grosso com os argentinos. No mundo inteiro a proposta de refinanciamento da dívida foi duramente rejeitada".

Um trecho por demais significativo para ser ignorado. Nele se condensam, de forma inequívoca, desinformação funcional, reducionismo e omissão da circunstância determinante dos fatos. O "mundo inteiro" é reduzido ao grupo de credores. Não há planeta fora da banca e das instituições multilaterais de crédito. A Terra gravita em torno do capital. Eis a evolução que o campo midiático oferece ao legado copernicano.

A lógica financista

Vamos ao que não é dito no noticiário global. O governo Kirchner encontrou uma economia tomada pela informalidade, taxa de desemprego superior a 17%, dívida pública no patamar de US$ 146 bilhões e avançado estágio de sucateamento do parque industrial. A carta de intenções do governo argentino com o FMI não menciona privatização, aumento de tarifas ou elevação de carga tributária. Para desespero dos articulistas econômicos brasileiros, ao não quitar débitos com o Fundo recebeu elogios da conservadora revista The Economist.

Iternamente o país cresce 8% ao ano e o desemprego recuou significativamente. Quando o organismo decidiu adiar a terceira revisão do acordo, o ministro da Economia anunciou, em agosto do ano passado, o congelamento das negociações.

Apesar da heresia de "não cumprir o dever de casa", o aluno vinha obtendo bom desempenho escolar. Uma exemplaridade perigosa, apesar das reiteradas declarações de autoridades brasileiras de que o país não cogitava promover nenhuma ruptura aventureira. Mesmo assim, o desempenho argentino continuava como uma espinha na garganta dos que cultuam o xamanismo neoliberal em ilhas de edição.

A proposta argentina consiste em fazer a maior reestruturação de dívida em moratória de que se tem notícia. Não pretende sacrificar a poupança interna e os ganhos de investimento recentes em pagamentos de juros exorbitantes. Os centros de poder, com apoio das corporações midiáticas, pedem aos países endividados do Terceiro Mundo que robusteçam o filho pródigo e o imolem em oferenda ao Deus-mercado. Não há espaço para troca por cordeiros. A nova religião não comporta misericórdia, nem cabe a um soberano pedi-la.

Mas voltemos ao exercício de prestidigitação do jornalismo da emissora monopolística: "A Argentina decretou moratória em dezembro de 2001, em meio à convulsão política e social que se seguiu à desvalorização do peso. Depois do calote, a queda da economia chegou a 10%. Mas depois o país se recuperou. Nos últimos dois anos, o PIB da Argentina apresentou forte alta, o que, segundo os credores, aumentou a capacidade de pagamento da dívida do país". Esta é, segundo a lógica financista, a única função do crescimento econômico: crescer para pagar. Pagar para parar de crescer.

Para o buraco

O texto do noticiário é auto-elucidativo. Se no Brasil não falta quem elogie a "postura durona" nas negociações com credores internacionais, no jornalismo da Globo eles não aparecem. Ou seja, são não-noticiáveis. Não-sujeitos de uma oração repetida à exaustão. Será que o pensamento do professor Simão David Silber, da Universidade de São Paulo, ouvido pela reportagem, representa o universo acadêmico? Ou nele haveria vozes dissonantes, as dos que elogiam "posturas duronas"? Por que nunca se vêem na tela do império global economistas de renomada excelência como Paulo Nogueira Batista Júnior, Maria da Conceição Tavares ou Paul Singer?

Pierre Bourdieu, em seu excelente Sobre a televisão, mostrou como a mídia trabalha com os mesmos atores. Se a matéria-prima da imprensa é, como dizem muitos, a novidade, o monopólio recusa mudar o elenco de analistas, pois necessita expropriar de sentido os que apresentem a possibilidade de dissenso. Isso é um dado estrutural, de natureza constitutiva.

Outro fato interessante é a eleição de um paradigma moral para enunciar um fato político. A conotação pejorativa da palavra calote logo é pespegada ao não-pagamento de uma dívida contraída por país soberano. Há uma personalização do processo político com o intuito de esvaziar sua real dimensão histórica. A dimensão ideológica do noticiário poucas vezes se mostrou tão desnuda como no telejornal da Globo.

Não fosse o corporativismo do campo jornalístico, talvez o público lembrasse aos editores que em casa de enforcado não se fala em corda. Mantidas as especificidades de uma empresa familiar e uma nação, há semelhanças entre a as "Organizações" e a Argentina. Ambas aplaudiram a tsunami neoliberal nos anos 1990. Apoiaram uma sobrevalorização cambial que beirava a ficção de gosto duvidoso. E quase, simultaneamente, foram para o buraco.

