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A velha mídia e sua batalha inglória

A Folha de São Paulo publicou editorial neste domingo criticando "práticas desleais na internet" que estariam "colocando em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo no país". A Folha, no caso, se apresenta como porta-voz deste jornalismo independente. Para o jornalista Luis Nassif, o editorial aponta o objetivo final do processo que explica o comportamento da mídia a partir de 2005: "a politização descabida, as tentativas sucessivas de golpes políticos, os assassinatos de reputação de políticos, juízes, jornalistas".

Redação

O jornalista Luis Nassif comenta neste domingo em seu blog o editorial publicado na Folha de São Paulo, que critica "práticas desleais na internet" que, supostamente, estariam "colocando em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo independente no país". A Folha, no caso, se apresenta como porta-voz do "jornalismo independente". Uma piada, diz Nassif, que questiona:

"Qual o direito de conhecer a verdade que a Folha propõe? A ficha falsa de Dilma? Os arreglos com Daniel Dantas? A série sistemática e diária de matérias falsas, manipuladas, a deslealdade reiterada contra seus próprios jornalistas que não seguiram a cartilha?"

Abaixo o editorial da Folha e, depois, o comentário de Nassif:

O editorial: "Direito à informação"

Práticas desleais na internet colocam em risco as bases que permitem o exercício do jornalismo independente no país

DEMOCRACIAS tradicionais aprenderam a defender-se de duas fontes de poder que ameaçam o direito à informação.

Contra a tendência de todo governo de manipular fatos a seu favor, desenvolveram-se mecanismos de controle civil -caso dos veículos de comunicação com independência, financeira e editorial, em relação ao Estado. Contra o risco de que interesses empresariais cruzados ou monopólios bloqueiem o acesso a certas informações, criaram-se dispositivos para limitar o poder de grupos econômicos na mídia.

Essas salvaguardas tradicionais se veem desafiadas pelo avanço da internet e da convergência tecnológica nas comunicações -paradoxalmente, pois esse mesmo processo abre um campo novo ao jornalismo.

Apesar da revolução tecnológica e do advento de plataformas cooperativas, a produção de conteúdo informativo de interesse público continua, majoritariamente, a cargo de organizações empresariais especializadas. O acesso sistemático a informações exclusivas, relevantes, bem apuradas e editadas sempre implica a atuação de grandes equipes de profissionais dedicados apenas a isso. Essas equipes precisam ser remuneradas -ou o elo se rompe.

Quando um serviço de internet que visa ao lucro toma, sem pagar por isso, informações produzidas por empresas jornalísticas, as edita e as difunde a seu modo, não só fere as leis que resguardam os direitos autorais. Solapa os pilares financeiros que têm sustentado o jornalismo profissional independente.

Quando um país como o Brasil admite um oligopólio irrestrito na banda larga -a via para a qual converge a transmissão de múltiplos conteúdos, como os de TVs, revistas e jornais-, alimenta um Leviatã capaz de bloquear ou dificultar a passagem de dados e atores que não lhe sejam convenientes. A tendência a discriminar concorrentes se acentua no caso brasileiro, pois os mandarins da banda larga são, eles próprios, produtores de algum conteúdo jornalístico.

Quando autoridades se eximem de aplicar a portais de notícias o limite constitucional de 30% de participação de capital estrangeiro, abonam um grave desequilíbrio nas regras de competição. Veículos nacionais, que respeitam a lei, têm de concorrer com conglomerados estrangeiros que acessam fontes colossais e baratas de capital. Tal permissividade ameaça o espírito da norma, comum nas grandes democracias do planeta, de proteger a cultura nacional.

Contra esse triplo assédio, produtores de conteúdo jornalístico e de entretenimento no Brasil começam a protestar.

