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“Blogues crescem por culpa do péssimo serviço de informação da velha imprensa”

[Título original: Blogues assumem a contra-infromação no Brasil]

323 jornalistas e comunicadores se juntaram para discutir o poder e o alcance dos blogues e debater a comunicação – de maneira geral – em São Paulo (SP), durante o 1º Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas. O encontro ocorrido entre os dias 20 e 22 de agosto aproximou uma rede em expansão na internet de blogueiros conhecidos por fazerem o contraponto jornalístico dos fatos e opiniões da grande mídia.

Os jornalistas se classificam como independentes e ativistas dos movimentos sociais. O uso do blog foi a maneira que encontraram para driblar o bloqueio midiático a determinados assuntos e combater a concentração dos veículos de comunicação no Brasil.

A Radioagência NP conversou sobre o Encontro de Blogueiros com um dos organizadores do evento, o jornalista Rodrigo Vianna. Rodrigo também é diretor de Comunicação do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, que articulou o fórum. Acompanhe.

Rodrigo, a partir do encontro, os blogueiros se dispuseram a fazer reuniões em pelo menos 19 estados brasileiros. Você considera que esse primeiro encontro foi um marco da comunicação social no Brasil?
Sim, foi um marco da comunicação no Brasil, inclusive isso acabou entrando até na agenda da campanha eleitoral. Um dos candidatos que está meio nervoso nas últimas semanas chegou a fazer uma declaração desqualificando os blogues. Mas, na verdade, passou um recibo da importância relativa que os blogues já tem no debate em comunicação no Brasil. Em muitas cidades há dezenas de blogueiros que conseguem ser um contraponto à imprensa escrita tradicional, ou seja, a velha imprensa brasileira que é controlada por meia dúzia de famílias. Então é um marco porque ele colocou frente a frente as pessoas que estão fazendo esse contraponto e essa rede dos blogueiros, que já é forte, vai ficar mais forte ainda a partir do Encontro.

O que seria o Partido da Imprensa Golpista (PIG)?
Olha esse termo PIG, que é um termo bem-humorado para se referir a esse Partido da Imprensa Golpista, surgiu a partir de um discurso de um deputado federal Fernando Ferro (PT/PE). Ele estava fazendo justamente a análise da grande imprensa brasileira, no momento específico de 2005 e 2006, e isso criou uma onda que aparentemente queria derrubar o governo federal. E a partir disso o jornalista Paulo Henrique Amorim cunhou esse termo PIG e a gente usa esse termo nos blogues para se referir a essa velha imprensa, que tem tido um papel no mínimo complicado nos últimos anos no Brasil.

Como a afirmação de Serra sobre os “blogues sujos” foi recebido pelos Blogueiros Progressistas?
Foi tratado na base da galhofa que é como merece ser tratado um candidato se referir dessa maneira aos blogues, ele que tem uma relação tão próxima com a velha imprensa. Ele na verdade fez o porta-voz da velha imprensa. A gente já não sabe mais se a imprensa que é porta-voz desse candidato ou se ele é porta-voz da velha imprensa. Então foi tratado assim na base da galhofa porque não dá pra levar a sério um negócio desse.

O Blog Cloaca News vai pedir explicações de Serra na Justiça sobre o que seria "os blogues", é isso
É, vai pedir que ele nomeie, pois ele fez uma referência genérica. Aí o Cloaca News – que é um blog que mistura investigação com bom humor – disse que vai interpelar o Serra judicialmente, para que o candidato diga quem são esses blogues que ele considera “blogues sujos”. E o Paulo Henrique Amorim, durante o Encontro de Blogueiros, propôs que a gente desse um prêmio ao Serra de twittero cascão por disseminar sujeiras em certos momentos pela rede de computadores.

Como você avalia o papel dos blogues nesta eleição?
Aquilo que a gente faz é um contraponto, eles já não falam sozinhos. De 2005 para cá, os jornais e as revistas – que eu chamo de velha imprensa – caminharam de um lado só. Todos passaram a fazer oposição ao governo federal. Não que o governo não mereça críticas, há muitos temas em que a crítica deve ser feita e quando há corrupção o jornalista tem que mostrar, mas foi uma coisa unilateral. A tal ponto que a presidenta da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Judith Brito, que é também diretora da Folha de S. Paulo, disse que dada a fragilidade da oposição partidária a imprensa passava a fazer o papel de oposição. Eles dizem que são isentos, mas não existe essa história de isenção completa na imprensa. Eu acho que a pessoa pode ter um lado, mas deve se prender a verdade factual. Por isso que os blogues crescem tanto, por culpa também do péssimo serviço de informação que a velha imprensa brasileira faz em nosso país.

Durante o encontro vocês também deixaram claro o apoio à Ação Direta de Inscontitucionalidade (Adin), que o jurista Fábio Konder Comparato entrou no Supremo Tribunal Federal. Essa ADIN é para regulamentar artigos da Constituição sobre comunicação?
O professor Fábio Konder Comparato vai ingressar, ele ainda não ingressou. Ele vai ingressar em nome de entidades na área de comunicação, com apoio de centrais sindicais e sindicatos e dos blogueiros do Encontro Nacional dos Blogueiros. É uma ação pedindo que o Estado faça cumprir o que está na Constituição. Há vários artigos da área de comunicação que não são cumpridos, por exemplo, o que diz que não pode existir oligopólio e propriedade cruzada dos meios de comunicação. [Hoje] uma única família é dona do rádio, da televisão, do jornal, da internet, da TV a cabo. Não dá. É muito poder concentrado e a Constituição veda isso. Mas o Brasil não coloca isso em prática por causa do poder dessas famílias. Então o Brasil tem que questionar o poder dessa meia dúzia de famílias que ainda mandam na comunicação brasileira.

