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Exemplos latino-americanos

Uma equipe de reportagem do Canal 5 de Tegucigalpa foi expulsa do local onde cerca de três mil profissionais do ensino secundário de Honduras realizavam uma assembléia em defesa da ordem democrática. A emissora apóia o governo de fato incondicionalmente, fazendo parte da estrutura midiática de sustentação interna aos golpistas. Assim como os dois principais jornais do pais “El Heraldo” e “La Tribuna”.

Isso não é novidade na América Latina. Foi assim em todos os golpes de meados do século passado. No entanto, quando alguns supunham que esses tempos haviam passado, eis que acontece em pleno século 21, um golpe típico da região, com todos os ingredientes dos anteriores. Inclusive com apoio aberto e descarado da mídia.

Há evidências de que alguns governos do continente estão tomando medidas preventivas para que fatos como esse não se repitam em seus respectivos países. As ações têm se concentrado em duas frentes: o estabelecimento de marcos regulatórios capazes de impedir a concentração dos meios de comunicação e o estímulo ao surgimento e fortalecimento de veículos contra-hegemônicos, capazes de oferecer alternativas informativas e culturais às populações da região.

Sobre esse processo vale a pena ler o recém lançado livro "A Batalha da Mídia" (Pão e Rosas, Rio de Janeiro, 2009), do professor Dênis de Moraes. Ele traça um panorama atualizado dessa nova realidade latino-americana. Mostra, por exemplo, os esforços dos governos da Argentina e do Equador em atuar nas duas frentes acima citadas. Os argentinos ampliando os recursos para a radiodifusão estatal e colocando em debate uma nova legislação para o setor. Os equatorianos avançando mais rapidamente nesse último ponto, garantindo na Constituição, aprovada no ano passado, o direito de todos os cidadãos à “comunicação livre, equitativa, diversificada e includente (…) além do acesso universal às novas tecnologias de comunicação”.

Mais contundentes, no entanto, que o texto constitucional são as palavras do presidente Rafael Correa ao justificar as mudanças legais: “Há meios que supostamente cumprem a função de informar, mas quando dependem de grupos econômicos poderosos, o que fazem é dirigir a cidadania em função dos seus interesses. No Equador, das sete emissoras de televisão, cinco são propriedades de banqueiros. É preciso respeitar a liberdade de imprensa, mas não se pode permitir o abuso da informação por parte de meios mentirosos, corruptos e incompetentes”.

Além de ouvirem palavras quase inéditas da boca de um governante latino-americano, os equatorianos têm hoje instrumentos concretos de ação sobre os meios audiovisuais. O Conselho Nacional de Radiodifusão e Televisão (Conartel) estabeleceu regras para descentralizar o espectro televisivo e criou uma ouvidoria onde o público pode se manifestar sobre o conteúdo dos programas. Quando as queixas são julgadas procedentes, as emissoras são obrigadas a prestar esclarecimentos, sob pena de sofrerem sanções (no Brasil, política semelhante seria, como sempre, taxada de censura pela grande mídia, como ocorreu com o projeto de criação da Ancinav).

A Venezuela caminha na mesma direção. Apesar de todos os insultos recebidos diariamente através da mídia, o governo do presidente Hugo Chávez mantém absoluta liberdade de informação. Mas nem por isso deixou de tomar medidas legais no sentido de equilibrar os fluxos informativos no país, tendo como ponto de partida a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e TV, conhecida como Lei Resorte, aprovada em dezembro de 2004. Ao mesmo tempo em que ampliou os serviços públicos de rádio e de televisão.

E na Bolívia, o governo ousou ao lançar o jornal Câmbio, um diário nacional para fazer frente à mídia golpista que apostou na fragmentação do país no ano passado. Investiu também na recuperação do Canal 7, a TV estatal e na emissora de rádio Pátria Nueva, seguidora da larga tradição combatente das rádios mineiras bolivianas.

No Brasil, avançamos menos. A grande mídia segue firme como porta voz dos interesses da classe dominante. A solitária e ainda pouco amadurecida experiência da TV Brasil é insuficiente como forma de contra-poder midiático. No âmbito legal, avançamos muito pouco.

O golpe em Honduras deve servir como alerta. E as iniciativas de Argentina, Venezuela, Bolívia e Equador como exemplo. São modelos a serem levados em conta imediatamente nos debates preparatórios que já estão sendo realizados para a Conferência Nacional de Comunicação, marcada para o início de dezembro. Transformados em políticas públicas eles se tornarão, sem dúvida, vacinas poderosas contra surtos golpistas.

