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Privatização da telefonia: a concorrência que nunca existiu

A Constituição Federal de 1988, no artigo 21, assegurava o monopólio estatal no setor de telecomunicações brasileiro: somente empresas sob controle nacional e estatal poderiam explorar redes de telecomunicações no Brasil. No ano de 1994, com a aprovação da quebra do monopólio nas telecomunicações pelo Congresso Nacional, abriram-se os caminhos para que, quatro anos mais tarde, se consumasse a privatização das telecomunicações brasileiras, com o país sob o comando de Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

“Fernando Henrique ganhou as eleições em 1994 com um projeto de privatização e o primeiro passo para isso foi a quebra do monopólio, que caiu da constituição e aí permitiu-se que sob concessão e permissão o capital privado poderia assumir o controle de empresas de telecomunicações”, lembra o professor e pesquisador do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (LapCom/UnB) Murilo César Ramos, acrescentando que a nova regulação das telecomunicações no Brasil surge num contexto internacional de neoliberalismo.

Segundo o diretor da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel) Juan Sanchez enquanto o governo se preparava para privatizar o setor, e assim, substituir a prestação dos serviços de telecomunicações em monopólio estatal por um regime aberto à entrada de entes da iniciativa privada, setores da sociedade mais especializados no tema, como a própria Fittel e outras organizações como sindicatos, federações, centrais sindicais, partidos políticos progressistas e movimentos sociais, articulados no “Movimento em Defesa do Sistema Telebrás”, se mobilizavam para convencer autoridades do Executivo, Congresso e a sociedade em geral das consequências negativas que a medida poderia trazer para o país.

“Além das preocupações com a sociedade brasileira, também temíamos pelo futuro dos trabalhadores, pois antevíamos um processo irresistível de demissões, terceirização e precarização do trabalho. Sendo assim, não nos restava alternativa, senão lutar. Fizemos denúncias, alertas e comparações. Publicamos dados, fatos e experiências de outras nações na tentativa de abrir os olhos da sociedade para a gravidade da situação. Além de publicações, ampliamos a pressão sobre os parlamentares. Infelizmente as forças contrárias eram muito poderosas. Restou apenas o testemunho para a história”, destaca publicação do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações do Distrito Federal (Sinttel-DF), em texto referente às atividades de luta contra a privatização no ano de 1997.

 

“Nas telecomunicações, o monopólio é natural”

O “Movimento em Defesa da Telebrás”, que surgiu em 1988 para defender que o monopólio estatal das telecomunicações estivesse assegurado na Constituição Federal, atuou durante uma década (até 1998) contra a privatização das telecomunicações no país. “Nós, trabalhadores do Sistema Telebrás, defendemos o monopólio estatal. Defendemos o papel social da empresa pública, uma estatal de telecomunicações que garanta serviços básicos à maioria da população”, afirmava a publicação “Telecomunicações por um fio”, produzida pelo Sinttel-RJ.

Segundo a edição de 26 de outubro de 1998 do Jornal do Usuário, publicação criada pelo Sinttel-DF para mobilizar a população do DF em torno do tema, a própria Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) reconhecia, ainda em 1998, que o Brasil viveria um novo monopólio das telecomunicações algum tempo depois da privatização. “O mundo maravilhoso onde a competição faria chover telefones e empregos está cada vez mais parecido com o mundo real onde poucos dominam o mercado, submetendo os interesses do país e dos consumidores a interesses puramente comerciais. O presidente da Anatel, Renato Guerreiro, declarou em recente entrevista que o Brasil terá apenas entre três e cinco operadoras de telefonia em um futuro não muito distante”, dizia trecho do jornal.

