Arquivo da tag: III FMML

Movimento lança processo de construção da Carta Mundial de Mídia Livre

Foi lançado este semana, em âmbito internacional, o processo de construção da Carta Mundial de Mídia Livre. A iniciativa, aprovada durante a terceira edição do Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML) – realizado na Tunísia em março, como parte das atividades do Fórum Social Mundial 2013 –, pretende reunir os mais diferentes atores do setor em torno de princípios e direitos fundamentais para o exercício da comunicação livre nos diferentes países. O objetivo é construir um documento referencial para o conjunto dos veículos e ativistas deste campo, que permita avaliar, ao longo do tempo e em comparação à realidade de outras nações, o cenário dos meios de comunicação. A Carta será assim uma plataforma estratégica para a atuação conjunta dos movimentos e organizações que lutam pela democratização da mídia em todo o mundo.

«Desde de 2009, quando aconteceu o primeiro Fórum Mundial de Mídia Livre, em Belém, o movimento de comunicação cresceu internacionalmente. A construção desta Carta será um momento de reunir e articular o conjunto dos atores e militantes da mídia livre nos mais diferentes países e debater os desafios para garantir a liberdade de expressão», avalia Marion Bachelet, do E-joussour, portal da sociedade civil do Maghreb-Machrek (norte da África e Oriente Médio). Para Mohamed Leghtas, também do E-joussour, a Carta deve ser um instrumento de mobilização do movimento, e o Fórum Mundial de Mídia Livre pode passar a ser o espaço de reunião daqueles que aderirem a esta Carta.

O desafio não é pequeno. A própria definição de «mídia livre» engloba uma enorme multiplicidade de meios, de rádios e TVs comunitárias e associativas a blogs, sites e jornais alternativos, podendo passar inclusive pela mídia pública. A mídia livre inclui ainda os jornalistas, comunicadores,  educomunicadores, blogueiros, produtores de vídeo e desenvolvedores de tecnologias livres comprometidos com a construção de alternativas aos modelos de comunicação monopolizados ou controlados pelo poder econômico.

«O que todos tem em comum é o trabalho pela transformação e pela justiça social», explica a senegalesa Diana Senghor, do Instituto Panos da África Ocidental. «Mas como há um grande número de iniciativas que não se conhecem, a Carta Mundial da Mídia Livre pode ser um instrumento para articular geograficamente diferentes tipos de mídia em diferentes estratégias de ação», acredita.

Por fim, o documento também pode contribuir para que os movimentos sociais e populares que participam do processo do Fórum Social Mundial compreendam que a luta por uma mídia livre também é um desafio central na luta por outra globalização, não apenas como um instrumento de comunicação mas como um direito em si.

Toró de princípios

Para dar um pontapé na construção da Carta Mundial de Mídia Livre, o III FMML promoveu uma atividade em Tunes, na qual os participantes levantaram as primeiras ideias dos princípios fundamentais e direitos a reivindicar que devem constar do documento. Um deles é o reconhecimento da comunicação como um direito e da informação plural como base para a formação de sociedades efetivamente democráticas e de uma opinião pública crítica e independente. Neste sentido, outro direito a se reivindicar na Carta é a afirmação dos movimentos sociais como produtores de informação essenciais para ampliar diversidade das mensagens que circulam no seio da sociedade civil.

A importância de uma regulação democrática para coibir a concentração da propriedade dos meios e do desenvolvimento de políticas públicas de comunicação com participação popular também foi lembrada no debate. Assim como o aspecto estratégico do acesso universal às novas tecnologias de comunicação e informação como a internet, que, num cenário de convergência tecnológica, deve permanecer livre de interesses exclusivamente econômicos. Da mesma forma, reafirmaram a necessidade de construção de um modelo econômico para a mídia livre independente das forças do mercado, que não seja dominado pela ditadura da audiência e da publicidade.

