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Seminário evidencia necessidade de mudança na legislação brasileira

Quem pensou que poderia ouvir alguma informação sobre o andamento do anteprojeto de revisão do marco regulatório brasileiro no Seminário Internacional das Comunicações Eletrônicas e Convergência de Mídia se frustrou. No evento, que ocorreu em Brasília entre os dias 9 e 10 de novembro, o foco foi mesmo as experiências estrangeiras. Representantes de seis países (Argentina, Espanha, Estados Unidos, França, Portugal e Reino Unido) expuseram como cada um regula a radiodifusão, a telecomunicação, a imprensa e, em alguns casos, a internet.

Além desses países, foram conhecidas as experiências de regulações feita por blocos, como o da União Europeia e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) também apresentou um estudo comparativo, fazendo indicações ao Brasil. Somadas todas as apresentações foi possível ter uma amostra significativa de distintas realidades que demonstrou que nosso país necessita modernizar suas leis para adequá-las à convergência de mídias e torná-las mais eficientes a fim de aumentar a pluralidade e diversidade na mídia.


Mas e a revisão do nosso marco legal? Sobre isso ainda pouco se sabe. O que o governo tem dito é que deve finalizar a proposta de anteprojeto ainda este ano e que, caberá ao próximo governo, de Dilma Rousseff, decidir como encaminhar o processo. A ideia é primeiro azeitar as divergências dentro do Executivo, para depois abri-lo à sociedade.

Tanto a presidenta Dilma quanto o ministro chefe da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, já afirmaram que será importante, depois de feita a proposta do governo, submetê-la a um amplo debate. O ministro tem citado algumas vezes a possibilidade de se fazer uma consulta pública, assim como ocorrem com outros processos, como a revisão da Lei Rouanet e a criação do marco civil para a internet no Brasil.

No entanto, organizações da sociedade civil, que ainda desconhecem o que está sendo produzido pelo governo, têm ficado apreensivas e com receio do encaminhamento que se dará à proposta. Uma avaliação que tem aparecido com frequência é a de que seria pior encaminhar o anteprojeto direto ao Congresso.

“Estão fazendo de uma forma meio açodada, com rapidez, e não tem convidado o movimento social para debater. Nós achamos que, mesmo que nossas estejam contempladas, nós teríamos que ser ouvidos nem que seja para tomar conhecimento prévio do que foi elaborado pelo governo antes que seja enviado ao Congresso Nacional”, defende José Sóter, coordenador geral da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço).

O receio é que os parlamentares possam diminuir a incidência da sociedade sobre o projeto. Como avalia João Brant, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, “o debate no Congresso claramente se dá em condições mais fechadas”.

Até parlamentares concordam com a proposta das organizações sociais. A deputada federal Luiza Erundina (PSB-SP) reconhece que o Congresso é resistente ao envolvimento da sociedade civil. Ela lembra também que a relação entre os poderes pode causar problemas. “ (O anteprojeto) não pode ser um prato pronto do Executivo porque vai encontrar mais resistência do Congresso se fizer isso. Sobretudo na definição de instrumentos legais, é preciso fazer um gerenciamento bastante cuidadoso na participação do Executivo, mas não passando a versão de que quem vai fazer esse ordenamento jurídico será o governo. O Executivo tem maioria no Congresso e certamente vai ter um papel indispensável para conseguir que essa maioria consiga acolher as sugestões que vão vir para que ele faça sua parte”, opina.

O jornalista, blogueiro e editor da Revista Fórum, Renato Rovai, defende que a sociedade civil – incluindo empresários – crie um campo da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom). Além de opinar em relação à revisão do nosso marco regulatório, Rovai propõe também que esse grupo faça uma disputa em relação à composição do governo. “O outro lado constantemente nomeia ministros. Se a gente não se articular minimamente, eles vão escolher o próximo ministro das Comunicações. Ou mesmo não escolhendo, vão ter alguém lá que se submeterá aos caprichos e desejos desse segmento porque a pessoa acaba não tendo base social para construir apoio político”, acredita.

