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“Liberdade de expressão foi apropriada pela imprensa”

Foi lançado na última segunda-feira (21/06) em São Paulo, num evento realizado em parceria pela Publisher Brasil e pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé, o mais novo livro do jornalista e sociólogo Venício A. de Lima, colaborador permanente da Carta Maior. A obra, intitulada "Liberdade de Expressão X Liberdade de Imprensa – Direito à Comunicação e Democracia", se propõe a discutir uma das questões mais polêmicas do atual debate público das comunicações: as diferenças entre esses dois conceitos.

Propositalmente igualados pelos donos da mídia, tendo como consequência a dominação da liberdade de expressão do conjunto das sociedades pelos meios de comunicação de massa, liberdade de expressão e liberdade de imprensa, como mostra o livro de Venício Lima, tratam de direitos diversos. Enquanto a primeira se refere à liberdade individual e ao direito humano fundamental da palavra, a segunda se refere à liberdade de empresas comerciais – a imprensa ou a mídia – de tornar público o conteúdo que consideram "informação jornalística" e entretenimento.

"Ao longo da história, no entanto, a liberdade individual foi sendo apropriada por esta instituição que conhecemos como imprensa", explicou o autor durante o lançamento em São Paulo, marcado por um debate que contou ainda com a presença de Fábio Konder Comparato, professor emérito da Faculdade de Direito da USP e autor do prefácio do livro, e dos jornalistas Mino Carta, Luis Nassif e Paulo Henrique Amorim.

"Em textos históricos sobre o tema, há uma diferença óbvia entre três palavras que não foi preservada em suas traduções: press (imprensa), print (impressão) e speech (fala). Desde a Declaração de Virgínia, no século XVIII, até a declaração da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em outubro de 2000, há referência explícitas a liberdades diferentes. O próprio artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos explicita que não há nada que permita que esta liberdade individual possa ser transferida para grupos de mídia, o que foi feito inclusive em decisões recentes do Supremo Tribunal Federal", disse Lima, citando os julgamentos que terminaram por revogar integralmente a Lei de Imprensa e extinguir a obrigatoriedade do diploma universitário específico para o exercício do jornalismo.

Neste resgate histórico, Venício A. de Lima lembra que, em 1644, o texto "Areopagitica", de John Milton, um clássico da liberdade de imprensa, defendia, na verdade, a liberdade individual de "print" – num contexto em que "imprimir" não tinha nada a ver com a imprensa que existe hoje. Idem para os textos do século XVIII. "O que se chamava de liberdade de impressão não poderia se referir à impressão da revista VEJA, por exemplo, no século XXI", afirmou.

"Giovanni Sartori , cientista político de referência no pensamento liberal, fala que não é possível discutir liberdade de imprensa na democracia a menos que haja competição no mercado; a Constituição Federal de 1988, no artigo 220, lembra que os meios de comunicação não podem ser objetos de monopólio; a CIDH fala explicitamente que o mercado democratizado é condição para discutir liberdade de imprensa na democracia. Este é o ponto de partida, o que está muito distante do nosso caso", analisa.

Anfibologia

Aconteceu, portanto, ao longo dos séculos, o que o professor Fábio Konder Comparato caracterizou como uma das qualidades da burguesia: a capacidade de se utilizar da anfibologia para dominar o mercado e o Estado. Anfibologia quer dizer ambiguidade. Na lógica aristotélica, designa uma falácia baseada no dúbio sentido, proposital ou inconsciente, que acaba por distorcer o raciocínio lógico e torná-lo obscuro. Para Comparato, repetiu-se com o conceito de "liberdade de expressão" aquilo que já havia sido feito com o conceito de "propriedade".

"Estas são duas palavras que historicamente representam momentos decisivos da ascensão da burguesia como classe dominante. No final do século XVIII, uma das reivindicações mais fortes do povo era o reconhecimento do direito de propriedade privada, como garantia a um mínimo de vida digna. Mas chega um momento de grande concentração da propriedade em que usam-se as mesmas normas e princípios jurídicos de respeito à dignidade humana para defender a grande propriedade. Mas enquanto a pequena propriedade precisa ser garantida, a grande precisa ser controlada, como qualquer grande poder, senão acaba em dominação absoluta. A mesma coisa aconteceu com a liberdade de expressão", explicou.

Até as revoluções do final do século XVIII, a possibilidade de imprimir era vedada. Foi quando se percebeu que a liberdade de impressão exercia um papel importante de controle do poder e, portanto, deveria ser garantida. A partir do século XIX, no entanto, começa um movimento de criação do monopólio empresarial, na imprensa e, depois, na radiodifusão.

