Arquivo da categoria: Análises

A propaganda com medo da lei

Anúncio de página inteira publicado nos jornalões brasileiros, no dia 6/4, exalta os supostos benefícios da propaganda. Assinado por entidades de anunciantes e de agências de publicidade ele tenta reagir às iniciativas em favor da existência de um controle público sobre a propaganda. Trata-se de uma vitória dos movimentos sociais e das entidades empenhadas na luta por uma regulação mais rígida sobre essa atividade. Mostra, pelo menos, que elas começam a incomodar quem se julgava intocável.

Não fossem ações como as do Instituto Alana, com o seu projeto “Criança e Consumo”, por exemplo, e os publicitários jamais deixariam de lado o atendimento de suas ricas contas para preparar e publicar um texto incrivelmente enganoso, aliás como muitas de suas peças publicitárias.

Depois de exaltarem a importância da propaganda na disputa pelo mercado chegam a uma conclusão inédita: “a grande maioria das pessoas gosta de propaganda”. Não dizem de onde tiraram tal conclusão. De que pesquisa saíram os dados para sustentar afirmativa tão cabal. É só mais um slogan, tão a gosto do meio.

Mas não ficam por aí. No final do texto está a resposta ao Instituto Alana e aos parlamentares comprometidos com uma legislação mais moderna para o setor. Diz o anúncio: “E quando alguém não gosta (da propaganda), faz o óbvio: muda de canal na hora do intervalo, troca a estação de rádio, deixa de ler o anúncio publicado no jornal”. Simples, não? Ou simplista demais?

Claro que quem escreveu esse texto sabe que isso não é verdade. Eles mesmos produzem os merchandisings que campeiam à solta nas novelas, programas de auditório, transmissões esportivas e são veiculados de forma a impossibilitar a tal mudança de canal na hora do anúncio. Sabem também que ninguém vai girar o botão do rádio quando começa um comercial que o ouvinte, obviamente, nem sabe ainda do que se trata. E é difícil fechar os olhos para uma página inteira de jornal como essa publicada sob o patrocínio das entidades das agências de propaganda e dos anunciantes.

Afinal a missão desses profissionais é fazer de tudo para que o telespectador, o ouvinte e o leitor não desgrudem da mensagem e introjetem o seu conteúdo. É um contra-senso pedir para que eles fujam de algo embalado pelos publicitários para conquistá-los. Em novela recente, em meio à fantasia, a madame entra no carro novo sob o olhar de cobiça da empregada e ressalta, entre as várias qualidades do veículo, o fato de ele ter o piso alto, ficando imune às enchentes. Focalizava-se com destaque a marca do carro e passava-se a mensagem de que, com ele, o problema social das enchentes estaria resolvido. Individualmente, para quem pudesse comprar o tal carro. Aos demais a lama ou o afogamento.

Mas voltando ao anúncio publicado nos jornais. A frase final, referindo-se a possibilidade de mudar de canal, de emissora ou de página, é primorosa: “É impressão nossa ou isso é o direito de escolha levado a sério?”. Direito de escolha? Escolher entre o que? Entre emissoras que transmitem programas iguais, veiculam os mesmos anúncios e não dão nenhuma alternativa aos hábitos consumistas, individualistas e anti-sociais? E mais, que violam a lei sem cerimônia ao ultrapassar o limite máximo de 25% da programação permitidos para propaganda no rádio e na TV. Com a conivência silenciosa de agências e anunciantes.

Quando dirigida às crianças, os efeitos da publicidade tornam-se ainda mais perversos. A presidente do Instituto Alana, Ana Lucia Vilela, conta que até em áreas carentes de cidades como São Paulo já é possível perceber esse fenômeno. A partir de um projeto social desenvolvido pela instituição na zona leste da cidade constatou-se que “crianças cujas famílias dependem de cestas básicas não saem de casa sem passar batom. Que acham que a maior felicidade do mundo é ter cabelos longos e loiros iguais aos da Barbie. Meninas que vestem micro-saias e ficam grávidas na adolescência. Meninos que insultam mulheres e tomam cerveja. Mães que, depois de muito choro e muita insistência dos filhos, gastam todo seu dinheiro para comprar um boneco Power Ranger. Filhos que depois de ganhar um Power Ranger, brincam dois dias, abandonam o boneco e começam a pedir a próxima novidade anunciada na televisão. Ou ainda garotos que falam que agora sim os pais podem comprar tudo o que querem porque determinado banco oferece crédito acompanhado de alguns bonequinhos de brinde. Crianças e adolescentes brasileiros repetindo diariamente o nome de inúmeras marcas, que algumas vezes estão entre as dez primeiras palavras de seu recém-formado vocabulário”.

Diz ainda que “do Rio Grande do Sul ao Amapá, das periferias dos grandes centros urbanos ao interior da Bahia, eles querem se vestir e comer da mesma forma. Querem marcas – usar o tênis Nike, comer Fandangos e ter a mochila da Hello Kitty. Preferem não ir à praia ou ao campo porque sabem que lá não encontrarão tevê ou videogame. Trocam o suco de mexerica por Coca-Cola, e arroz, feijão e couve, por Big Mac com batata frita”.

