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Governo Federal presta contas aos “donos das comunicações”

Pode-se dizer que o preço de um evento define e revela em certa medida o perfil dos seus participantes. Com inscrições entre R$ 1.920 e 2.400, o 12º seminário “Políticas de (Tele)comunicações no Brasil”, promovido pela Converge Comunicações (editora das revistas especializadas TelaViva e TeleTime) em Brasília, no dia 20 de fevereiro (quarta), reuniu cerca de 400 pessoas. O seleto grupo de empresários e executivos que controlam as comunicações no país e alguns especialistas discutiram as ações e a agenda do Poder Executivo Federal para o setor em 2013.

Os palestrantes escalados para expressar esse cenário foram: o secretário executivo do Ministério das Comunicações (que substituiu o ministro, confirmado em um primeiro momento), acompanhado dos secretários de comunicação eletrônica e de telecomunicações da pasta, o presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o presidente da Agência Nacional de Cinema (Ancine) e o diretor de pesquisa do Centro Berkman de Pesquisa de Internet de Harvard. Pode-se assim dizer, em outras palavras, que o poder político foi convidado e assumiu o papel de ir prestar contas ao poder econômico. O palco escolhido foi o luxuoso hotel Royal Tulip, situado nos “jardins” do Palácio Alvorada, residência oficial da presidenta da República.

Na equação entre poder econômico e poder político, o saldo (expresso na fala de Cezar Alvarez) foi o oposto do exigido pelas entidades que lutam pela ampliação da democracia: a subtração da discussão sobre um novo marco regulatório para as comunicações no país. É isto que foi expresso nas notícias que repercutiram a realização do evento na mídia especializada.

Posições divergentes

Os debates do seminário se centraram nas pautas específicas do setor, como o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), a regulamentação da internet nos termos do “Marco Civil da Internet” e as novas regras para a faixa de frequência de 700 MHz, disputada entre empresas de telecomunicação e de radiodifusão. Os temas expressam os centros de interesses dos empresários, mas expõem também algumas de suas divergências.

Teles e radiodifusores têm posições diferentes sobre questões como a neutralidade de rede, por exemplo. Enquanto o representante da Globo, Paulo Tonet Camargo, defende que “o princípio da neutralidade é incontestável”, o diretor de assuntos regulatórios da Oi, André Borges, afirma que “quando se começa a querer colocar, em uma lei principiológica, todas as situações, isso limita definitivamente algumas possibilidades de desenvolver o mercado”.

Outro ponto de tensão diz respeito ao uso que será dado à faixa de frequência de 700 MHz, a ser liberada com o encerramento das transmissões de TV analógica e que deve ter suas regras de uso definidas em consulta pública. As operadoras de telefonia possuem interesse particular em utilizar o espaço para a exploração do serviço de banda larga móvel 4G, enquanto os radiodifusores se preocupam com a possibilidade de perda de espaço para suas emissoras e interferência no sinal de TV digital. A Associação Brasileira de Rádio e Televisão (ABERT) reclamou durante o seminário sobre a forma como vêm sendo conduzidos os testes que orientam a decisão do governo sobre o modelo a ser adotado.

Em meio a essa disputa entre grandes interesses econômicos e políticos, à parcela da sociedade civil que reivindica a ampliação da participação na comunicação sobrou um pequeno espaço no evento, na curta fala de Jonas Valente, do Intervozes, sobre a importância da neutralidade de rede. Do lado de fora, aqueles que não têm como pagar a inscrição, continuam apartados do seu direito de participar da definição das políticas de comunicação.

MiniCom diz não acreditar em discussão de novo marco em ano pré-eleitoral

Durante o seminário “Políticas de (Tele)comunicações”, realizado no dia 20 de fevereiro em Brasília, o secretário-executivo do Ministério das Comunicações Cezar Alvarez declarou aos presentes que na sua “visão pessoal” seria “praticamente impossível no curto cenário desse ano pré-eleitoral” garantir o debate do novo marco regulatório “com a profundidade, maturação e tempo necessário”. A declaração foi dada em resposta às perguntas do professor da Universidade de Brasília (UnB) Murilo César Ramos, que se disse incomodado com a não publicação por parte do Governo Federal de uma consulta pública no ano de 2012 para tratar do tema.

Alvarez, que substituiu o ministro Paulo Bernardo no evento, afirmou que a intenção inicial seria “fazer um debate profundo dentro do próprio governo e na sociedade em duas grandes rodadas”, uma primeira de diagnósticos e linhas de trabalho, seguida por outra de discussão de um anteprojeto. Em sua avaliação, tal processo levaria de dois a três anos. O secretário insistiu em sua descrença de que haja a discussão de uma Lei Geral de Comunicação Eletrônica em sua dimensão convergente e ampla ainda neste governo, embora tenha afirmado que no atual cenário de convergência “o ideal seria uma atualização da regulação de forma conjunta da radiodifusão e telecomunicações”.

No decorrer do evento, o jornalista Samuel Possebom, da revista Teletime, ironizou as razões apontadas pelo secretário do MiniCom “no Brasil todo ano é pré-eleitoral ou eleitoral”. Para Alvarez, a impossibilidade de discutir o novo marco legal, "não significa que tudo vai para as calendas". Segundo ele, alguns pontos urgentes e específicos da pretensa reforma têm sido discutidos, como a destinação dos canais 5 e 6 da faixa FM para as emissoras AM e a “qualificação” e o “financiamento” das rádios comunitárias brasileiras.

O representante do MiniCom defendeu ainda que a infra-estrutura de telecomunicações construída voltada para a Copa do Mundo tem que ter uma perspectiva de menos provisória e mais permanente. “Essa rede tem que se capilarizar e chegar de forma pública às famílias brasileiras de baixa renda”.

Entidades consideram declaração do MiniCom “desculpa esfarrapada”

Entidades que participam da campanha “Para expressar a liberdade”, promovida pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) e que propõe um novo marco regulatório para as comunicações, questionaram a justificativa dada pelo Ministério das Comunicações para não lançar o debate sobre a reforma da lei.

Segundo Renata Mielli, do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé, a declaração do Ministério das Comunicações demonstra a falta de vontade política do Governo Federal para enfrentar um tema árido e espinhoso que deveria ser tratado para o bem da democracia brasileira. “O assunto está (literalmente) na gaveta do ministro desde o primeiro dia do governo e ele teve tempo suficiente para colocá-lo na pauta”, critica.

Mielli foi ainda mais dura na sua avaliação. “O que tem de pior neste governo está no Ministério das Comunicações, que traça suas políticas não de olho no interesse público, mas no das empresas”, desabafa. Como exemplos, cita a resistência à reforma do marco regulatório, a tentativa de flexibilizar a neutralidade de rede no Marco Civil da Internet, os debates sobre a acomodação dos interesses econômicos nas possibilidades de exploração abertas pela digitalização, o tratamento dado às rádios comunitárias como caso de policia e a orientação do debate sobre rádio digital em que não se discutem formas de ampliar a participação popular. “Paulo Bernardo está fazendo por merecer o título de “homem do ano” que recebeu do sindicato das teles”, ironiza.

Outra entidade que participa da campanha também considera sem fundamento a posição do MiniCom. Para João Brant, do Intervozes, o governo tem demonstrado uma postura “conservadora e covarde”. “O que ele tem feito é tentar mediar e equilibrar as tensões entre as teles e os radiodifusores, não demonstra nenhum compromisso sério com o interesse público e não faz o debate de maneira franca”, afirma.

A declaração de Cezar Alvarez também foi criticada por deputados do Congresso Nacional.