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Para onde vão os humorísticos?

Um bom exercício para a compreensão de alguns aspectos das mazelas da TV brasileira hoje é imaginar como serão os programas de humor no dia em que o brasileiro deixar de achar graça no preconceito. São poucas as exceções – se elas realmente existem –, entre os humorísticos, de espaços que não sejam apelativos e não abusem do uso de piadas preconceituosas e abusivas, sejam de cunho racial, sexual ou social. O trocadilho, o duplo sentido, virou sinônimo de humor. O gênero que ajudou a construir e consolidar a televisão no país virou samba de uma nota só. Então, gays, pobres, negros ou caipiras são inestimáveis fontes desse tipo de conteúdo.

Em 2008, o programa Custe O Que Custar (CQC), da TV Bandeirantes, foi celebrado como uma alternativa no gênero humorísitico pela sofisticação do humor, conotação social e acidez na crítica política. Alguns de seus repórteres chegaram a ser barrados no Congresso Nacional pelos incômodos que suas perguntas causaram aos deputados e senadores da casa. Foi a boa notícia de 2008. Mas eis que, neste 2009, na segunda temporada da atração, o CQC mostra tendência a cair na vala comum, da repetição, da estereotipagem e da piada pronta, ainda que se revele bem acima do global Toma Lá Dá Cá, pior ainda neste seu segundo ano de exibição, antecipando sua saída da programação para breve.

Velhos estereótipos

Há uma vala comum que inclui o pior do humor no Brasil, onde despontam Zorra Total e Casseta e Planeta, ambos da Rede Globo, Pânico na TV, da RedeTV!, e A Praça é Nossa, do SBT. Por que estão eles entre os piores? Acima de tudo, devido à linguagem, tanto visual como verbal, que é sempre a mesma. As piadas se repetem e com isso o público ri cada vez menos. A oferta escassa de humorísticos e o círculo vicioso da pouca qualidade são fatores que têm perenizado no ar muitas das atrações referidas, sejam elas de nível constrangedor ou não. Depois, transparece que não é possível fazer humor sem ser apelativo. Usar palavras de baixo calão, quando não palavrões, virou algo natural, sem nenhum tipo de cuidado por parte dos roteiristas, editores e atores-apresentadores (estes últimos, em seus improvisos).

Mal humor (não confundir com mau humor) à parte, a xenofobia e a homofobia estão longe de ser um problema vencido no Brasil. Como o imaginário da população se constitui majoritariamente do que ela vê na tela, as perspectivas para que sejam vencidos estes problemas parecem deveras longe do alcance da população. É o reflexo de uma sociedade onde, recentemente, uma pesquisa apontou que 45% dos brasileiros reconhecem ter preconceito contra homossexuais. Igualmente é o sintoma de uma sociedade que precisa de cotas para negros na universidade para amenizar uma dívida histórica. Acima de tudo, expressa uma sociedade que ainda não sabe conviver com as diferenças, fenômeno no qual a TV tem grande parcela de responsabilidade, desfilando velhos estereótipos da civilização atrasada, como o negro marginal, o gay afeminado, o caipira ignorante e os padrões de beleza de sempre, só para citar alguns. É um problema midiático-social, pela produção viciada e pela recepção legitimadora dessa forma de fazer televisão.

* Valério Cruz Brittos é professor no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos.
** Andrei Andrade é graduando em Comunicação Social – Jornalismo na mesma instituição.

Informar ou editorializar?

Uma pena que a falta de prioridade ou a disposição de vetar aos brasileiros a possibilidade de assistir, diretamente, fazendo seus próprios juízos políticos, sem depender das versões que os órgãos da mídia dariam do importante evento, fez com que os brasileiros – em sua grande maioria – não pudessem assistir em direto os debates da reunião da Unasul, realizados em Bariloche na semana passada.

Talvez essa atitude dos canais de televisão deva-se a que as intervenções diretas e integrais dos mandatários latinoamericanos tenham sido, por si mesmas, denúncias das versões que grande parte da mídia insiste em passar aos leitores, ouvintes e telespectadores, com a forte dose de ideologização e de preconceito que carregam.

Em primeiro lugar, teriam se dado conta, a partir da intervenção de Hugo Chavez, que expôs um resumo detalhado de documento do governo norteamericano – atualizado este ano, já no governo Obama – da função bélica das bases militares dos EUA no mundo, incluindo a América do Sul. Havia menção explícita a uma das bases que a Colômbia menciona na lista de bases militares do convênio que têm com os EUA.

