Arquivo da tag: Wireless.br

10 anos da privatização da Telebrás: Prudência

Prudência

São 10 anos da privatização da Telebrás e estamos no meio de um amplo processo de revisão do modelo que orientou o desenvolvimento do setor de telecomunicações no Brasil de julho de 1998 até aqui. E, a realidade, justamente agora, dá sinais que não podem ser ignorados: os freqüentes apagões nas redes de comunicação de dados em diversos estados e as graves pendências criminais envolvendo empresas de telecomunicação e governo.

Os órgãos públicos de diversos estados do país têm seus pontos nevrálgicos de organização tais como a polícia, os hospitais, escolas, secretarias, etc …, isso sem falar de grandes empresas privadas que atuam no setor financeiro, entre outros de importância crucial para o funcionamento e segurança dos nossos cotidianos, todos dependentes do provimento do serviço de banda larga prestados pelas concessionárias, cujos sistemas têm falhado freqüentemente, impondo aos cidadãos o caos. São Paulo viveu o apagão na comunicação de dados no último dia 3 de julho, por mais de 36 horas, afetando a prestação dos mais diversos serviços públicos e privados em 407 municípios.

O fato levantou imediatamente justificados questionamentos:

– É seguro manter a exploração exclusivamente em regime privado de um serviço estratégico como a comunicação de dados (art. 69 da LGT) e permitir que as concessionárias, que detêm o monopólio da rede de infra-estrutura pública de telecomunicações em sua área de concessão já por 10 anos, operem essa modalidade de serviço com predominância quase total em relação à concorrência?

– A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) tem cumprido suas funções de fiscalização e de regulação, garantindo competição e segurança?

– É prudente a insistência do governo de concentrar ainda mais o mercado, permitindo a fusão de grandes empresas para operar os principais serviços de telecomunicações, de modo que o Brasil passará a estar, basicamente, nas mãos de três grupos – Telefonica, Telmex e Oi?

– É seguro alterar toda a regulação do setor de telecomunicações, sem um amplo debate nacional, sem as reformas devidas e imprescindíveis na Lei Geral de Telecomunicações e sem estudos de impacto econômico e social? Como construir um ambiente institucional confiável para os agentes econômicos e para os consumidores?

– Podemos ignorar o fato de que o Brasil tem, em média, 38 telefones fixos para cada 100 habitantes e que há estados, como o Maranhão, em que não chegamos a 8 telefones por 100 habitantes? Ou, ainda, que, apesar de termos mais de 133 milhões de telefones celulares, temos a 4ª tarifa móvel mais cara do planeta e que só o Marrocos tem menos tráfego de voz do que o Brasil?

Impossível sabermos se o Governo considera importantes as questões levantadas ou se já tinha as respostas em março deste ano, ao ser provocado pela Abarfix – entidade representativa das concessionárias – e solicitar a Anatel que promovesse as alterações na regulação do setor, para viabilizar a reorganização societária de empresas, tendo em vista a tendência de convergência de serviços diferentes em mesma plataforma tecnológica e prestados por uma mesma empresa e a necessidade de expansão do acesso à banda larga.

O certo, porém, é que a Anatel vem promovendo as reformas, sem respaldo de estudos de impacto econômico e social.

A tomar pela pressa com que as mudanças estão sendo promovidas e o risco a que tem se submetido a Oi e a Brasil Telecom, pois levaram a efeito operação comercial gigantesca sem amparo na lei – a fusão contraria o Plano Geral de Outorgas em vigor –, desenvolvida pelo trabalho de uma dezena de grandes escritórios de advocacia, lobistas (e, quem sabe, compadres), para a criação da supertele, temos de trabalhar com a hipótese de que as devidas cautelas não estejam sendo devidamente consideradas e, por isso, temos de ter muito receio.

Vejam o poder da supertele! Mesmo sem respaldo legal, vem pautando a atuação do Ministério das Comunicações e da Anatel e atropelando o direito da sociedade de participar e ver representados os interesses dos diversos segmentos nas decisões sobre o destino do setor.

Os primeiros passos já foram dados no último mês de abril. Foram alteradas as metas de universalização dos contratos de concessão da telefonia fixa. Numa manobra sorrateira e de legalidade já questionada no Poder Judiciário, o Governo presenteou as concessionárias – Telefonica, Oi e Brasil Telecom, sem prévia licitação, com o direito de implementarem as redes de expansão da banda larga, sob a justificativa capenga de que elas são detentoras do direito de uso exclusivo dos backbones – a infra-estrutura de redes de alta velocidade inerentes ao Serviço de Troncos e, portanto, teriam melhores condições de capitanear o plano de extensão da rede de banda larga, que depende dessas redes de alta velocidade, de âmbito nacional e internacional, para se ancorar.