PS. O governo do Uruguai acaba de anunciar o envio ao Congresso, nos próximos dias, de um projeto de lei para regulamentar a exibição de conteúdos na televisão, rádio e cinema. Será criada também a figura do ombudsman para mediar a relação entre o público e as empresas de comunicação. O projeto foi elaborado com a participação dos principais partidos políticos uruguaios.

* Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

EBC: Afinal de contas, o que é público?

Participação de Eduardo Mamcasz na primeira audiência pública promovida pelo Conselho Curador da EBC com relação à TV Brasil, realizada em Brasília, em 09-07-09

Eu sou Eduardo Mamcasz, jornalista com diploma e carteirinha, na ABI e nos sindicatos do Rio e de Brasília, desde o dia 7 de 7 de 77, portanto, já lançado na cesta dos velhos, até porque desde 80 estou na EBN-Radiobrás-EBC, ou o nome que venha ainda a ter. Atualmente, estou analista em Comunicação Pública, mas comecei como jornalista, repórter no Palácio do Planalto, coordenador de Notícias e diretor de Jornalismo.

Alerto, antes de apresentar a proposta, dentro do tema proposto, ou seja, TV Pública, que não represento, neste momento, a Comissão dos Empregados da EBC, para a qual também fui eleito, e nesta posição pessoal lamento que outros setores da EBC continuem sendo deixados para o Neverland, mas acho que o rumo público a ser definido para a TV Brasil possa servir para as Rádios Nacional e Agência Brasil, ou EBC.

Portanto, crianças, diante do esclarecido, permitam-me viajar no tempo, em nome dos meus cabelos tingidos de branco, e começar pelas discussões que, utopicamente, como hoje estamos aqui, acreditávamos por ocasião da saída dos militares do poder e da entrada dos civis, primeiro pelo meio indireto, na chamada Nova República, quando, como dizíamos, eram tempos em que o Ulysses entrava na sala do Sarney sem bater na porta.

E o que a gente defendia, naquela época, inclusive no Palácio do Planalto, e acho que continua válido, inclusive nesta audiência dita pública, era um caminho que se pretendia para a nova EBN – Empresa Brasileira de Notícias, atual EBC – Empresa Brasil de Comunicação, no sentido dela deixar de ser governo e passar a ser Estado. Eis aí meu raciocínio embora na confusão que se formou no que deva ser público, estatal, governamental.

Qual a fatia do governo?

Naquele recomeço, a gente acreditava que a nossa empresa, na época EBN, atual EBC, voltaria ao interesse do Estado, aqui chamado de público, representando não o estatal, termo deturpado, nem o privado ou setorizado, mas o conjunto do que seria a nação, ou seja, a pessoa cidadã, discussão esta até hoje precisando ser consolidada, por conta de interesses dos governos que, na verdade, continuam donos das TVs Públicas.

Deixem-me explicar melhor este começo de ontem para chegar à proposta no dia de hoje, ou seja, falta muito para se definir claramente o que é público, no sentido do que está sendo discutido aqui, e já me adianto à primeira provocação, apoiando-me nas linhas iniciais da Carta de Brasília, 11 de maio de 2007, ao final do Primeiro Fórum Nacional das TVs Públicas, e aqui leio textualmente não as conclusões, mas as preliminares:

"Nós, representantes das emissoras públicas, educativas, culturais, universitárias, legislativas e comunitárias…"

Portanto, completo, sem qualquer deturpação às conclusões do fórum nacional, que TV pública é uma coisa totalmente diferente e me desculpem os comunitários aqui presentes porque TV Pública não teria nada a ver com as outras TVs, mesmo que comunitárias, educativas, universitárias ou legislativas, até porque elas se destinam a um determinado setor, mesmo que bem intencionadas, e não ao estimado público em geral.

E aí, como é que a gente fica hoje? A TV Brasil, em se pretendendo pública, apesar do longo caminho a ser percorrido, teria que fazer exatamente o que em relação ao Estado? E não estou dizendo no sentido de empresa estatal, não, mas voltada ao todo, a partir do que coloco a segunda provocação: em sendo pública, qual deveria ser a fatia do governo e quem de fato representaria a sociedade civil na gestão editorial?