Os brasileiros teriam sabido, por exemplo, que Carmona, o efêmero presidente colocado no cargo pelo golpe militar venezuelano de 2002, rapidamente expulso pela reação popular de apoio a Hugo Chavez, está asilado na Colômbia, confirmando os vínculos entre a direita golpista daquele país com o presidente colombiano Uribe. Um detalhe significativo.

Teriam todos podido saber, pelas exposições, mapas e gráficos exibidos pelo presidente do Equador Rafael Correa, que a produção de coca na região tem na Colômbia seu inquestionável líder, com mais de metade, uma produção que segue em aumento, seguida do Peru e da Bolívia, tento a Venezuela e o Equador erradicado completamente sua produção. Os EUA seguem sendo, de longe, a principal destinação do tráfico.

Os mapas demonstram como a Colômbia não tem capacidade de controle das fronteiras com o Equador, dominada por grupos paramilitares e guerrilheiros. Revelam que, pela concentração da produção de cocaína e pela falta de controle de seu território, o problema da região é Colômbia, de que os outros países são vitimas.

Lula assinalou para Uribe, depois que este mencionou um sem número de convênios assinados pelo seu país, que se os acordos com os EUA – que incluem tropas norteamericanas, na Operação Colômbia – não resolveram o problema do tráfico de drogas, não vale a pena estender os acordos com esse país, convidando-o a integrar um plano dos governos da região para renovar os métodos de luta contra o narcotráfico.

Teriam podido ver que quem saiu melhor da reunião foi Lula, que tinha o objetivo de impedir que a Unasul fosse rompida, pelas evidentes contradições entre a grande maioria dos governos e o colombiano. Quem pôde assistir toda a reunião, se deu conta do imenso isolamento em que está a Colômbia, ao mesmo tempo que Uribe chegou à reunião com acordos já assinados com os EUA e afirmando que nada o faria voltar atrás. Os riscos de ruptura eram enormes portanto e o logro foi conseguir uma resolução comum de todos os governos.

À imprensa opositora só interessava saber se Lula saiu ainda mais fortalecido ou não. Errou ao dizer que não, mas também errou ao não se dar conta da importância da reunião e do isolamento do governo colombiano. Triste papel da imprensa que se faz, não instrumento de informação, mas de filtro pelo qual só passa o que lhe interessa, da maneira que lhe interessa. Pobres leitores, ouvintes e telespectadores, vítimas dessa imprensa mercantil e ideologizada, que confunde editorial com informação, editorializa tudo e se transforma em panfletos ideologizados no lugar de instrumentos para uma cidadania informada e capaz de construir democraticamente a opinião pública que o Brasil requer.

Vitória da massa funkeira no Rio

Em mais um exemplo de capacidade de mobilização, a massa funkeira carioca reuniu cerca de mil pessoas nas escadarias da Assembléia Legislativa, na terça-feira, dia 1º de setembro. O resultado não poderia ser diferente: a lei que criminalizava o ritmo foi derrubada e, em seu lugar, foi aprovada uma outra que reconhece o funk como manifestação cultural. Tudo por aclamação.

A vitória dos funkeiros em muito decorre da insistência abnegada da Associação dos Profissionais e Amigos do Funk (APAFunk), presidida por MC Leonardo, que além de autor, com seu irmão Júnior, de letras como Rap das Armas e Endereços dos Bailes, é colunista da revista Caros Amigos – o que é sistematicamente omitido pelas corporações de mídia.

Os MCs Leonardo, Júnior, Teko e Tiana, além do DJ Marcelo Negão, entre outros integrantes da APAFunk, lutaram incansavelmente para que este momento chegasse. [Em outra desinformação absurda, o portal G1, das Organizações Globo, afirma que DJ Marlboro e Romulo Costa, os mega-empresários do funk, são os que “comandam o movimento, enquanto MC Leonardo e MC Júnior animam mais de 200 pessoas que se aglomeraram em frente à Alerj” – leia aqui].

Representantes da APAFunk percorreram todos os gabinetes dos deputados estaduais, realizaram Rodas de Funk em diversas favelas (leia aqui e aqui matérias sobre as rodas na Cidade de Deus e no Dona Marta), uma na Praça XV e uma outra na Central do Brasil, procuraram ajuda dos intelectuais, brigaram quando tinham que brigar, exigiram que a PM respeitasse s direito de expressão e por aí foram. Romulo Costa e DJ Marlboro chegaram aos 45 do segundo tempo nessa disputa.

