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Quem ganha com padrões abertos

Padrões são fundamentais na vida social e econômica. Parafusos, lâmpadas, fios, tubos, torneiras, entre tantos outros exemplos, seguem padrões. A sociedade da informação talvez seja ainda mais dependente de padrões. A própria Internet segue um conjunto de padrões, consolidados em protocolos de comunicação. Tais protocolos contém regras de comunicação que permitem o entendimento entre redes privadas bem diferentes.

Quando padronizamos um produto, em geral, estamos beneficiando a sociedade. Primeiro, passamos a definir a qualidade mínima e os elementos essenciais que um determinado produto deve possuir. Segundo, um padrão permite que exista concorrência entre várias empresas que podem produzir ou prestar serviços respeitando determinações de qualidade e garantindo a compatibilidade de produtos feitos por diferentes companhias.

A teoria econômica permite-nos compreender que existem padrões de fato e de direito. Em muitos segmentos econômicos, os monopólios acabam impondo seus produtos e eles se tornam verdadeiros padrões do mercado. Em outros casos, concorrentes se unem para definir normas para a produção ou desenvolvimento de determinados produtos e serviços. Neste caso temos um padrão de direito. Em muitos casos, os Governos acabam definindo normas para realizar suas compras que acabam induzindo as empresas a assumirem estas exigências como um padrão a ser seguido.

Os economistas Carl Shapiro e Hal Varian, no livro A Economia da Informação, deixam claro que muitas vezes o futuro do mercado e a sobrevivência das empresas dependem dos padrões adotados. Isto levou-os a estudar o que eles denominaram de guerra dos padrões, ou seja, principalmente na economia de redes, as empresas tentam impor o formato, o modelo e as características de seus produtos como a regra básica daquele segmento. É muito conhecida a história das bitolas das estradas de ferro no final do século XIX. Dependendo da largura da bitola adotada você beneficiaria determinadas redes em detrimento de outras e prejudicaria fabricantes que faziam vagões para a bitola que não fosse considerada “fora do padrão”.

Nesse sentido, padrões não são neutros. Sua definição pode permitir a ampliação da competição ou pode reforçar os monopólios, pode ajudar a reduzir as barreiras de entrada no mercado ou aumenta-las, pode incentivar ou bloquear o ritmo das inovações e invenções. É possível obter qualidade técnica com padrões abertos e fechados, ou seja, padrões que são controlados por uma única empresa ou por um grupo fechado de empresas. Todavia, padrões fechados são anti-concorrenciais e tendem a elevar os custos econômicos para os seus consumidores.

O economistas Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, e Jason Furman, professor de Economia da Yale University, escreveram no final de 2002, um texto advogando que o monopólio diminui o ritmo das inovações de quatro maneiras. A primeira é a do aumento dos custos da inovação, causada pelo poder monopolista, uma vez que a principal matéria-prima das inovações são os conhecimentos sobre as inovações anteriores, o monopólio consegue bloquear o livre fluxo dos saberes. “E quando se aumenta o custo de um insumo numa atividade, o nível desta atividade cai.”

A segunda está ligada as barreiras de entrada em um campo de negócios. Com a sua elevação os incentivos para inovar diminuem. Além disso, os economistas perceberam que em casos extremos, “se um monopólio se assegurar de que não há ameaça de competição, ele não investirá em inovações.” A terceira maneira está vinculada a idéia de que o monopólio busca impedir a interoperabilidade real de seus produtos com outros possíveis concorrentes. Assim, sua tendência é a de tentar matar toda a inovação fora do seu controle e que seja considerada perigosa a manutenção de seu monopólio. A quarta se relaciona com os incentivos que um monopólio tem para inovar. “Como o monopolista produz menos que o socialmente ótimo, as economias com uma redução no custo de produção são menores do que num mercado competitivo. Também os incentivos para um monopolista patrocinar pesquisas não as levarão ao nível socialmente eficiente. Preferencialmente sua preocupação é inovar apenas no ritmo necessário para afastar a competição, um ritmo marcadamente menor que o socialmente ótimo.”

Por essas razões, se pudermos optar entre um padrão aberto e fechado, devemos obviamente escolher o padrão que melhor garanta a concorrência e a competição. Padrões compostos de elementos patenteados e controlados por um único fornecedor devem ser evitados. Quem se beneficia de padrões abertos? Os consumidores que poderão ter vários fornecedores competindo. Sabemos que quando existe a competição, os preços tendem a ser menores e a qualidade maior. Por isso, os organismos de padronização devem ter todo o rigor para analisar propostas de padrões que trazem definições e modelos que estão sob o controle de monopólios. Padrões devem ser públicos e abertos, devem incentivar a criatividade e a concorrência, isto beneficiará os consumidores. Como alegam os professores Stiglitz e Furman, “a monopolização não ameaça os consumidores apenas pelo aumento dos preços e pela redução da produção, mas também reduz a inovação no longo prazo.