Exigem a aplicação, na internet, das leis que protegem o direito autoral. Pressionam as autoridades para que, como ocorre nos EUA, regulamentem a banda larga de modo a impedir as práticas discriminatórias e ampliar a competição. Requerem ao Ministério Público ação decisiva para que empresas produtoras de jornalismo e entretenimento na internet se ajustem à exigência, expressa no artigo 222 da Carta, de que 70% do controle do capital esteja com brasileiros.

A Folha se associa ao movimento não apenas no intuito de defender as balizas empresariais do jornalismo independente, apartidário e crítico que postula e pratica. Empunha a bandeira porque está em jogo o direito do cidadão de conhecer a verdade, de não ser ludibriado por governos ou grupos econômicos que ficaram poderosos demais.

Comentário de Nassif

Chega-se, finalmente, ao objetivo final do processo que explica o comportamento da mídia a partir de 2005, a politização descabida, as tentativas sucessivas de golpes políticos, os assassinatos de reputação de políticos, juízes, jornalistas. E para quê? Para se chegar ao embate final com pouquíssimos aliados. Esse acanalhamento do exercício do jornalismo fez com que a credibilidade da mídia atingisse o ponto mais baixo da história, viabilizasse outras alternativas no mercado de opinião.

Agora, qual a bandeira legitimadora para suas pretensões? A de que a mídia é a garantidora da liberdade de informação? Piada.

Esse mesmo álibi canhestro foi utilizado por Roberto Civita para tentar me convencer a aceitar o acordo com a Veja no final do ano passado. A revista passou todo o ano utilizando o jornalismo de esgoto para os ataques mais sórdidos, abjetos, não respeitando sequer família. E vinha o enviado especial dele trazendo o recado de que deveria aceitar o acordo em nome da liberdade de imprensa.

Conto apenas o meu caso. Como o meu, teve inúmeros. Em 2005, em entrevista ao Vermelho cunhei a expressão “o suicídio da mídia”, para descrever essa caminhada irreversível em direção ao fundo do poço. Agora, a mídia se posiciona para a grande batalha contra os portais e os grupos externos. Quem acredita nela?

Qual o direito de conhecer a verdade que a Folha propõe? A ficha falsa de Dilma? Os arreglos com Daniel Dantas? A série sistemática e diária de matérias falsas, manipuladas, a deslealdade reiterada contra seus próprios jornalistas que não seguiram a cartilha?

O futuro chegou e bandeiras que, antes, poderiam ser legítimas, ou estão rotas, puídas, desmoralizadas. Haverá uma grande batalha futura, contra os supergrupos que irão entrar no mercado. Mas dela não participará mais a velha mídia, que ficará restrito ao mundo fictício que ela próprio criou.

Fundo para a radiodifusão pública

Durante o longo processo de negociação envolvendo representantes do Congresso Nacional, dos empresários e da sociedade civil que resultou na redação e aprovação do projeto que se transformou na lei nº 8.977 de 6 de janeiro de 1995 (a Lei do Cabo), um dos pontos polêmicos foi a inclusão dos chamados "canais básicos de utilização gratuita" e, em particular, dos "canais comunitários", abertos para "utilização livre de entidades não governamentais e sem fins lucrativos" [letra g) do artigo 23].

Os setores empresariais venceram parcialmente as negociações e a Lei do Cabo se omitiu inteiramente sobre os recursos para financiar a produção de conteúdo para os canais comunitários.

De onde as organizações da sociedade civil "tirariam" os elevados investimentos necessários para colocar e manter no ar tais canais?

Mais de doze anos atrás, publiquei no jornal O Tempo, de Belo Horizonte (22/1/1997, pág. 8), pequeno artigo escrito com o jornalista Paulino Motter, à época diretor da Fenaj – "TV a cabo e canais comunitários" –, no qual discutíamos a situação dos canais que, dois anos após a assinatura da lei, ainda tentavam "entrar no ar" e, sobretudo, propúnhamos a criação de um fundo público específico, com recursos oriundos, por exemplo, dos leilões para concessões dos serviços de TV a cabo, que viabilizasse a implantação dos canais comunitários.