"Políticas republicanas de alcance social"

Então, vamos direto ao miolo do abacaxi e me refiro ao tema de hoje, TV Brasil-TV Pública. Coloco em discussão, a partir da pré-definição do que estamos aqui defendendo, que seja primeiro muito bem definido o termo "público", para diferenciá-lo do "privado" ou do "estatal", inclusive cito uma discussão interna acontecida na Comissão dos Empregados da EBC sobre as possíveis diferenças entre "governo e governamental".

Tem mais discussão que pode ser acrescentada aqui em torno de como deva ser definido o que é público, de publicar, publicitar, não deixar escondido, plural, ao contrário do privado, de privar ou particular, de partícula, singular, estendendo-se a palavra para o conceito de republicana que, na tradução, ficaria sendo uma coisa em se mantendo pública e, por conseguinte, nunca voltada a apenas um espaço, mesmo que este seja o terceiro setor.

Volto a um tempo desconhecido das crianças aqui presentes, que foi o grande rebuliço criativo da Constituinte de 88, o qual definiu os princípios do que seja uma administração pública, bem enumerados pela ex-seringalista Marina Silva num artigo naFolha de S.Paulo em 29 de junho de 2009, e que deveriam ser, penso eu, aplicáveis ao caso aqui sendo discutido, ou seja: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Dou sequência às virtudes colocadas na Constituição com as conclusões do Fórum das TVs Públicas, recomendando que as TVs Públicas devam ser "independentes, democráticas e apartidárias", ao que foi ainda acrescentado que o "campo público da televisão promova a cidadania", que o financiamento tenha origem em "fontes múltiplas" e, além disso, que promova "a construção de políticas republicanas de alcance social".

Lentidão imobiliza Conselho Curador

Portanto, permitam-me um singelo complemento, ou seja, tudo o que uma TV Pública deveria ter para assim ser classificada, a EBC, no caso a TV Brasil, não o pratica e vejamos logo porque afirmo isto. O Conselho Curador aqui presente não é independente porque nomeado pelo governo federal, que também alimenta as fontes de recursos, sendo portanto a EBC uma empresa fechada, distante da governança corporativa e dependente.

Volto ao ano de 2004, quando foi divulgada a "gestão estratégica" da Radiobrás, atual EBC, cujos termos ainda não foram mudados na prática, quando ficou escrito que entre os valores perseguidos estava o "respeito ao caráter público de nossa atividade, ao buscar a excelência e ao exercer a transparência externa e interna". Aliás, corte rápido porque desde dezembro não são publicitados os boletins administrativos da EBC.

Mas continuando, e passo para outra provocação porque também foi colocado como estratégia editorial, aliás seria papel deste Conselho Curador definir a linha editorial da empresa, mas sem esta exagerada lentidão com que se imobiliza, haja a ver que até o Manual de Redação está sendo feito sem discussão pública, mas volto à frase em que a Radiobrás deveria concentrar o foco em jornalismo e no "espaço público político".

Falta de políticas públicas

Aqui jogo outra provocação ao espaço maior dado ao jornalismo tradicional que está sendo praticado, e no caso aqui sendo discutido, pela TV Brasil, que pretende vir a ser pública porque ainda não foi dado espaço devido ao lúdico, educativo, formativo, didático, serviço, manifestação cultural ainda não comercializada, porque o jornalismo em si impede o inovativo, criativo, experimental, interativo e multiprogramático.

Apoio-me num artigo de Alfedo Boneff, do Ibase, questionando se a TV Educativa seria TV Pública, nesta defendendo maiores espaços para a invenção, a experimentação e até mesmo a inovação, inclusive diante dos novos meios digitais que ainda parecem distantes, na prática, e que irão favorecer a formação de uma rede múltipla, com destaque para a regionalização, mas sem as prejudicantes dependências políticas localizadas.

Finalizo com Rodrigo Murtinho de Martinez Torres e seu estudo preliminar sobre as múltiplas configurações das televisões públicas no Brasil, quando conclui que elas estariam "fragilizadas e dependentes de um Estado omisso, dirigidas por governos comprometidos com as políticas neoliberais e contaminados por práticas clientelistas", e completo de vez com a seguinte frase dele, que aplico ao caso aqui da TV Brasil:

"Trabalhamos com a hipótese de que, diante da falta de políticas públicas para o setor, associada ao esvaziamento político da sociedade civil, as TVs públicas (brasileiras) buscam modelos de gestão, financiamento e de programação semelhantes às TVs comerciais."