Globo "durona"

Como destacou Elvira Lobato, em matéria publicada pela Folha de S.Paulo (15/2/2004), "estima-se que as empresas de comunicação acumularam prejuízo de R$ 7 bilhões em 2002, dos quais R$ 5 bilhões foram registrados pela Globopar – holding das Organizações Globo. A receita líquida do setor naquele ano foi 20% menor, em valores reais (descontada a inflação), do que a de 2000. As empresas apostaram no crescimento da economia e na estabilidade do câmbio, na segunda metade dos anos 90, e se endividaram em dólar para diversificar os negócios e aumentar a capacidade de produção. Segundo um relatório que o próprio setor enviou ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em outubro último, 80% das dívidas são em dólar, e 83,5% têm vencimento em curto prazo".

E mais: "As Organizações Globo respondem por 60% do endividamento total de R$ 10 bilhões. A Globopar tem uma dívida equivalente a US$ 1,9 bilhão (cerca de R$ 5,6 bilhões) e deixou de pagar aos credores em outubro de 2002. Essa cifra não inclui as dívidas da Infoglobo – que edita os jornais O Globo, Extra, Diário de S. Paulo e é parceira do Grupo Folha (Folha da Manhã S.A.) no Valor Econômico – e das emissoras de rádio, que estão fora da estrutura da Globopar. No dia 11 de dezembro último, três fundos de investimentos norte-americanos entraram com ação na Corte de Falências do Distrito Sul de Nova York, pedindo a intervenção da Justiça dos EUA na renegociação das dívidas da Globopar. O pedido ainda não foi julgado, mas a empresa sustenta que tem condições de conduzir sua reestruturação e de pagar aos credores".

A saída da empresa foi tentar trazer o pedido de falência dos EUA para o Brasil por disposições legais que lhe seriam favoráveis por aqui. Imaginemos um outro sistema de comunicação organizado em patamares distintos de comércio de signos. À noite, um telejornal, produzido por um movimento social qualquer, anunciaria com estardalhaço: "No Brasil não falta quem elogie as Organizações Globo pela postura durona nas negociações com credores internacionais. Pois hoje foi dia de quem tem a receber colocá-la nas barras dos tribunais".

É apenas um exercício de imaginação. Mas caberia ao nobre público decidir uma questão prosaica: a emissora que posa de vestal dos compromissos honrados não passa de uma empresa que faz parte de um conglomerado caloteiro ou o que é bom para a Globo não é bom para a Argentina? Com a palavra, qualquer candidato a Juracy Magalhães. Não é uma paráfrase que exija muito esforço mental.”

P.S: Creio que é desnecessário lembrar o papel central que essa emissora desempenhará a partir da instalação da CPI da Petrobrás. Dela, como de outros grandes veículos, partirão informações truncadas, inverídicas, mal apuradas, mas de inequívoca importância para uma oposição que precisa de munição para manter seu espetáculo. A caixa-preta midiática , mais uma vez, mostrará seu padrão de qualidade.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.

Mídia e direito de resposta

Participei na quarta-feira (27) de um debate na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) sobre liberdade de imprensa, direito de resposta e novas mídias. Esses debates são um bom momento para reflexões sobre os novos tempos. Participaram o professor Venício Lima, da Universidade de Brasília, e o advogado Luciano Ferraz, procurador da prefeitura.

Um dos pontos abordados – que já andei explanando aqui – é sobre a pulverização dos centros de formação de opinião. No modelo tradicional, existem quatro ou cinco jornais, alguns jornais televisivos e algumas revistas que formam opinião. Depois, essa opinião se espraia por jornais regionais, rádios etc.

Esse modelo está sendo substituído por outro, mais amplo, em que não há mais centros únicos de opinião. Blogs, sites na Internet, redes sociais (tipo Orkut), fóruns de discussão, acabam criando núcleos pequenos, que formam sua própria opinião e, depois, vão testá-las em outros ambientes – especialmente nos blogs.

Seria o início de uma mídia independente? Esse conceito foi bastante discutido. A rigor, não existe a pretendida isenção, nem dos órgãos de imprensa nem de blogueiros tido como independentes. Cada qual tem um viés, posições apriorísticas, limitações políticas, econômicas ou mesmo sociais na hora de emitir sua opinião.