Quem são os piratas?

A pirataria é uma das questões mais polêmicas, colocadas pela mídia em pleno capitalismo monopolista do século XXI. Segundo o conselho nacional de combate à pirataria, estima-se que 45% da população brasileira, consuma algum tipo de produto pirateado. Frente a este dado podemos discutir, de maneira plural, o real significado de legalidade e legitimidade.

Mas, vale dizer que, a partir do enfoque da economia política, interpretamos que, se virou prática social, é porque está legitimado pela sociedade brasileira, ainda que possa ser interpretado pelo Estado e pelos donos privados das mercadorias, como ilegal.

Façamos um exercício e vejamos como, em essência, o que é ocultado nos noticiários e na indústria cultural midiática, é o verdadeiro sentido colocado na luta de classes sobre este tema. Comecemos com algumas perguntas básicas:

1 – O que é a pirataria? É a cópia de um original, cuja autoria é de outro. Em termos formais, “crime de violação de direito autoral”.

2 – O que é um produto original? É aquele que, ao ser feito por alguém, se transforma em propriedade privada deste alguém (produto mercadoria e produto intelectual). Propriedade esta garantida sob a tutela do Estado formal, e exige que todos que o utilizam, peçam benção (economicamente paguem uma parte expressiva) àqueles que o produziram.

3 – Quando um produto original vira o produtor de copias? Quando o objetivo principal de sua utilização é prestar esse tipo de serviço. Exemplo: fazer fotocópias de livros, de discos, de dvd´s.

4 – Quando a cópia é violação? Quando o original, matriz produtora de copias, é utilizado por terceiros sem pagar sua parte substantiva, ou, vira um meio para outros meios e não o fim último do serviço.

Em outras palavras, parte expressiva da copia utilizada como pirataria, advém de produtos originais que formalizam sua propagação. Essas máquinas, cada vez mais potentes e portáteis, implementam um ritmo absurdo de produção de copias não controladas pelo próprio capital monopolista.

Quando isto ocorre, o capital – que começa ver seu controle ser burlado, a partir das próprias máquinas produzidas por ele-, define como pirataria ilegítima e ilegal. Ou seja, uma ação de produção e de consumo exercida por contraventores sobre a ordem burguesa de propriedade privada do capital.

Já para os trabalhadores, o problema não é o da originalidade da cópia. E sim do desenvolvimento capitalista em si mesmo excludente, apropriador privado da produção da riqueza e da renda. Produção esta que permitiu a uma parte expressiva da população mundial, encontrar mecanismos de sobrevivência, frente a, cada vez menor, mão de obra formal dos três setores econômicos.

O problema de fundo desta discussão não é da ordem moral e sim econômica. Ou seja, quem fica com parte expressiva daquilo que é gerado, independente da mediação feita pela máquina formalmente registrada? O próprio capital? Ou os trabalhadores que alijados do processo formal de trabalho, encontram a possibilidade de sobreviver legitimamente a partir da pirataria?

A informalidade, numa sociedade como a brasileira, cuja exclusão raia as beiras da barbárie social, tem no mínimo algumas facetas que devem ser levadas em consideração:

1. É legitima e legal, quando seu fim é a sobrevivência de parte expressiva de um contingente de trabalhadores condenados da terra, feita propriedade privada pelo capital, que sequer entra para os números do exercito industrial de reserva, e que encontra nesta atividade um dos únicos mecanismos de ser minimamente incluído, frente a real exclusão. Ex: ambulantes, vendedores de cd´s, dvd´s, entre outros. Em alguns casos, no que tange ao informal, o Estado pode assumi-lo inclusive como empreendedor, para, ao formalizá-lo, garantir tributos ainda mais valiosos para seus cofres.

2. É legitima mas ilegal, quando o Estado, imbuído de sua representação de classe, resolve fazer uma limpeza social-mora, mas que realmente é da ordem do poder econômico, entre os que atuam fora ou dentro da lei.

3. É ilegítima e ilegal, quando seu principio, meio e fim é a morte de muitos, frente a vida de poucos. Esse é o caso específico do tráfico de armas, de drogas, de mulheres, de órgãos, entre outros. Para sobreviverem alguns, muitos têm que morrer para fazer a produção circular em forma de ganância excessiva e ampliada.

A legitimidade e legalidade da pirataria no Brasil, deve ser analisada a luz do conflito de classes gerado pela consolidação do capital que vai, pouco a pouco, ou aprisionando o trabalho e escravizando-o de múltiplas formas, conforme o tempo histórico em que se vive, ou excluindo-o formalmente para incluí-lo como consumidor.

Há violações anteriores a dita violação da pirataria. Listemos algumas:

A – Violação do direito ao trabalho e ao salário digno. Um desemprego que chega aa casa dos 8% e uma população economicamente ativa em que menos de 50% dos que atuam são formalmente registrados.

B – Violação da remuneração digna quando parte expressiva dos trabalhadores formais ganha até dois salários mínimos por mês e não têm as garantias constitucionais de saúde, educação, moradia, entre outras.

C – Violação do direito a disputa de classe, via Estado de direito, quando o capital define, a partir de seu poder onipotente, não só as regras do jogo, mas a forma como o árbitro deve se comportar (Estado brasileiro).

D – Violação dos direitos consolidados como CLT e Constituição Federal. Ambos estão virando enciclopédia para consulta sobre como foi e deixou de ser o processo laboral brasileiro ao longo dos séculos XX e XXI.

* Roberta Traspadini é economista, educadora popular e integrante da Consulta Popular/ES.
** Artigo disponível em áudio. Clique aqui.