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Liberdade, privacidade e Direitos Humanos

A sala da trilha 1 não era das mais cheias, na tarde desta quinta-feira, no Expo Center Norte, onde se realiza até esta sexta, o I Forum da Internet no Brasil. Os participantes estão divididos em seis trilhas, que agrupam determinados assuntos, importantes para a consolidação e expansão da rede mundial de computadores no país. Liberdade de expressão, proteção dos direitos humanos na rede, garantia de direitos e liberdades na Internet, direitos das crianças e adolescentes, são alguns dos temas tratados neste grupo.

Danilo Doneda, do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça, falou bastante sobre a importância de proteger o consumidor, seus dados pessoais sobretudo. Segundo ele, "o futuro aponta para necessidade cada vez maior de proteção ao consumidor", já que o "comércio eletrônico cresce vertiginosamente, provavelmente superará o comércio de rua, criando novos hábitos de consumo, novos produtos". Para o doutor em direito civil, a monetização dos dados pessoais pode fazer parte de modelos de negócios gratuitos. "A proteção de dados do cidadão tem a ver com liberdade", e na visão da pasta da Justiça "é necessário legitimar a proteção", que precisa ser atualizada, modernizada. Sobre Direitos Humanos, o representante da Justiça nada falou, aliás houve estranhamento com sua perspectiva do ponto de vista do consumo.

Pelo terceiro setor, falou Carlos Affonso Pereira de Souza, do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV (Fundação Getúlio Vargas). O doutor em direito acredita que a Internet brasileira está quase constitucionalizada, com a sucessão de leis, orientações, proteção. Citando exemplos de países árabes e da Venezuela, "que tem filtragem prévia sobre conteúdos", Carlos Affonso acredita que no Brasil a Internet não está ameaçada, a língua portuguesa é a segunda no Twitter. Lembrou de polêmicas que estão na ordem do dia, como o "direito autoral", ou a lei de cibercrimes. "Não sabemos nem mesmo como os direitos humanos serão tratados na Internet, como aprovar lei sobre crimes?"

"A Internet deve ser aberta como princípio para guiar leis futuras", acredita o professor. Ordens judiciais contra conteúdos vem sendo utilizadas e ele cita o exemplo do Picasa, que teve de retirar 11.574 fotos. Para Carlos Affonso, os grandes avanços propiciados pela Internet em relação aos meios de comunicação tradicionais, estão no acesso – de restrito para amplo; na interatividade – de unitária para plural; e na colaboração, antes inexistente e agora estimulada. "As redes podem se transformar em muros na Internet", a colaboração é a grande mola propulsora.

"A essência da tecnologia não é algo tecnológico". Com a frase de Heiddeger, o único não advogado da mesa, professor José Palazzo Oliveira, da UFRGS, fez uma viagem pela historia da comunicação, mostrando que privacidade é coisa recente e que, assim como liberdade e direitos humanos são conceitos que "tem profunda base ideológica". Mais importante que a tecnologia em si, é a difusão que se faz dela e como é utilizada. "Liberdade é ausência de submissão, de servidão, de determinação" e a Internet tem ferramentas fabulosas para a liberdade de expressão, depende de nós o uso dessa tecnologia.

"Somos defensores desses princípios, liberdade, privacidade e direitos humanos", começou o representante dos empresários, Rony Vainzof, advogado especializado em direito eletrônico. A seguir, passou a relatar exemplos de crimes "pela internet", segundo ele – suicídio em razão de "cyberbullying", namorado que fez montagem de foto da namorada num corpo nu e espalhou pela Internet, infernizando a vida da garota – e protestou porque no Brasil isto não é crime. Lembrou que na Constituição "é livre a manifestação de pensamento, sem anonimato", "a vida privada da pessoa natural é inviolável", e outros artigos de leis, citando inclusive artigos do Marco Civil que tramita pelo Congresso. Vainzof critica a falta de parâmetros na legislação brasileira para o conceito de privacidade. "O provedor pode ser gratuito mas não é filantrópico, algo ele terá em troca".

Fórum da Internet começa em São Paulo

A tecnologia ainda é entendida como um domínio masculino, mesmo quando se trata do fenômeno mais sintonizado com as transformações atuais da sociedade e parte das causas dessas mudanças: a Internet.

Um sintoma é a composição da mesa que abriu, nesta manhã, o Fórum da Internet no Brasil, com apenas uma mulher entre 14 convidados à mesa organizada pelo CGI.br, Comitê Gestor da Internet no Brasil, para debater os rumos e a gestão da rede.

O encontrou que atraiu participantes dos vários cantos do país ao Expo Center Norte, para dois dias de debate (13 e 14), foi aberto pelo diretor presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) Demi Getchko, que fez uma retrospectiva da história e de fenômenos relacionados com a rede no país. Apontou, por exemplo, que os códigos abertos, que asseguram liberdades tecnológicas na rede, só existem por causa da Internet, e na verdade os dois foram criados juntos, são interligados.

