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Expectativa cerca Fórum de TVs Públicas

Cercado de expectativa, começa nesta terça-feira (8/5), em Brasília, o I Fórum Nacional de TVs Públicas, evento promovido pelo Ministério da Cultura, Radiobrás, TVE, Casa Civil e Secretaria Geral da Presidência da República, com o apoio das associações das emissoras do campo público (comunitárias, universitárias, públicas e estatais) e de organizações da sociedade civil. 

Ápice de um processo iniciado em 2006 com os trabalhos de sete grupos temáticos (financiamento; legislação e marcos regulatórios; missão e finalidade; configuração jurídica e institucional; tecnologia e infra-estrutura; programação e modelo de negócios; migração digital), que discutiram e apontaram os princípios a serem considerados pelo governo, o fórum nasceu para enfrentar um dos principais desafios do Brasil no campo das comunicações: a instituição, na prática, do que determina o Art. 223 da Constituição Federal, ou seja, a complementariedade dos sistemas público, privado e estatal na radiodifusão brasileira.

Em um ambiente onde as emissoras privadas são hegemônicas, a fase final do fórum deve necessariamente debruçar-se não só em como o Estado brasileiro irá fortalecer as emissoras diretamente controladas pelo Estado (do Legislativo, Judiciário e Executivo), mas principalmente em como irá efetivar um Sistema Público de Radiodifusão, não-comercial e não-estatal, ou seja, autônomo em relação aos governos e ao mercado. Incluem-se neste perfil de emissoras, além da TVs públicas propriamente ditas, também as do chamado “campo público”, como as tevês universitárias e comunitárias.

 

Para os idealizadores do fórum, que terá aproximadamente 600 participantes, a iniciativa já pode ser considerada uma conquista. Segundo José Roberto Garcez, presidente da Radiobrás, “apenas o processo de aproximação entre as entidades do campo público de televisão e o acúmulo retratado nos dois cadernos de debates já publicados significam um grande avanço. O fórum servirá para aproximar ainda mais outros setores envolvidos com a televisão pública no Brasil e aprofundar as propostas para a elaboração de um plano de trabalho”.

Os desafios do fórum

A expectativa do professor Venício Lima, pesquisador do Núcleo de Estudos de Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), entretanto, vai além. Lima defende que o encontro de quatro dias seja um espaço de reflexão sobre o campo público, mas que também produza propostas que influenciem os debates que estão acontecendo no âmbito do grupo de trabalho criado na Secretaria de Comunicação Social pelo ministro Franklin Martins. “Não faz sentido esta comissão entregar um relatório que não leve em conta este processo”, afirma, ressaltando que o grupo formado por Martins teria 30 dias para apresentar uma proposta, prazo que coincide com a data de realização do fórum.

 

O presidente da Radiobrás, porém, esclarece que o grupo de trabalho deve apresentar neste primeiro momento propostas básicas para questões de gestão, financiamento e modelo de rede, mas “a partir dessa proposta, devemos estabelecer uma discussão ampla, levando em conta os debates proporcionados pelo Fórum de TVs Públicas, até a definição de um modelo que atenda efetivamente as necessidades da população brasileira de contar com uma rede efetivamente pública de televisão”, diz Garcez.

 

Na mesma direção, o professor Laurindo Leal Filho, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo acredita que haverá uma inter-relação entre o grupo de trabalho e o fórum. “O encontro vai coincidir com os primeiros 30 dias em que estão sendo decididas, pelo grupo formado na secretaria, questões-chave como financiamento, controle e rede. Depois, haverá mais 60 dias de prazo até a elaboração do decreto. A expectativa é de que o fórum contribua para a redação do decreto”, afirma Lalo.

 

Uma das organizações da sociedade civil que participa do processo desde 2006, o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, ressalta que o fórum é o ambiente ideal para buscar uma definição consensual do significado do termo “público”. “Quando o ministro Hélio Costa afirmou que teríamos uma TV ‘pública do Executivo’, causou uma confusão conceitual que precisa ser desfeita definitivamente. Afinal, televisão estatal, de governos, dos legislativos ou do Judiciário, é uma coisa. Televisão pública, controlada pela sociedade, é outra”, afirma Jonas Valente, membro da organização.

 

Gabriel Priolli, presidente da ABTU – Associação Brasileira de Televisão Universitária, aponta questão semelhante: “Ainda existem muitos pontos que precisam ser esclarecidos em relação à rede pública de TV anunciada pelo governo. O primeiro desafio, que é também demanda do fórum, é separar conceitualmente o que é TV estatal e o que é TV pública, como manda o Artigo 223 da Constituição Federal. Depois isso precisa ser formalizado, transformado em lei específica. O governo precisa decidir se a proposta que está apresentando é de uma rede estatal ou de uma rede efetivamente pública”.


Além de uma rede pública?

