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Projetos no Rio, SP e RS trabalham a educação pela comunicação

Se você é um produtor de TV trabalhando numa escola, não é difícil imaginar que um dia a comunicação vai cruzar o seu caminho. “Sou produtor de TV, fui sócio de uma produtora”, conta Carlos Eduardo Dias Lopes, o Cadu, fundador e coordenador do Centro de Produção de TV e Vídeo do Colégio Marista São José, no Rio de Janeiro. “O surgimento do núcleo me permitiu levar esse conhecimento à escola e compartilhá-lo com os alunos.”

Mas o que leva, por exemplo, uma assistente social ou uma professora dedicada ao estudo da sociologia a tomar a mesma direção? “Tenho mais de trinta anos de vida profissional, sou da época da máquina de escrever”, diverte-se a assistente social Rosane Ferreira Faria, diretora de projetos da Fundação Hélio Augusto de Souza (FUNDHAS), de São José dos Campos (SP). “A chamada educomunicação é uma busca nova para mim, uma oportunidade de crescimento pessoal.”

“O principal aparelho de comunicação nas escolas ainda é o quadro negro, e os professores ainda são muito voltados para o livro didático”, constata Magna Regina Tessaro Barp, professora de uma escola pública de Ensino Médio em Barracão (RS).

Hoje, Cadu, Rosane e Regina são mestres que ajudam a dar novos rumos à educação. E as mudanças que eles experimentaram na vida pessoal começam a contagiar quem está à volta deles. A começar pelos próprios alunos. “Já temos um bom número de ex-integrantes do Centro seguindo carreira no mundo da comunicação”, conta Cadu, que no começo do projeto tinha como repórter Rodrigo Rodrigues, hoje apresentador do programa Vitrine, da TV Cultura.

– Nossa instituição tem experimentado um despertar do protagonismo juvenil – diz Rosane. – Hoje, não há jovem que não tenha celular ou não saiba usar o computador. Os que aprendem com o auxílio dessa linguagem mudam a postura, o interesse e até se colocam melhor no mercado de trabalho. Outros professores também já começaram a se interessar pelos resultados de quem trabalha com educomunicação. “Não tenho mais sossego”, brinca Magna Regina. “Muitos professores e diretores da escola querem saber mais sobre o que faço, mas querem, principalmente, ajudar.”

Tela fértil

O termo mídia-educação, preferido por Cadu, começou a ser ouvido nos corredores do Colégio Marista São José, no Rio de Janeiro, em 1995. Nessa época, o colégio foi convidado a participar do primeiro programa da emissora católica Rede Vida voltado para o público jovem. A semente caiu em solo fértil. Carlos Eduardo Dias Lopes, o Cadu, funcionário do colégio, aproveitou sua experiência como produtor de TV para comandar a equipe que assumiu a responsabilidade pelo programa, batizado de Convocação Geral.

“Compramos um equipamento moderno, de Super-VHS, que era bom o suficiente para produzir o programa e ainda nos dava capacidade para investir em outras iniciativas”, diz Cadu. E essa capacidade foi logo utilizada. No ano seguinte, o Centro de Produção de TV e Vídeo já estava funcionando e produzindo um telejornal diário, que provocou o surgimento de outro jornal, em papel, com periodicidade bimestral. Era a primeira de uma série de iniciativas que ajudariam a manter o Centro em atividade, mesmo depois do fim da contribuição com o Convocação Geral. No começo, a maior dificuldade era explicar aos diretores do colégio que o ritmo de uma produtora de TV é bastante diferente da rotina de uma escola. “Muitas vezes, eu virava a noite editando um programa e ninguém entendia como eu podia passar tanto do horário”, diz Cadu.

Dentro dos limites do colégio, o Centro também foi ganhando espaço, envolvendo até as crianças. Em 2001, o projeto Descobridores Mirins reuniu as áreas de Ciências, História e Artes na produção de um videodocumentário, que levou à inédita construção de um sítio arqueológico simulado. No ano seguinte, a proposta, em termos de comunicação, foi ainda mais ousada: um talk show , ou programa de entrevistas, sobre química.

A integração entre mídias continuou em 2006, com a transformação de “Neuronial”, uma coluna do jornal impresso, em documentário. O tema foram as serestas de Conservatória, cidade do interior do Rio, na visão dos jovens. E o resultado é talvez o maior orgulho de Cadu: “Fomos selecionados para um festival no Chile. Éramos a única escola brasileira representada na seleção final, ao lado de produções da TV Globo, por exemplo”.

Os projetos mais recentes ganharam espaço na TV pública: o “De olho no futuro”, com a visão dos jovens sobre profissões como mídia-educação, gastronomia e relações internacionais, contou com o apoio da Associação de Pais e Mestres do Colégio para ganhar meia hora por semana na TV Comunitária do Rio. O “Por quê?”, mostrando a visão de crianças de 8 a 13 anos sobre a AIDS, foi exibido pela TVE no Dia Internacional da Criança na Mídia. E se depender do entusiasmo de Cadu, vem muito mais por aí. 