É o que eu tinha a dizer. Obrigado.

O furo jornalístico em xeque

A quem interessa um furo jornalístico? Ele é um patrimônio do público ou dos jornais e jornalistas? O furo é um direito do cidadão ou um direito do jornalismo e da imprensa?

Questões como essas vieram-me à mente com a polêmica em torno do blog da Petrobras.

Pouco foi discutido sobre aquilo que considero fundamental na polêmica: o direito à comunicação. Deve ser reconhecido numa sociedade mediada pela internet e outras tecnologias da comunicação. Todos têm, portanto, direito a receber e a difundir informação.

Missão impossível no século 20, quando os meios de comunicação de massa ocuparam o espaço de mediação pública. A disseminação de informação estava limitada ao desejo de quem detinha o poder de mídia.

No século 21, finalmente as coisas começam a mudar. E não há mudança que não cause celeuma. As ferramentas novas que a internet nos traz mudam o espaço de mediação pública. A informação sai do controle dos meios de comunicação de massa – de um para muitos – e projeta-se numa nova relação, de muitos para muitos. Cria-se uma rede em que a leitura não é mais linear, cada leitor segue seu caminho e busca suas próprias fontes. É nesse ponto que a transformações ameaçam o jornalismo. Ou pelo menos o jornalismo a que estávamos acostumados.

Neste jornalismo ainda hoje praticado havia uma informação privada, pertencente a poucos. Quando um veículo de comunicação tem acesso a essa informação, apropria-se dela e a coloca à venda em seus jornais ou programas de rádio e TV. O furo é, portanto, a informação exclusiva transformada em mercadoria jornalística. A busca pela informação exclusiva é a busca pela melhor mercadoria para ser colocada à venda.

Mas ao falarmos de notícia, devemos pensá-la como pensamos em um sabonete, um carro, um picolé? Ou a notícia é um bem maior, simbólico, com uma função social muito mais ampla?

Ao ameaçar o furo jornalístico, não estaria a Petrobras subvertendo o valor da notícia enquanto mercadoria, mas dando-lhe ainda mais importância quanto ao seu valor social? O jornalismo deve ser o exercício contínuo da busca da verdade e sua constante veiculação. A finalidade do jornalismo é tornar público o que é de interesse público, mesmo que alguém queira manter a informação no domínio privado. Não é compatível pensarmos hoje que apenas os leitores do jornal A ou telespectadores da TV B tenham direito à informação de interesse pública descoberta por um jornalista. Essa informação deve pertencer ao público em geral, ao conjunto da sociedade.

O furo foi ameaçado, inicialmente, pela internet quando os veículos de comunicação passaram a replicar as informações dos outros (com ou sem crédito, com ou sem checagem). O sentido do furo começou a ruir quando uma reportagem produzida em semanas ou até meses era replicada no concorrente poucos segundos depois de sua publicação original. Sem contar que a informação exclusiva deixou, há muito, de ser descoberta pelo jornalista. Há tempos ela é negociada com as assessorias de imprensa. O furo tornou-se moeda de troca, mais uma forma de transformar a notícia em mercadoria.

Mas o furo perde ainda mais o sentido agora, quando a informação exclusiva deixa de ser propriedade do jornalista. Ele também deve adequar-se a uma nova realidade: a de que todos têm o direito à comunicação. Todos podem informar e ser informados. Ao bom jornalismo, caberá ainda filtrar as informações disponíveis. Mas este filtro não será absoluto.

O público decidirá até onde irá em sua busca por informações. O futuro do jornalismo não está ameaçado, mas não haverá espaço para o jornalismo pautado nas assessorias de imprensa, feito apenas a partir de releases e acordos nada transparentes com as fontes. O bom jornalismo deverá ajudar o leitor na escolha das informações, indicará o que é importante para ser lido, consultado, mas não terá a pretensão de se esgotar em si mesmo. O bom jornalismo sobreviverá e será independente dos grandes meios de comunicação. Esses, sim, da forma como se estruturam, têm seu poder ameaçado.

* Wanderley Garcia é jornalista, mestre em Ciência da Informação, professor da Universidade Metodista de Piracicaba (Unimep) e da Puc-Campinas.

Quem são os piratas?