Diante da ameaça de autoridades políticas e econômicas e da repressão por parte de governos autoritários, os participantes do FMML destacaram ainda a necessidade de garantia de proteção aos jornalistas, blogueiros e comunicadores populares no exercício de suas atividades. E reforçaram a importância da educação para a mídia e da descolonização da produção do conhecimento.

«Será um documento amplo e ao mesmo tempo objetivo, no qual trabalharemos ao longo deste ano e que será validado na próxima edição do Fórum Mundial de Mídia Livre, em 2014», conta  Danielle Moreau, presidente da ONG francesa Ritimo. Para elaborar a primeira versão da Carta, será formado um grupo de trabalho internacional, que contará com a participação das organizações brasileiras Intervozes e Ciranda. Em agosto, a primeira versão do documento será colocada, em cinco idiomas, em consulta pública na internet, para receber contribuições de adendos, modificações e exclusões no texto.

No final do ano, uma nova versão será disponibilizada para coleta de adesões iniciais, visando seu lançamento no primeiro semestre de 2014. A próxima edição do FMML deve, além de lançar a Carta, discutir estratégias para a apropriação do documento pelos movimentos sociais e atores da mídia livre e sua utilização em prol da defesa do direito à comunicação nos diferentes países, junto à sociedade civil e aos órgãos governamentais e multilaterais, como a relatoria especial das Nações Unidas para a liberdade de expressão.

Leia também: III Fórum Mundial de Mídia Livre divulga Declaração final de Tunes

Fórum Mundial de Mídia Livre divulga Declaração final de Tunes

Junto com o lançamento do processo de construção da Carta Mundial de Mídia Livre , a comissão organizadora do III FMML divulgou esta semana a Declaração final de Tunes, aprovada pela Assembleia de Convergência pelo Direito à Comunicação do Fórum Social Mundial 2013. O documento, entre outros pontos, destaca a importância da mídia livre nas lutas pela transformação social na Tunísia e das rádios comunitárias para o exercício da liberdade de expressão nos países africanos.

Leia abaixo a íntegra do documento:

Declaração de Tunes
Documento aprovado pela Assembleia de Convergência pelo Direito à Comunicação do Fórum Social Mundial 2013.

Tunes, 29 de março de 2013.
Nós, participantes, protagonistas e ativistas (s) da informação alternativa, que utilizamos a comunicação como ferramenta para a mudança social e defendemos o direito à comunicação e a liberdade de expressão, reunidos(as) em Tunes de 24 a 29 março de 2013, no III Fórum Mundial de Mídia Livre (III FMML), consideramos essa reunião altamente simbólica, pois foi realizada no país onde as mídias livres têm desempenhado um papel importante na mudança social.

Durante esse Fórum, que deu atenção especial às rádios comunitárias e associativas, ferramentas indiscutíveis para a democratização, mas não são reconhecidas legalmente em países da região,  diferentes temas foram discutidos: o processo do FMML, o direito à comunicação e informação como bens comuns, a apropriação tecnológica, as condições para uma internet livre, a regulação e principalmente as condições para promoção deste o setor de interesse público como elemento essencial do desenvolvimento e da democracia.

Considerando:

– Que a informação e o conhecimento são bens comuns o direito à comunicação é um direito fundamental e inalienável;
– Que todo campo midiático, que é parte estruturante da democratização do Estado e da sociedade, deve ser regido em observância ao Artigo 19 da Declaração dos Direitos Humanos, assim como referenciado na ética e na deontologia da comunicação, tal como consignado pelas cartas adotadas mundialmente e promovidas regional e internacionalmente pelos profissionais da área.