Tal fundo nunca foi criado e são notórias as imensas dificuldades que até hoje enfrentam os heróicos canais comunitários que funcionam no país – resistindo a se transformarem, direta e/ou indiretamente, em comerciais ou meros retransmissores de programação "cedida" por canais comerciais.

Rádios comunitárias

Três nos após a Lei do Cabo, o Congresso Nacional aprovou também a Lei das Rádios Comunitárias (lei nº 9612/98). Além de seu aspecto restritivo e limitador, a norma não estabelece nenhuma fonte específica de recursos para as fundações e associações comunitárias, sem fins lucrativos, que são as únicas entidades legalmente "competentes" para explorar os serviços de radiodifusão comunitária.

E, mais recentemente, quando a lei nº 11.652/2008 criou a EBC – Empresa Brasil de Comunicação, foi criada também a Contribuição para o Fomento da Radiodifusão Pública, mas foram deixados de fora do financiamento desses recursos tanto os canais comunitários como as rádios comunitárias.

PL nº 6087/2009

Às vésperas da realização da 1ª Conferência Nacional de Comunicação, a criação de fundos para a comunicação pública é uma reivindicação óbvia dos movimentos sociais e das entidades que há anos buscam a complementaridade entre os sistemas de radiodifusão – privado, público e estatal – como, aliás, manda a Constituição em seu artigo 223.

Coincidentemente aparece agora no Congresso Nacional um projeto de lei que também trata de resolver a questão. O PL nº 6.087/09, apresentado no final de setembro na Câmara pelo deputado Edson Duarte (PV-BA), cria a Contribuição para o Desenvolvimento da Radiodifusão Comunitária (CONDETVC), com o objetivo de financiar a radiodifusão comunitária prestada por qualquer meio ou tecnologia de comunicação, abrangendo tanto as rádios e televisões comunitárias como os projetos de telecomunicações (ver, abaixo, íntegra do PL).

A CONDETVC seria proveniente da contribuição de empresas de rádio, televisão e de telecomunicações com 0,5%, 1,5% e 3%, respectivamente, de seu faturamento. Os recursos arrecadados seriam direcionados para o Fundo Nacional da Cultura, já existente e em funcionamento, e que tem entre suas finalidades o financiamento de atividades no setor de produção e de programação audiovisual.

Segundo a justificativa do PL, o faturamento anual das empresas de radiodifusão, estimado em R$ 11 bilhões, e das empresas de distribuição de televisão por assinatura, estimado em R$ 6 bilhões, garantiria cerca de R$ 350 milhões anuais para a radiodifusão comunitária.

Apoio da Confecom

A 1º Confecom não é deliberativa, mas propositiva. Espera-se, todavia, que as propostas por ela aprovadas sejam transformadas em projetos de lei pelo Executivo ou por deputados e /ou senadores.

Por outro lado, é necessário que se faça um levantamento dos projetos de lei já em tramitação no Congresso Nacional e que contemplam as reivindicações consensuais, por exemplo, da radiodifusão comunitária. O apoio da Confecom a esses projetos de lei talvez acelerasse a sua aprovação e, portanto, a solução de alguns dos problemas históricos das comunicações no país.

***

Projeto de lei nº 6.087/09, de 2009

Cria a Contribuição para o Desenvolvimento da Radiodifusão Comunitária – CONDETVC.

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1º Esta lei cria a Contribuição para o Desenvolvimento da Radiodifusão Comunitária – CONDETVC – com o objetivo de financiar a radiodifusão comunitária prestada por qualquer meio ou tecnologia de comunicação.

Art. 2º A CONDETVC terá por fato gerador a prestação dos seguintes serviços:

I – radiodifusão privada sonora;

II – radiodifusão privada de sons e imagens;

II – telecomunicações que se utilizem de meios que possam, efetiva ou potencialmente, distribuir conteúdos audiovisuais.