Uma pessoa muito especial e que merece ser lembrada sempre, sobretudo pela direção da APAFunk e pela massa funkeira, é a antropóloga Adriana Facina. Aliada de primeira hora, a professora da UFF teve uma participação fundamental em todo o processo. Além de ser uma voz em defesa de negros, pobres e favelados – a grande maioria de quem vive do funk – Adriana colocou todo o seu conhecimento a serviço de quem quisesse aprender. Os que quiseram foram os mesmos que fizeram história nesse 1o de setembro.

Marcelo Freixo, deputado do PSOL, foi mais que autor do projeto de lei que reconhece o funk como movimento cultural e estimula seu potencial pedagógico. O professor de História enfatizou a capacidade de luta da massa funkeira, que não se abateu diante da opressão: “A censura é burra, sempre. A censura nunca vence a criatividade do povo. Não funcionou com o rock, não funcionou com o samba, por que iria funcionar com o funk?”, disse, em sua intervenção.

Ao final da votação, os funkeiros, que assistiam a tudo das galerias, cantaram aquele que já se tornou um hino carioca: “Eu só quero é ser feliz, andar tranquilamente na favela onde eu nasci. E poder me orgulhar, e ter a consciência de que o pobre tem seu lugar”. Os deputados pararam para ouvir, já que a junção das muitas vozes superava o som do microfone. “Uma vitória da democracia participativa”, afirmou Freixo.

Também acompanharam a votação Ivo Meireles, presidente da Mangueira, o cantor Neguinho da Beija-Flor e o delegado de Polícia Civil Orlando Zaccone, que sempre apoiou e promoveu rodas de funk nas delegacias que comandou. Depois da sessão, a massa funkeira foi curtir a vitória no Circo Voador.

Curiosidade: nunca se viu uma quantidade tão grande de deputados neofunkeiros como nesse dia 1o de setembro. Ficou parecendo que a lei derrubada fora aprovada por marcianos, e não pela atual legislatura.

 

Sexismo e preconceitos em série

Afigura-se enorme o grau de sexismo que ronda a próxima disputa eleitoral – em que três candidaturas à Presidência da República, situadas, em gradações variadas, à esquerda do espectro político, podem vir a ser representadas por mulheres: Heloísa Helena (PSOL), Marina Silva (PV) e Dilma Rousseff (PT).

Com mais de um ano de campanha pela frente, três episódios recentes parecem justificar tais temores – sobretudo por, como veremos a seguir, não serem desferidos pelas forças mais conservadoras da sociedade, mas por comentadores culturais mais ou menos liberais.

O primeiro foi a publicação de um post por Marcelo Coelho em seu blog, intitulado "Lina Vieira, Dilma Rousseff", no qual a análise sobre o caso envolvendo as duas figuras públicas limita-se a um contraste sexista entre a "feminilidade de Lina Vieira e a dureza de Dilma". Num episódio que se tipificou, na "grande imprensa", pela inversão do princípio consagrado do Direito segundo o qual o ônus da prova cabe ao acusador, Coelho promove outra inversão: entre acusadora e acusada. Assim, acrescenta miopia política e abordagem tendenciosa a um sexismo à la anos 1950: Lina, após ter sido, segundo ele, "massacrada no Senado por Romero Jucá, líder da base governista", "tornou-se frágil, delicada, do jeito que todo homem espera de uma mulher. Triste e bonito destino".

Machismo proustiano

Não se sabe de onde o cultivado Coelho tirou essa ideia de que "todo homem" espera que uma mulher se torne "frágil e delicada" após ser "massacrada", mas começar pelo Marquês de Sade talvez seja uma boa opção.

Já contra Dilma, o crítico cultural da Folha brada as acusações de sempre: autoritarismo, "ausência de charme", falta de feminilidade – só falta chamar de marimacho. Em relação a Marina Silva, Heloísa Helena e Marta Suplicy, ele pergunta, em tom de acusação: que mulheres são essas?

Sob o pretexto de responder à pergunta-acusação, elenca preconceitos em série: Heloísa Helena, embora "pudesse ser atraente", "representa, na verdade, a mesma dureza que Dilma encarna, numa versão mais burguesa. Por que, indago, não ser simplesmente uma mulher?" É mais uma das muitas platitudes chauvinistas de um texto recheado de pérolas do tipo "o grande problema de uma mulher combativa é o de não parecer histérica" e no qual a inclusão inexplicada de Marta Suplicy – sobretudo se analisada face à exclusão de qualquer outra política da direita nacional (algumas com maior evidência do que a petista), como Yeda Crusius, Roseana Sarney, Rosinha Garotinho ou Kátia Abreu – é significativa das antipatias político-ideológicas do colunista, que ao sexismo vêm se somar.

