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“Historicamente, imprensa alternativa não disputa hegemonia”

[Título original: Assumindo-se como marginalizados, jornais alternativos não disputam a hegemonia]

A tendência da imprensa alternativa de fazer uma espécie de sociologia dos acontecimentos, optando por sempre explicar as estruturas e relações de poder por trás dos fatos, impede que os próprios fatos falem por si. Além disso, os veículos alternativos assumem a posição de marginalizados e permitem que somente os meios vinculados a grandes empresas narrem o cotidiano. Dessa forma, deixam de disputar hegemonia no terreno do moderno jornalismo. Refletir sobre as características desses meios e como eles se relacionam com a tradição dos veículos contra-hegemônicos, especialmente em um contexto de “crise das esquerdas”, foi o objetivo da dissertação Brasil de Fato: A imprensa popular alternativa em tempos de crise, de autoria do jornalista Daniel Cassol.

Em entrevista concedida por e-mail, Cassol comenta a sua pesquisa e analisa as possibilidades de se fazer um jornalismo alternativo que fuja desse padrão. A dissertação foi defendida no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), em São Leopoldo (RS) no início do mês de abril, e teve a orientação da pesquisadora Christa Berger, coordenadora do programa.

Daniel Cassol graduou-se em jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2003. Trabalhou com assessoria de imprensa de movimentos sociais e colabora com veículos alternativos, entre eles o Brasil de Fato. Durante o primeiro semestre de 2009, atuou como correspondente do jornal em Assunção, Paraguai.

O que motivou a sua pesquisa e como foi feita a análise?
Quem alguma vez conversou sobre comunicação alternativa certamente já se deparou com a discussão sobre a incapacidade de os veículos alternativos alcançarem parcelas mais amplas da população. Normalmente, as respostas estão em fatores externos, como a falta de recursos. Minha intenção foi refletir sobre que tipo de jornalismo os alternativos, no caso o Brasil de Fato, vêm fazendo atualmente, como se relacionam com a tradição dos veículos contra-hegemônicos e como se situam num contexto de dificuldade para as ideias de transformação. Além disso, eu considerava importante fazer uma reflexão atualizada sobre imprensa alternativa, uma vez que os estudos neste campo normalmente se voltam aos jornais do período da ditadura militar ou seguem mais os processos de comunicação e ativismo relacionados às novas tecnologias. Assim, optei por fazer uma interpretação do jornal, procurando compreender seu funcionamento, suas questões e sua relação com o contexto social.

Em que contexto social se deu a criação do jornal Brasil de Fato? Quais foram os objetivos da sua criação?
O Brasil de Fato nasce em 2003, num contexto de esperanças, mas também de um certo ceticismo. Esperanças principalmente em torno da eleição do presidente Lula, visto como uma possibilidade de retomada das mobilizações sociais, como de fato aconteceu no início. Prova disso foi o ato de lançamento do jornal durante o Fórum Social Mundial de 2003, que reuniu lideranças e personalidades, além de uma multidão que não coube no auditório Araújo Vianna em Porto Alegre. Porém, o jornal é criado exatamente para contribuir no processo de reorganização dos movimentos sociais, a partir da leitura de que a esquerda brasileira vive um período histórico de crise. Guardadas as diferenças em relação aos períodos históricos, o Brasil de Fato

Crise das esquerdas –

Você menciona uma crise das esquerdas. Como ela se configura?
O próprio jornal é criado em torno desta ideia: a esquerda brasileira vive uma crise de valores, práticas, organização, pensamento e estratégia política. Trata-se de um processo amplo, cuja origem é antiga, e que se caracteriza pelo ataque às organizações dos trabalhadores, o esvaziamento de sindicatos, a burocratização e o pragmatismo de partidos de esquerda, além de um abandono de antigas práticas. Por isso, o Brasil de Fato se apresenta como um instrumento para superação da crise, a partir da retomada da formação política, do trabalho de base e das lutas sociais. O jornal debate a crise da esquerda e acaba desenhando uma espécie de mapa das lutas e dos atores sociais que considera mais urgentes e importantes, promovendo uma agenda mínima para os movimentos sociais. Porém, mais que fragilidade das forças sociais, o que vivemos é uma crise das alternativas. Boaventura de Souza Santos tem uma ideia interessante: a hegemonia não se dá mais pela imposição dos interesses da classe dominante como se fosse algo bom para toda a população, mas porque não existe alternativa. As coisas são do jeito que são porque não há alternativas, eis uma noção muito presente nos discursos dos administradores políticos, por exemplo. Um contexto em que o pensamento alternativo é tratado como inviável acaba impondo muitas dificuldades para a imprensa de resistência ao pensamento dominante.