A pirataria é uma das questões mais polêmicas, colocadas pela mídia em pleno capitalismo monopolista do século XXI. Segundo o conselho nacional de combate à pirataria, estima-se que 45% da população brasileira, consuma algum tipo de produto pirateado. Frente a este dado podemos discutir, de maneira plural, o real significado de legalidade e legitimidade.

Mas, vale dizer que, a partir do enfoque da economia política, interpretamos que, se virou prática social, é porque está legitimado pela sociedade brasileira, ainda que possa ser interpretado pelo Estado e pelos donos privados das mercadorias, como ilegal.

Façamos um exercício e vejamos como, em essência, o que é ocultado nos noticiários e na indústria cultural midiática, é o verdadeiro sentido colocado na luta de classes sobre este tema. Comecemos com algumas perguntas básicas:

1 – O que é a pirataria? É a cópia de um original, cuja autoria é de outro. Em termos formais, “crime de violação de direito autoral”.

2 – O que é um produto original? É aquele que, ao ser feito por alguém, se transforma em propriedade privada deste alguém (produto mercadoria e produto intelectual). Propriedade esta garantida sob a tutela do Estado formal, e exige que todos que o utilizam, peçam benção (economicamente paguem uma parte expressiva) àqueles que o produziram.

3 – Quando um produto original vira o produtor de copias? Quando o objetivo principal de sua utilização é prestar esse tipo de serviço. Exemplo: fazer fotocópias de livros, de discos, de dvd´s.

4 – Quando a cópia é violação? Quando o original, matriz produtora de copias, é utilizado por terceiros sem pagar sua parte substantiva, ou, vira um meio para outros meios e não o fim último do serviço.

Em outras palavras, parte expressiva da copia utilizada como pirataria, advém de produtos originais que formalizam sua propagação. Essas máquinas, cada vez mais potentes e portáteis, implementam um ritmo absurdo de produção de copias não controladas pelo próprio capital monopolista.

Quando isto ocorre, o capital – que começa ver seu controle ser burlado, a partir das próprias máquinas produzidas por ele-, define como pirataria ilegítima e ilegal. Ou seja, uma ação de produção e de consumo exercida por contraventores sobre a ordem burguesa de propriedade privada do capital.

Já para os trabalhadores, o problema não é o da originalidade da cópia. E sim do desenvolvimento capitalista em si mesmo excludente, apropriador privado da produção da riqueza e da renda. Produção esta que permitiu a uma parte expressiva da população mundial, encontrar mecanismos de sobrevivência, frente a, cada vez menor, mão de obra formal dos três setores econômicos.

O problema de fundo desta discussão não é da ordem moral e sim econômica. Ou seja, quem fica com parte expressiva daquilo que é gerado, independente da mediação feita pela máquina formalmente registrada? O próprio capital? Ou os trabalhadores que alijados do processo formal de trabalho, encontram a possibilidade de sobreviver legitimamente a partir da pirataria?

A informalidade, numa sociedade como a brasileira, cuja exclusão raia as beiras da barbárie social, tem no mínimo algumas facetas que devem ser levadas em consideração:

1. É legitima e legal, quando seu fim é a sobrevivência de parte expressiva de um contingente de trabalhadores condenados da terra, feita propriedade privada pelo capital, que sequer entra para os números do exercito industrial de reserva, e que encontra nesta atividade um dos únicos mecanismos de ser minimamente incluído, frente a real exclusão. Ex: ambulantes, vendedores de cd´s, dvd´s, entre outros. Em alguns casos, no que tange ao informal, o Estado pode assumi-lo inclusive como empreendedor, para, ao formalizá-lo, garantir tributos ainda mais valiosos para seus cofres.

2. É legitima mas ilegal, quando o Estado, imbuído de sua representação de classe, resolve fazer uma limpeza social-mora, mas que realmente é da ordem do poder econômico, entre os que atuam fora ou dentro da lei.

3. É ilegítima e ilegal, quando seu principio, meio e fim é a morte de muitos, frente a vida de poucos. Esse é o caso específico do tráfico de armas, de drogas, de mulheres, de órgãos, entre outros. Para sobreviverem alguns, muitos têm que morrer para fazer a produção circular em forma de ganância excessiva e ampliada.

A legitimidade e legalidade da pirataria no Brasil, deve ser analisada a luz do conflito de classes gerado pela consolidação do capital que vai, pouco a pouco, ou aprisionando o trabalho e escravizando-o de múltiplas formas, conforme o tempo histórico em que se vive, ou excluindo-o formalmente para incluí-lo como consumidor.