Para Ana Lucia “os pais não são os únicos responsáveis pelos filhos que não param de pedir produtos vistos na tevê, que são obesos, sexualmente precoces ou com comportamentos violentos. A responsabilidade maior está nas empresas e agências de publicidade que apostam no mercado infantil, procurando a vulnerabilidade de cada faixa etária da infância e adolescência para criar consumidores fiéis: as crianças de consumo”.

O anúncio dos publicitários e dos anunciantes publicado nos grandes jornais é uma reação à denúncias como essa, aos projetos de lei tramitando no Congresso para por limites nessa farra e ao aumento das pesquisas científicas mostrando os males da propaganda. Reação de quem se acha acuado e percebe que o tempo dos privilégios está acabando.

* Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

Qual o futuro da Fundação Piratini?

Há uma manobra no atual governo do estado do Rio Grande do Sul, comandado por Yeda Crusius, do PSDB, que pode extinguir um bem público de extrema importância para todos os gaúchos, um bem cultural que o Rio Grande do Sul tem como um de seus braços para a difusão de cultura: a Fundação Cultural Piratini.

A extinção não está relacionada exatamente ao sumiço da transmissão televisiva ou radiofônica. O governo procurou, no ano passado, entregar a direção da fundação a uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, mais conhecida como OSCIP. Não aceitou nenhuma parceria com a TV Brasil. Além disso, a Fundação Cultural Piratini, difusora da TVE e da Rádio Cultura, que foi pioneira na transmissão televisiva no estado em 1959 e suportou um incêndio em 1983, recebeu do governo estadual a notificação de que deve, até o dia 31 de março de 2010, sair do prédio onde funciona há 28 anos, alugado do INSS. Trâmites abstrusos a qualquer órgão público, principalmente a um dos menos assistidos no que diz respeito às áreas de recursos humanos, materiais e financeiros pelo estado.

Angélica Coronel, ex-repórter da TVE, escreveu para um sítio da internet que "nos bons tempos, a TVE tinha quase 40 retransmissores funcionando por todo o interior. Em termos de abrangência, ficava atrás apenas do `grupo´ RBS. Seus repórteres eram conhecidos nas ruas de cidades de chão batido. E a vanguarda pensante do estado – como o cineasta Jorge Goulart e o jornalista Eduardo Bueno – bolava programas inovadores. Trabalhar na TVE dava status".

Emissoras vêm sofrendo desgaste

No dia 22 de dezembro de 2009, a governadora dirigiu-se à imprensa para explicar que o governo procura um local para realocação da fundação. Porém, o espaço deve ser menor. A questão para os funcionários da TVE, Rádio Cultura e a população que acompanha o caso há algum tempo é a escolha estadual em não adquirir o prédio onde hoje está instalada a Fundação, orçado em R$ 4,7 milhões. Aí, então, movimentos contrários à iniciativa do governo foram surgindo. Os funcionários afirmam que toda essa situação é apenas o início do sucateamento dos serviços prestados aos gaúchos, o que já denunciam há tempos.

A Fundação Piratini tem a premissa comunicacional de ser uma das únicas no país mantida por recursos estatais sem subordinação a qualquer tipo de comando direto de governos. Porém, essa premissa parece estar mudando, contrária às próprias leis da Fundação. A subordinação ao governo do PSDB está acontecendo através de manigâncias de censura e condicionamento, por parte de ordens vindas do Palácio Piratini, sobre a programação na grade da emissora, sem voto prévio do Conselho Deliberativo.

A situação é bem mais complicada do que pode parecer.

No parágrafo 1º do Artigo 3º do Estatuto da Fundação Cultural Piratini, fica estabelecido que "a finalidade da formulação da Fundação é valorizar os bens constitutivos da nacionalidade brasileira, no contexto da compreensão dos valores universais", "valorizar as peculiaridades regionais e do folclore do estado" e "a criação, produção, distribuição e difusão de produtos culturais, educativos, artísticos e informativos". Tudo o que se preza em uma época onde buscamos a transformação do Brasil para um país educado e bem estruturado. Não parecem ser os planos da governadora para as terras do extremo-sul do país. As emissoras vêm sofrendo há tempos um desgaste, o orçamento vem sendo reduzido a cada ano e os equipamentos não recebem a devida manutenção.

Cargos de confiança como apresentadores

Com a chegada do terceiro ano da gestão turbulenta dos tucanos no Rio Grande do Sul, a situação da TVE e da Rádio FM Cultura é de extrema preocupação e desolação. Funcionários delatam o sucateamento tanto na redução de recursos humanos, que chegou a ter mais de 230 funcionários, quanto na reposição de equipamento. Algumas peças são retiradas de uma máquina para trabalhar em outra. Desde 2001 não há concursos e, o que é pior, metade dos concursados, aproximadamente 40 pessoas, pela situação se viram obrigadas a abandonar a fundação.

O representante dos funcionários no Conselho Deliberativo, Alexandre Leboutte, disse à revistaViés que "o quadro de funcionários se reduziu em mais de um terço nos últimos anos. Hoje, temos aproximadamente 150 profissionais na TVE e na FM Cultura. Quanto aos equipamentos, precisamos urgentemente de investimentos em todas as áreas. Há uma degradação geral dos equipamentos por terem ultrapassado em muito sua vida útil".