A avaliação de organizações da sociedade civil como o Intervozes é de que o ideal seria que o fórum introduzisse uma discussão mais ampla sobre outras mídias, evoluindo do debate sobre uma rede televisão para a de um sistema público de comunicação, que seja discutido em uma Conferência Nacional de Comunicações, que envolva outros setores da sociedade civil.

 

Para Garcez, da Radiobrás, as principais respostas que o grupo de trabalho designado pelo presidente Lula e coordenado pelo ministro Franklin Martins deve dar estão relacionadas a este debate. “O importante é que, pela primeira vez, se discute a necessidade de adotar o princípio constitucional (da complementaridade dos sistemas)", diz.

 

Não há, entre os participantes do fórum, entretanto, a intenção de negar a comunicação direta do Estado com os cidadãos, como expõe Priolli: “Os três sistemas devem coexistir, como diz a Constituição. O Estado também precisa se comunicar com a sociedade através da televisão. Mas a rede pública precisa ser controlada pela sociedade, com conselho gestor formado pela sociedade, onde o governo também poderá participar, mas sem maioria”.

 

Outro debate fundamental que deve acompanhar as discussões do fórum é sobre como será formada a rede pública de televisão. Se a proposta de criação da rede tem adesão geral, há diferenças sobre como ela deve nascer. Para Laurindo Leal Filho, por exemplo, “o ideal seria a criação de uma nova rede de televisão, de abrangência nacional, forte, que faça frente às redes comerciais e que aproveite, de alguma forma, a produção das emissoras já existentes, desde que esta programação seja compatível com a grade nacional”, explica.

 

Já a ABTU, pondera, e afirma que a nova rede pública só terá possibilidade de se constituir sobre uma rede já existente de canais. “Será preciso um grande esforço coletivo de vários canais e dos vários governos estaduais”, afirma Priolli.

 

Por parte do governo, a estratégia ainda está indefinida. Garcez explica que “a realidade brasileira impõe a construção de modelo que leve em conta a extrema diversidade e as condições já instaladas. Não frutificará um projeto que imponha um modelo de cima para baixo. Já existe no Brasil um conjunto de emissoras públicas de vários tipos que não podem ser ignoradas ou desprezadas. Elas representam a diversidade brasileira em todas as regiões, mas será preciso também criar condições de produção para quem mais atores entrem em cena”, diz.

O embrião da rede e a questão do financiamento

Além da garantia de autonomia em relação ao Estado e ao mercado, outro desafio é apontar as formas de financiamento, tanto da nova rede de televisão quanto das emissoras do campo público, especialmente as comunitárias e universitárias. Para Leal Filho, a aplicação de recursos do governo federal nas emissoras já existentes é insuficiente e incompatível com a criação de uma rede nacional. “Estas emissoras têm atuação fragmentada. É jurídica e politicamente inviável constituir uma rede aproveitando só o que já existe hoje”, diz. “Os recursos do governo federal devem ser canalizados na construção de uma nova rede nacional de TV, competitiva, não só para fazer número e dizer que existe. Precisa ter audiência, um outro patamar de qualidade”, conclui.

 

A questão do financiamento é exatamente um dos três eixos sobre os quais o grupo de trabalho criado pelo governo está debruçado. “Mas já existe a determinação de que essa rede pública não pode copiar os modelos de financiamento das emissoras privadas, pois isso afetaria o resultado final que deve ser uma programação desvinculada de interesses comerciais”, informa Garcez.

 

Sobre a utilização das estruturas de TVE e Radiobrás, Garcez é categórico: “Não poderia ser diferente. Precisamos integrar as emissoras do governo federal para dar exemplo de racionalidade dos gastos públicos. As estruturas de programação e administrativa das duas instituições precisam se aproximar e abranger a participação da sociedade na definição das diretrizes estratégicas das emissoras”, completa.

 

Valente, do Intervozes, também defende a possibilidade de aproveitar as estruturas das emissoras já existentes, mas ressalta o dilema: “estas estruturas serão usadas para uma rede de emissoras públicas efetivas ou para um canal comandado pelo Executivo? Defendemos que seja para a primeira opção e temos a convicção de que será um desperdício não aproveitar o momento para criar o embrião de um Sistema Público de Comunicações”. Priolli, da ABTU, concorda: “Esta é a melhor oportunidade que temos em décadas para discutir a televisão pública. O Fórum é uma espécie de Constituinte da TV pública brasileira. Será uma oportunidade de redefinir tudo, de estabelecer parâmetros para que a partir daí tenhamos políticas públicas efetivas para o setor”.

 

Mas, se a expectativa é grande e os desafios são muitos, entre os participantes do Fórum impera a certeza de que a iniciativa se tornou um momento de extrema relevância para os que defendem a democratização das Comunicações.

 

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Este Observatório estará presente em Brasília nos quatros dias do I Fórum Nacional de TVs Públicas e fará uma cobertura diária dos debates. Acompanhe.

 

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