Seminário

Independente da incerteza sobre o anteprojeto que está sendo preparado pelo governo, é certo que ele deve beber da fonte das experiências internacionais que foram apresentadas no seminário. Não copiado, como frisou Franklin Martins, mas com referências nas regulações estrangeiras. Se isso acontecesse seria um avanço, segundo algumas organizações sociais da área.

A secretária nacional de Comunicação da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rosane Bertotti, elogiou a experiência portuguesa. “O formato de organização, de participação, tanto de um conselho regulador, com um conselho mais amplo, com atores da sociedade, deu a demonstração da construção de órgãos reguladores sem censura”, disse ela em referência à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que regula os conteúdos audiovisuais e impressos de Portugal. (Portugal tem entidade para regular conteúdos na mídia)

O adjetivo “atrasado” foi usado por quase todos os representantes da sociedade civil ouvidos pela reportagem ao compararem o Brasil com os outros países. “Nós estamos no período paleozoico do debate da comunicação. A distância é muito grande em relação às regulações existentes na Europa. São legislações que colocam questões que aqui a gente trata como se fossem fruto do autoritarismo”, classificou Renato Rovai.


Para João Brant as experiências internacionais demonstram que, nesses países, está se entendendo que o beneficiário dos serviços de comunicação é o usuário e não as empresas. “As empresas são exploradoras de concessão e têm que responder ao interesse público”, diz. Ele ressalta também que o Brasil possui uma arquitetura institucional que não dá conta de preservar o interesse público. “O Brasil não tem um órgão regulador e nenhuma estrutura pronta para lidar com esse problema. Não é só uma falta de regras”, avalia.

Além das divergências internas e da falta de vontade política de alguns parlamentares, o anteprojeto pode vir a sofrer duros ataques dos veículos da grande mídia privada. É o que já tem acontecido com propostas de regulação que vez ou outra aparecem no cenário, como a criação de conselhos estaduais, instalação de mecanismos de monitoramento dos conteúdos, reserva de produção regional e independente, entre outros.

No entanto, há uma avaliação positiva de que, a partir do conhecimento das experiências apresentadas no seminário do governo – que trouxe países considerados democráticos -, fique mais evidente a necessidade de mudarmos a nossa regulação. “A maior parte dos países tem regulação e os empresários sempre souberam. Isso desfaz as condições de um discurso de má-fé. O que estava posto era um discurso de má-fé por parte das empresas que não queriam regulação nenhuma. O seminário vai inibi-los pelo menos da tentativa de afirmar esses espaços de regulação de conteúdo como censura”, opina João Brant.

Futura legislatura do Congresso tem 142 dispositivos constitucionais para regulamentar

A Constituição Federal completa 22 anos no mês que vem. Passadas mais duas décadas, ela ainda tem 142 dispositivos que dependem de regulamentação pelo Congresso Nacional. A expectativa é que deputados e senadores que forem eleitos em 3 de outubro comecem a regulamentá-los a partir de 2011. Entre esses dispositivos, está o que trata dos percentuais de produção regional cultural, artística e jornalística que devem ser veiculados pelas emissoras de rádio e TV.

O acúmulo de dispositivos para regulamentar é uma das heranças da Assembleia Constituinte de 1988. Quando um assunto era polêmico e não havia acordo, os constituintes aprovavam algumas diretrizes da matéria e deixavam para os futuros parlamentares a tarefa de regulamentá-lo por meio de leis ordinárias ou complementar. Assim, ficaram para ser regulamentados 352 dispositivos, dos quais 210 já foram apreciados, 64 estão em discussão na Câmara ou no Senado e 78 permanecem sem projetos.

Um dos dispositivos que dependem de regulamentação é Inciso 3º do Artigo 221. Ele diz que os percentuais de regionalização da produção cultural, artística e jornalística, nas emissoras de rádio e TV serão definidos em lei a ser aprovada pela Câmara e pelo Senado. À época, os constituintes tentaram fixar um percentual para essas produções. Como não houve acordo, a solução foi deixar a regulamentação para a lei ordinária.