Art. 3º A CONDETVC será devida a cada ano pelos detentores de outorga para prestação dos serviços de que trata esta Lei e corresponderá aos seguintes percentuais sobre a receita bruta:

I – 0,5% (meio por cento) do faturamento para as empresas de que trata o inciso I do art. 2º;

II – 1,5% (um e meio por cento) do faturamento para as empresas de que trata o inciso II do art. 2º;

III – 3,0% (três por cento) do faturamento para as empresas de que trata o inciso III do art. 2º.

Art. 4º O produto da arrecadação da CONDETVC será destinado ao Fundo Nacional da Cultura de que trata a lei no 7.505, de 2 de julho de 1986 e alocado em categoria de programação específica, para aplicação exclusiva em atividades de fomento e de desenvolvimento de iniciativas comunitárias de produção e distribuição de conteúdos audiovisuais.

Parágrafo único. No mínimo, 30% (trinta por cento) da CONDETVC deverá ser destinada a iniciativas de rádios e Televisões comunitárias estabelecidas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Art. 5º Aplicam-se à CONDETVC as normas do Decreto nº 70.235, de 6 de março de 1972.

Art. 6º Esta lei entra em vigor no ano seguinte após a sua publicação.

Os donos da palavra

A imprensa brasileira tomou como uma intromissão indevida do Estado nos negócios privados e um risco para a liberdade de informação a nova lei de comunicações da Argentina, de iniciativa do governo de Cristina Kirchner. Mas há controvérsias.

Para muitos jornalistas argentinos, a lei é um passo para a democratização da comunicação e deveria ser seguida de uma normatização geral do setor também em outros países da América Latina, inclusive e principalmente o Brasil.

No livro Os Donos da Palavra, resultado de uma pesquisa do Instituto Imprensa e Sociedade, fica claro que a concentração dos meios é um dos entraves ao acesso generalizado e à verdadeira liberdade de expressão. Segundo esse estudo, consolidado e atualizado por Martín Becerra e Guillermo Mastrini, a concentração da propriedade dos meios de imprensa é uma realidade em todo o continente. No Brasil, esse fenômeno tem uma trajetória histórica bastante clara, e se torna ainda mais notável com o advento da TV a cabo.

Mesmo com o domínio do mercado e com a concorrência limitada, essas corporações dominantes não têm conseguido expandir a base de leitores de seus principais veículos: a venda de jornais diários per capita caiu 60% entre 2000 e 2004. A recente recuperação do mercado ocorre na faixa dos chamados títulos populares, destinados a uma classe emergente da pobreza que se convenciona chamar de nova classe média.

Agenda pública

Também nesse nicho se reproduz a tendência à concentração, com algumas mudanças recentes como a representada pela compra do Diário de S.Paulo, que pertencia ao grupo Globo, pelo empresário J.Hawilla.

De acordo com a análise de Mastrini e Becerra sobre a pesquisa do Instituto Imprensa e Sociedade, a concentração no Brasil se dá num nível muito superior ao que se considera alto nos estudos internacionais (ver padrões citados por Albarran e Dimmick, 1996).

Os pesquisadores observam que essa organização de conglomerados afeta a diversidade de versões sobre a realidade nacional, reduz o número de atores a influenciar a agenda pública e pode ser uma ameaça à democracia. Mas, para o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, a grande ameaça à liberdade de informação era o diploma de jornalista.

Ah, bom. Podemos dormir tranquilos.

Por uma CPI do latifúndio midiático

 Em seu "O Livro dos Abraços", Eduardo Galeano nos conta de uma tribo indígena que decepava a cabeça de seus adversários e as deixava minguar até caber na palma da mão. Para impedir qualquer surpresa desagradável, ainda costuravam sua boca.

