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Globo e Futebol: Obrigação na cidade do trabalho e da ordem

Está em discussão no parlamento paulistano uma iniciativa que chacoalharia de forma inesperada, e deliciosa, a grande mãe (e madrasta) do futebol brasileiro. Graças ao Projeto de Lei 564/2006, formulado pelos vereadores Antonio Goulart (PMDB) e Agnaldo Timóteo (PL), São Paulo só depende da boa vontade do prefeito Gilberto Kassab para se livrar dos jogos de futebol madrugada adentro.

Aprovada neste dia 10/3 em segunda votação, aguardando agora apenas a sanção do prefeito, a medida causa polêmica e atinge fortes interesses que regem as transmissões esportivas. Em 2006, ano de sua origem, o projeto já foi vetado pelo mesmo Kassab que, a exemplo de todo o seu mandato, não titubeou em cerrar fileiras com o lado mais forte (economicamente) e virar as costas ao desejo popular. Convenhamos que, no caso futebolístico, isso não é nada se comparado a diversos atos de sua desumana gestão.

Dessa forma, apesar da vitória inicial, a concretização da idéia não é tão simples quanto parece. Caso aprovada, a lei determinaria que jogos de futebol não poderiam ser programados para terminar depois das 23h15. A Globo, que impôs o futebol às 21h50, 22h, não quer nem ouvir falar, é claro. O futebol já virou grade de programação com horário sagrado há muito tempo para a emissora carioca, tão carente de atrações televisivas dignas de tal nome.

Debate nada tem de ofensivo

No entanto, ninguém mais dissimula que o torcedor odeia ser vítima do capricho global de realizar jogos às 10 da noite, considerando que, terminando à meia-noite, não há mais muitas maneiras de viabilizar o retorno para casa. E mesmo que haja, dar-se-á de forma muito tardia numa cidade acostumada a despertar junto com os galos para a exigente labuta.

Outro costume consolidado da emissora que manda no futebol nacional também se repetiu: nenhum representante global se apresenta para ao menos discutir o assunto, se não com torcedores (utópico), ao menos com dirigentes de clubes e federações. Mas estes sempre foram medrosos e coniventes com a emissora, fugindo ao máximo que podem das divididas ou dizendo ser difícil colocar em prática a lei, pois os clubes "já assumiram compromissos" etc. e tal.

No entanto, o que há de tão mal em alguns engravatados debaterem uma hora de recuo na grade de um canal de TV? Claro que pelo menos a conversa é mais que viável, mas nessas horas se verifica a falta de coragem e capacidade dos dirigentes – não à toa nossos clubes são falidos, estão décadas-luz de alguns centros do futebol e suas gestões seguem, via de regra, obscuras e pouco democráticas.

É verdade que a própria Globo é credora de algumas agremiações, salvando-as com empréstimos providenciais quando as recorrentes más gestões fazem aparecer dívidas, déficits e pendências inadiáveis. No entanto, é um empréstimo relativo, pois se trata na verdade de adiantamento de cotas de futuros torneios. Além do mais, tampouco é suficiente para interditar um debate que nada tem de ofensivo, apenas cidadão.

Em silêncio, aguardando os cartolas

Outra desgraça na vida do torcedor paulistano é o presidente de sua federação, Marco Pólo Del Nero. Autêntico pára-quedista, pouco sabe de bola, seus campeonatos são freqüentes fiascos de público (como o atual), mas tem um amor ao cargo inabalável. Além de aliado da "fina flor" de nossa cartolagem, não foram poucas as vezes em que já demonstrou sua aversão ao torcedor, através de críticas baratas, aumentos abusivos de ingresso e estigmatizações fora da realidade. Claro que declarou rejeição ao projeto.

Não será fácil dobrar essa teia de poderes que, bem ou mal, ainda tem influências quase imbatíveis no âmbito do futebol nacional. Mas será uma indecência se a prefeitura da lei do PSIU, que fecha bares e outros locais sábado à noite em nome da ordem e do silêncio, bloquear projeto que visa a terminar os jogos mais cedo, de modo a simplesmente permitir o regresso ao doce lar do torcedor.

A Globo está na dela. Resguardada em seus interesses e mais do que ciente da covardia dos cartolas, com alguns que tremem só de pensar em contrariar algum interesse da emissora. Dessa forma, fica em silêncio e espera que a própria cartolagem resolva o impasse. Assim, também evita o desgaste com o público, consensualmente a favor da medida.

Um pingo de visão

Mas a mesma Globo já cansou de transmitir futebol em outros horários. E, apesar dos blefes, uma mudança desse porte na sua grade estaria longe de desmantelar sua programação e contratos publicitários, inclusive de suas outras "atrações" coladas aos jogos (novela e BBB). De quebra, é crível que o citado desgaste com o torcedor levasse seu departamento comercial a discutir o caso. Até porque jogos de estádio vazio desvalorizam seu próprio produto.

