Arquivo da tag: para o Estado de S.Paulo

Radiodifusão anacrônica

É de conhecimento público que existem concessionários de serviços de radiodifusão que, por contrato de cessão de espaço, "alugam" por um determinado tempo parte ou a totalidade do espaço de suas emissoras por importâncias vultosas. Esses casos não têm nada que ver com as produções independentes.

Se os órgãos competentes exigirem o fim do aluguel de horário na televisão e no rádio, muitos radiodifusores poderão deixar essa atividade, oportunidade em que se abrirão editais para a disputa de tais concessões. Então, o governo federal e o Congresso Nacional, se quiserem, poderão promover a democratização da outorga do serviço de radiodifusão. E, consequentemente, a democratização da informação.

Considero justo que todas as religiões tenham espaço na TV e no rádio para levarem aos fiéis a sua mensagem e seus serviços. Entretanto, observa-se que os programas religiosos estão avançando de modo exagerado e podem tomar conta da televisão aberta e do rádio. Situação que deixa o ouvinte ou o telespectador sem opções: ele é levado a aumentar ainda mais a audiência das emissoras pertencentes aos grandes grupos de comunicação.

Os empresários desses grupos estão felizes com a audiência de suas emissoras (novelas, programas policiais e de esporte). A distribuição das fatias do bolo publicitário (verba) é muito bem recebida por todos eles. As emissoras religiosas e os programas religiosos pagos formaram involuntariamente uma reserva de mercado para as emissoras de rádio e televisão que dependem única e exclusivamente da sua audiência e do mercado publicitário.

Existe uma estreita simbiose entre ouvinte/telespectador, anunciante/agência e essas emissoras. As suas opiniões refletem o pensamento, os interesses e a realidade de um segmento da sociedade e acabam influindo na formação da opinião pública.

É importante, todavia, que se diga que a liberdade de expressão não é um bem exclusivo das emissoras dos grandes grupos, nem de seus ouvintes que formam essa simbiose. A liberdade de expressão não tem dono, é um bem comum de todos os cidadãos. Um direito inalienável.

Aos mais pobres cabe o direito de ouvir todas as opiniões e de conhecer todos os fatos, principalmente os que lhes interessam. Daí a necessidade de a informação ser democratizada. Para tanto é preciso promover uma ampla reforma na outorga de concessões capaz de sustentar uma visão universalista e democrática.

O ex-presidente Lula e o PT, que tanto falaram em liberdade de expressão, não promoveram a democratização da outorga de concessões de serviços de radiodifusão, que teria dado expressivo impulso à democratização da informação. É preciso, com urgência, mudar o critério atual de concessão, pois ele consiste em dar mais a quem já tem demais.

É preciso que o governo federal e o Congresso examinem o assunto com total isenção política e religiosa. O que me inquieta, contudo, é que a política conhecida como "é dando que se recebe" tem estado presente no noticiário da mídia, que comenta as relações entre esses dois Poderes (governabilidade). Muitos deputados e senadores são donos de emissoras de rádio e de televisão. E, se eles quiserem, podem, fora do período eleitoral, ceder parte ou a totalidade dos espaços de suas emissoras a grupos religiosos.

Não se pode deixar de registrar que a "cessão de espaço" a grupos religiosos ocorre em muitas emissoras espalhadas por todos os municípios do Brasil. Hoje grande parte dos meios de comunicação eletrônicos se encontra em poder de políticos e de grupos religiosos. O que me leva a pensar também na possibilidade de os grandes vencedores das eleições de amanhã serem sempre aqueles que detêm o controle do rádio e da televisão.

Não se pode nem pensar que essa gente tenha a solução para todos os problemas dos cidadãos, principalmente dos mais pobres, e queira impor suas convicções sobre a maneira como se deve viver e pensar. É um tipo de fundamentalismo.

No momento em que as profissões de radialista e jornalista estão desaparecendo em consequência do avanço das "igrejas eletrônicas", a internet anda numa velocidade impressionante. É um contrassenso, porque só a qualidade do conteúdo das programações das emissoras, elaborado por esses profissionais, fará o rádio e a televisão andarem na velocidade da internet. Segundo a definição de Rui Barbosa, jornalista é "ao mesmo tempo um mestre de primeiras letras e um catedrático de democracia em ação, um advogado e um censor, um familiar e um magistrado. (…) Maior responsabilidade, pois, não pode assumir um homem para consigo, para com o próximo, para com Deus".

Neste momento, é preciso sensibilizar as autoridades, os empresários e a opinião pública sobre a necessidade de tirar a radiodifusão brasileira da situação anacrônica em que se encontra. A atividade de radiodifusão pode correr o risco de se tornar um negócio como outro qualquer. Lembro que a radiodifusão é uma atividade que presta serviço público e de relevante interesse social.

O que as entidades de classe pensam a respeito disso? E o que pensam os brasileiros? Pergunto: a lei que disciplina o serviço de radiodifusão é omissa no que tange à cessão de espaço?

Enquanto o rádio e a televisão estiverem nas mãos de poucos, o povo mais pobre ficará impedido de exercer o direito de conhecer todos os fatos e de ouvir todas as opiniões, principalmente os que lhe interessam.