Voltando ao Estatuto, no Parágrafo 1º do Artigo 25 fica garantido que o governador do estado submeterá a escolha do presidente da Fundação ao Conselho Deliberativo. O que não aconteceu desde a posse de Yeda. No dia 23 de outubro de 2008, uma nova direção para a TVE tomou posse questionada pelo Ministério Público do Tribunal de Contas do estado, assumindo apenas mediante liminar judicial. Desrespeitando vários dos artigos do Estatuto, foi ignorada a necessidade de submeter os nomes dos diretores ao Conselho Deliberativo da Fundação, com 25 membros escolhidos pela sociedade para fiscalizar o cumprimento de normas. Em novembro do mesmo ano, cargos de confiança (CCs) do governo Yeda passaram a apresentar programas no lugar dos servidores concursados. O presidente, jornalista Ricardo Azeredo, escolhido por Yeda Crusius, assumiu o lugar da apresentadora do programa Frente a Frente e, logo em seguida, no dia 16 de abril de 2009, já entrevistaria a governadora.

Lei que permite gestão de órgãos públicos

Quando perguntado se a atual diretoria, formulada pelo Palácio Piratini, está devidamente seguindo o estatuto da Fundação, em que o Conselho Deliberativo deve ser ouvido e tem poder de voto quando o governo indica cargos, Leboutte diz que há uma ilegalidade bem aparente. O Conselho Deliberativo, que tem suas prerrogativas estabelecidas pela lei 10.535/95, não tem acesso a nenhum documento da Fundação Piratini. O representante dos funcionários no Conselho Deliberativo ainda frisa que a relação do quadro de recursos humanos com a diretoria indicada por Yeda está bem difícil, sem nenhum diálogo.

Em 21 de outubro de 2008, a direção determinou censura parcial de uma matéria que tratava da saída de Mercedes Rodrigues da Secretaria da Transparência. Por ordem do Piratini, a direção afastou ainda uma repórter da cobertura política que denunciou para a imprensa a interferência do governo na Fundação. A 20 de fevereiro de 2009 foi censurada a divulgação da entrevista coletiva do PSOL sobre a corrupção no governo Yeda e dias depois, o editor-chefe doJornal da TVE foi afastado do cargo. O que se pode ler novamente no Estatuto, no parágrafo 3º do Artigo 3º é: "A Fundação assegurará que na sua produção e programação não haja restrição à livre manifestação de pensamento, de criação, de expressão e de informação, sob qualquer forma, especialmente censura de natureza político-ideológica ou artística." Parece que o Palácio Piratini, ou não leu tais normas, ou resolveu mesmo burlar-las na cara dura.

Para explicar melhor a tentativa do governo em passar a diretoria da Fundação Piratini a uma OSCIP, precisamos partir de janeiro de 2008, quando a governadora sancionou a Lei das OSCIPs que permite a ONGS, associações e fundações assumir a gestão de órgãos públicos.

Pluralidade de saberes, fontes e opiniões

A Lei de autoria do Executivo foi aprovada pela Assembléia Legislativa em regime de urgência em dezembro de 2007 e gerou muita polêmica entre sindicatos e movimentos sociais que denunciam as manobras do governo em evitar o debate sobre as OSCIPs. Tais entidades sem fins lucrativos poderão estabelecer parcerias com o estado para a realização de serviços públicos que não sejam exclusivamente de competência do estado. A polêmica se dá com a possibilidade de desmonte das funções públicas através de terceirizações. Quando perguntada se isso acarretaria numa possível privatização da Fundação e de tantos outros órgãos públicos de serviços, Yeda Crusius afirmou que o público estatal e o público da sociedade civil não significa privatização, pois ela significa propriedade privada de um patrimônio. O governo teria interesse de incentivar e estimular a organização social de interesse público.

Na época, os sindicatos e movimentos entraram em conflito direto com a iniciativa do governo porque as OSCIPs poderiam administrar as instituições. As OSCIPs assumiriam as funções primordiais do Estado. Na educação poderiam chegar a administração de escolas. Tudo é função do governo, pois os impostos dessa mesma sociedade organizada são a base de todo o processo de direitos dos cidadãos conforme o bom funcionamento das instituições públicas.

Pode ser um dos maiores erros de qualquer governo deslocar as funções públicas básicas para entidades privadas do chamado "terceiro setor" sob argumento de falência do governo. Cabe ao Estado promover uma comunicação pública de informação qualificada, diversificada e que não seja subordinada a ideologias partidárias ou de governo. Lembrando, só como adendo, que o projeto de estabelecimento de parcerias entre ONGs e Estado surgiu no governo federal na gestão do tucano Fernando Henrique Cardoso.

No Estatuto da Fundação, que se assegurado promoveria um dos formatos mais livres e primorosos para uma comunicação que preza pelo respeito aos valores éticos e sociais do receptor, está escrito que "a produção e programação dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens da Fundação funcionarão de modo a salvaguardar sua independência perante o governo estadual e demais poderes públicos, e assegurar a possibilidade de expressão e confronto de diversas correntes de opinião". Muitos funcionários que trabalham diariamente, ajudando no cotidiano difícil, conhecem o parágrafo único do artigo 6º e prezam por segui-lo como bem sabemos. Uma pena que o governo não esteja tão interessado em prosseguir e dar atenção a tal trabalho. Prezar pela pluralidade de saberes, fontes e opiniões. Um formato quase perfeito de comunicação quase extinto.

