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Pesquisa contradiz dados do O Globo sobre ação policial

Uma pesquisa realizada pelo Grupo Cultural Raízes em Movimento em parceria com o jornal Fazendo Media constatou que a grande maioria dos moradores do Complexo do Alemão reprova a política de Segurança Pública do governo Sérgio Cabral. No dia 21 de julho foram ouvidas 787 pessoas nas favelas da Grota, Pedra do Sapo, Morro do Alemão e Morro dos Mineiros, todas pertencentes ao Complexo.

Dos entrevistados, 91% disseram não apoiar "invasões da polícia no Complexo do Alemão, como a mega-operação realizada no dia 27 de junho", enquanto 7% responderam que apóiam essas operações e 2% não quiseram responder.

O levantamento contradiz a pesquisa divulgada pelo jornal "O Globo" no dia 10 de julho [ver quadro abaixo]. Sob o título "População aprova operação policial", a pesquisa encomendada ao Ibope diz apenas que ouviu "mil pessoas, pelo telefone, nos dias 3 e 4 de julho", mas não especifica aonde residem os entrevistados.

Para Alan Brum, cientista social e coordenador-geral do Raízes em Movimento, uma pesquisa desta natureza deve ouvir as pessoas que sofreram diretamente a ação da polícia. "Nessa perspectiva, a gente julgou importante que tivesse um retorno da própria comunidade que sofre essa política direta de segurança pública implementada pelo governo do Estado. Então a gente desenvolveu um trabalho de pesquisa dentro do Complexo do Alemão para saber qual a aceitação dessa política de segurança pública de repressão nas favelas do Rio de Janeiro", afirmou.

Na pesquisa divulgada pelo "Globo", o jornal distorce os resultados. A partir de mil respostas de localidades não identificadas, o "Globo" traz no título "População aprova operação policial". Ou seja, se apenas moradores da Zona Sul tiverem sido consultados, temos, por analogia, que o termo "população", para o "Globo", exclui os moradores da Zona Norte.

O Fazendo Media entrou em contato com o Ibope no dia seguinte à divulgação da pesquisa, 11 de julho, mas a atendente não soube informar em que localidades esse levantamento foi realizado. Ela explicou ainda que a empresa possui muitas unidades e que não sabia em qual delas essa pesquisa havia sido realizada. A página do Ibope na internet também não publiciza esta informação, fundamental para a credibilidade de qualquer pesquisa de opinião.

A pesquisa do Ibope foi divulgada no seguinte contexto: ela está num quadro no alto, à direita, da página 19 da Seção Rio do jornal O Globo (10 de julho). Ela acompanha e sustenta a matéria principal, que traz no título "Traficante tem mais seguranças que presidentes", ao lado de uma foto do secretário de Segurança, José Mariano Beltrame. Dois dias antes, num domingo, o "Globo" havia divulgado um "manual de guerrilha" utilizado pelos bandidos, que repercutiu durante a semana e motivou declarações do governo de que a invasão ao Alemão fora acertada.

O coordenador de fotografia do Raízes em Movimento, Sadraque Santos, tem 41 anos e é nascido e criado no Morro do Alemão. Ele põe em xeque a legitimidade da pesquisa divulgada pelo "Globo". "Nem tudo que a grande mídia mostra é verdadeiro. Por exemplo, como é que o 'Globo' faz uma pesquisa dizendo que 83% da população concorda com a operação que aconteceu dentro do Complexo do Alemão, sendo que dentro do próprio Complexo do Alemão eu tenho certeza absoluta que ninguém foi ouvido? Não ligaram pra ninguém. Até porque, hoje, dos 5 mil telefones da favela, 4 mil estão desligados. Por conta, justamente, da operação policial, quando eles atiraram no armário telefônico e deixaram 4 mil telefones mudos e até hoje esses telefones não foram consertados. Então como essa pesquisa pode ser verdadeira, se foi feita por telefone?", questiona o fotógrafo.

Sadraque também ressalta a importância de os próprios moradores do Complexo do Alemão serem ouvidos, como permitiu o levantamento realizado pelo Raízes em Movimento em parceria com o Fazendo Media. "As pessoas que responderam a essa pesquisa são da própria comunidade, são pessoas que ainda estão sob pressão psicológica, e então essa pesquisa vem mostrar que, de fato, temos que fazer o que a gente fez: ouvir as pessoas que sofreram o reflexo. Não é fazer uma pesquisa com as pessoas lá fora, não se sabe de que forma foi feita, não tem os endereços pesquisados. Por outro lado, na nossa pesquisa temos os nomes dos locais pesquisados, das ruas e o horário que o trabalho foi realizado".

David da Silva, 26 anos, é coordenador de Comunicação do Raízes, estudante de jornalismo e também mora no Morro do Alemão. Ele concorda com Sadraque. "Sinceramente, eu já esperava esse resultado. Acho que a pesquisa foi boa porque ouviu os que foram atingidos e deu voz a essas pessoas. Porque normalmente não acontece isso. As mídias grandes, quando acontecem esses fatos, não só em favelas, mas em outros meios desfavorecidos, esse pessoal não tem voz pra dar sua opinião, sua visão, e dizer por que aquilo está acontecendo", sublinha.

Para o historiador e deputado estadual Marcelo Freixo, essa política de segurança pública baseada na idéia da guerra é ineficiente. "Ela é baseada na idéia do conflito. O Estado não garante educação, não garante saúde, não garante nenhum direito fundamental para os moradores das favelas, mas entra sistematicamente com a polícia. É óbvio que essa polícia não pode entrar para garantir direitos. Ela entra para o confronto, entra para a guerra, entra para matar ou morrer. E nessa lógica, inúmeras pessoas da comunidade vão morrendo, inúmeros policiais vão morrendo e a criminalidade não se reduz", disse o parlamentar.

O delegado da Polícia Civil, Orlando Zaccone, criticou a substituição de um modelo de política criminal por discursos midiáticos. Em entrevista à revista Caros Amigos deste mês, o titular da 52ª DP (Nova Iguaçu), que é mestre em criminologia, afirmou: "Hoje, nenhum governo e nenhum chefe de polícia, secretário de segurança tem na prática um modelo de política criminal pra dar solução a esse aumento de criminalidade. Então, os discursos midiáticos passam a ser a maior solução para todos. Ou seja, se coloca na mídia a esperança de que maiores penas seriam a solução. Nós sabemos que não são, porque, depois que foi editada a lei dos crimes hediondos, eles aumentaram. Agora, é muito mais fácil colocar um discurso imediato, porque a política vive muito de discursos imediatos".

David da Silva, do Raízes em Movimento, destacou ainda que o levantamento realizado dentro do Complexo do Alemão vai além dos próprios resultados da pesquisa. "Minha visão da pesquisa foi além do resultado. Foi da relação de que se pode construir mais dentro do grupo, na comunidade, essa coisa de estar envolvendo a comunidade na discussão. A comunidade sente falta disso. Muitos entram e não dão retorno pra ela. Hoje a gente conseguiu fazer isso. O Raízes está aqui há seis anos e hoje a gente foi pra rua pra conversar com as pessoas", conclui o coordenador.

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