Há violações anteriores a dita violação da pirataria. Listemos algumas:

A – Violação do direito ao trabalho e ao salário digno. Um desemprego que chega aa casa dos 8% e uma população economicamente ativa em que menos de 50% dos que atuam são formalmente registrados.

B – Violação da remuneração digna quando parte expressiva dos trabalhadores formais ganha até dois salários mínimos por mês e não têm as garantias constitucionais de saúde, educação, moradia, entre outras.

C – Violação do direito a disputa de classe, via Estado de direito, quando o capital define, a partir de seu poder onipotente, não só as regras do jogo, mas a forma como o árbitro deve se comportar (Estado brasileiro).

D – Violação dos direitos consolidados como CLT e Constituição Federal. Ambos estão virando enciclopédia para consulta sobre como foi e deixou de ser o processo laboral brasileiro ao longo dos séculos XX e XXI.

* Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.
** Artigo disponível em áudio. Clique aqui.

O fechamento de jornais e o jornalismo público

No mês passado foi a vez do fechamento do jornal Gazeta Mercantil, com 90 anos de história e deixando a marca de ter sido um periódico qualificado, avaliação partilhada até mesmo pelos discordantes de sua linha editorial, voltada para o público empresarial.

Antes havia ocorrido o fechamento do também legendário Tribuna da Imprensa, agravando o problema do desemprego crônico de jornalistas, já sem ter para onde correr, além de fazer aumentar a também trágica concentração da informação nesta sociedade.

Se olharmos para cenário internacional também registram-se sucessivos fechamentos de jornais, seja nos EUA ou na Europa. No Brasil, especialistas prevêem a continuidade desta trágica tendência de falência de jornais, de redução de postos de trabalho e de lamentável estreitamento das fontes informativas.

A tragédia está em curso e não se escuta ainda uma proposta alternativa capaz de resolver uma das grandes dívidas acumuladas durante mais de século para com o povo brasileiro, a dívida informativo-cultural. O povo brasileiro é vítima de indicadores raquíticos de leitura de jornal e revista, são trágicas as estatísticas da Unesco, estamos em pior posição que o nível de leitura de jornal na Bolívia, país mais pobre da América do Sul.

Comecemos nos indagando se o mercado será capaz de evitar o fechamento do jornais, o desemprego de jornalistas e gráficos e a concentração da informação em poucas empresas. Não tem sido. Ao contrário, o mercado tem se tornado cada vez mais cartelizado, cada vez menos concorrencional, inclina-se notavelmente para o oligopólio, devasta as esperanças dos que ainda sonhavam com um jornalismo com capilaridade, com regionalização, capaz de assegurar informação diversificada, plural e acessível a todo os brasileiros. Falemos do tamanho da tragédia: somadas, as tiragens de todos os pouco mais de 300 jornais diários brasileiros não atingem a marca dos 7 milhões de exemplares. Indigência democrática! O povo brasileiro está praticamente proibido da leitura de jornais, portanto, proibido de ter acesso a uma tecnologia do século XVI, a imprensa de Guttemberg.

Exército de diplomados desempregados

O mercado tem discutido alternativas a isto? As universidades? O movimento sindical? Não se registram debates sobre como assegurar a massificação da leitura de jornal e revista. Nem mesmo a Fenaj que acaba de ser derrotada na sua luta para manter a obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo apresenta – nem antes, nem agora – alternativas para evitar que estes profissionais não formassem apenas um imenso exército de diplomados-desempregados. É preciso regulamentar a profissão, mas também é preciso assegurar o fim da proibição à leitura de jornal. Também devemos elaborar políticas públicas – já que o mercado exibe sua incapacidade – para que os brasileiros assim como recebem do estado merenda escolar, remédios, camisinhas, dentaduras, bolsa família, também recebam jornais e revistas para a sua informação. Seria nada mais do que assegurar o cumprimento da Constituição quando esta estabelece a informação como um direito do cidadão. Para que , afinal, que isto não seja apenas retórica legislativa…

Para se avaliar como o sistema de proibição da leitura de jornal vigente contra os brasileiros é tão trágico e paradoxal basta informar que a indústria gráfica registra capacidade ociosa crônica de 50 por cento de suas instalações anualmente. E isto é crônico! Ou seja, povo sem ler, jornalistas e gráficos desempregados e indústria gráfica paralisada na metade do tempo!!! Por que não juntamos os tres ingredientes acima numa política pública de jornalismo para a sua superação da crise? Será que com a nossa indigência de leitura, com a nossa dívida informativo-cultural podemos nos dar ao luxo de ficar esperando indefinidamente por soluções de mercado, quando o este apenas nos sinaliza com freqüência exuberante a sua tendência de fechamento de mais e mais empresas jornalísticas, mais desemprego e mais concentração?

