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“Quanto mais exposto, mais propenso o público infanto-juvenil está a beber”

Carnaval, futebol, festa, alegria… e muita publicidade de cerveja. Convidamos a psicóloga Ilana Pinsky para falar sobre os impactos negativos para crianças e jovens dos milionários comerciais das grandes cervejarias veiculados nas datas festivas.

Doutora em Psicologia Médica pela Universidade Federal de São Paulo, pós-doutorada na Robert Wood Johnson Medical School (EUA), Ilana é professora supervisora na pós-graduação do Departamento de Psiquiatria da UNIFESP. É autora da publicação “O impacto da publicidade de bebidas alcoólicas sobre o consumo entre jovens: revisão da literatura internacional”.

Criança e Consumo – A publicidade de cerveja durante datas como Carnaval e eventos esportivos pode influenciar o público infanto-juvenil?

Ilana Pinsky – Não só essas campanhas como todas as campanhas que tem como foco temas que sejam de apreço dessa faixa etária têm impactos negativos. Nos últimos anos, Carnaval e futebol têm sido muito claramente utilizados para promover as cervejarias. Esses dois eventos não são exclusividade das crianças, todo mundo participa dessas festas, mas a publicidade é veiculada de maneira frequente e atinge a todos. E existem muitos temas, músicas, piadas, atores que são de apreço do público jovem, o que é muito problemático.

O importante é saber que a questão não se restringe apenas ao Carnaval. O grande problema é que essas publicidades se utilizam de temas do imaginário infanto-juvenil.

Quais são os principais elementos na publicidade que despertam a curiosidade de jovens e crianças para o consumo de álcool? Qual é a sua opinião sobre o uso de personalidades (como Ivete Sangalo, Jennifer Lopes, etc)?

Não é uma questão de opinião, a gente sabe que quanto mais o adolescente está exposto à publicidade, maior a probabilidade de ele beber mais e mais cedo. Minha opinião é embasada em estudos que existem há pelo menos 20 anos.

Os elementos costumam ser ligados ao erótico, um erótico meio malicioso, engraçado, justamente voltado para o público infanto-juvenil. Também percebemos o uso de músicas que tenham a ver com o que o jovem gosta e que, muitas vezes, o jovem consegue se imaginar naquela situação da propaganda, porque são situações com as quais ele se identifica. E é sempre uma imagem do cara que bebe e pega todas as meninas e coisas do gênero.

A publicidade está ligada também a patrocínio, e um dos patrocínios que existem são de show de música eletrônica, os prediletos dos adolescentes. Além disso, as marcas exercem muita influência nas redes sociais, então a presença das cervejarias no Facebook é maçante, com ações muito criativas e quase sempre voltadas aos mais jovens. Claro que as redes são freqüentadas por todas as idades, mas os mais jovens e as crianças têm mais facilidade em usá-las.

Todo mundo que é legal, bacana e feliz bebe cerveja e faz propaganda de cerveja. Então fica a imagem de que cerveja é legal, deixa todo mundo feliz.  Agora, mais grave é a quantidade de publicidade desse tipo.

Especificamente com relação aos apelos mais direcionados ao público infanto-juvenil, você percebe alguma mudança na maneira de se anunciar cerveja nos últimos dois anos?

O que eu vejo é que isso entrou nas redes sociais de uma maneira massiva. É a grande estratégia do momento. Outra coisa que acontece muito, é que as cervejarias patrocinam atléticas de faculdades, o que é extremamente preocupante, porque mesmo que sejam jovens com 18 anos, você está lidando com gente no limite da faixa etária permitida para o consumo. Esse é um caminho que eu tenho visto nos últimos anos.

O fato de a cerveja não ser considerada bebida alcoólica para fins de publicidade tem algum impacto no consumo precoce da cerveja e de outros tipos de bebida alcoólica?

Pela lei federal, cerveja não é considerada bebida alcoólica para fins de publicidade, o que é uma piada, não tem sentido.  As cervejarias podem fazer propaganda em qualquer horário e são as que mais aparecem nos intervalos comerciais. Assim, os jovens estão muito mais expostos a essas publicidades. Sem contar que a cerveja é um produto de iniciação para o jovem e, no Brasil, é a primeira bebida de escolha, seguida do vinho e das bebidas destiladas. Então, sim, a publicidade tem influência na medida em que ela é muito mais freqüente e criativa. O jovem se associa e se interessa mais e, portanto, acha que pode beber mais também.

Claro que se você fizesse publicidade de cerveja 24 horas, mas fosse muito difícil para o jovem comprar a bebida seria diferente. Mas essa não é a nossa realidade. No Brasil é fácil e é barato consumir essas bebidas. Quanto mais exposto à publicidade, mais propenso o público infanto-juvenil está a beber cada vez mais e mais cedo.

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