Arquivo da tag: Ingenuidade explorada

Campanha mundial pede restrição à publicidade destinada às crianças

Horas e horas em frente ao computador, à tevê e ao videogame, aliadas à conseqüente redução da prática de exercícios físicos, somados ainda a uma dieta pouco sadia, têm tornado as crianças desta década mais rechonchudas que o recomendável para sua saúde. Este problema já não é mais exclusividade de países ricos, como os EUA. Pesquisas recentes constataram que o Brasil e outros países em desenvolvimento têm adotado uma dieta de risco desde a infância, com o aumento do consumo excessivo e desbalanceado de calorias e de alimentos de baixo teor nutricional, como biscoitos e refrigerantes.

Segundo avaliação da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2015 haverá 2,3 bilhões de adultos obesos no mundo. Atualmente, 177 milhões de crianças já têm males de saúde porque estão acima do peso ou obesas. O excesso de peso é causa de problemas ortopédicos, reumatológicos e psicológicos — crianças obesas tendem a desenvolver ansiedade, distúrbios alimentares e depressão, e também de isolar-se socialmente. Além disso, a obesidade na infância tende a provocar problemas cardiovasculares, hipertensão e diabetes na fase adulta.

Diante deste quadro de alerta mundial, a Consumers International (CI), entidade que agrega órgãos de defesa do consumidor de todo o mundo, promove uma campanha para restringir a publicidade de alimentos não saudáveis dirigida às crianças. A campanha foi lançada mundialmente em 15 de março, marcando o Dia Internacional do Consumidor. O objetivo é propor aos países a adoção de um código internacional comum que imponha limites a esse tipo de propaganda, como estratégia contra a obesidade e as doenças a ela associadas. A medida mostra-se urgente, uma vez que a publicidade, reconhecidamente, impõe padrões de consumo. E quando seu alvo é a criança, seu grau de influência é muito maior.

Em 18 de março, o Idec e o Projeto Criança e Consumo (do Instituto Alana) enviaram uma carta ao presidente Lula, ao Ministério da Saúde, à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), à Câmara dos Deputados e ao Senado, pedindo para que apóiem o código internacional, na Assembléia Mundial da OMS, a ser realizada entre 19 e 24 de maio em Genebra (Suíça).

A Anvisa, responsável por regular o setor alimentício no Brasil, vem tentando há algum tempo estabelecer uma regulamentação sobre a publicidade de alimentos e bebidas de baixo valor nutricional. Entre novembro de 2006 e abril de 2007, o órgão colocou o tema sob Consulta Pública (CP  71/06) e recebeu contribuições para colocar limites a esse tipo de propaganda. As principais propostas elaboradas pela agência eram bem parecidas com as do Código elaborado pela CI.

À época, o Idec assinou embaixo da proposta de que a Anvisa criasse limites para a propaganda de alimentos prejudiciais à saúde e enviou algumas sugestões para aprimorar a regulamentação. No entanto, um ano depois, ainda não houve resultado concreto. Em resposta à Revista do Idec sobre o andamento do processo, a agência informou que está em fase de consolidação das contribuições recebidas. Todavia, ainda não há previsão de quando o tema será regulamentado. É possível, inclusive, que ele volte à consulta pública no segundo semestre deste ano, disse a Anvisa, devido às polêmicas que o envolvem.

Fracasso da auto-regulação

As “polêmicas” são fruto da discordância do setor regulado, que não aceita seguir qualquer regra. As indústrias alimentícias, agências publicitárias e meios de comunicação defendem a auto-regulação, que atualmente vigora no Brasil e em outros países. No entanto, este modelo é insuficiente. O que se vê é um “bombardeio” de propagandas de alimentos não saudáveis dirigidos às crianças, com conteúdo muitas vezes bastante apelativo.

Segundo um levantamento da CI, as companhias multinacionais de alimentos, bebidas e doces investiram 13 milhões de dólares em propaganda, só no ano de 2006. No Brasil, o Fórum Nacional das Entidades Civis de Defesa do Consumidor (FNECDC) também fez uma pesquisa sobre o assunto, para colaborar com a campanha internacional. O relatório do estudo aponta que as estratégias de venda desses alimentos, no país, se valem de brindes, imagens fantasiosas e personagens infantis para atrair as crianças, tanto nos anúncios publicitários quanto nas embalagens dos produtos (veja quadro).

Pelo Código de Defesa do Consumidor (art. 37), “é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva que (…) se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança”. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) também proíbe expressamente a publicidade infantil. Porém, tais instrumentos legais não são aplicados por falta de uma regulamentação sólida.

Má influência

Para a advogada Isabella Henriques, coordenadora do Projeto Criança e Consumo, a publicidade contribui muito para um consumo exagerado de alimentos pouco saudáveis. “Atualmente, mais de 50% de toda a publicidade infantil é de alimentos, sendo que 80% deles têm alto teor de açúcar, gorduras ou sódio”.  As crianças são vítimas de uma avalanche de propagandas que, com apelos cada vez mais elaborados, as induzem a querer comer, independente da qualidade do alimento.

Outro problema apontado por Isabella é que a informação nutricional dos rótulos destes alimentos claramente voltados para o público infantil, em geral, tem como referência a dieta de um adulto. Isso pode iludir os pais menos atentos, que sem saber podem oferecer à criança de uma só vez um alimento que contém toda a quantidade de açúcar ou gordura que ela deveria consumir num dia, por exemplo.

Para a advogada, qualquer publicidade dirigida a crianças menores de 12 anos deveria ser proibida, com respaldo do ECA e do CDC, porque necessariamente explora a ingenuidade infantil. No entanto, como não há impedimento específico e vigora a auto-regulação, o veto a esse tipo de propaganda ainda depende da interpretação do Judiciário em considerá-la excessiva. Por isso, a proposta para coibir definitivamente a propaganda de alimentos não saudáveis voltada para crianças, evidentemente abusiva, é muito bem-vinda.

O que propõe o Código? 

O código elaborado pela CI e pela International Obesity Taskforce, grupo ligado à Associação Internacional para o Estudo da Obesidade, propõe restrições à propaganda de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, gorduras ou sódio. Os principais pontos são: 

  • Proibir esse tipo de publicidade entre 6 horas e 21 horas no rádio e na TV, e em qualquer horário em páginas da internet;
  • Vetar qualquer tipo de propaganda destes alimentos nas escolas;
  • Impedir que sejam inclusos brinquedos, jogos ou itens colecionáveis nas embalagens destes alimentos, bem como a utilização de celebridades ou personagens infantis em sua comercialização.