Um aspecto interessante do desenvolvimento da Internet no Brasil foi o modo como a rede foi apropriada, que mostra um protagonismo importante da sociedade civil organizada. Se a primeira leva de usuários ocorreu dentro da academia, como ferramenta de apoio ao intercâmbio da produção científica, a segunda e grande leva se deu no momento de intercambiar debates das organizações e movimentos sociais envolvidos com a construção da conferência paralela à Conferência do Meio Ambiente da ONU, Eco 92, que em 2012 completará 20 anos com uma nova conferência no Rio. Só então viria a leva de apropriação pelos setores governamentais e, depois, pela sociedade civil em geral.

Os debates hoje sobre o uso e regulação da rede colocam em questão as liberdades dos usuários e, segundo Demi Getchko, é preciso entender que controle é diferente de segurança. As ferramentas podem ser utilizadas para esclarecer crimes, mas não devem ser usadas para controle dos usuários.

Para o segundo conselheiro a falar, Sérgio Amadeu, a internet deve ser considerada um direito humano. A rede veio mudar o ecossistema da comunicação, em que era difícil falar pelos meios tradicionais, e que foi subvertido."Todos podem publicar sem pedir autorização para ninguém. E essa cultura da liberdade, que está acima da cultura da permissão, é fundamental para o conhecimento científico", defende.

Mas segundo Amadeu, quem chegou à rede depois acha que isso deve ser mudado. A Internet está sob ataque no mundo inteiro. "Não podemos permitir que sejam criadas legislações que cerceiem a interatividade por meio do controle", alertou. É preciso, segundo ele, encontrar o equilíbrio entre liberdade, interatividade e segurança.

A falta de acesso à banda larga no Brasil, uma das mais caras do mundo e que não chega aos extremos do território nacional, é o grande entrave para assegurar a Internet como um direito. "Precisamos diminuir o custo Brasil de comunicação", disse Sérgio Amadeu, fazendo um apelo pela difusão da campanha "Banda Larga é Um Direito Seu".

A disputa pelo Plano Nacional de Banda Larga, alvo da campanha, também foi apontada como estratégica pela deputada Manuela D’Avila, ao afirmar que os rumos da internet não pode ser assunto para poucos. "Queremos uma comunicação que quebre o fluxo unilateral dos meios de comunicação de massa", defende. Segundo ela, trata-se da diferença entre se ter uma comunicação de poucos para muitos ou de muitos para muitos. Como única mulher palestrante, Manuela lembrou que a reduzida representação na mesa não reflete o que acontece na rede, onde as mulheres têm presença de peso como usuárias e defensoras da democratização da comunicação.

Governança da internet ainda é tema árido

Por que a Anatel não está nesta sala discutindo governança da internet? "Porque não interessa à Anatel discutir nada do funcionamento político e econômico da rede", disse Alê Abdo, da Wikimedia, durante o debate na trilha "Governança Democrática e Colaborativa". Esta foi uma das menos frequentadas trilhas de discussão propostas pelo I Fórum da Internet do Brasil, iniciado esta manhã no Expo Center Norte, em São Paulo.

A importância do tema, que trata da democracia da gestão da rede, contrasta com a pouca difusão de informações sobre os fundamentos técnico-políticos da internet, a gestão das estruturas que sustentam seu funcionamento, a forma como o serviço é organizado no Brasil e no mundo.

A dificuldade se refletiu, em um primeiro momento, na tendência dos participantes em debater mais o funcionamento do Conselho Gestor da Internet, que foi cobrado a atuar com mais transparência e de modo mais inclusivo, do que os demais aspectos da governança da rede, propostos pela trilha: modelo e locus de governança, internet como valor adicionado, e organização da rede no Brasil, temas que foram apresentados por Demi Getchko, do NCI.br, e por Rafael Moreira, do Ministério da Ciência e Tecnologia.

A fala da representante da sociedade civil na mesa, Daniela Silva, da Transparência Hacker, foi de crítica ao CGI por não refletir na sua gestão a horizontalidade e transparência radical baseadas no próprio modo de funcionamento da internet. Seria, segundo ela, o caminho para ampliar o envolvimento da sociedade no debate da governança e nas posicões do CGI, hoje tomadas a partir de representantes eleitos por entidades sociais, empresariais e do governo.

Para o representante dos empresários Cassio Veechiatti, da Fiesp, a participação depende menos da transparência e mais de uma evolucão cultural da sociedade, o que provocou, além de criticas a essa visão, um debate na sala sobre as condições para o engajamento da populacão usuária na disputa pelos rumos da rede. A cultura não muda sem estímulo, defendeu Diego Canabarro, da UFRGS, cobrando responsabilidades tanto dos governos quanto das entidades em promover a participação.

A discussão na sala encarregada de produzir um documento final com as contribuições sobre governança levou à percepçâo de que muitos dos debates intrínsecos ao tema foram segmentados pela proposta do Fórum e acabaram sendo tratados em outras salas, nas trilhas sobre ambiente legal, padronização e inovação, inclusão digital, entre outras. Participantes sugeriram conhecer antes esses debates para então produzir um documento final.

Ficou também como sugestão de Marília Maciel, da FGV, que as próximas edições do Fórum da Internet coloquem a governança da internet como uma questão transversal, justamente por sua importância estratégica. Este tema, geralmente abordado pelos seus aspectos mais técnicos e que acaba inibindo os participantes, é na verdade um dos mais políticos no debate sobre os rumos da internet.