Como o jornal sobrevive, há sete anos, nestes tempos de crise?
Minha pesquisa toca pouco nas questões administrativas e políticas do jornal, pois minha opção foi sempre compreender que tipo de jornalismo é feito pelo Brasil de Fato. Mas é possível dizer que a existência de uma unidade mínima em torno do jornal, liderada pela Consulta Popular (saiba mais) e pelo Movimento Sem Terra (MST), garante a permanência do Brasil de Fato ao longo dos anos. Além disso, há que se destacar o trabalho profissional dos jornalistas da redação, que superam o amadorismo tradicional dos alternativos e mantêm a periodicidade e a qualidade necessárias. É claro que, nestes sete anos, o jornal enfrentou suas próprias crises internas, em razão da eterna falta de recursos, mas de fato é impressionante como o jornal se mantém vivo após sete anos, se constituindo numa das experiências mais longevas de jornal alternativo no Brasil.

– Jornalismo popular alternativo –

Por que você classifica o jornal de “popular alternativo”?
Basicamente, porque esta denominação dá conta das especificidades de um jornal como o Brasil de Fato e afasta incompreensões. O termo “imprensa alternativa” tem problemas: é datado historicamente, porque se refere mais aos jornais de resistência à ditadura militar. Além disso, sob “alternativa” se inscrevem diferentes tipos de comunicação. Da mesma forma, somente “jornal popular” pode confundir com os jornais chamados “sensacionalistas”. A professora Cecília Peruzzo sustenta que a comunicação popular alternativa é aquela que está inserida no contexto dos movimentos sociais. Além de atender essa característica, o Brasil de Fato traz em sua linha editorial a defesa das classes populares e de um projeto de país. Ao mesmo tempo, tem uma certa vocação para se tornar uma imprensa de interesse geral, uma vez que aborda temas diversos e tem a pretensão de disputar espaço com os jornais de referência. No entanto, não vejo problemas em se utilizar a expressão “jornal alternativo”, já consagrada. Para efeitos da pesquisa, foi uma forma de precisar a natureza do jornal.

O Brasil de Fato vive, segundo o seu estudo, a tensão entre sua vocação massiva e o recuo para uma postura de resistência. Diante disso, qual é o público do jornal?
Creio que esta é uma das dificuldades enfrentadas pela imprensa popular alternativa como um todo. Estes jornais convivem com o desejo de falar ao leitor comum, para convencê-lo; com a pretensão de desafiar os adversários políticos, para reafirmar as posições; e com a necessidade de conversar entre companheiros, a fim de afinar discursos. Disto decorre, a meu ver, uma indefinição no contrato de leitura estabelecido entre o jornal e seu público, na medida em que este é difuso. O Brasil de Fato, também por sofrer a crise, foi reduzindo sua intenção de se tornar massivo e diário para voltar-se a uma postura mais de resistência.

O jornal terminou por reproduzir o jornalismo alternativo clássico? Quais são as suas diferenças em relação ao dito jornalismo?
O que existe é uma tradição de se fazer jornalismo desde uma perspectiva contra-hegemônica, que vem desde o início do século XX, a partir de leituras mecânicas de alguns textos esporádicos escritos sobre jornalismo, por Lenin, Trotsky, Gramsci e pelo próprio Marx. O Brasil de Fato, como herdeiro legítimo, não poderia deixar de apresentar algumas marcas desta tradição. Em resumo, historicamente a esquerda promoveu uma certa instrumentalização do jornalismo em nome de sua visão política, ignorando aok!té mesmo a potencialidade desta forma de conhecimento sobre a atualidade. O jornal é tomado, muitas vezes, como um instrumento para a orientação política das massas e, desse modo, só publica aqueles temas considerados necessários à denúncia dos inimigos de classe e à politização dos trabalhadores. Algo que está presente no Brasil de Fato e em outros veículos alternativos atuais é uma tendência a fazer quase uma sociologia dos acontecimentos, optando por sempre explicar as estruturas e relações de poder por trás dos fatos, impedindo que os próprios fatos falem por si e tirando a autonomia dos leitores.