Anatel em xeque pelas licenças de TVA

Depois de uma omissão de mais de cinco anos, a agência resolve renovar as outorgas de 25 licenças do desconhecido Serviço Especial de TV por Assinatura, justamente quando o tema está em discussão no Legislativo. E, mais uma vez, vai conceder a licença sem decidir quanto vai cobrar pela nobre frequência de UHF.  As 25 licenças de um quase desconhecido Serviço Especial de TV por Assinatura (TVA) voltaram a expor o dúbio papel da Anatel frente a essas outorgas. Neste caso, o comportamento da agência – em todas as gestões, desde a sua criação – foi a de se render à pressão dos detentores das licenças (grupos políticos locais, como Sarney, Magalhães, entre outros, e grandes grupos de mídia, como Globo, Abril, RBS), embora na lista disponível, os nomes fantasias dessas empresas sejam outros. E mais uma vez, a agência repete este ritual.

Há duas semanas, sem mais nem menos, o conselho diretor da Anatel decide aprovar um ato para a renovação destas licenças. A decisão foi de tão afogadilho, que, passados mais de 15 dias, o documento não havia se tornado público porque ainda estava sendo discutido nas esferas técnicas da agência.

Essa “pressa”, depois de uma omissão de mais de quatro anos, foi motivada pelo fato de o relator do PL 29 na comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, (PMDB/RJ), ter cassado essas outorgas em seu relatório final. A pressão foi toda para a agência reguladora, que não aguentou o rojão.

 O deputado Paulo Lustosa (PMDB/CE), que manteve essas licenças no substitutivo aprovado na comissão de Ciência e Tecnologia, argumentou que o PL29, para ser fruto do maior consenso possível, não poderia simplesmente eliminar estas outorgas. Já para Cunha, essas licenças simplesmente não têm qualquer razão de continuar a existir. Mesmo com a renovação dessas licenças pela agência, o deputado não parece disposto a mudar o seu voto, iniciativa que não pode ser feita mais por meio de emenda parlamentar.

Para aprovar a renovação das outorgas, a decisão da Anatel será calcada em argumentos tão confusos quanto a própria regulamentação do serviço. Isso porque, para justificar a renovação, será usado o decreto que regulamentou o serviço de radiodifusão, como se essas emissoras fossem de TV abertas. Por este decreto, as concessões de TV são “prorrogáveis” a cada 15 anos.  

Mas o Ministério das Comunicações e própria Anatel já chegaram à conclusão de que esse é um serviço de telecomunicações, e, por isso, está subordinado lei geral de telecomunicações. Ora, se fosse um serviço de TV aberta, muitos dos licenciados estariam ferindo abertamente legislação de radiodifusão, que proíbe que uma mesma emissora tenha mais de uma licença de TV na mesma cidade. Então, são licenças de telecomunicações. Ou seja, é um serviço que se transforma conforme os argumentos para justifica-lo.

As TVAs são empresas de telecom, mas transmitem sinais de radiodifusão. Elas começaram erradas desde o início. O serviço foi criado em 1988, no então governo Sarney para transmitir sinais codificados de TV, numa espécie de TV paga de um só canal. Em 89 e 90, as outorgas foram distribuídas, sem licitação. Começaram as pressões para que os sinais fossem liberado sem codificação.

Após a criação da Anatel, em 2004, a agência resolvou perguntar ao Minicom  se aquele bicho era radiodifusão (na esfera do governo) ou telecom, na sua esfera. Passados alguns anos, concluiu-se que era telecom. E mesmo a poderosa agência não sucumbiu à pressão, permitindo a ampliação dos sinais abertos de TV, que começaram com 25% e foram ampliados para 45% do dia na gestão Guerreiro, e passou incólume na gestão Pedro Jaime Ziller até os dias atuais.

Bom, mas o serviço é também de TV paga. Alguém conhece algum assinante dessas operadoras? Mas se não cliente, e não tem programação de qualidade, porque se briga tanto para a perpetuação dessas outorgas?

Ora, a mina de ouro está no fato de que essas 25 licenças estão localizadas em uma das mais cobiçadas faixas de frequência do planeta: a banda de UHF (que abrange as faixa de menor potência, que vai de 450 MHz a 700 MHz). Por essas bandas, os norte-americanos pagaram bilhões de dólares, e os europeus se batem para acelerar a transição da TV analógica para a digital. Tudo porque o consumo de dados pela telefonia celular tem crescimento exponencial.

Um dos argumentos da Anatel para autorizar a renovação dessas licenças é que, pela regra vigente, ela teria que ter se manifestado até três meses depois de expirado o primeiro prazo de concessão, o que não o fez. Na verdade, a agência se omite sobre este assunto há quase cinco anos. Assim, por omissão, teve que referendar agora essas licenças.

