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Senadores querem derrubar decisão do Conselho da EBC sobre programação religiosa

A decisão do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) de alterar a programação religiosa de seus veículos extrapolou definitivamente os muros da empresa. Depois da interferência da Justiça Federal anulando a resolução do Conselho e de entidades da sociedade civil terem se manifestado sobre o tema, foi a vez do Senado entrar na polêmica. Nesta quinta-feira (29), depois da realização de audiência pública sobre o assunto, os senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Edison Lobão Filho (PMDB-MA) protocolaram na Casa um decreto legislativo para sustar a decisão do Conselho.

Os poucos senadores presentes na audiência do Senado criticaram bastante a decisão do Conselho, tomada em 24 de março deste ano. A argumentação dos parlamentares, boa parte ligada a grupos religiosos, é que o órgão foi além das suas atribuições. Também afirmaram que a retirada dos conteúdos religiosos presentes na grade atualmente seria um ato descriminatório. A resolução do Conselho foi para que as produções religiosas (A Santa Missa e Palavras de Vida, da igreja católica, e Reencontros, da evangélica igreja batista) fossem substituídas por faixa(s) horária(s) que promovam a pluralidade religiosa.

A 15ª Vara Federal do Distrito Federal já havia decidido que os programas, que somam 2h45 da programação semanal da TV Brasil e Rádio Nacional de Brasília, continuassem a ser exibidos. O setor jurídico da empresa recorreu da antecipação de tutela movida pelas igrejas. No entanto, é provável que o decreto seja aprovado antes dessa tramitação na Justiça e que a questão seja definida pelo Legislativo. O esforço da base governista será para que isso ocorra.

O tema tomou uma dimensão tão delicada que chegou à Presidência da República. Segundo fonte ouvida por este Observatório, a presidenta Dilma Rousseff teria ficado bem irritada com a resolução do Conselho Curador da EBC. O senador petista Lindbergh Farias disse na audiência que recebeu muitas reclamações sobre o tema, indicando que as pessoas estavam atribuindo a proposta de mudança na programação dos veículos da empresa ao governo e ao PT.

A polêmica também pode influenciar no processo de sucessão da direção da empresa. O episódio pode dificultar a permanência da jornalista Tereza Cruvinel à frente da EBC, já que a presidenta Dilma teria atribuído parte do imbróglio à falta de habilidade de Cruvinel de conduzir a questão. O mandato da jornalista encerra-se no fim deste mês. Além de sua recondução, cogita-se também alçar o atual superintendente de Comunicação Multimídia, Nelson Breve, para a presidência da empresa pública.

Decisão do conselho

Essa pauta chegou ao Conselho Curador da EBC em abril de 2010. Entre 4 de agosto e 19 de outubro daquele ano foi feita uma consulta pública, que contou com 141 contribuições de pessoas e organizações. No dia 24 de março deste ano foi aprovada a resolução que propõe a troca dos atuais programas por uma faixa na programação que promova a pluralidade de religiões. Portanto, o assunto está em discussão há mais de um ano e meio.

Para os conselheiros, manter dois programas católicos e um evangélico nas emissoras da empresa é um privilégio injustificado a esses grupos. A decisão levou em conta, entre outros fatores, a diretriz constitucional que proíbe entes públicos vinculados à União de estabelecer ou subvencionar cultos ou igrejas (art. 19), bem como na Lei 11.652/2008, que impõe à EBC a não-discriminação religiosa (art. 2º) e a vedação a qualquer proselitismo na programação (art. 3º).

A diretoria, por sua vez, apresentou em 18 de setembro uma proposta que cria lotes na programação: 26 minutos (slots fixos) para católicos, evangélicos e cultos afro-brasileiros e 13 minutos (slots rotativos) para programas de religiões minoritárias. Esse modelo ainda está em análise pelo Conselho.

Legitimidade

Na audiência de quinta-feira realizada pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado, alguns parlamentares não se contiveram em apenas criticar a decisão do Conselho Curador, mas também questionaram sua legitimidade. O senador Lindbergh Farias foi quem mais bateu nessa tecla. Ele afirmou que irá apresentar um projeto de lei redefinindo o órgão. A realização de eleições para escolha dos conselheiros – que atualmente são designados pelo presidente da República – seria uma das mudanças. “Parece aquele velho esquerdismo. É um conselho de iluminados que está se achando”, criticou duramente o senador.

A presidenta da empresa também não fez questão de defender a legitimidade do órgão, que possui 15 de seus 22 membros representantes da sociedade civil. “O Conselho exorbita a sua competência. Ele tem descompromisso com as questões administrativas e políticas da empresa”, atacou Tereza Cruvinel, que defende uma revisão legal para que o papel do Conselho seja redefinido.

A integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Bia Barbosa, acredita que o questionamento à legitimidade do Conselho é grave. “É um órgão constituído legalmente, que passou pelo Senado inclusive”, ressaltou Bia. O Intervozes é uma das 31 entidades que assinaram um manifesto em apoio à decisão do Conselho Curador.

“Os senadores se colocam em um pedestal para questionarem espaços de construção democrática da sociedade civil”, diz Bia Barbosa, que também criticou a diretora Tereza Cruvinel por ter deslegitimado o papel do órgão. Segundo Bia, a lei da EBC determina prerrogativas ao Conselho que a direção deve cumprir. “Vamos construir uma reação”, promete a militante.