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TV pública vira ponto de resistência estudantil no Paraguai

A pouca movimentação popular em apoio ao ex-presidente destituído do Paraguai, Fernando Lugo, é evidente para quem anda pelas ruas de Assunção, alguns dias após o impeachment. O único foco da "resistência" se localizava na sede da TV Pública, onde algumas dezenas de jovens, a maioria estudantes de comunicação, protestavam com bom-humor ao redor de barracas das "embaixadas" do Brasil e Argentina, além de organizarem uma rede de comunicação alternativa, já que consideram que a mídia local apoiou o que consideraram um golpe de Estado contra Lugo.

A movimentação em frente à TV Pública começou logo após a destituição de Lugo, quando ainda na sexta-feira, segundo relataram funcionários da emissora, um enviado do novo presidente teria tentado censurar o conteúdo que era exibido. O próprio presidente, Federico Franco, se referiu a emissora para justificar a paz local dizendo que a programação era toda contrária ao atual governo.

Nas noites que seguiram o dia da queda de Lugo, ganhou destaque na TV Pública o programa Micrófono Abierto (Microfone Aberto), no qual as pessoas se inscreviam em uma lista e falavam sobre qualquer coisa. Na noite de sábado e o domingo, a atração foi transmitida por até 12 horas consecutivas e, como era de se esperar em tempos de grandes e polêmicas mudanças políticas, o tema principal foi a destituição de Lugo. Mas, diferente do que se pensa, não eram todos que usavam a palavra para condenar o atual governo, mesmo que isso significasse enfrentar a grande maioria favorável à Lugo, que se enfurecia, mas não reagia com violência.

Entretanto, ao assistir o programa se via de tudo: líderes estudantis musas (ao estilo da chilena Camila Vallejo), contestação política misturada com pregação religiosa, os corajosos apoiadores de Federico Franco, camponeses discursando em um dialeto que misturava espanhol e guarani, gente relatando o que sofreu durante a ditadura, danças folclóricas, músicos locais, poetas, gente domingo em colchões pelo chão e, é claro, muito discurso esquerdista.

"Virou uma espécie de terapia, um catarse público, que se transformou em um espaço livre", explica o diretor de programação da TV Pública, Augusto Neto, orgulhoso com o destaque que a atração ganhou. "Depois do julgamento político, tivemos que aumentar a duração do programa (que era de meia hora, duas vezes por semana) porque muita gente se aproximou para falar das suas coisas, de suas frustrações, o que pensa politicamente e o que pensa do país", explicou. "Se tornou um espaço muito lindo, porque é aberto a todos e muita gente conheceu a realidade de outras épocas", avalia.

Paralelo a isso, um grupo basicamente composto por estudantes de comunicação montou uma improvisada redação para bombardear as redes sociais, alimentar blogs e jornais eletrônicos com artigos e matérias que denunciam o que a imprensa paraguaia não teria interesse em divulgar por estar sob o controle da elite, discursava o estudante Augusto Ferreira.

"É uma elite que usurpou o governo neste momento. Eles estão fazendo um trabalho muito forte em ocultar o que está acontecendo aqui, ocultando que a maioria da população paraguaia é contrária ao julgamento político", disse Ferreira. "O que estamos fazendo aqui é divulgar o que realmente está acontecendo por meios alternativos, como periódicos digitais, rádios comunitárias e redes sociais", explica.

Ao seu lado, um grupo de cansados manifestantes dormia sobre uma pilha de colchonetes que foram colocados sob a escada da emissora, que funciona em um prédio parcialmente cedido pela Usina de Itaipu. Logo ao chegar lá, os manifestantes faziam questão de mostrar à imprensa internacional as barracas da embaixada do Brasil e da Argentina, países que, ao menos em um primeiro momento, não aceitaram o que aconteceu no Paraguai.

No entanto, o sentimento que fica é que apesar da pequena e concentrada manifestação na TV Pública, a própria população aceitou o que aconteceu com Lugo. Alguns declaravam já não acreditarem na política (leia-se políticos) e outros por ainda terem a impressão que os anos de hegemonia colorada e ditadura ainda não acabaram.

Reunião do Mercosul

O governo Franco está isolado regionalmente depois que Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Venezuela, Peru e Uruguai ou retiraram ou chamaram seus embaixadores em Assunção para consultas. O bloco Mercosul, do qual o Paraguai participa ao lado de Argentina, Brasil e Uruguai, suspendeu a participação de representantes do novo governo paraguaio na cúpula que será realizada na sexta-feira na província argentina de Mendoza por considerar ilegítima a destituição de Lugo.

O ex-bispo pretendia comparecer à cúpula na Argentina, mas disse que avaliava permanecer no país. "Estou quase decidindo que não viajarei na sexta-feira pelos motivos que estou dizendo, que os presidentes da região se sintam em liberdade… não quero pressionar nem os presidentes, nem os países da região a tomarem decisões", afirmou.