Novo regulamento

Esta será a segunda vez que a Anatel vai conceder licença de serviço que ocupa um bem tão escasso e valioso, sem dizer quanto terá que ser pago pela banda disponível. A primeira foi do MMDS, na qual a maioria das primeiras 15 licenças acabou pagando o preço mínimo, porque eram deficitárias.

Talvez o único consolo para essa situação é que pelo parece que, agora, a Anatel resolveu que vai criar um regulamento para este serviço. Vamos aguardar quanto tempo a mais?

Como televisão virou telefone no Brasil

[Título original: No país da jabuticaba, ou como televisão virou telefone no Brasil]

Mesmo correndo o risco de parecer pernóstico, inicio este texto citando no inglês original um recente relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entidade que reúne as mais desenvolvidas economias capitalistas: “Legal definitions of broadcasting differ across the OECD but more in terms of nuance than in the broad coverage of the definitions of radio and television programmes which can be received by the general public either directly (terrestrial transmission) or through cable or satellite platforms. Differences arise in definitions in the treatment of programmes distributed over the internet and vídeo-on-demand” (OCDE, Communications Outlook 2009, disponível em http://www.oecd.org ).

Os leitores deste Tele.Síntese são fluentes em inglês. Leram e entenderam. Está dito aí que, nos países capitalistas centrais, programas de rádio e televisão são definidos como radiodifusão (“broadcasting”), independentemente das plataformas de transmissão – terrestre, cabo ou satélite. No entanto, nos casos de vídeo sob demanda (VsD) e internet, podem existir, nesses países, diferenças na definição: alguns os tratam também como radiodifusão, outros não.

O Brasil não é um país membro da OCDE. Talvez por isso, aqui, televisão, a cabo ou a satélite, passou a ser tratada como telecomunicações…

Vejamos as definições usadas em alguns países selecionados.

Alemanha – “Radiodifusão é definida na Seção 2 (1) do Acordo Interestadual de Radiodifusão como provisão e transmissão para o público geral, de qualquer tipo de apresentação de palavras, sons, imagens, usando oscilações eletromagnéticas sem linhas conectadas (“junction lines”) ou através ou por meio de algum condutor. A plataforma de transmissão é irrelevante. A definição inclui apresentações transmitidas em forma codificada ou que sejam recebidas por pagamento especial. A definição não inclui telemeios (“telemedia”), regulada separadamente pela Lei de Telemeios (federal) e no capítulo VI do Acordo Interestadual”.

“Telemeios são considerados um outro serviço de informação e comunicação, similar à radiodifusão e telecomunicações”.

Portanto, internet, na Alemanha, é um serviço a parte, prestado sem necessidade de licenciamento prévio, embora o rádio e a televisão, se transmitidos via internet, devam obedecer às regras do Acordo Interestadual (a Alemanha é uma república federativa) e aos princípios constitucionais. Já o VsD é regulado conforme o seu conteúdo e relevância social, embora devendo vir a se adaptar às normas da Comunidade Européia que propõem não mais defini-lo como radiodifusão.

Austrália – “a Seção 6 (1) da Lei de Serviços de Radiodifusão de 1992 (Broadcasting Services Act 1992) define ‘serviço de radiodifusão’ (“broadcasting service”) como serviço que entrega programas de televisão ou programas de rádio para pessoas que tenham equipamento apropriado à recepção desses serviços, se essa entrega faz uso de espectro de radiofreqüência, cabo, fibra ótica, satélite ou qualquer outro meio ou combinação desses meios”.

Esta definição, diz o documento da OCDE, não inclui serviços de teletexto, programas ponto-a-ponto adquiridos sob demanda e outros serviços que possam ser excluídos por decisão do Ministério. Dada a definição geral, a Austrália reconhece sete categorias de serviços de radiodifusão, entre elas a “comunitária” (não-comercial), a “nacional” (estatal-governamental), a “comercial aberta” (ou “free-to-air” – FTA) e a “paga por assinatura” (“pay TV”). Na regulamentação australiana, serviços de áudio e vídeo transmitidos sobre a internet não são considerados radiodifusão, mas podem sofrer restrições por razões éticas, morais, legais etc. Vídeo sob demanda também não é regulado como radiodifusão.

Canadá
– “A definição do termo radiodifusão se aplica a todas as plataformas, conforme definido na Lei de Radiodifusão. Diz o texto [legal]: ‘radiodifusão significa qualquer transmissão de programas, esteja ou não encriptada, por ondas de rádio ou outros meios de telecomunicações, para recepção por parte do público, através de aparelhos de recepção de radiodifusão (“broadcasting receiving apparatus”), mas não inclui nenhuma transmissão de programas feitos apenas para exibição (“perfomance”) ou apresentação em espaço públicos”.

Serviços sobre a internet estão em geral excluídos, mas, no momento, há um debate público e parlamentar a respeito. VsD fornecidos pela internet também estão excluídos da definição.

Coréia – “Radiodifusão se refere ao planejamento, programação, produção e transmissão de programas de radiodifusão para o público (incluindo receptores com contratos individuais; “viewers”) através de sistemas (“facilities”) de telecomunicações”.