O jornal apresenta uma visão estática do povo, reduzindo-o ao conflito de classes?
Creio que este é um problema crônico da imprensa de esquerda, que tem a ver com esta tradição de que falei antes e aparece, em parte, no Brasil de Fato. Foi o pesquisador chileno Guillermo Sunkell que, ao analisar os jornais populares do Chile no período do presidente Salvador Allende, apontou que os discursos daqueles jornais interpelavam apenas espaços, atores e conflitos considerados politizados ou politizáveis pelos partidos de esquerda. Assim, o operário fabril era visto como o agente da transformação social, enquanto outras parcelas da população eram esquecidas pelos jornais populares. Disso resultava essa visão estática da ideia de povo, ou seja, povo era o operário em um conflito econômico com seus patrões. Para Sunkell, estes jornais acabavam marginalizando outras parcelas da população e, também, deixando de lado a realidade subjetiva do povo e outros aspectos da realidade popular, como a religiosidade, a vida em família, o lazer. O resultado era a incapacidade de expansão destes jornais. No caso do Brasil de Fato, por ser de uma época diferente, os espaços, atores e conflitos contemplados por seus discursos são outros. O operário fabril dá lugar, principalmente, a populações que luta em defesa dos seus territórios e de recursos naturais, em conflitos que poderíamos dizer mais estratégicos. Nota-se também que o jornal dá voz prioritariamente ao povo organizado em sindicatos, movimentos e associações. Povo, para o Brasil de Fato, é povo em luta. Os inimigos é que não são apenas os patrões ou latifundiários, mas principalmente as grandes transnacionais.

– O papel do jornalista –

Quais os caminhos dos jornalistas para mudar isso?
Talvez um caminho seja fazer mais jornalismo. Apesar de todas as críticas que podemos fazer à atividade, o jornalismo tem fundamental importância na medida em que nos provê de informações sobre os diferentes aspectos da atualidade. É através do jornalismo que organizamos uma determinada visão de mundo, com informações desde as condições das ruas e das paradas de ônibus de nossa cidade até as grandes questões estratégicas de política internacional, por exemplo. Mas a imprensa alternativa, historicamente, se dedica somente àquelas pautas que interessam à conjuntura imediata ou estratégica das organizações sociais. Assim, como dizia Adelmo Genro Filho, deixa de disputar hegemonia no terreno do moderno jornalismo, ou seja, assume esta posição de estar à margem e permite que somente os veículos vinculados a grandes empresas narrem o cotidiano.

Você conhece alguma outra experiência de jornalismo alternativo que fuja desse padrão?
O próprio Brasil de Fato representa um esforço do jornalismo popular alternativo se reinventar. Considero uma experiência exitosa, não só por sua longevidade, mas porque tenta encontrar uma nova linguagem necessária para estes tempos de crise, principalmente em sua página na internet. Logicamente, vive problemas das mais diferentes naturezas e passa por dificuldades para se expandir hegemonicamente. Mas, dentro dessa ideia de um jornalismo capaz de abordar os diferentes aspectos da atualidade e da vida em sociedade, acho importante analisarmos experiências como o do jornal La Jornada, do México, a RadioCom, de Pelotas, a Rádio Viva, de Assunção, no Paraguai, e a Radioagência NP, parceria do Brasil de Fato de São Paulo. No seu conjunto, não são veículos de esquerda, mas tem um “lado”. E não se furtam de falar de assuntos do cotidiano, do buraco na rua, dos cuidados com a saúde, dos resultados do futebol, temas que historicamente foram ignorados por não serem politizáveis. São alguns exemplos de possibilidades que me ocorrem agora.