Guardadas as proporções de sentido, é exatamente esta a direção do empenho dos barões da mídia quando inundam a programação das "suas" emissoras de rádio e televisão com desinformação e alienação. Entre outros lixos tóxicos, despejam cotidianamente em milhões de lares doses de apatia e criminalização dos movimentos sociais, a quem tentam macular com os antivalores do oportunismo, da covardia e da violência. Com a surrada fórmula da repetição, já que instrumentalizam os meios de comunicação para contaminar e degradar o ambiente das relações pessoais, buscam apequenar cérebros, silenciar falas, deturpar conceitos…

Felizmente, há lições que ficaram, aprendidas pelos anos de engano e manipulação, de edição de debates televisivos, de programas editorializados que interpretavam a realidade ao bel prazer do anunciante. Bem menos dócil e muito menos conformada, a população vem fazendo a sua própria leitura, ampliando a  independência, cortando os fios que a buscavam conduzir mais para ser menos.

Compreendendo a comunicação social como direito humano, e comprometida com a sua democratização, a CUT propôs, com o respaldo das demais centrais sindicais, um projeto que dá vida à determinação constitucional do direito de antena, garantindo a abertura de um espaço que é público – mas erroneamente aproveitado de forma privada – a estas entidades. Uma vez aprovado o projeto, encaminhado pelo deputado Vicentinho, teremos o espaço sindical gratuito no rádio e na televisão, nos mesmos moldes do horário eleitoral, conforme a representatividade de cada central.

Assim que manifestamos a decisão, a reação fez-se ouvir por editoriais e matérias consagradas a denunciar o desplante da "República Sindical", havendo filas de colunistas, prenhes de mentiras e calúnias, repetindo o jargão de seus patrões.

O que está por trás da CPI do MST senão a produção de desmemória coletiva? Ou a repetição de uma tomada aérea de pés de laranja arrancados é mais notícia do que a invasão de terras públicas pela Cutrale? E o que dizer dos milhões de litros de pesticidas lançados sobre o campo pelo agronegócio, concentrador de renda, que polui, desemprega e mata? Por que a campanha pela redução da jornada para 40 horas semanais não aparece no noticiário, nem os milhares de mutilados e lesionados pela intensidade do ritmo de trabalho, pela precarização? Por que não há reportagens sobre os que enriqueceram com as privatizações/desnacionalizações durante o desgoverno FHC? Por que a cratera do metrô, que matou em São Paulo, não ganha destaque, assim como os pedágios mais caros do Brasil, que ficam no mesmo Estado, e os piores salários de policiais e professores? Para que serve a propaganda da Sabesp no Nordeste? Afinal, quantas vezes você leu, viu ou ouviu que o relatório da Polícia Federal sustenta que "uma das atividades em que atua a organização criminosa, liderada por Daniel Dantas, é na compra e venda de fazendas, gado e outros negócios agropecuários"? Por que os que se dizem defensores da liberdade de imprensa e do debate se retiraram da Conferência Nacional de Comunicação e não querem debater a comunicação como política pública com participação social?

Será por que é necessária uma CPI do latifúndio midiático?

* Rosane Bertotti é Secretária Nacional de Comunicação da CUT  e membro da Comissão Organizadora da Confecom 

O mercado de mídia e a comunicação

A principal conseqüência da convocação da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) talvez seja o sem número de debates – estruturalmente ligados à sua realização ou paralelos a ela – que pipocam por todo o país. Essa é uma posição que tenho reiterado numerosas vezes.

Considerando que um dos formidáveis poderes da grande mídia ainda é exatamente sua capacidade de construir a agenda pública – e que a realização da Confecom é um tema totalmente ausente dela –, a própria capilaridade geográfica e social do debate é, em si mesma, um fato a ser estudado e compreendido.

Tenho tido a oportunidade de participar de alguns desses debates e, neles, certos temas sempre aparecem: o que é democratização da comunicação?; o que significa controle social da mídia?; por que não se afirma no Brasil uma mídia alternativa?; a internet democratiza a comunicação?; os jornais impressos vão desaparecer?