Espero que o governo federal e o Congresso Nacional acabem mesmo com o aluguel de horário no rádio e na televisão! E que promovam a democratização da informação por meio da democratização da outorga de concessão de serviços de radiodifusão.

Francisco Paes de Barros é diretor-geral da Rádio Capital, foi diretor da Rádio Record, do Sistema Globo de Rádios (SP), da Rádio América e da Rádio 9 de Julho.

Lei de acesso à informação: Contra a opacidade

O Brasil passa a contar a partir da próxima quarta-feira com uma lei que garante a qualquer cidadão o amplo acesso a informações dos poderes públicos. A Lei nº 12.527/2011, de Acesso à Informação, busca disciplinar e efetivar o exercício do direito fundamental de acesso à informação – previsto no artigo 5º da Constituição Federal – e, entre vários reflexos, certamente tornará o poder público mais transparente e aberto.

Com um instrumento legal claro e regulatório em mãos, a sociedade passa a ter ferramentas efetivas para saber melhor o que se passa atrás de algumas portas e dentro de gavetas dos palácios, ministérios e secretarias do Executivo, não apenas em Brasília, mas também nos Estados, municípios e embaixadas brasileiras ao redor do mundo. Os Poderes Judiciário, Legislativo, os Tribunais de Contas e o Ministério Público também serão obrigados a, finalmente, acender suas luzes. Tudo, absolutamente, é objeto da nova lei. E todos os que de algum modo recebam, para realização de ações de interesse público, recursos públicos, se subordinarão a ela.

Em verdade, esse processo de abertura não será fácil. Baixar novas normas é sempre menos complicado do que mudar culturas e vencer burocracias arraigadas desde tempos coloniais. Todavia, se é inegável que a lei em questão fixou exíguos seis meses para que os órgãos se adaptem, não é menos verdade que o projeto de lei que originou a Lei de Acesso à Informação foi enviado ao Congresso nos idos de 2009, e aprovado no fim de 2011. Logo, é evidente que o tema já vem sendo debatido há anos e nada impedia que as instituições se antecipassem, na medida do possível, em relação ao objeto das propostas. Infelizmente, a cultura da opacidade é quase onipresente no País e muitas de nossas instituições ainda querem lutar em sentido contrário ao ideal republicano da transparência que fundamenta e orienta a formação do nosso Estado.

De qualquer forma, o que importa é que os tempos de escuridão e indiferença dos entes públicos estão com os dias contados. Ressalvadas algumas hipóteses excepcionais previstas na lei quanto à necessidade do sigilo, a regra – como já previa o texto constitucional, desde 1988 – é a publicidade, e o sigilo só pode ser exceção.

A ausência ou incompletude de informações em temas de grande relevância tem dificultado que ocorram debates francos dentro de uma sociedade. O sistema prisional paulista, por exemplo, onde está cerca de um terço dos presos do País, tem gargalos de informação, principalmente relacionados às mulheres presas. Esse déficit de dados inviabiliza uma profunda e firme discussão sobre o tema, já que o quadro que se pinta daquele cenário é borrado, quando não incompleto. Assim, a busca pela transparência e divulgação de informações deve ser objeto de incansável persecução, na medida em que a sistematização de informações pelos entes públicos ajudará no desenvolvimento de políticas públicas que tratem daquela questão.

Óticas diversas

Outro exemplo que podemos citar é que hoje se aguarda que o relatório do Subcomitê para a Prevenção da Tortura da ONU, produzido após visita realizada ao Brasil no ano passado no intuito de monitorar a situação da tortura e de maus-tratos em unidades de privação de liberdade, seja trazido a público pelo governo federal. A divulgação do documento certamente contribuirá para um debate mais rico entre poder público e sociedade civil acerca do tema, consubstanciando-se em grande oportunidade para que o País finalmente enfrente o assunto de forma firme e aberta.

Além de criar a responsabilidade de atender a requerimentos de informação, a lei impõe aos órgãos públicos a obrigação de praticar a chamada transparência ativa. Independentemente de demandas, mesmo os órgãos conhecidos pela pouca afeição à publicidade e transparência, como o Ministério das Relações Exteriores, terão que disponibilizar em seus sites informações de forma constante. Em uma época de ascensão do papel do Brasil no mundo, é inadmissível que ainda não exista nesses órgãos a cultura de divulgar informações sistematizadas.

Como resultado, se espera não só um crescente desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública – e do seu controle social -, mas também que tenhamos ao longo do tempo uma sociedade mais fiscalizadora, participativa e propositiva, capaz de contribuir para a adoção de políticas públicas pertinentes. Em um ambiente no qual o debate dialético entre representantes e representados terá mais qualidade, já que não mais somente um dos lados terá o monopólio da informação, os resultados tenderão a aparecer, e espera-se, aprimorados, uma vez que serão objeto de análise e debate prévios, sob diversas óticas.

Por fim, cabe ressaltar, a nova lei dispõe expressamente que “as informações ou documentos que versem sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticada por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de restrição de acesso”. Bem-vinda, pois.

Rafael Custódio é advogado, coordenador do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos; João Paulo Charleaux é jornalista, coordenador de comunicação da Conectas