"E aí houve uma virada de 180 graus, porque a liberdade de expressão desapareceu e continuou-se a usar este termo, assim como aconteceu com "propriedade". Hoje, chegamos a um ponto em que a liberdade definida como falta de controle é fundamental para a permanência da dominação absoluta dos empresários sobre o povo", concluiu Comparato.

O exemplo mais claro da radicalidade dos grandes meios de comunicação no combate a este controle, dentro da lógica de confundir a opinião pública acerca dos conceitos de liberdade de expressão e de imprensa, é a interdição do debate sobre mecanismos de participação popular e controle social da mídia. A Constituição de 1988 prevê formas de participação da sociedade no controle das atividades relacionada à administração das áreas ligadas aos direitos sociais, como educação, saúde e cultura.

"A comunicação é mais uma dessas áreas. Portanto, o controle social deveria ser garantido. O problema é que a grande mídia satanizou a expressão e o próprio governo entrou no jogo. Tanto que o tema foi proibido na 1a Conferência Nacional de Comunicação. O controle social é uma forma da sociedade avaliar e participar de um serviço e interferir na formulação das políticas públicas de uma área que interfere na vida de todos, como todas as outras. Nas sociedades liberais democráticas, que servem inclusive de referência para os proprietários de mídia no debate sobre liberdade de imprensa, isso ocorre sem nenhum problema", acrescentou Venício.

Para o autor, existe entre nós uma interdição não declarada a esse tema, cuja mera lembrança sempre provoca rotulações de autoritarismo e de retorno à censura. "Mesmo levando-se em conta o trauma ainda recente do regime militar, esse é dos muitos paradoxos históricos dos liberais brasileiros que nem sempre praticam o que afirmam defender", diz no livro.

Livro analisa a história da TV aberta no Brasil

Será lançado no dia 17 de setembro, às 20 horas, em Brasília, o livro “TV, poder e substância: a espiral da intriga”, de Luís Carlos Lopes. O evento ocorrerá no Restaurante Carpe Diem, localizado no SCLS 104, Bl. D, Loja 1. A obra analisa vários aspectos da existência da TV aberta no Brasil. É fruto de centenas de horas de pesquisa sobre os seus conteúdos e significados, constituindo-se em um esforço de interpretação deste meio de comunicação fundamental e hegemônico do conjunto das mídias técnicas brasileiras.

A obra parte do princípio que só se pode falar desse meio, considerando suas imbricações com a vida política e cultural do país. O trecho, abaixo reproduzido, dá algumas pistas do que esperar do seu conteúdo. O livro estará proximamente disponível nas boas casas do ramo.

“A veiculação dos artefatos publicitários está na origem da TV brasileira, concebida como a mais eficiente máquina de vender produtos e idéias, jamais imaginada. Ao contrário do que os sensos comuns dizem, a programação usual é o intervalo dos reclames cada vez mais sofisticados e capazes de atrair milhões de consumidores. Esta máquina ainda não foi superada pelas mais recentes, no que se refere a sua capacidade de vender e convencer. Por isto, nela se concentram investimentos massivos que estão longe de optar pelo seu abandono ou substituição. Este processo vem sendo continuado na TV por assinatura e experimentado, com características similares, pela Internet.

A TV, portanto, teve que desenvolver parâmetros de sintonização com as culturas pré-existentes, antes de ser a principal entidade produtora da cultura nacional. Absorveu o que existia, devolvendo ao público uma programação compreensível e capaz de atrair o gosto popular, sem se desgastar junto aos interesses políticos e publicitários a que estava e ainda está ligada. Hoje, no mundo da cultura das mídias, ela já pode se autorreproduzir, citando a si próprio repetidamente e de modo incansável. Desenvolveu-se de modo monstruoso e sem muitas possibilidades de autocrítica, devido seu imenso sucesso empresarial e sua forte ligação com inúmeras fontes de poder.”

Instituto lança versão atualizada do estudo ‘Donos da Mídia’

Está à disposição da sociedade brasileira um extraordinário banco de dados sobre os grupos de mídia do país. Concebido e liderado por Daniel Herz, "Donos da Mídia" desvenda os laços de redes e grupos de comunicação, demonstra como o controle sobre a mídia é exercido, o papel dos políticos, a ilegalidade de suas ações e da situação de empresas do setor.

O uso do superlativo “extraordinário” justifica-se facilmente: basta acessar www.donosdamidia.com.br para constatar que o site deverá se constituir em um marco na história das pesquisas sobre comunicação no Brasil. Além da sua diversidade e completude, "Donos da Mídia" é também um estudo inédito que permite avaliar as relações políticas, sociais e econômicas decorrentes da concentração da mídia nacional.