A grosseria maior de Coelho é direcionada a Marina Silva, que segundo ele não tem nenhum charme e contra a qual, como um machão de pornochanchada dos anos 1970, comete a agressão suprema de afirmar que ela "não é desejável sexualmente". Educação refinada, a do moço.

Embora Coelho tenha tido, ao menos, a decência de, com rapidez e de forma clara, sem subterfúgios, reconhecer que errou e pedir desculpas – procedimento raríssimo nas cercanias da Alameda Barão de Limeira –, fica a pergunta: que ódios tamanhos teriam levado um crítico cultural de autoproclamados laivos proustianos, da melhor estirpe uspiana, que sempre se caracterizou por análises equilibradas e detalhadas, a descer tão baixo?

Liberais chauvinistas

O segundo episódio deplorável veio à tona através de um tweet [mensagem de no máximo 140 caracteres transmitida via Twitter] enviado, na segunda-feira, 24/08, às 23:09h, pelo jornalista Jorge Pontual: "Se você receber um email intitulado `Fotos nuas de Dilma Rousseff´, não abra! Pode realmente conter fotos de Dilma Rousseff nua."

O impacto, capilarizado pelo efeito-cascata do Twitter, foi grande, para o que contribuiu o contraste entre a imagem vendida pelo correspondente da Globo em Nova York – que busca associá-lo à urbanidade e ao liberalismo – e uma piada tão infame e sexista.

Pode-se argumentar, como exercício de defesa, que Pontual provavelmente agiu por ingenuidade: achou a piada engraçada e resolveu divulgá-la, achando que o máximo que provocaria seria um ataque de risos – sem se dar conta nem da temperatura da disputa pré-eleitoral nem do conteúdo machista derrisório à imagem de qualquer mulher – quanto mais de uma candidata popular – imediatamente detectado por parte dos seguidores de Pontual na rede. Porém, por mais que a dinâmica própria do Twitter faça com que uma mensagem não se circunscreva necessariamente ao âmbito da representação "institucional’ (leia-se, "jornalista da Rede Globo") e ceda espaço à expressão do universo pessoal, uma declaração dessas atinge, a um tempo, o ser humano e o jornalista enquanto profissional – pondo em questão, ante parcela do público, tanto sua imparcialidade para lidar, de agora em diante, com tudo que se refira à candidata em questão, quanto, de forma mais ampla, seu sistema de valores enquanto mediador de sentidos (inclusive morais) para milhões de telespectadores.

A demora em se retratar e, sobretudo, a arrogância implícita não apenas em seu pedido de desculpas (que, debochando de Aloízio Mercadante, afirma que "trata-se de decisão irrevogável" não mais divulgar mensagens do tipo), mas nos tweets seguintes – orbitando em torno das temáticas da sexualidade e da repressão – angariou mais reações contrárias.

Como apontou a blogueira Marjorie Rodrigues, não passaria pela cabeça de ninguém ridicularizar publicamente a masculinidade de José Serra (e nem de Lula, acrescentaria eu para "despartidarizar" a questão). Para além do fato de a masculinidade dos candidatos estar a salvo dos questionamentos da imprensa – o que, como se sabe, não ocorre com as mulheres que se candidatam –, talvez seja prudente enfatizar que o machismo socialmente arraigado no Brasil vai bem mais longe.

A masculinidade dos principais políticos, se heterossexuais, tende a só ser tematizada se sob viés positivo (já em se tratando de homossexuais, o machismo tende a dar lugar à homofobia). Isso fica evidente, por exemplo, na recorrente abordagem do comportamento de Aécio Neves, sobre quem há toda uma boataria quanto ao seu currículo sexual ("As loiras do Aécio", como se lê jocosamente nas colunas sociais), expressiva dessa forma particularmente curiosa de machismo que é o orgulho pela conquista alheia. É precisamente essa assimetria no tratamento da questão de gêneros que a aparentemente ingênua piada sobre Dilma "twitada" por Jorge Pontual a um tempo oculta e repisa.

