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TV Pública: independência, regionalização, horizontalidade

No Workshop de Programação para TV Pública, realizado em agosto, em Salvador, foram reafirmados os conceitos básicos para o desenho da nova TV pública, que iniciará sua instalação em dezembro com o lançamento da TV Brasil. Foram ratificados e aperfeiçoados os conceitos discutidos e aprovados no I Fórum Nacional de TVs Públicas, realizado em dezembro de 2006, em Brasília. Ratificou-se a composição de uma programação generalista, que absorva produção e conteúdos regionais no limite máximo de possibilidades e que tem na produção independente seu principal pilar de sustentação, com exceção da produção telejornalística diária. Foi ratificado o entendimento de que a TV Brasil será o carro chefe de um sistema de comunicação operando com igual ênfase na web e em rádio AM e FM.

Quanto à formação de Rede, ficou claro o interesse de colaboração por parte do conjunto de emissoras estaduais da ABEPEC, a Associação Brasileira das Emissoras Públicas, Educativas e Culturais. A horizontalidade na prática de Rede foi definida como meta a ser construída a médio prazo, considerando-se como etapa inicial uma relação mais vertical, a partir da liderança da TV Brasil na programação telejornalística diária e no desenvolvimento de conteúdos. Previu-se a articulação da rede a partir de três ações: disponibilização de programação, investimento em produção de conteúdos, investimento em infra-estrutura técnica para produção e transmissão.

Os profissionais de televisão, os representantes dos distintos segmentos da televisão pública, os técnicos, os economistas, os acadêmicos e as autoridades federais e estaduais que estão trabalhando desde junho de 2006, ininterruptamente, na elaboração desse desenho, pautaram-se pela certeza de que a refundação da TV Pública é tema chave não apenas para o desenvolvimento do audiovisual no País, mas sim para o desenvolvimento econômico e espiritual da nossa sociedade. O encontro da Bahia ratificou a necessidade essencial, alicerçante, para que a TV Brasil seja inovadora e popular, da diversidade cultural e da multiplicidade de pontos-de-vista e opiniões. O desafio da diversidade ao qual ela se propõe vai além de garantir espaço e voz para todos: não quer mostrar um carnaval de temas, um desfile de identidades, mas sim expor conflitos, interações e imaginações com a perspectiva de formação crítica do cidadão. Esse desafio se ramificanos esforços que estão sendo aplicados à criação de novos modelos de sustentação, de novas conformações negociais, de novos formatos e de construção da audiência.

A TV Brasil nasce em um momento de mudanças tecnológicas. A digitalização altera não apenas a qualidade da imagem, mas a forma como se assiste e como se faz televisão. Este processo se aprofunda com o funcionamento integrado com a internet, que alça o espectador à condição de programador e de produtor. Em um país como o Brasil, os desafios da interatividade também apontam para a necessidade de alcançar objetivos educacionais e inclusivos. A chegada de serviços públicos à população de baixa renda é uma preocupação permanente e a interatividade é parte da resposta a ela. As escolhas de uso das tecnologias podem fazer com que se moldem com mais clareza os espaços dos canais comerciais e dos públicos. Muito além da alta definição alardeada pelas emissoras comerciais e da venda de produtos pelos canais de retorno, a TV Pública pode se diferenciar por uma interatividade educativa e cidadã.

Frente aos campos que se abrem, as TVs Públicas seguem com a necessidade de superar o atraso tecnológico em que se encontram, questão que só será resolvida se aliada ao debate de financiamento dos canais, que deverão ser oriundos, como diz a Carta de Brasília, de fontes múltiplas, com a participação significativa de orçamentos públicos e de fundos não-contingenciáveis. A formação expansiva da rede pública passará pela revitalização das estruturas estaduais, pela ampliação de sua capacidade de produção, garantindo material qualificado para a rede e o fortalecimento de cada emissora nos cenários regionais. Para tanto, para ser realmente pública, esta TV obrigatoriamente terá autonomia em relação ao poder político e ao poder econômico, com gestão operada por órgão colegiado representativo da sociedade, sem maioria do governo ou do Estado. O papel do Estado na comunicação pública não é o de determinar conteúdos, mas o de ser um agente que fomenta a participação democrática, sistematiza os acúmulos, garante regulação da atividade e o financiamento deste instrumento de universalização dos direitos àcomunicação, à educação e à cultura. 

* Orlando Senna é Secretario Nacional do Audiovisual/MinC