O professor Murilo Ramos conta que, quando o modelo estava sendo concebido, o Insituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) contratou o pesquisador Márcio Wohlers para fazer um estudo de infraestrutura, ainda na fase pré-privatização. “Quando o estudo ficou pronto, o Ipea fez um seminário interno e o Márcio me convidou pra participar da discussão. Para minha surpresa, estavam presentes dois pilares do modelo de privatização do governo Fernando Henrique: o advogado Carlos Ari Sundfeld, administrativista da PUC-SP, brilhante e academicamente muito sólido, que foi contratado como consultor jurídico para a elaboração da Lei Geral de Telecomunicações (LGT), e Alejandro Herrera, economista muito ligado ao Fernando Henrique e uma figura também muito importante no processo de formulação modelo”, relata Ramos que, neste dia, conheceu o modelo que estava prestes a ser adotado no Brasil. “Na discussão, o Márcio Wohlers argumentava que esse modelo não fazia sentido econômico. Ele dizia que o mercado não tinha elasticidade para absorver tanta competição. E foi exatamente o que aconteceu: a TIM comprou a Intelig, a Embratel comprou a Vésper… Começou errado ali. A ideia era que, depois que as empresas atendessem as metas de universalização nas suas áreas, elas iam sair dessas áreas e competir com todas. Mas isso não aconteceu. Em lugar nenhum do mundo se criou um mercado, na telefonia fixa, com esse nível de competição” , afirma Ramos.

 

Efeitos da privatização

 

Apesar de todos os alertas e críticas, o governo brasileiro à época seguiu com o projeto, justificando que a prestação dos serviços de telecomunicações em um ambiente competitivo proporcionaria serviços melhores e preços menores. Mas, para o professor da UnB, esse é o grande fracasso deste modelo. “Pensava-se que este modelo iria gerar competição, proporcionar a melhoria do serviço e isso não deu em nada. Não houve e jamais haverá competição na telefonia. Houve uma fragmentação, mas nunca houve competição. Na realidade o que existe é um oligopólio privado sob concessão de Estado”, afirma o professor.

No mundo do trabalho, a privatização também teve seus efeitos. “O Sistema Telebrás, no seu apogeu – décadas de 70, 80 – contava com uma média de 90, 100 mil trabalhadores efetivos. Com a privatização, ocorreram demissões em massa, veio a terceirização da mão de obra e, de repente, o número de servidores efetivos caiu para 60 mil. Hoje temos no máximo 10 mil servidores efetivos”, afirma Juan Sanchez, que lembra também que a extinção de alguns segmentos das operadoras provocou uma virtualização do atendimento aos clientes.

 

Resultados da mobilização

O diretor da Fittel acredita que o “Movimento em Defesa da Telebrás” teve um importante papel na Assembleia Nacional Constituinte para que o monopólio estatal de exploração das telecomunicações se mantivesse no país e fosse assegurado na Carta Magna. “Se isso não tivesse garantido na Constituição Federal, eles teriam privatizado o setor antes. Na Argentina, por exemplo, as telecomunicações foram privatizadas em 1992”, pontua Sanchez.

“Naquela época, você tinha a atuação da Fittel, que era a força sindical de uma corporação muita aguerrida que tentou mobilizar o Congresso, o governo. Dentro dos limites possíveis se lutou, mas era uma luta de especialistas, de pouca gente: não teve grandes passeatas, protestos, manifestações”, lembra Murilo Ramos. O professor atribui a pouca mobilização ao fato de poucas pessoas terem telefone na época. “Mesmo quem tinha, pouco usava, era muito caro, difícil,não tinha como mobilizar. Só os especialistas, corporações, os movimentos muito ligados à questão estavam preocupados com isso”, ressalta ele, que também chama atenção para o desgaste que a Telebrás sofria, sobretudo entre a classe média, por conta dos altos preços que a empresa passou a cobrar pelos serviços, depois de uma grande redução no seu financiamento.

A Fittel chegou a elaborar um projeto técnico alternativo à privatização. O documento sugeria a criação de uma empresa pública chamada Brasil Telecom, uma operadora nacional que entraria no rol das operadoras transnacionais do mundo, como a British Telecom, France Telecom, e Deutsch Telecom, da Alemanha, concorrendo com elas no mercado mundial.

O leilão que efetivou a privatização do Sistema Telebrás aconteceu no Rio de Janeiro, em 29 de julho de 1998. O governo vendeu o controle de três holdings de telefonia fixa, uma de longa distância (Embratel) e oito de telefonia celular. Com isso arrecadou R$ 22,058 bilhões – um ágio de 63,7% sobre o preço estipulado – na maior privatização da história do país. Formavam o sistema empresas regionais e estaduais, como a Telesp, Telerj e Telebrasília.