O machismo feminino

O terceiro e último fato sexista da semana foi a inacreditável coluna em forma de blog de Ruth de Aquino em Época, intitulada "Abaixa esses dedos em riste, Dilma". O tom imperativo do título é um indicativo da truculência verbal que está por vir – truculência esta que Aquino acusa em Dilma Rousseff, como parte dos esforços para "colar", pela enésima vez, o rótulo de autoritária na pré-candidata do PT. Dessa vez, até um expert é chamado para dar bases pseudocientíficas à operação.

A coluna é de uma baixeza e de um ódio figadal que a tentativa de afetar imparcialidade soa não apenas canhestra, mas parece evidenciar ainda mais a má-fé. A colunista distorce os dados relativos às pesquisas de intenção de votos em Dilma, pintando, a partir dessa leitura distorcida, um quadro político-eleitoral inverossímil, baseado sempre no "ouvi-dizer", sem citar uma única fonte passível de checagem; acusa, por vias transversas, Dilma de mentirosa por, entre outras coisas, ela ter negado o encontro com Lina (como se esta tivesse produzido uma prova sequer de que ele de fato ocorrera); e, por fim, apresenta até "informações" equivocadas (como a de que a ministra não teria concluído o mestrado, quando na verdade o fez; o que ela não concluiu foi o doutorado).

Mas o pior é a crítica sexista que domina o artigo, perpetuada através do contraste da figura de Dilma com uma imagem idealizada do feminino como docilidade e "bons modos" – como se estivéssemos em plena Inglaterra vitoriana. Para tanto, Aquino utiliza-se de uma série de fotos que captam flagrantes ocasionais de Dilma apresentando-se em público, sem apresentar a mínima contextualização e imbuindo-as de uma significação predefinida de um modo tão tosco que uma criança que nunca ouviu falar em análise do discurso desconstruiria tal leitura em poucos segundos. Assim, para tentar reforçar a pífia argumentação, a colunista chama um "psicanalista", Francisco Daudt.

Daudt é aquele mesmo que, no dia posterior ao acidente com o avião da TAM em Congonhas, declarou à Folha de S.Paulo que "gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, `Governo assassina mais de 200´". Ou seja, demonstra não ter nem equilíbrio emocional nem isenção política para opinar no caso (o que as investigações sobre o acidente comprovaram, desmentindo-o). Trata-se de mais um desses pseudo-experts sempre à disposição da mídia para referendar seus ataques de baixo nível.

Trechos da entrevista falam por si:

** "Dilma fez plástica porque a cara que ela tinha antes da plástica era assustadora, era a cara de uma pessoa agressiva, autoritária, impositiva, de dar medo" – alguma coisa dr. Daudt e Danuza Leão têm em comum, como se vê.

** Pergunta: "O que representa esse dedo erguido, a mão crispada?" Resposta: "Há vários tipos de dedo em riste (…) O dedo cujas costas da mão estão viradas para o interlocutor, enquanto os outros estão fechados, é um gesto stalinista, reflete o desejo de impor uma opinião (…) O dedo erguido é quase um lembrete: olhe, a anágua está aparecendo."

Armadilhas de gênero

Como essa "taxonomia do dedo" de ares lombrosianos, exata em sua cientificidade e fina em sua expressão, demonstra com brilho, o artigo de Aquino é um engodo. Serve, porém, como um alerta para as armadilhas das questões de gênero, com o ataque sexista mais pesado à Dilma vindo da lavra de outra mulher, uma semana após a coluna extremamente agressiva escrita por Danuza Leão.

A leitura do texto da colunista da Época, contrastada à relativamente alta audiência do blog, choca como retrato da dieta "cultural" a que é submetida uma legião de leitores – e, no caso de Aquino, de leitoras, sobretudo –, inocentes do produto de baixo nível que lhes é oferecido e, não poucos, como se lê nos comentários abaixo do texto da colunista, crentes que aquilo é bom jornalismo.

Por fim, convém lembrar que Aquino, responsável por um texto ética e jornalisticamente tão abaixo do nível mínimo que se espera de um produto associado a uma grande revista semanal, é nada menos do que a diretora da revista Época no Rio. Numa triste ironia, trata-se de uma mulher que se alçou a uma alta posição ocupada majoritariamente por homens – realizando, assim, um dos objetivos básicos do feminismo de resultados –, mas que se utiliza de sua posição para desferir ataques sexistas e infundados à candidata presidencial com mais chances, na história do Brasil, de ser a primeira mulher a assumir a presidência.

* Maurício Caleiro é jornalista, cineasta e doutorando em Comunicação pela UFF.