Negócios são negócios, e se a dona Globo não gostar, há um novo player nas comunicações brasileiras disposto a suplantá-la: a Rede Record e suas árvores celestiais de dinheiro. Em dois ou três anos, os contratos vigentes se encerram e renová-los com a exclusividade de sempre não será tão fácil quanto antigamente. Tanto que as Olimpíadas de 2012 também já têm seu lugar no céu, ops, no sete. E não no cinco.

Portanto, fica claro que aos vereadores e prefeito cabe apenas um respeito mínimo à população pela qual dizem trabalhar; aos dirigentes, um pingo de visão e capacidade de diálogo, pois ninguém pretende inviabilizar transmissões de jogos. Pretende-se apenas freqüentá-los sem ter de abandonar o estádio 15 minutos antes do apito final para poder tomar o último coletivo.

* Gabriel Brito é colunista do Correio da Cidadania.

Criança e Consumo

Especialistas no tema debaterão como prevenir e reduzir os efeitos da publicidade de produtos e serviços destinados a crianças e adolescentes.

A população com idade inferior a 12 anos é hipervulnerável à comunicação mercadológica devido ao mimetismo próprio da infância, à falta de discernimento, à afirmação da personalidade, à dificuldade de distinguir desejo e necessidade. ‘Formar cidadãos ou consumistas?’, eis a questão.

Nessa cultura hedonista em que os valores sonegados da subjetividade são pretensamente substituídos pelo valor agregado da posse de bens e serviços, crianças e jovens se vêem ameaçados pela incidência alarmante da obesidade precoce, a violência (inclusive nas escolas), a sexualidade irresponsável, o consumo de drogas, o estresse familiar e a degradação das relações sociais.

Com a laicização crescente da sociedade ocidental que, com razão, repudia o fundamentalismo religioso, a moral perde seu anteparo na vivência da fé; as ideologias altruístas, em crise, cedem lugar ao individualismo egocêntrico; a tecnociência aprimora meios de relacionamento virtual em detrimento da alteridade real e da inter-relação comunitária e coletiva.

Vivemos, como Sócrates, na terceira margem do rio: os deuses do Olimpo já não oferecem parâmetros éticos, e a razão depara-se com a própria insuficiência frente à avassaladora pressão mercantilizadora de todas as dimensões da existência. Onde, nos mais jovens, o idealismo, a abnegação, a ânsia pelo transcendente, o sonho de mudar o mundo?

Na contramão da tendência imperante, o projeto do Instituto Alana disponibiliza instrumentos de apoio e informações sobre direitos do consumidor nas relações de mercado que envolvam crianças e adolescentes. Produz e distribui conhecimento acerca do impacto do consumismo na formação desse público, fomenta a reflexão a respeito da influência da mídia e da comunicação mercadológica na vida, nos hábitos e nos valores de pessoas em idade de formação.

O projeto Criança e Consumo engloba três áreas: jurídico-institucional; comunicação e eventos; pesquisa e educação. A área jurídico-institucional recebe denúncias de práticas de comunicação mercadológica – principalmente publicidade veiculada em TV, internet e revistas – consideradas abusivas. Em contato com as empresas responsáveis pela peça publicitária, faz-se notificação para que cesse a veiculação do apelo comercial.

A área de comunicação e eventos promove debates e seminários para discutir e divulgar essas questões. A de educação e pesquisa estuda de maneira multidisciplinar a temática e divulga no site (http://www.criancaeconsumo.org.br/) bibliografia concernente ao tema.

A partir dessas iniciativas, o projeto contribui para a formação de uma consciência crítica e cidadã sobre os aspectos negativos da mercantilização da infância e da juventude.

No início de março, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) sinalizou que as novas regras sobre publicidade de alimentos e bebidas não saudáveis, a serem divulgadas, não oferecerão proteção especial ao público infantil.

Isabella Henriques, coordenadora do projeto Criança e Consumo, alertou para as graves conseqüências dessa decisão, que exclui todos os artigos de proteção à infância, como o veto ao uso de desenhos em publicidade, à promoção de alimentos e bebidas nocivas em escolas e de ofertas com brindes. Segundo ela, isso significa o poder público negligenciar os direitos das crianças e adolescentes, declinando-os em favor de interesses privados.

Crianças não podem ser tratadas como consumidoras comuns. Merecem tratamento diferenciado. É preciso levar em conta o trabalho da força-tarefa criada em 2009 pelo Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), voltado à proteção de consumidores hipervulneráveis. Essa força-tarefa conta com a participação do Instituto Alana, do grupo de comunicação social do Ministério Público Federal, da Anvisa e do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Induzir a criança ao consumismo precoce é inflar o desejo na direção de ambições desmedidas. E quanto maior o anseio, mais profundo o buraco no coração e, portanto, a frustração e os sintomas depressivos. Perversa intuição profissional faz com que o traficante de drogas conheça bem essa patologia e dela saiba tirar proveito.

