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Brasileiros inspiram articulação internacional de mídias livres

O Fórum de Mídia livre nasceu em 2008 como uma reunião de pessoas e coletivos envolvidos nas mais diversas formas de produção e circulação de informação e cultura, visando articular e potencializar estas experiências. Em junho do ano passado, um primeiro encontro realizado no Rio de Janeiro selou o compromisso de centenas de midialivristas de trabalharem juntos para fortalecer esta modalidade de expressão. Agora, o desafio é expandir esta iniciativa para além das fronteiras nacionais.

Esta foi a principal conclusão do 1o Fórum Mundial de Mídia Livre (FMML), evento preparatório ao Fórum Social Mundial que terminou nesta terça-feira (27) em Belém. Segundo as resoluções do encontro, o Fórum de Mídia Livre Brasil deve assumir "como responsabilidade o esforço por trabalhar pela articulação internacional de mídias livres". Uma vez que o FMML foi uma primeira tentativa e não reuniu um contingente de midialivristas considerado suficiente para a criação de uma organização semelhante ao FML brasileiro, optou-se por buscar, a partir deste, um diálogo que avance nesta direção no plano internacional.

Assim como aconteceu no Brasil, a idéia é colocar frente a frente as várias iniciativas de mídia livre e alternativa em âmbito mundial (de veículos consolidados como o jornal Le Monde Diplomatique e a agência IPS às centenas de milhares de pessoas que utilizam as novas tecnologias digitais, como o YouTube ou o Orkut) para que encontrem uma identidade comum e se articulem de modo a promover a sua visibilidade, o seu fortalecimento e a expansão deste tipo de prática.

Altamiro Borges, editor do Portal Vermelho e um dos integrantes do Grupo de Trabalho Executivo do FML brasileiro, considerou o compromisso assumido "fundamental" e defendeu que ele deve mirar, em um primeiro momento, abarcar as experiências latino-americanas, aproveitando o florescimento e fortalecimento delas no atual contexto de existência de diversos governos de esquerda. "Há meios públicos sendo criados e ampliados e iniciativas comunitárias e livre sendo apoiadas por estes governos. Precisamos conversar com todos estes veículos", propôs.

Na avaliação de João Brant, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, aos problemas cada vez mais globais da área das comunicações são necessárias reações no mesmo patamar. "Ficou claro que o enfrentamento ao pensamento hegemônico e aos grandes grupos de mídia depende da articulação internacional entre veículos, produtores de mídia livre e organizações que lutam pela democratização da comunicação. É preciso, de um lado, fortalecer as iniciativas desse campo e, por outro, lutar por politicas publicas de comunicação que fomentem a pluralidade e a diversidade, inclusive por meio do apoio a meios de comunicação democráticos", disse.

Renato Rovai, editor da Revista Fórum e também integrante do GTE do FML, considerou o evento foi "bem sucedido". "Tivemos algumas dificuldades estruturais e de mobilização, mas frente a elas acho que o resultado foi bem positivo", concluiu.

Impulsionar as ações locais

Pela grande presença de brasileiros no evento, a plenária final do 1o Fórum Mundial de Mídia Livre incluiu também uma discussão sobre os próximos passos do FML Brasil. Uma das prioridades será a organização do campo para participar da 1a Conferência Nacional de Comunicação, que irá acontecer este ano. "Entramos em um outro patamar agora, e teremos de suar muito a camisa para mobilizar os midialivristas e aqueles preocupados com a democratização da comunicação para que nossa voz seja ouvida", disse Altamiro Borges.

Outro tema que demandará atenção do FML neste ano será o concurso dos Pontos de Mídia Livre, ação do Ministério da Cultura no interior do programa Cultura Viva. A criação de espaços de produção de mídia livre apoiadas por recursos públicos foi um dos principais pleitos da carta do encontro do Rio de Janeiro e agora se concretizou em um edital publicado esta semana no Diário Oficial da União.