Constatando:
– O estrangulamento da comunicação pelos poderes político, econômico e industrial
– A instrumentalização e a mercantilização da informação pelos Estados e os grandes grupos de mídia;
– O aumento da concentração de poder e dos grupos de mídia;
– A incompatibilidade entre os velhos marcos  legais e os sistemas de mídia que evoluem  junto com os avanços tecnológicos;
– Uma ausência quase total de leis em favor do acesso da cidadania à informação pública;
– A falta de apoio à cidadania para a produção e disseminação de informação plural, diversificada e crítica;
– Liberdades de expressão e de imprensa minadas por leis repressivas;
– Uma repressão violenta contra a cidadania interessada na informação;
– A importância da inclusão digital para destravar o exercício do direito à comunicação;
– As ameaças à proteção de dados pessoais na internet;
– A falta de acesso aos meios de comunicação pela maioria das populações economicamente desfavorecidas;
– A criminalização, pela grande imprensa, da maioria das vozes sociais que desafiam a concentração de poder político, militar ou econômico;
– A invisibilização, pela grande imprensa, das ideias e os debates voltados à transformação da sociedade, em particular os que ocorrem no processo do Fórum Social Mundial; 
– A emergência de mídias livres e cidadãs que contribuem às mudanças sociais e políticas, como demonstrado pela Primavera Árabe.

Observando mais particularmente no Maghreb-Machrek e na África:
– A necessidade de um campo midiático diversificado e democrático, alimentado por uma participação efetiva e pelo exercício legítimo e protegido da liberdade de expressão pela cidadania;
– A luta pelo reconhecimento legal das rádios comunitárias e associativas, como uma alavanca decisiva para o futuro das sociedades e seus modos de governança em a todos os níveis e em todas as áreas da vida comunitária.

Lançamos um chamado pelo/a:
– Acesso livre e democrático à informação, de acordo com os princípios universais dos direitos humanos;
– Implementação do direito à comunicação de acordo com as normas e convenções internacionais;
A defesa de marcos regulatórios que garantam o acesso à informação e  liberdade de expressão para todos;
– Criação de autoridades reguladoras para a radiodifusão, que sejam verdadeiramente independentes de autoridades políticas e poder financeiro;
– Acesso ao espectro de rádio pelas mídias associativas e comunitárias, especialmente na região do Maghreb-Machrek, com o reconhecimento legal das rádios comunitárias que formam o terceiro setor de radiodifusão, ao lado dos setores público e privado, e a atribuição de frequências estas rádios, de forma justa;
– Implementação de políticas públicas de apoio à diversidade e pluralidade dos meios de comunicação;
– Acesso gratuito e universal à conectividade com a Internet ;
– Defesa de uma Internet livre e  governada democraticamente;
– Descentralização e apropriação de infraestrutura e software livre (Mesh P2P);
– Promoção de criptografia para proteger o anonimato nas comunicações;
– Promoção da cultura livre, da banda larga livre, do acesso gratuito à Internet, do conceito de bens comuns e a defesa da filosofia do software livre, para garantir a soberania tecnológica.

Nos comprometemos a:
– Aprofundar o diálogo entre a mídia livre e movimentos sociais em torno dos direitos à comunicação e ao conhecimento e da violação desses direitos;
– Apoiar iniciativas ativistas voltadas à efetivação do direito à comunicação;
– Estabelecer uma rede para coordenar campanhas voltadas a proteger e reforçar o direito à comunicação;
– Refletir sobre um modelo que garanta a viabilidade, sustentabilidade e independência dos meios de comunicação livres;
– Criar um grupo de redes de compartilhamento entre países do Norte e do Sul para promover a utilização de hardware e software livres para democratização e difusão massiva dos saberes tecnológicos;
– Construir e desenvolver alternativas livres para reforçar o universo das redes sociais livres;
– Refletir sobre o impacto ambiental da utilização de novas tecnologias;
– Defender que os eventos do Fórum Social Mundial sejam precedidos de um diagnóstico dos direitos, liberdades e garantias de comunicação no país sede, e do grau de acesso dos(as) habitantes aos meios de comunicação;
– Desenvolver a Carta Mundial de Mídia Livre, que elenque valores,  princípios e um código de ética comuns aos ativistas das mídias livres;
– Continuar a construção do processo do Fórum Mundial de Mídia Livre.