Produzido pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), entidade parceira do FNDC, "Donos da Mídia", que está em fase de finalização, lista 7.275 veículos de comunicação, abrangendo rádios (inclusive as comunitárias), televisão aberta e por assinatura, revistas e jornais. Relaciona também as retransmissoras de televisão. No caso dos jornais, registra somente os de circulação diária ou semanal.

O papel controlador das redes

"Donos da Mídia" demonstra como tais veículos se organizam, destacando o papel estruturador das redes nacionais de televisão, especialmente as cinco maiores: Globo, Band, Record, SBT e Rede TV!. Há 33 redes de TV, às quais estão ligados 1.415 veículos, geralmente através de grupos afiliados. As redes de emissoras de rádio FM e OM somam 21. Esses dados podem ser visualizados aqui .

Também são identificados grupos nacionais e regionais. Os grupos nacionais foram definidos como o “conjunto de empresas, fundações ou órgãos públicos que controlam mais de um veículo, independentemente de seu suporte, em mais de dois estados”. Foram identificados 33 grupos, controladores de 267 veículos. Record (34 veículos), Band (32) e Globo (29) são os maiores.

Grupos regionais são aqueles que “controlam mais de uma entidade de mídia, independentemente de seu suporte”, atuando em até dois estados. Há 139 deles, controlando 655 veículos. RBS (55 veículos), OJC (24) e Sistema Mirante (22) são os maiores – todos são ligados a Globo. Esses dados podem ser vistos aqui . Os veículos quantificados podem ser localizados geograficamente na consulta à seção Lugares . Cada um dos 5.564 municípios brasileiros é referido.

A ilegalidade de grupos e políticos

Navegando em "Donos da Mídia", é possível saber quantos veículos há em cada município, quais os grupos de mídia atuantes nas várias regiões, bem como dimensionar a cobertura das redes. Confira aqui . Para visualizar, por exemplo, o mapa da mídia em São Paulo, clique aqui . Os dados sobre as empresas incluem desde os seus endereços até seus concessionários, permissionários ou proprietários.

A localização dos veículos e a identificação de seus concessionários (e seus sócios) permite, por exemplo, constatar a situação ilegal da maioria dos grupos de mídia. Quase todos controlam um número de concessões superior ao permitido por lei. Os limites de concessões ou permissões para os serviços de radiodifusão podem ser vistos aqui . Outra ilegalidade flagrada pelo cruzamento de dados proporcionado pelo site é a participação direta de políticos no controle de emissoras de rádio e TV.

Como é sabido, a Constituição Federal proíbe (artigo 54) os deputados e senadores participar de organização definida como “pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público”. Essa determinação constitucional aplica-se, por extensão, aos deputados estaduais e prefeitos. Entretanto, "Donos da Mídia", identificou 20 senadores, 48 deputados federais, 55 deputados estaduais e 147 prefeitos como sócios ou diretores de empresas de radiodifusão.

Quanto às suas origens partidárias, predominam os políticos filiados ao DEM (58, ou 21,4%), ao PMDB (48, ou 17,71%) e ao PSDB (43, ou 15,87%. Esses dados podem ser pesquisados aqui .

Um projeto de Daniel Herz

Apoiado em fontes sólidas e em uma extensa e detalhada pesquisa, "Donos da Mídia" representa o vértice de um projeto concebido e liderado pelo jornalista Daniel Herz , um dos fundadores do FNDC e seu principal mentor, falecido em maio de 2006. Ele também criou o Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom), sediado em Porto Alegre.

Em sua fase decisiva, o projeto foi conduzido pelo jornalista James Görgen, que integrou o Epcom por vários anos. Leia a história do projeto aqui . Além da equipe relacionada no site, participou da pesquisa, na fase preliminar, a então estagiária de jornalismo Michele Fatturi.

O jornalista e professor universitário Celso Schröder, Coordenador-geral do FNDC, sugere que todas as entidades, universidades, ongs e sindicatos coloquem nos seus sites um link para "Donos da Mídia". Observa que “a luta pela democracia na mídia só terá sucesso quando a sociedade se apropriar dela.” E acrescenta: “"Donos da Mídia" demonstra de modo enfático as distorções que o FNDC vem apontando e ratifica suas proposições. Poderá ser uma ferramenta poderosa a serviço dos que ambicionam democratizar a comunicação brasileira e do aperfeiçoamento das suas propostas de políticas públicas.”