* Frei Betto é escritor, assessor de movimentos sociais e membro do conselho do Instituto Alana, autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros.

Liberdade de imprensa e publicidade enganosa

"Um dia depois de ter despejado de forma violenta 800 famílias em Capão Redondo, o governo de São Paulo (leia-se, governo Serra) tem a cara de pau de publicar um anúncio de uma página nos jornais divulgando a sua `política de habitação popular´" (nota publicada no CMI – Centro de Mídia Independente).

Pela internet, é possível ainda ter acesso a algumas informações que a mídia brasileira nega aos seus leitores ou freqüentadores audiovisuais. É o caso da nota acima, que não foi divulgada pela imprensa. A nota virtual veio acompanhada de fotos de mais uma propaganda enganosa do governo de São Paulo (de José Serra). Acompanhando o título publicitário "Habitação popular no estado de São Paulo é assim: A gente faz. E faz bem feito", vêm quatro fotos arrumadinhas de algumas pessoas que mostram sua "satisfação" em receber moradia popular. A foto de cada pessoa ou família vem junto a um subtítulo: "Acredite; Sonhe; Respire; e Comemore".

A nota da internet, por sua vez, traz, acompanhando os mesmos subtítulos, outras quatro fotos revelando a forma violenta com que a polícia estadual – de responsabilidade exclusiva do governador José Serra – promoveu o despejo de 800 famílias de Capão Redondo, entre tantos outros despejos criminosos, despejos determinados pela "justiça" estadual. Nessas fotos, que contrastam com a publicidade oficial, aparecem: crianças desalojadas na rua (Acreditem); morador tentando salvar alguma coisa de seu barraco (Sonhe); fumaça das bombas de gás exalando no meio dos barracos (Respire); e povo aglomerado desalojado do seu abrigo (Comemore).

Além dessas propagandas enganosas, cheias de meias-verdades, os governantes têm ao seu dispor toda a cobertura da imprensa, com comentários dos mais elogiosos sobre suas "obras populares". Enquanto para o povo restam comentários desairosos, tentando passar para a opinião pública que se trata de criminosos, de "invasores", negando as informações mais importantes de que são pessoas e famílias inteiras injustiçadas por esta sociedade discriminatória. Injustiçadas pelas políticas públicas que satisfazem aos interesses do capital, pela concentração de rendas, pela sonegação dos seus direitos elementares, pela sonegação de impostos, comandada por uma elite econômica hipócrita e maquiavélica (no seu mau sentido).

Forças organizadas

A liberdade de imprensa é uma das grandes farsas que imperam no sistema burguês gerador e administrador desse capitalismo selvagem, que cria desigualdades brutais, miséria e a barbárie.

A imprensa, segundo as leis internacionais, é sempre uma concessão do Estado e deveria ser universal, isto é, concedida e aberta a todos os cidadãos. Mas está toda ela reservada para o mesmo capital. Seus "proprietários" são participantes do mesmo capital, e por isto se torna elitista e sonega o direito à verdadeira expressão da vontade e das legítimas reivindicações populares. Uma mídia que seleciona suas notícias, sempre voltada para defender os interesses dos exploradores, mas que impede a veiculação de informações importantes de interesse do povo, sobretudo as geradas pela reação do movimento social que contesta os desmandos que são praticados neste país.

A prática da liberdade de imprensa no Brasil se compara ao exercício da política oficial: políticos eleitos pelo povo, tendo suas campanhas eleitorais financiadas pelos detentores das terras, dos bancos, das indústrias e do comércio, julgam-se donos do país, isentos de julgamentos dos seus crimes e com direito a praticar toda a sorte de bandalheira. Mas que não têm competência para governar segundo os interesses de toda a nação.

Assim é a prática da mídia no Brasil: tendo obtido a concessão, julga-se possuidora de todos os direitos, incluído o "direito" de desinformar e corromper ideologicamente a opinião pública. De tal forma que, cada vez mais, se torna necessário um amplo trabalho de informações desenvolvido pelas forças populares organizadas, capaz de, com o tempo, despertar a consciência crítica do povo, animando-o a assumir as rédeas da condução do nosso país, determinando o que pode e o que não pode ser praticado pelos políticos e pelos meios de comunicação social. E, acima de tudo, se for o caso, cassar mandatos e concessões. Sem isto não haverá democracia para o povo.

* Waldemar Rossi é metalúrgico aposentado e coordenador da Pastoral Operária da Arquidiocese de São Paulo.