O que a esquerda poderia fazer para ter um jornalismo diferente?
Aqui volto ao Adelmo Genro Filho, que no livro “O Segredo da Pirâmide”, cujas idéias são incompreendidas na mesma medida em que não são lidas, propôs uma “teoria marxista do jornalismo”, que vem sendo atualizada por alguns autores. Em resumo, correndo o risco de reduzir a complexidade, Adelmo Genro Filho sustentava que o jornalismo é uma forma de conhecimento capaz de revelar o que a realidade tem de singular. E o singular tem sua potência na capacidade de revelar os aspectos particulares de determinado acontecimento e nos levar à compreensão do universal. Ou seja, o autor apostava na potencialidade do jornalismo e refutava sua instrumentalização. Talvez este seja um dos caminhos a serem considerados por quem faz jornalismo alternativo. Há que se considerar a possibilidade de realização de um jornalismo informativo contra-hegemônico, que reconheça a presença da ideologia não como uma limitação da atividade, uma vez que a apreensão da realidade objetiva só se dá na relação dos sujeitos com a realidade – sendo esta, inclusive, riqueza deste processo –, mas que não se reduza à mera propaganda desses pressupostos políticos. Gosto de uma ideia do Adelmo Genro Filho, que encerra essa aposta nas potencialidades do jornalismo: ele diz que o jornalismo, por mais que tenha sido gestado ao longo do desenvolvimento da sociedade capitalista, supera a mera funcionalidade ao sistema, porém “não é reconhecido em sua relativa autonomia e indiscutível grandeza”. buscou desempenhar de certa forma um papel de “jornal de frente”, reunindo diferentes organizações sociais.

Conferência marcou democracia brasileira

Ao aproximar a sociedade das discussões sobre a mídia, a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) demonstrou que a comunicação é um bem público e não somente a política de alguns. O amplo debate proporcionado pelo encontro nacional marcou a democracia brasileira.

O diálogo entre a sociedade civil, sociedade civil empresarial e o poder público é outro exemplo desse exercício democrático. Para Rosane Bertotti, Secretária de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e representante da entidade na Coordenação Executiva do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), esse intercâmbio evidenciou o conflito de interesses que existem em uma sociedade de classes como a brasileira. E justamente por isso, afirma a dirigente, a Conferência foi uma experiência rica de democracia.


Confira a entrevista.

Quais os reflexos já percebidos do grande debate pró-comunicação no Brasil após a Confecom? A questão da democratização da comunicação entrou definitivamente na pauta nacional
Rosane –
A Conferência Nacional de Comunicação marcou a democracia brasileira e a história da comunicação. Ela conseguiu colocar a democratização da comunicação na pauta, quando discutiu a comunicação não mais como uma política de alguns, e sim como uma política do Estado. Agora, temos a clareza que essa agenda não se esgotou. Por isso a importância do processo conferencial e da Conferência em si. Haja vista, por exemplo, o projeto de banda larga e as questões que dialogaram com o Plano Nacional de Direitos Humanos, uma vez que a Conferência demarcou a comunicação como um direito de todos e de todas. Esses pontos têm a ver com o resultado explícito da Conferência.

Como sindicalistas representados pela CUT foram envolvidos pela Confecom?
Rosane –
A CUT participou desde o princípio, assumindo como sua bandeira de luta a realização desta primeira Conferência Nacional de Comunicação. Por isso realizou o Encontro Nacional de Comunicação (leia aqui), cujo tema central era a construção de uma proposta cutista para a Conferência; elaborou uma cartilha com vinte e cinco mil exemplares, distribuída para todos os estados; fez encontros e debates com seus filiados; as CUT’s estaduais participaram de forma muito ativa, incorporando quase todas as Comissões Estaduais, participando das Conferências Estaduais, mas acima de tudo, elaborando as propostas, defendendo não apenas aquelas do mundo do trabalho, mas as que têm a ver com a democracia brasileira.

A CUT fez ainda uma articulação importante com as entidades filiadas que integravam a Comissão Organizadora Nacional, como a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e com a Federação Interestadual dos Trabalhadores em Empresas de Radiodifusão e Televisão (Fitert), e outras entidades como a Federação Brasileira de Trabalhadores em Telecomunicações (Fitel) e a Federação Nacional dos Empregados em Empresas e Órgãos Públicos e Privados de Processamento de Dados (Fenadados), que também têm conhecimentos técnicos da área.

Outra ação significativa feita pela CUT foi o contato com as demais centrais sindicais, chamando-as a assumir para si a pauta da Conferência, as propostas do diálogo social e a necessidade de uma conferência tripartite, reforçando a importância de ter os empresários e o poder público nessa discussão.

As questões levadas pela Central foram bem encaminhadas nos debates da Confecom?
Rosane –
Para a CUT não existe democracia plena sem a democratização da comunicação e essa foi a pauta principal levada à Conferência. Nesse sentido, entendemos que propostas como a criação do Conselho Nacional de Comunicação e de políticas regulatórias do setor foram bem abarcadas por ela.