Ora, caso a ANATEL tivesse cumprido suas obrigações legais, mais empresas estariam se beneficiando do presente que receberam as teles, o que traria estímulo para redução de tarifa e melhor qualidade do serviço. Precioso o resultado de estudo promovido pela Telcomp – Associação Brasileira de Prestadores de Serviços de Telecomunicações Competitivas – para expressar a fragilidade do nosso mercado de banda larga.

Para a alteração desse quadro, há medidas fundamentais e que já deveriam ter sido adotadas pela Anatel , tais como a implementação do que dispõe a LGT e a adoção do modelo de custos.

Caso a concessão para o serviço de troncos tivesse sido implementada, nos termos do art. 207, da LGT, milhões de quilômetros de backbone que cobrem todo o país, poderiam estar sendo utilizados em condições isonômicas e neutras em relação à concorrência por todos os prestadores de serviço de telecomunicações, inclusive pelas concessionárias do STFC, garantindo-se competição e, conseqüentemente, a redução dos preços, proporcionada pelo modelo "open reach" – a exemplo do que vem ocorrendo na Europa aonde, graças a essas medidas, as tarifas já caíram mais de 40% e houve sensível melhoria na qualidade dos serviços.

Quanto ao modelo de custos, se já estivesse implementado, como determina a lei, a Anatel não estaria mais refém dos sistemas de informação das suas fiscalizadas e teria ampliado seu poder de controle de preços, podendo estimular a concorrência e a ampliação da vergonhosa taxa de penetração do serviço básico (média de 38 tel/100hab) – a telefonia fixa – que mesmo em países onde a banda larga e a telefonia móvel têm preços 400% mais baixos do que os nossos – apresentam teledensidade de 70 telefones para cada 100 habitantes.

Ou seja, os três fatos concretos são: a construção e uso da rede de acesso à banda larga – os backhauls – estão nas mãos das concessionárias, que já são dominantes nos seguimentos de telefonia fixa e banda larga nos seus setores de atuação e poderão, igualmente, passar à condição de dominantes do setor de televisão a cabo; o setor de telecomunicações está prestes a ter 97% do território nacional sujeito ao domínio da supertele BrT-Oi, o estado de São Paulo, nas mãos da Telefonica e, como terceiro agente no cenário nacional, a Embratel (Telmex); o governo está alterando o marco legal do setor, sem estar apoiado em estudos de impacto econômico e social, impedindo um amplo debate e passando por cima das determinações constitucionais que impõem garantia de acesso ao serviço essencial, o incentivo à pequenas e médias empresas e a concorrência.

Porém, não vemos perspectivas de que o governo repense seus planos ou, com transparência, exponha o motivo pelo qual tem adotado a estratégia de segmentar o trato dos vários aspectos da alteração do marco regulatório, tratando em momentos distintos e em fóruns separados os seguintes temas fundamentais: a entrega das redes de banda larga apenas nas mãos das concessionárias, sem licitação (alteração do PGMU – Decreto 6.424/2008), a alteração da Lei Geral das Telecomunicações no que tange ao limite de atuação das concessionárias (PL 29), a alteração da lei do Fundo de Universalização das Telecomunicações – o Fust e a revisão da Política de Telecomunicações no âmbito do Ministério das Comunicações ainda em curso, a despeito das modificações já promovidas. Tudo isso, passando como um rolo compressor; sem debates qualificados, pois os prazos de consulta pública têm sido limitados e sem disponibilização à sociedade de estudos técnicos e econômicos e sem envolvimento do Congresso Nacional.

O que o presidente Lula pretende com as medidas que vêm sendo adotadas? Poderia desencadear um processo amplo como este sem ouvir a sociedade, agindo de forma açodada como sempre criticou o Governo anterior na época da privatização?

Perguntamos, então: presidente Lula, lá aonde? O que nos oferecerá a supertele e para quê?

* Flávia Lefèvre Guimarães é advogada e coordenadora da Frente dos Consumidores de Telecomunicações, consultora da associação Pro Teste e representante dos usuários no Conselho Consultivo da Anatel.