A partir desse conceito guarda-chuva, os coreanos distinguem as modalidades de “televisão”, “radio”, “dados”, “móvel multimeios” e “internet multimeios”, todas caracterizadas como “radiodifusão de programas” mas diferenciadas conforme as características do sistema receptor (sons e imagens para a TV, mobilidade no celular etc.). Assim, a IPTV será entendida como um “serviço de convergência radiodifusão-telecomunicações” (“broadcasting-telecommunications convergence service”) fornecido sobre uma rede de banda larga. No geral, um serviço multimeios em banda larga requer licença para operar, mas, obtida a licença, cada tipo de negócio, inclusive VsD requer apenas notificação, à autoridade, do operador autorizado.

Espanha – “Pela Lei de Telecomunicações, serviços de radiodifusão são serviços de telecomunicações pelos quais a comunicação é transmitida numa única direção para inúmeros pontos [de recepção] simultaneamente. O serviço será prestado sob concessão do Estado (“administrative concession”) se for prestado em regime de administração indireta.”

Em termos estritamente técnicos, é a melhor definição: radiodifusão, com efeito, é um tipo unidirecional de telecomunicações. Neste sentido, pela lei espanhola, a televisão é um serviço de radiodifusão, seja transmitida pelo ar, pelo cabo ou satélite, seja livre ou codificada, que “em nenhum caso pode ser prestado como serviço de valor adicionado”. Esta definição inclui VsD e IPTV, ambos submetidos às mesmas regras legais, inclusive regimes de outorga, vigentes para o restante da radiodifusão. Por outro lado, somente a televisão terrestre é considerada um serviço público. As TVs a cabo ou satélite são definidas como serviços autorizados para livre competição.  

Estados Unidos
– “Conforme a Lei de Comunicação de 1934, a palavra radiodifusão (‘broadcasting’) significa a disseminação de comunicações por rádio destinadas a ser recebidas pelo público, diretamente ou por meio de estações retransmissoras (‘relay stations’)”.

O relatório não traz muitos detalhes sobre a regulamentação estadunidense. Acrescento meus próprios comentários. Os EUA são sabidamente pouco intervencionistas. Os agentes econômicos e sociais são livres até o limite da liberdade de outrem, ou até afetarem sensibilidades éticas, morais etc., problemas estes todos resolvidos principalmente na Justiça. A entidade reguladora procura intervir o mínimo possível, não tendo nunca havido, da parte da FCC maior interesse em regulamentar conteúdo. Assim, as novas tecnologias, inclusive TV paga e internet podem se desenvolver ao sabor da iniciativa de investidores ou, no máximo, limitadas por ações jurídicas ou políticas de natureza civil. A FCC, ela mesma, faz apenas um grande esforço para estimular e garantir a máxima competição entre os, e dentro dos novos meios de comunicação, sobretudo a internet. Sem surpresa, há uma legislação específica para vídeo sob demanda.

França – “Serviços audiovisuais incluem os serviços de comunicação audiovisual conforme definidos no Artigo 2 da Lei 86-1067 de 30 de setembro de 1986), assim como os serviços adaptados (“services making audiovisual”), [isto é] obras cinematográficas ou de áudio disponíveis para o público, independentemente dos meios técnicos usados. Serviços de comunicação audiovisuais são todas as comunicações destinadas ao público de serviços de rádio ou TV, independentemente dos meios técnicos usados, bem como todas as comunicações eletrônicas de serviços diferentes daqueles de rádio ou televisão. Nesta definição não está incluída a comunicação em linha, definida no artigo 1 da Lei 2004-575 de 21 de junho de 2004, lei esta que trata da economia digital”.

Em um caso, a internet é regulada como radiodifusão: IPTV. É que são considerados serviços de televisão “qualquer comunicação para o público por meios eletrônicos destinada a ser recebida simultaneamente pelo público ou categoria de público, cujos principais programas sejam organizados (“is composed of”) numa ordem continuada de emissões contendo imagens e sons”. Por esta definição, o VsD está excluído e, de fato, desde que o serviço não necessite de freqüências assignadas pelo órgão regulador, pode ser prestado livremente. Mas esta é um não-regra que pode mudar, devido a novas normas da Comunidade Européia.

Itália – “Programas de televisão são definidos como conteúdos audiovisuais organizados por um editor (“content provider”), direcionados para o público em geral e difundidos por qualquer meio técnico. [Programas] por assinatura ou encriptados são também incluídos nessa definição”.

Serviços audiovisuais fornecidos via internet ainda não estão incluídos nessa definição, mas suas atividades têm sido monitoradas pela entidade reguladora e associações de consumidores, diz o relatório. Também os serviços sob demanda não são tratados pela legislação atual.

Japão – “Radiodifusão significa transmissão de comunicação via rádio destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão, artº 2)”.

“Radiodifusão por cabo é definida como transmissão de telecomunicações por cabo destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral (Lei da Radiodifusão por Cabo, artº 2)”.

“Serviços de radiodifusão e de telecomunicações significam transmissão de telecomunicações destinada a ser recebida diretamente pelo público em geral, em todo ou em parte transmitida por serviços de telecomunicações fornecidos por entidade (“by a person”) que opera um negócio de telecomunicações (Lei Tratando de Radiodifusão sobre Serviços de Telecomunicações, artº 2)”.