Uma oportunidade perdida

Não é que não existam tentativas de criar condições e instrumentos para que o povo tenha acesso à leitura e à informação cidadã e qualificada. Uma destas tentativas se deu quando em 1994 o professor Cristovam Buarque elegeu-se governador do Distrito Federal. Um grupo de jornalistas reunidos pelo Sindicato dos Jornalistas de Brasília apresentou ao recém eleito um elenco de medidas destinado a assegurar à população candanga o acesso a informações, a jornais etc. Propunha-se a criação de uma Fundação Brasiliense de Comunicação, com a participação e controle social, capaz de reunir a Rádio Cultura FM, montar uma tv a cabo mas com a democratização e popularização de tvs receptoras que superassem o confinamento sócio-econômico da Lei da Cabodifusão e um sistema de imprensa que se uniria à idéia da Agência Brasília de Notícias, que funcionou, embora sem muita repercussão.

Os jornalistas haviam feito um levantamento do número de equipamentos gráficos e de profissionais de comunicação disponíveis na estrutura do GDF para a edição de um jornal diário, que seria sustentado pelas empresas estatais locais, com distribuição massiva e possivelmente gratuita. Havia capacidade gráfica ociosa, havia jornalistas disponíveis, havia a proposta, havia e ainda há a necessidade social de democratizar a informação. Sonhava-se com um jornal de espírito público, plural, diversificado, chegando às grandes massas trabalhadoras, à população mais carente na periferia do Plano Piloto, havia disposição sustentar este sistema público de comunicação. Entretanto, não havia decisão política para implementá-lo.

A primeira reação da assessoria do novo governador foi: “Não vamos fazer um novo Pravda!” Ninguém havia proposto um jornal nesses moldes. A proposta previa participação social, haveria diversidade informativa, aliás, provavelmente superior ao jornalismo praticado pelo mercado, dado o grau de interferência do cartel de anunciantes na linha editorial, via departamento comercial das empresas, seu verdadeiro “editor”. Não era um pravda, mas a verdade é que faltou audácia, faltou acreditar nas utopias para além dos discursos.

A oportunidade foi perdida. Nem mesmo as antenas e torres de repetição do sinal da Rádio Cultura FM foram instaladas, com o que o sinal da emissora, que poderia inclusive ser uma cabeça de rede de rádios públicas, educativas e universitárias, continuou e continua até hoje alcançando sofrivelmente apenas o Plano Piloto. A TV educativa ou cultural do GDF até hoje não foi criada. E os 93 por cento dos recursos gastos em publicidade naquele período destinaram-se apenas à maior rede de tv e ao maior jornal local.

A amarga ironia é que a idéia do jornal de distribuição gratuita foi aproveitada, anos depois, por um grupo empresarial local, sendo hoje o jornal “Coletivo” um sucesso e uma das poucas possibilidades de informação a que tem direito o povo pobre do Distrito Federal. Setenta mil exemplares são distribuídos diariamente a cada fim de tarde na Rodoviária do Plano Piloto, chegando a todas as regiões do DF. Gratuitamente. Sustentado com publicidade das estatais locais. Descartada pela esquerda,a idéia foi assumida pelo empresariado. Ou seja, pelas mãos dos que sempre impedem e travam o desenvolvimento da comunicação pública, comprovando-se que a idéia do jornal público e gratuito era e é plenamente viável.

Será que nem diante do irreversível processo de fechamento de jornais nos tomamos de senso de realismo , de audácia e de responsabilidade para propor um programa público para a massificação da leitura de jornais?

Nascem jornais públicos, fecham jornais privados

Exemplos nos chegam a cada dia. Evo Morales, cansado de perceber que os jornais privados estão editorialmente comprometidos com a fragmentação da Bolívia, com os planos nacionais e internacionais de desestabilização da democracia, e que eram jornais inacessíveis à grande massa pobre de bolivianos, lançou o jornal “Cambio”, destinado a ser um órgão de informação de circulação popular, a preços populares. Também agora na Venezuela, quando praticamente todos os jornais encontram-se enfileirados na oposição ao governo eleito de Hugo Chávez, ressurge o jornal popular e público “Correio do Orenoco”, recuperando o nome original do periódico fundado por Simon Bolívar, no qual foi redator o General José Inácio Abreu e Lima, brasileiro que lá é considerado herói na luta de libertação contra o Império Espanhol.