Primeira transmissão de rádio no Brasil completa 90 anos

Há 90 anos, o dia 7 de setembro de 1922 marcou a primeira transmissão de rádio no país que ocorreu simultaneamente à exposição internacional em comemoração ao centenário da Independência do Brasil, inaugurada pelo presidente Epitácio Pessoa.

A primeira transmissão radiofônica será revivida hoje em um programa especial das rádios da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) – Rádio Nacional e Rádio MEC – e da TV Brasil. Transmitido a partir do Parque do Flamengo, na zona sul do Rio, o programa de 52 minutos, começará às 12h30, vai recontar o momento histórico, com direito a números musicais e a dramatização dos principais personagens do evento. Caberá ao veterano radioator Gerdal dos Santos, integrante da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, interpretar, devidamente caracterizado, o presidente Epitácio Pessoa.

O então discurso do presidente, em meio ao clima festivo do evento, abriu a programação da exposição, tornada possível por meio de um transmissor de 500 watts, fornecido pela empresa norte-americana Westinghouse e instalado no alto do Corcovado. Apenas 80 receptores espalhados na capital e nas cidades fluminenses de Niterói e Petrópolis acompanharam a transmissão experimental, que teve ainda música clássica – incluindo a ópera O Guarani, de Carlos Gomes – durante toda a abertura da exposição.

À frente da iniciativa estava o cientista e educador, Edgar Roquette Pinto, considerado o pai da radiodifusão brasileira. “Segundo o depoimento do próprio Roquette, praticamente ninguém ouviu nada da transmissão, porque o barulho da exposição era muito grande”, conta o historiador, Milton Teixeira. “Os alto-falantes eram relativamente fracos, mas mesmo assim causou uma certa sensação a transmissão do discurso do presidente Epitácio Pessoa e das primeiras músicas”, diz.

A transmissão ocorreu no momento em que as autoridades da época investiram em obras e recursos financeiros para a exposição comemorativa ao centenário da independência, montada no centro do Rio antes ocupada pelo Morro do Castelo. No mesmo período, a insatisfação dos militares e da nascente classe média com as oligarquias que dominavam a chamada República Velha resultou na revolta dos tenentes que serviam no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, em 5 de julho. Meses antes, em 25 de março, era fundado o Partido Comunista Brasileiro, em Niterói. Em São Paulo, um evento realizado no mês de fevereiro influenciaria de forma definitiva o contexto cultural do país: a Semana de Arte Moderna.

De acordo com Milton Teixeira, a elite de cafeicultores que comandava o país soube tirar proveito político do centenário. “Era uma democracia só de fachada e direitos sociais eram coisa que ninguém imaginava ainda existir. O país estava numa crise danada, mas precisava afirmar a nacionalidade”, conta.

Especialista na história da cidade do Rio, ele lembra que para fazer a exposição foi destruído naquele mesmo ano um marco do passado carioca, o Morro do Castelo, primeiro núcleo urbano. “Ao mesmo tempo era criado nesse ano o Museu Histórico Nacional (MHN), primeira instituição dedicada à preservação do patrimônio histórico do país e cuja direção foi entregue ao historiador Gustavo Barroso.”

Alguns dos pavilhões de países, estados e instituições erguidos na esplanada do Castelo eram de construção sólida, mas outros, de madeira e gesso, foram feitos para durar apenas o tempo da exposição. Apenas três sobrevivem até os dias de hoje: o da França (atual sede da Academia Brasileira de Letras – ABL), o do Distrito Federal (atual Museu da Imagem do Som) e o da Estatística, ocupado pelo Centro Cultural do Ministério da Saúde. “O Pavilhão da Inglaterra foi demolido nos anos 70, depois de abrigar por décadas o Museu da Caça e Pesca, o mesmo acontecendo com o que sediou por décadas o Ministério da Agricultura”, conta Teixeira.