O Artigo 221 estabelece que a produção e a programação das emissoras de televisão e rádio deverão atender a alguns princípios, tais como: preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; promoção da cultura nacional e regional e incentivo à produção independente. Também tratam do capitulo da Comunicação Social os artigos 220, 222, 223 e 224.

Alguns projetos já foram apresentados para regulamentar os percentuais da regionalização da produção cultural, artística e jornalística das emissoras de TV e de rádio. Um deles, de autoria da ex-deputada Jandira Feghali, já foi aprovado pela Câmara e aguarda deliberação do Senado.

A proposta estabelece que as emissoras de rádio e TV serão obrigadas a exibir em sua programação diária, das 7h às 23h, no mínimo de 30% de programas de culturais, artísticos e jornalísticos totalmente produzidos e transmitidos no local de sua sede, sendo no mínimo 15 % jornalístico e 15% artístico e cultural.

A dificuldade na regulamentação desse dispositivo se deve à pressão dos empresários da área de comunicação. Eles não concordam com os percentuais estabelecidos na proposta, que tramita no Congresso há 19 anos.

De acordo com diretor de Assuntos Legais da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Rodolfo Machado Moura, a proposta da ex-deputada é impraticável. “Somos favoráveis à regulamentação do dispositivo constitucional, desde que ele tenha condições de ser praticado no Brasil.” Segundo ele, o projeto, que já está no Senado, traz percentuais que não têm como serem cumpridos.

Rodolfo Machado disse que a regulamentação precisa ser feita de forma a estabelecer percentuais variáveis de acordo com a localidade onde estiver instalado o veículo de comunicação e com percentuais viáveis que possam ser cumpridos. Segundo ele, de nada adianta aprovar uma lei que não tem viabilidade para ser cumprida. A maioria das emissoras de rádio, assinalou, tem programações locais, porque há poucas redes nacionais.

A regulamentação do dispositivo constitucional conta com o apoio do Ministério da Cultura (MinC). De acordo com o coordenador-geral de Políticas Audiovisuais do MC, James Görgen, a regulamentação do Inciso 3º vai dar um grande estimulo à área de produção independente no Brasil. “Hoje, há concentração da produção audiovisual no Rio de Janeiro e em São Paulo. Com a regulamentação, a gente tende a ter a descentralização das produções e a permitir maior representação da diversidade cultural brasileira nos meios de comunicação.”

Segundo o representante do ministério, a simples imposição de cotas para exibição nas emissoras de TV e de rádio não vai resolver a questão para as emissoras e nem para os produtores independentes e nem para a população. “É necessária a adoção de uma política que preveja incentivos para que as emissoras regionais possam adquirir o direito de exibição de obras de produtores independentes.”

De acordo com Görgen, uma das resoluções da 2ª Conferência Nacional de Cultura, realizada em março deste ano em Brasília, foi a necessidade de regulamentação do dispositivo constitucional. Ele informou ainda que durante a 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), em dezembro do ano passado, também na capital federal, a regulamentação do dispositivo constitucional que prevê a regionalização dos conteúdos de rádio e TV foi uma das propostas aprovadas pelos mais de mil participantes da 1ª Confecom.

Para o presidente da Associação Brasileira de Produtores Independentes de TVs, Marco Altberg, a regulamentação do dispositivo “é fundamental e é aguardada pelos produtores desde a Constituinte de 1988. Segundo ele, as TVs públicas como a TV Brasil e a TV Cultura e as emissoras de TV a cabo têm tido presença importante, “abrindo espaços para veiculações de produções independentes”.

De acordo com Marco Altberg, no mundo inteiro “boa parte do conteúdo veiculado pelas emissoras é de produção independente”. Segundo ele, é importante a regulamentação para a veiculação das produções independentes, assim como a regionalização das produções nas emissoras. “A regulamentação vai ajudar na maior produção e na melhor qualidade dos produtos.”