Regras eleitorais: Decisões próximas do ridículo

Comentário para o programa radiofônico do OI, 3/9/2009

Os jornais vinham acompanhando sem muito empenho os debates e a votação na Câmara dos Deputados e no Senado Federal sobre as novas regras eleitorais, por meio das quais os parlamentares tentam pela primeira vez regulamentar o uso da internet em campanha política. Longe dos olhos da opinião pública, os deputados haviam enfiado no projeto de reforma uma série de medidas que, na prática, tentam equiparar a internet ao rádio e à televisão, que têm o conteúdo monitorado durante o período da campanha.

Do jeito que chegou ao Senado, a proposta aprovada na Câmara proibia, por exemplo, a divulgação de charges e comentários em sites e blogs durante os três meses da campanha – que começa oficialmente no dia 5 de julho do ano que vem.

Os relatores das comissões do Senado, Marco Maciel e Eduardo Azeredo, deixaram passar a tentativa de controle, sob os olhares pouco interessados da chamada grande imprensa. Somente no final da quarta-feira (2/9), depois que o assunto já provocava muita indignação de internautas e de alguns juristas, os senadores começaram a se manifestar contra a proposta e a decisão acabou sendo adiada para a semana seguinte.

Livre de controles

Durante os debates, ficou muito claro que Maciel e Azeredo andaram tomando decisões sobre assunto que desconhecem. O senador do PSDB, por exemplo, chegou a declarar que o YouTube deveria seguir as mesmas regras da televisão. Só não explicou como a Justiça Eleitoral iria proibir alguém de montar um site no exterior e postar vídeos a favor ou contra determinado candidato.

No meio dos debates, quando finalmente o tema começou a agitar o Senado e atrair maior atenção dos sites jornalísticos, foi divulgado o resumo do julgamento da Lei de Imprensa no Supremo Tribunal Federal. No texto, o relator, ministro Carlos Ayres Britto, deixa claro que a internet deve ser considerada "território virtual livremente veiculador de idéias, debate, notícia e tudo mais que se contenha no conceito essencial da plenitude da informação jornalística".

O processo de impor restrições à internet foi interrompido. Mas o assunto está longe de ser encerrado e o Congresso Nacional andou beirando o ridículo.

O Brasil tem quase 70 milhões de usuários de internet, e os brasileiros são os mais ativos nas chamadas redes sociais virtuais. Assim, é natural que políticos conservadores, habituados a controlar seus currais eleitorais, temam os resultados de uma eleição na qual as escolhas não ficarão restritas à influência do rádio e da televisão.

Lembre-se o leitor(a) atento(a) que muitos parlamentares são donos de concessões de rádio e TV, e que a imprensa tradicional nunca colocou esse tema em debate público; tem sido cúmplice dessa ilegalidade.

Quando o desenvolvimento tecnológico coloca à disposição da sociedade um meio amplo, livre de controles, os parlamentares tentam inventar uma forma de restringir seu uso. Sob o olhar distraído da imprensa.

Candidatos a censores

Os candidatos a controladores da internet seguem ativos no Congresso, mas na quinta-feira (3/9), pela primeira vez, os jornais dedicam à mini-reforma eleitoral um espaço adequado. O tema deve ir à votação no começo da semana que vem, e não se pode adivinhar o que vai sair da cabeça dos legisladores, mas alguns ensaios de liberalização já começaram a aparecer.

Uma das propostas consiste em agilizar o direito de resposta, que teria de ser garantido no prazo máximo de 48 horas após a inserção de conteúdo considerado ofensivo a algum candidato. Além disso, a correção poderá ficar no ar por pelo menos o dobro do tempo em que ficou exposto o conteúdo ofensivo.

A proposta aprovada na quarta-feira (2) pelas comissões de Constituição e Justiça e de Ciência e Tecnologia do Senado é um primor de conservadorismo e uma clara demonstração de que os integrantes dos dois comitês caminharam ao largo dos direitos essenciais de acesso à informação.

Além disso, pelas declarações com as quais tentaram se justificar, fica claro que além de não serem muito entusiasmados com o livre debate de idéias, também estão muito longe de entender o que são os novos meios de comunicação em rede.

Mas o que mais chama atenção do observador é o fato de que os chamados grandes jornais demonstram surpresa com os pareceres aprovados nas duas comissões.

A solução encontrada para remediar a situação foi tentar aprovar uma emenda no plenário revogando os itens que representam censura aos meios online. Mas nada garante que não acabe passando um monstrengo sem sentido. Ainda corremos o risco de ter uma lei que tentará submeter a controle aquilo que nasceu para ser livre.