 “Serviços por assinatura ou encriptados são incluídos em ‘radiodifusão” ou “radiodifusão via cabo’ ou ‘radiodifusão via serviços de telecomunicações’ ”.

O Japão é um raro caso de país central que dispõe de muitas leis diferentes para diferentes casos, embora, pelo que se pode depreender do texto do relatório da OCDE, essas leis identificam os diferentes negócios de radiodifusão, não propriamente as suas distintas plataformas tecnológicas.

Portugal – “Radiodifusão radiofônica (“radio broadcasting”) é a transmissão unilateral de comunicações de som, usando ondas radioelétricas ou qualquer outro método apropriado, destinada ao público em geral”. Esta definição exclui as transmissões por internet. “Radiodifusão televisiva é a transmissão não codificada ou codificada de imagens em movimento, com ou sem som, através de redes eletrônicas de comunicação, visando a recepção simultânea pelo público em geral”. Desta definição estão excluídos, entre outros casos muito particulares, os serviços operados “sob demanda individual”.

A lei portuguesa subordina a definição de radiodifusão televisiva à de “atividade televisiva”, consistindo esta na “organização, ou seleção e agregação, ou serviços de programação de televisão, visando a transmissão para, e recepção pelo público em geral”. A palavra “radiodifusão” inclui também os serviços por “assinatura” ou “encriptados” (“the term ‘broadcasting’ includes ‘subscription’ and ‘encrypted’ services”). Atualmente, os portugueses estão discutindo as implicações de sua legislação na internet, e devem introduzir mudanças a respeito. Por outro lado, já que os meios técnicos são neutros ou indiferentes, VsD é tratado nos mesmos termos gerais em que é tratado o conjunto da radiodifusão.

Concluindo – Este resumo feito acima nos remete para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, onde se levantou a questão da inconstitucionalidade do Substitutivo Bittar-Lustosa ao PL-29 porque o projeto estaria tratando em termos mais próprios à radiodifusão, conforme esta é abordada na nossa Constituição, um “serviço de telecomunicações”, ainda por cima em “regime privado”. O argumento não deixa de ter lá sua razão, embora a emenda que tenta solucionar o problema, simplesmente eliminando-o, seja pior do que o soneto.
 
No Brasil, TV por assinatura começou a ser tratada como telecomunicações, na Lei do Cabo de 1995. Estávamos no governo Fernando Henrique, para o qual esta seria uma lei sob medida para introduzir uma cunha no então monopólio da Telebrás, além de atender aos interesses das redes abertas de televisão, preocupadas com a crescente penetração dos canais a cabo no seu até então exclusivo território do audiovisual televisivo. Em troca de algumas bijuterias, a ABERT conseguiu apoio do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) para poder passar uma lei que simplesmente não aborda aquilo que é mais importante em qualquer serviço de televisão, seja livre ou seja pago, seja aberto ou seja codificado: o conteúdo. Foi para corrigir isso (e também o “erro” óbvio de ignorar a TV por assinatura via satélite ou no celular) que os deputados Jorge Bittar e Paulo Lustosa assumiram a corajosa postura de elaborar substitutivos aos PLs originais, neles incluindo a regulamentação da crucial questão da programação e, assim, aproximando a futura lei, no máximo possível, dos ditames constitucionais. Não ocorreu porém à cabeça de ninguém aproveitar a oportunidade para corrigir aquele erro nada ingênuo oriundo da Lei do Cabo. Tudo se passou como se definir TV por assinatura à semelhança de um serviço de telecomunicações, fosse tão natural quanto o Pão de Açúcar.

O debate da PL-29 irá agora para o Senado. Será uma excelente oportunidade para corrigir esse grave defeito. “Radiodifusão de sons e de sons e imagens” tanto pode ser feita pelo ar, quanto pelo cabo, satélite, até pelo celular, tanto pode ser aberta e livre, quanto codificada e paga. Logo, conforme sustentado por muitas das teses aprovadas na Iª Confecom, inclusive com importantes contribuições da Telebrasil e da Abra, não importa a plataforma, a TV por assinatura deverá vir a ser submetida aos capítulos 220 a 223 da Constituição brasileira. O Brasil não pode querer ser um raro país, talvez único, onde televisão por assinatura seja definida como… telefone. Embora, bem saibamos, o Brasil também é o país exclusivo da jabuticaba.

* Marcos Dantas é professor de Sistemas de Comunicação e Novas Tecnologias na Escola de Comunicação da UFRJ. É autor de A lógica do capital-informação (Ed. Contraponto, 2002).

 

Globo e Futebol: Obrigação na cidade do trabalho e da ordem

Está em discussão no parlamento paulistano uma iniciativa que chacoalharia de forma inesperada, e deliciosa, a grande mãe (e madrasta) do futebol brasileiro. Graças ao Projeto de Lei 564/2006, formulado pelos vereadores Antonio Goulart (PMDB) e Agnaldo Timóteo (PL), São Paulo só depende da boa vontade do prefeito Gilberto Kassab para se livrar dos jogos de futebol madrugada adentro.