Mas, não apenas em governos considerados de esquerda surgem iniciativas deste naipe, como alguns poderiam objetar. Também na França há sólidas experiências bem sucedidas de jornalismo público, como o periódico editado pelo sistema previdenciário francês que chega à casa de cada segurado, com informações sobre toda a realidade nacional e internacional, sobre a cultura e a economia, e não apenas sobre temática previdenciária.

Assim, há razões públicas defensáveis para que o governo salvasse um jornal de tradição de 90 anos como a Gazeta Mercantil. Não apenas porque provavelmente também estará em débito com os cofres públicos. Quantas vezes empresas jornalísticas em dificuldades financeiras recorreram aos cofres públicos para superar suas crises? E seguiram depois condenando editorialmente o papel do estado mas, na primeira dificuldade, batem novamente às portas do estado?

Por que ao invés de empréstimos, não pode o estado assumir o controle acionário de um jornal como o Gazeta Mercantil, ou como o Tribuna da Imprensa, aproveitando sua estrutura industrial, empresarial, seus recursos humanos, sua tradição informativa, sua marca social na sociedade e, com novos critérios administrativos, transformá-los em jornais de ampla circulação popular, com tiragens realmente massivas, de milhões de exemplares, a preços módicos ou mesmo distribuição gratuita, já que o direito à informação é um direito constitucional do cidadão?

O papel protagonista do Estado

No início governo Lula, em 2003, divulgou-se a existência de um Proer da Mídia, pelo o qual as empresas de comunicação endividadas, tal como os bancos a que alude a sigla, recorreriam ao estado para escapar à ameaça de falência. Houve solicitação ao BNDES para reestruturação das dívidas das grandes empresas de mídia. Na época o então Ministro José Dirceu pronunciou a frase forte “a Globo é uma questão de estado”. Foi proposto então que a serem empregados recursos públicos no salvamento da empresa das dificuldades, que estes recursos fossem investidos como compra de ações, passando o estado a ser acionista destas empresas desvedoras, assegurando que os recursos não fossem empregados em vão, como já ocorreu, e em certas circunstâncias, mais de uma vez, com as crise repetindo-se.

Agora estamos diante de uma crise sem precedentes, crise internacional, até mesmo City Bank e a General Motors já se transformaram em empresas estatais, ocorrendo o mesmo com inúmeros bancos na Inglaterra, na Alemanha, na França. Aqui a Caixa Econômica anuncia que irá lançar um cartão de crédito próprio para não mais depender do cartel internacional que domina e impõe regras discricionárias ao segmento. Os exemplos estão aí. Será que mesmo assim não teremos capacidade, como sociedade, de realizar um debate sobre como garantir que o povo brasileiro tenha finalmente o acesso à leitura de jornal?

São muito positivas as iniciativas de comunicação partidas do campo público recentemente, seja o Blog da Petrobrás, as colunas O Presidente Responde, a criação da Empresa Brasil de Comunicação, além da convocação da I Conferência Nacional de Comunicação. Mas, o público ainda se queixa: “como sintonizar esta TV Brasil? Ela só pega na tv a cabo? Isto é pra quem pode pagar!” Da mesma forma que as colunas escritas diretamente pelo presidente, embora importantes, não chegam ao grande público, já que as tiragens de jornal continuam raquíticas e não existe ainda um jornal ou vários jornais populares de grande circulação, seja gratuita ou a preços bem módicos. Existiria alguma proibição escrita nas estrelas determinando que não se possa também uma política pública para a democratização da leitura de jornal no Brasil? Não é razoável que a EBC assuma também a publicação destes jornais? Não é razoável que o BNDES que tanto financia grandes empresas privadas e até transnacionais apoie um projeto de um jornal público, de massa, gratuito?

Enquanto isto, jornais fecham as portas e há prenúncios de que novas falências venham a ocorrer. Não é hora, portanto, de debater um programa público de massificação da leitura de jornal?

* Beto Almeida é presidente da TV Cidade Livre de Brasília