"Mal estar" contemporâneo

A ousada e inédita atitude do governo Barack Obama de tratar publicamente os veículos ligados à rede Fox de televisão como "partido político de oposição" é apenas mais um capítulo de certo "mal estar" contemporâneo generalizado que está cada vez mais difícil de esconder.

Até mesmo a grande mídia está sendo obrigada a reconhecer publicamente que, independente de sua vontade, existe hoje um debate universal sobre as transformações por que ela passa em decorrência da revolução digital e sobre seu papel nas democracias. E, de uma forma ou de outra, os temas recorrentes nos debates provocados pela convocação da Confecom são os mesmos que se discutem em toda parte.

Comunicação vs. mídia

Uma diferença que me parece fundamental – e lembrada pelo jornalista e professor Bernardo Kucinski em debate recente, em São Paulo – é aquela existente entre democratização da mídia e democratização da comunicação.

Em artigo recente neste Observatório ("Como democratizar as comunicações") chamei a atenção para o fato de que "democratizar as comunicações" tem sido uma espécie de bandeira a orientar boa parte dos segmentos organizados da sociedade civil comprometidos com o avanço nessa área. Todavia, essa bandeira esconde uma falácia: pressupõe que a grande mídia, privada e comercial, seria passível de ser democratizada. Em termos da teoria liberal da liberdade de imprensa, isso significaria a mídia trazer para dentro de si mesma "o mercado livre de idéias" (the market place of ideas) representativo do conjunto da sociedade – isto é, plural e diverso.

Argumentei que essa bandeira encontra dificuldades incontornáveis identificadas, sobretudo, com relação aos mitos da imparcialidade e da objetividade jornalística e da independência dos conglomerados de mídia – e também se mostrou inviável em sociedades como a Inglaterra, onde existe uma tradição historicamente consolidada de imprensa partidária.

"Democratizar a mídia", portanto, seria viável apenas através de políticas públicas que garantam a concorrência das empresas de mídia (a não-oligopolização) no mercado de idéias. É exatamente essa a idéia do constituinte quando incluiu no Artigo 223 da Constituição de 1988 o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão como critério a ser observado para as outorgas e renovações das concessões desse serviço público.

Essa é também uma das idéias orientadoras da Lei de Serviços Audiovisuais recentemente aprovada na Argentina, que reserva um terço do mercado de mídia audiovisual para cada um dos três setores representativos do conjunto da sociedade: o privado comercial, o estatal e o de entidades privadas não-comerciais (povos originários, sindicatos, associações, fundações, universidades).

Desta forma, democratizar a mídia, na verdade, significa democratizar o mercado das empresas de mídia, garantindo a não-oligopolização e, principalmente, a representação plural e diversa dos diferentes setores da sociedade.

Já a democratização da comunicação é um processo no qual estamos avançando a passos largos por intermédio das potencialidades oferecidas pela internet. Aqui a bandeira principal é a inclusão digital por meio da oferta de computadores a preços acessíveis a todos os segmentos da população e a universalização da banda larga, possibilitando o acesso universal ao espaço interativo da internet.

Direito à comunicação

Democratizar o mercado de mídia e democratizar a comunicação são, na verdade, aspectos complementares da conquista do direito à comunicação pela cidadania.

Tenho reiterado que conquistar o direito à comunicação significa garantir a circulação da diversidade e da pluralidade de idéias existentes na sociedade, isto é, a universalidade da liberdade de expressão individual. Essa garantia tem que ser buscada tanto "externamente" – através da regulação do mercado (sem propriedade cruzada e sem oligopólios; priorizando a complementaridade dos sistemas público, privado e estatal) – quanto "internamente" à mídia – cobrando o cumprimento dos Manuais de Redação que prometem (mas não praticam) a imparcialidade e a objetividade jornalística. E tem que ser buscada também no acesso universal à internet, explorando suas imensas possibilidades de superação da unidirecionalidade da mídia tradicional pela interatividade da comunicação dialógica.