Aprovada neste dia 10/3 em segunda votação, aguardando agora apenas a sanção do prefeito, a medida causa polêmica e atinge fortes interesses que regem as transmissões esportivas. Em 2006, ano de sua origem, o projeto já foi vetado pelo mesmo Kassab que, a exemplo de todo o seu mandato, não titubeou em cerrar fileiras com o lado mais forte (economicamente) e virar as costas ao desejo popular. Convenhamos que, no caso futebolístico, isso não é nada se comparado a diversos atos de sua desumana gestão.

Dessa forma, apesar da vitória inicial, a concretização da idéia não é tão simples quanto parece. Caso aprovada, a lei determinaria que jogos de futebol não poderiam ser programados para terminar depois das 23h15. A Globo, que impôs o futebol às 21h50, 22h, não quer nem ouvir falar, é claro. O futebol já virou grade de programação com horário sagrado há muito tempo para a emissora carioca, tão carente de atrações televisivas dignas de tal nome.

Debate nada tem de ofensivo

No entanto, ninguém mais dissimula que o torcedor odeia ser vítima do capricho global de realizar jogos às 10 da noite, considerando que, terminando à meia-noite, não há mais muitas maneiras de viabilizar o retorno para casa. E mesmo que haja, dar-se-á de forma muito tardia numa cidade acostumada a despertar junto com os galos para a exigente labuta.

Outro costume consolidado da emissora que manda no futebol nacional também se repetiu: nenhum representante global se apresenta para ao menos discutir o assunto, se não com torcedores (utópico), ao menos com dirigentes de clubes e federações. Mas estes sempre foram medrosos e coniventes com a emissora, fugindo ao máximo que podem das divididas ou dizendo ser difícil colocar em prática a lei, pois os clubes "já assumiram compromissos" etc. e tal.

No entanto, o que há de tão mal em alguns engravatados debaterem uma hora de recuo na grade de um canal de TV? Claro que pelo menos a conversa é mais que viável, mas nessas horas se verifica a falta de coragem e capacidade dos dirigentes – não à toa nossos clubes são falidos, estão décadas-luz de alguns centros do futebol e suas gestões seguem, via de regra, obscuras e pouco democráticas.

É verdade que a própria Globo é credora de algumas agremiações, salvando-as com empréstimos providenciais quando as recorrentes más gestões fazem aparecer dívidas, déficits e pendências inadiáveis. No entanto, é um empréstimo relativo, pois se trata na verdade de adiantamento de cotas de futuros torneios. Além do mais, tampouco é suficiente para interditar um debate que nada tem de ofensivo, apenas cidadão.

Em silêncio, aguardando os cartolas

Outra desgraça na vida do torcedor paulistano é o presidente de sua federação, Marco Pólo Del Nero. Autêntico pára-quedista, pouco sabe de bola, seus campeonatos são freqüentes fiascos de público (como o atual), mas tem um amor ao cargo inabalável. Além de aliado da "fina flor" de nossa cartolagem, não foram poucas as vezes em que já demonstrou sua aversão ao torcedor, através de críticas baratas, aumentos abusivos de ingresso e estigmatizações fora da realidade. Claro que declarou rejeição ao projeto.

Não será fácil dobrar essa teia de poderes que, bem ou mal, ainda tem influências quase imbatíveis no âmbito do futebol nacional. Mas será uma indecência se a prefeitura da lei do PSIU, que fecha bares e outros locais sábado à noite em nome da ordem e do silêncio, bloquear projeto que visa a terminar os jogos mais cedo, de modo a simplesmente permitir o regresso ao doce lar do torcedor.

A Globo está na dela. Resguardada em seus interesses e mais do que ciente da covardia dos cartolas, com alguns que tremem só de pensar em contrariar algum interesse da emissora. Dessa forma, fica em silêncio e espera que a própria cartolagem resolva o impasse. Assim, também evita o desgaste com o público, consensualmente a favor da medida.

Um pingo de visão

Mas a mesma Globo já cansou de transmitir futebol em outros horários. E, apesar dos blefes, uma mudança desse porte na sua grade estaria longe de desmantelar sua programação e contratos publicitários, inclusive de suas outras "atrações" coladas aos jogos (novela e BBB). De quebra, é crível que o citado desgaste com o torcedor levasse seu departamento comercial a discutir o caso. Até porque jogos de estádio vazio desvalorizam seu próprio produto.

Negócios são negócios, e se a dona Globo não gostar, há um novo player nas comunicações brasileiras disposto a suplantá-la: a Rede Record e suas árvores celestiais de dinheiro. Em dois ou três anos, os contratos vigentes se encerram e renová-los com a exclusividade de sempre não será tão fácil quanto antigamente. Tanto que as Olimpíadas de 2012 também já têm seu lugar no céu, ops, no sete. E não no cinco.

Portanto, fica claro que aos vereadores e prefeito cabe apenas um respeito mínimo à população pela qual dizem trabalhar; aos dirigentes, um pingo de visão e capacidade de diálogo, pois ninguém pretende inviabilizar transmissões de jogos. Pretende-se apenas freqüentá-los sem ter de abandonar o estádio 15 minutos antes do apito final para poder tomar o último coletivo.

* Gabriel Brito é colunista do Correio da Cidadania.