Alguns debates específicos do mundo do trabalho não foram completamente efetivados, como, por exemplo, a proposta da antena sindical. Mas esse projeto obteve 56% de aprovação em uma conferência tão adversa, então podemos dizer que foi apreciado e discutido. Questões como essas demonstram que nós precisamos continuar com o debate, a articulação e a mobilização social.

Como a CUT pretende acompanhar o prosseguimento das demandas após a Confecom?
Rosane –
A CUT já está acompanhando. Na semana passada, inclusive, tivemos uma audiência na Secretaria de Comunicação da Presidência para discutir um pouco quais são as prioridades do governo e como ele pretende colocá-las em prática. O Conselho de Comunicação, por exemplo, foi defendido pelo governo e precisamos garantir a sua efetivação.

Além disso, vamos continuar nos articulando com o FNDC, pois entendemos que o Fórum é um espaço amplo e importante na elaboração e na luta pela democratização da comunicação. Continuaremos também a levar essa pauta nas nossas mobilizações; a evidenciar esforços na coordenação dos movimentos sociais, que veem a comunicação como uma questão estratégica; e vamos continuar a articulação com as demais centrais sindicais. E se necessário for, ocuparemos as ruas desse Brasil com a grande bandeira pela democratização da comunicação.

Qual que é a sua avaliação sobre o processo de construção da Confecom, e o diálogo entre os três setores: sociedade civil, sociedade empresarial e poder público?
Rosane –
Nós vivemos numa sociedade de classes e que tem interesses antagônicos entre si. Por isso a construção da Conferência teve todos os percalços e a riqueza que teve. Fazer uma conferência tripartite com a participação do setor empresarial, do poder público e das organizações da sociedade civil do mundo do trabalho, significou entender a comunicação como um processo que envolve todos e todas as brasileiras.

Representou que, embora algumas pessoas tenham o monopólio da mídia, elas não detêm o monopólio da estrutura, e, por isso, precisamos atuar fortemente num rearranjo do sistema de comunicação brasileiro. Demonstrou também que vamos continuar por um longo tempo em uma sociedade com luta de classes – quero reafirmar isso – onde teremos de um lado os empresários e de outro os trabalhadores. Mas evidenciou também que o Estado precisa assegurar o seu papel enquanto indutor e gestor de políticas públicas.

Como você avalia a cobertura da mídia sobre a Confecom?
Rosane –
Nenhuma outra conferência teve tanto espaço na mídia quanto a Conferência Nacional de Comunicação. O problema é a forma. Grande parte da mídia quando falou sobre a Conferência não a explicou devidamente, não disse qual era a sua pauta. Não informava e sim expressava a sua opinião a respeito dela. Como não estava na Conferência propriamente dita, usou os seus meios pra fazer um desserviço à sociedade brasileira. Precisamos ressaltar, entretanto, o quão importante foram as coberturas da RedeTV!, da Rede Bandeirantes, da TV Brasil, que mostrou vinte e quatro horas a Conferência, das mídias alternativas, como a Rede Abraço e alguns blogs e revistas.

Quais devem ser as bases para um novo marco regulatório da comunicação brasileira?
Rosane –
Primeiro esse novo marco deve compreender a comunicação como um direito, um bem público. Portanto, ela deve ser tratada como política pública e assim ter participação social, transparência e regras claras. E ele tem que respeitar o processo das diferenças, olhar para o Brasil, dos brasileiros e das brasileiras, dos brancos e dos negros, e de toda a diversidade sexual. Tem que respeitar o processo cultural do país e as diferenças de classes.

Como você avalia a participação do FNDC na Confecom?
Rosane –
A Conferência é fruto de uma proposta do FNDC, e das entidades que o compõem, durante uma de suas Plenárias. Foi ali que nasceu a ideia da Conferência. O Fórum teve um papel fundamental, porque grande parte das entidades da sociedade civil não empresarial que compunham a Comissão Organizadora integram o FNDC.

Entidades como a CUT, a Fenaj a Fitert e a Abraço, embora tenham representatividade própria, conseguiram, articuladas dentro do FNDC, conduzir o processo de uma maneira mais coesa e decisiva, garantindo o brilho da Conferência. Essa articulação garantiu a unidade das entidades, a união nas propostas, a participação em todos os estados e a constituição de algumas conferências municipais e estaduais. Mas, principalmente, consolidou a própria Conferência e o FNDC, como um ator que articula as políticas para a democratização da comunicação.