Mãos na massa

A primeira tentativa de fugir do convencional foi por meio da arte. Logo depois de assumir como diretora técnica da Fundação Hélio Augusto de Souza (Fundhas), com sede em São José dos Campos, em 1997, a assistente social Rosane Ferreira Faria começou a procurar formas mais eficientes de atingir os alunos atendidos pela fundação, que atua especialmente na área de reforço escolar. “Fazemos reforço de aprendizagem, com a reprodução do período escolar”, explica Rosane. “Não poderíamos apenas oferecer aos alunos o que eles já recebiam na escola.”

A arte-educação, com iniciativas de música e teatro, deu resultados que estimularam Rosane e sua equipe a procurarem uma referência nacional em novas iniciativas de ensino. A fundação recebeu a visita de assessorias para refletir sobre a capacitação dos funcionários e, em 2005, decidiu desenvolver a educomunicação.

O primeiro passo foi o investimento em informática, com a criação de laboratórios e o estímulo à pesquisa na internet. Hoje, já são mais de 20 programas usando recursos de rádio e TV como proposta pedagógica, todas reunidas no portal web da fundação (www.fundhas.org.br). O nome da seção que reúne os sites desenvolvidos pelos alunos é bem significativo: Canteiro de Projetos. “Tudo é mantido pelos próprios alunos, que passam a trabalhar com os sites quando se formam no nosso curso de webdesign”.

No portal, é possível saber, por exemplo, como andam os trabalhos no curso de horta caseira da Unidade Jardim São José; ver as fotos da apresentação dos trabalhos de finalização do curso do Programa Aprendiz; acompanhar o processo de formação de educomunicadores; e até ler as edições on-line de jornais como o Fundhazinho e o Jornal do Adolescente do Jardim Paulista.

E as iniciativas da fundação e de seus alunos não se restringiram ao mundo virtual. O sucesso das primeiras iniciativas levou à criação de um núcleo de rádio, artes e expressão. Hoje, alunos da Fundhas têm um programa de rádio voltado para a comunidade da cidade vizinha de São Francisco Xavier. “São iniciativas que fazem com que o jovem participe, que ele queira estar presente”, diz Rosane.

Outros projetos, como Nossas Lendas, Contos que Encantam, Misturando Contos, Narrativas Literárias – Causos, Histórias da Minha Terra e Se eu Fosse… acabaram transformados em livros. São histórias contadas pelos próprios alunos em alguns projetos da fundação. Na introdução de Nossas Lendas, a professora Maria das Graças Miacci escreve: “Espero que gostem do nosso livreco de lendas”. Está tudo lá, on-line – numa história que não é lenda e vem rendendo muito mais do que um livreco.

Visão sociológica

Quando organizou um seminário sobre a proposta de legalização do aborto, há dois anos, a professora de escola pública Magna Regina Tessaro Barp pensava apenas em levar a público um de seus temas de estudo de Sociologia, disciplina recentemente tornada obrigatória nos cursos de ensino médio. Mas a repercussão foi grande e alcançou cobertura na rádio local de Barracão, cidade onde ela vive e leciona, no norte do Rio Grande do Sul. E acabou abrindo um caminho novo para a educação no Colégio Estadual Jesus Menino.

– Os alunos pesquisaram o tema, deram entrevistas à rádio – relembra Magna Regina. – Tenho certeza de que não esqueceram o que aprenderam, mas provavelmente já não se lembrariam do assunto no dia seguinte, se eu tivesse apenas falado sobre ele em sala de aula.

Hoje, os alunos de Sociologia do terceiro ano estão divididos em dois grupos de estudo: um deles, sobre a maioridade penal; o outro, sobre a influência da mídia na formação e na educação do adolescente. Que este último se transformasse em seminário foi um caminho quase natural, e assim surgiu o projeto Leitura Crítica dos Meios de Comunicação.

Um estudante de Comunicação auxilia na pesquisas dos alunos, que procuram fazer uma leitura crítica da comunicação. Ele também participa da mesa de debates, ao lado de um pedagogo, um psicólogo e um ou dois pais. A cobertura na rádio local já está garantida, e o Departamento de Mar-keting da Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc), onde Magna Regina também leciona, vai ajudar na divulgação. “Tudo isso faz com que a comunidade se envolva no debate, e torna a participação dos alunos ainda mais significativa”, diz a professora.

O relacionamento com a comunicação ainda é incipiente, mas ela já percebeu que esse é o caminho a seguir. E o próximo passo já está planejado: um projeto com alunos do segundo ano envolve a pesquisa e a análise de notícias relacionadas à sexualidade, o principal tema de estudo de Magna Regina na área da Sociologia. Os resultados devem ser publicados em livro. “O impacto é positivo, sem sombra de dúvida. Afinal, vivemos na era da comunicação”, lembra a socióloga. 


* publicação autorizada, desde que citada a fonte original.