A vantagem da internet é permitir que todas as opiniões sejam expressas e, através dela, se possibilite ao leitor formar consensos. Mais que isso, o leitor deixa de ser um agente passivo da notícia ou da discussão. Participa com informações, análises e opiniões.

Perda de legitimidade

Para ser um bom blogueiro, há a necessidade de duas características. A primeira, segurança para expor a opinião e sujeitar-se às críticas. A segunda, humildade para corrigir-se, quando algum leitor aponta dados consistentes contra a sua tese.

Dentro desse quadro difuso, mas com grandes veículos ainda dominando o mercado, como fica o direito de resposta? O advogado Ferraz é filiado a uma nova corrente do direito que julga que o direito de resposta, o direito de apresentar o contraditório deveria preceder a própria publicação da matéria.

Hoje em dia, considera-se que o direito de resposta cabe apenas nos casos de ofensa grave à honra de terceiros. Portanto, é exercido à posteriori. Ferraz considera que o direito deve preceder a própria matéria. Basta alguém ser citado para ter direito à ver sua posição claramente explicitada na própria matéria.

Obviamente, esse tipo de procedimentos tornaria quase impossível o exercício do jornalismo convencional. Imprimiria uma lentidão enorme ao processo de geração de notícias. De qualquer modo, é um bom alerta para se pensar mais seriamente sobre a importância do direito de resposta como fator legitimador do jornalismo.

No novo quadro que se instaurou, com as novas tecnologias, tornou-se praticamente impossível varrer erros para baixo do tapete. A insistência de alguns órgãos – como a revista Veja – em não conceder quase nunca o direito de resposta acaba se constituindo, no frigir dos ovos, em um fator forte de perda de legitimidade da mídia, podendo ser explorado pelos inimigos da liberdade de imprensa.

O novo nasce, o velho ainda resiste

Após participar de debates sobre a mídia em diferentes cidades do país nas últimas semanas, ocorreu-me a famosa passagem de Antonio Gramsci (1891-1937) nos Cadernos de Cárcere quando ele comenta sobre a "crise de autoridade" (Selections of the Prison Notebooks; International Publishers, New York, 1971; págs. 275-276).

Embora, por óbvio, as circunstâncias fossem outras e seja necessária uma pequena adaptação no texto, penso que se aplica ao momento de transição que a mídia vive no Brasil a idéia de que "o velho está morrendo e o novo apenas acaba de nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece". (A frase original correta é: "A crise consiste precisamente no fato de que o velho está morrendo e o novo ainda não pode nascer. Nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece".)

O novo e o velho

Não há dúvida de que o espantoso crescimento da inclusão digital, cuja melhor expressão é o acesso à internet através de suportes como o computador pessoal e os celulares, está provocando uma mudança profunda na produção, distribuição e no "consumo" de informações e entretenimento (ver "A mudança sem retorno ").

Não há dúvida, também, de que essas mudanças indicam uma quebra da unidirecionalidade histórica da comunicação de massa e a possibilidade de maior pluralidade e diversidade no espaço público com o surgimento, por exemplo, de sites alternativos, blogs e a criação capilar de novas redes sociais. Atores tradicionalmente excluídos do espaço público de discussão e formação de opinião na sociedade brasileira estão tendo, afinal, alguma chance de serem ouvidos. Abriu-se uma enorme janela de oportunidades.

Por outro lado, a velha mídia – sobretudo os jornais diários, mas também as revistas, o rádio e a televisão – apesar das quedas globais de circulação e audiência, do fechamento de jornais e da migração do impresso para a internet, não só resistem em buscar as adaptações que garantirão sua sobrevivência de longo prazo no mercado, mas se apegam às velhas fórmulas. É aí que "sintomas mórbidos aparecem".

Neste contexto, a conhecida prática da busca de leitores pelo desencadeamento de campanhas de denúncias contra pessoas e/ou instituições, independente da procedência das acusações, continua a provocar danos em imagens e reputações que dificilmente serão reparadas, mesmo, se e quando, uma decisão judicial que garanta o direito de resposta for eventualmente cumprida.

"Sintomas" contraditórios

A confirmação do fechamento da Gazeta Mercantil – um jornal especializado em economia que não previu as transformações porque passa o seu setor; a recente compra da agência de notícias global Reuters pela canadense Thomson e o anunciado desmembramento da AOL – provedora de internet – do grupo Time Warner (apesar do controle acionário permanecer integralmente no grupo) são sinais difusos e, aparentemente, contraditórios da universalidade do terremoto na economia política do setor.