Apesar da transmissão durante a celebração do centenário da Independência, o início efetivo e regular das transmissões do rádio ocorreu somente no ano seguinte, mais uma vez graças ao esforço de Roquette Pinto. Ele tentou em vão convencer o governo a comprar os equipamentos da Westinghouse, que permitiram a transmissão experimental. A aquisição foi feita pela Academia Brasileira de Ciências, e assim entrou no ar, em 20 de abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

A emissora pioneira é a atual Rádio MEC, que foi doada pelo próprio Roquette Pinto ao Ministério da Educação em 1936. Nesse ano, também foi fundada, a princípio como emissora privada, a Rádio Nacional, que seria incorporada ao patrimônio da União na década de 40.

Para Sonia Virginia Moreira, professora de comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e autora de livros sobre a história do rádio, a década de 20 foi o chamado período experimental do veículo. “Era experimental em termos de programação, sobre o que se podia fazer no rádio, mas muito interessante em termos de organização do meio. Como não havia nenhuma história, nenhuma memória do meio, o que se fez num primeiro momento foi organizar as pessoas ou as pessoas se organizarem”, destaca.

“O resultado foi a constituição de grupos e associações que se reuniam em torno do rádio”, acrescentou. Esses grupos e associações eram formados por pessoas que emprestavam discos para as emissoras. “As rádios ficavam poucas horas no ar, porque os transmissores não tinham capacidade de transmitir durante muito tempo”, conta a professora.

Nessa fase, o rádio não era nem público e nem comercial, mas sim um meio comunitário. “As emissoras se organizavam para suas transmissões experimentais em torno dos chamados rádio-clubes”, ressalta Sonia Virginia. “Por isto, até hoje muitas emissoras criadas nessa época, em todo o país, têm a denominação de Rádio Clube, porque se constituíam, na verdade, em clubes de ouvintes,”explica.

A era do rádio comercial surge a partir de 1932, quando o presidente Getúlio Vargas, através do Decreto 21.111, autorizou as emissoras a ter até 10% de sua programação sob a forma de publicidade. “Até então, o rádio era sustentado apenas por contribuições de seus próprios ouvintes, que eram os mesmos que ajudavam a fazer a programação.”

Com a permissão da publicidade, se plantou a raiz do modelo de rádio que a partir da década de 40 se consolidou no país, o do veículo comercial, conforme a professora. “Naquele momento, marcado pela Segunda Guerra Mundial, os americanos passaram a influenciar não só a programação como o próprio modelo de rádio feito no Brasil, eminentemente comercial, a exemplo do que se fazia nos Estados Unidos”, diz a coautora, junto com Luiz Carlos Saroldi, do livro Rádio Nacional: o Brasil em Sintonia e organizadora da História do Radiojornalismo no Brasil.

Passados 90 anos, a internet permite, de certa forma, um retorno às origens do rádio. “Montar uma web rádio hoje é muito fácil, com a vantagem de que você não precisa se organizar em clubes ou associações. Cada um pode ter sua própria rádio”, avalia a professora.

Governo afirma que arquivos da ditadura estarão disponíveis pela internet

O ministro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, afirmou, na última quinta-feira (22), que os arquivos da ditadura conseguidos pelo governo federal estarão disponíveis na internet em fevereiro de 2009. A declaração foi concedida em um debate sobre Leis de Anistia do Brasil e América Latina, promovido pela 6ª Bienal de Cultura da União dos Estudantes (UNE), em Salvador (BA). A informação é da Agência Estado.

Na ocasião, Vannuchi ressaltou que a ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, publicará um edital para convocar a apresentação dos documentos, com garantia de sigilos às pessoas que enviarem. O governo ainda prevê punições aos que ocultarem informações sobre o período. "Será dado um prazo para a apresentação e quem se negar e for descoberto estará cometendo irregularidade", disse Vannuchi.

De acordo com as informações do governista, o acesso aos dados da ditadura ficará restrito, por meio de cadastro e senha, a historiadores, pesquisadores e jornalistas, para que a ação não cause danos à intimidade dos envolvidos.