Enquanto isso, entre nós, às vésperas da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, outros sintomas aparecem: o Supremo Tribunal Federal revoga por completo a Lei de Imprensa (5.250/1967), deixando a descoberto o "direito de resposta" e provocando a insegurança jurídica de empresas, instituições e, sobretudo, de cidadãos; o ministro das Comunicações insiste em "reprimir" a juventude que "vive dependurada na internet"; o Senado Federal aprova um projeto de lei que pretende controlar a liberdade existente na internet; o Superior Tribunal de Justiça decide que "não se pode exigir que a mídia só divulgue fatos após ter certeza plena de sua veracidade" e a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) concentra seus esforços na exclusão de todos aqueles que não possuem diploma de jornalista do exercício da atividade jornalística.

Riscos da transição

Um dos riscos que se corre, enquanto a transição não se completa, é esquecer que o velho resiste e sobrevive e está mais ativo do que nunca em defesa de seus antigos privilégios. E essa é uma verdade que tem diferentes e matizadas dimensões.

Perder de vista essa realidade significa não só ignorar as lições do passado como adiar possíveis conseqüências que, tudo indica, permitirão que a maioria excluída da população participe do espaço público brasileiro e que tenhamos, afinal, uma mídia mais democratizada.

Venício A. de Lima é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007)

A propaganda oficial e a voz do dono

A Folha de S. Paulo publicou no domingo (31/05) uma matéria muito interessante do repórter e colunista Fernando Rodrigues sobre os gastos da propaganda do governo Lula. O que a Folha vê como ponto negativo na política do atual governo este observador avalia ser a melhor novidade dos últimos anos no setor.

A questão é simples: segundo a Folha, com praticamente o mesmo recurso utilizado na gestão anterior, considerando a correção monetária, o governo Lula anunciou em mais de 5 mil veículos de comunicação. Durante o governo de Fernando Henrique, eram apenas 500 os beneficiados.

A matéria da Folha sustenta que essa prática não é condizente com as regras de mercado e cita exemplos da Fiat e Itaú, que publicam anúncios de alcance nacional em menos de 200 veículos. De fato, o governo Lula não obedece às regras de mercado e esta é a melhor notícia que se pode ter na área da distribuição das verbas públicas para publicidade em veículos privados de comunicação.

Sim, porque com a maior distribuição dos recursos de propaganda, na prática o governo fomenta a democratização dos meios de comunicação. Antes, só os grandões levavam o meu, o seu, o nosso dinheirinho, impedindo o crescimento de outras publicações. Agora, jornais regionais e pequenos também levam e podem se tornar competitivos, o que é ótimo para a sociedade de várias formas: dinamiza o mercado de trabalho do setor, possibilita que diferentes vozes tenham meios de expressar suas ideias, enfim, é tudo de bom.

A voz do dono

Dois excelentes colunistas da Folha de S. Paulo – um dos quais o próprio autor da matéria publicada domingo – perderam na segunda-feira (1/6) a chance de ficarem calados. Defenderam a destinação dos recursos oficiais para propaganda apenas aos grandes veículos de comunicação.

O texto de Fernando de Barros Silva, em especial, cairia perfeitamente bem na assinatura do patrão Otavio Frias Filho. Já o de autoria de Fernando Rodrigues é uma análise interessante, mas derrapa nas últimas linhas. Ambos vão reproduzidos ao final desta nota.

A questão, como já se viu acima, é muito simples – simplíssima, aliás –, mas vale repeti-la. Se Lula gasta a mesma verba que FHC gastava com publicidade, poderia fazer duas coisas: manter o padrão de gastos do governo anterior, que privilegiava os grandes meios de comunicação, ou diminuir o quinhão dos grandes e distribuir a verba entre os pequenos.

O governo optou pela segunda forma de distribuir verba e é acusado pelos colunistas da Folha de estar comprando a simpatia dos proprietários de pequenas rádios, jornais e revistas. Ora, se o governo não pode distribuir a verba, resta então a outra hipótese: manter o padrão de distribuição da gestão anterior, na qual praticamente só os grandes veículos tinham acesso aos recursos da publicidade oficial.

Ou seja, os dois Fernandos – mais o Barros e Silva e menos Rodrigues – no fundo defendem mais um capilé para a Folha de S.Paulo e nada para o Diário de Cabrobó do Mato Dentro. Justo? Talvez, mas a verdade é que seria muito mais elegante se o próprio Otavio Frias Filho defendesse a tese, em artigo assinado ou em editorial. Quando jornalistas decidem ser mais realistas que o rei, em geral o vexame é grande.