A iniciativa foi saudada como uma conquista por alguns participantes, mas olhada com receio por outros: "Ainda não sabemos qual será o teor deste edital. Precisamos ter acesso a ele para formarmos uma idéia melhor a respeito e localizar se devemos apresentar críticas ou sugestões", disse Rita Freire, do portal colaborativo Ciranda.Net. Esta discussão deverá ocorrer em atividade do Ministério da Cultura no Fórum Social Mundial sobre o tema, que acontece no dia 29.

Um terceiro tema que não surge na conjuntura, mas foi muito lembrado na plenária final é a luta pela democratização das verbas de comunicação estatal. Foi criado um grupo de trabalho entre os participantes que irá desenvolver estratégias de pressão junto aos governos federal e estaduais para criar regras mais democráticas e que incluam políticas de destinação destas verbas aos veículos alternativos e livres.

Por fim, foi reafirmado um próximo encontro do FML este ano, a ser realizado na cidade de Vitória (ES), ainda sem data definida.

Estratégias de ampliação do midialivrismo provocam polêmica

Como ampliar o acesso a meios e tecnologias que viabilizam a produção própria de conhecimentos dentro de um quadro de comunicação altamente concentrado? Esta foi a pergunta que inaugurou os debates do Fórum Mundial de Mídia Livre, realizado em Belém nesta segunda e terça-feira como evento preparatório ao Fórum Social Mundial 2009. Nas discussões, foi reafirmada a necessidade de ampliar a prática do midialivrismo, reconhecendo-a como modalidade de expressão que ultrapassa os limites do corporativismo de quem é apontado pela Academia como produtor de conteúdo. Mas se foi perceptível a receptividade das diversas pessoas, coletivos e entidades presentes a este conceito-prática, os caminhos apresentados para sua ampliação foram vários e, muitas vezes, antagônicos.

Para parte dos presentes ao evento, a ampliação das vozes pretendida pelo midialivrismo deve estar relacionada à busca por uma inserção na arena midiática contemporânea. Para o integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Jonas Valente, é importante que as iniciativas de mídia livre articulem-se para fortalecer uma alternativa ao avanço dos meios comerciais que difundem um discurso conservador e interditam o “debate sobre uma comunicação mais democrática”.

Dentro do conceito de comunicação contra-hegemônica, o representante da Associação Brasileira de Rádios Comunitárias (Abraço), José Sóter, defendeu a importância da comunicação comunitária como forma de mídia livre. “Isso estimula a promoção da identidade (de uma comunidade). Promove o crescimento da consciência crítica”, disse. Altamiro Borges, editor do Portal Vermelho, advogou que se evitasse uma “ética da pequenês e da distorção”, que relegasse a mídia livre apenas a existência dispersa de iniciativas individuais de produção de conteúdos.

Multiplicação

Por outro lado, houve também vozes que apontaram o caminho da promoção das experiências sem a obrigação necessária de integrá-las. Para a diretora da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Ivana Bentes, é preciso que se pare com “o discurso da catástrofe” sobre o poderio dos grandes conglomerados comerciais de mídia. Para ela, o movimento de midialivristas tem que demandar políticas públicas, mas, acima de tudo, tem que formar os seus próprios mercados baseados nos princípios da solidariedade e do compartilhamento horizontal, bem como na formação de novas linguagens que contemplem toda a criatividade possível dentro do que é livre. “A gente tem que pensar no movimento para além da fragmentação destas linguagens. Como fazer redes tao poderosas quanto ao dos grandes conglomerados?”, questionou.

Para Sérgio Amadeu, professor da faculdade Cásper Líbero, o movimento de mídia livre deve centrar suas atenções nas possibilidades da internet e lutar contra as tentativas de limitação de liberdade dentro da rede digital através da criminalização de internautas. “Sou defensor da comunicação anônima na internet. Não é porque não é um nome verdadeiro [que assina uma produção para a rede] que a informação não tenha qualidade. Não devemos nos curvar diante da sociedade do controle”, disse.

Outro ponto que merece atenção é a busca por audiência no novo ambiente digital. “No velho paradigma, a briga era para falar. Na rede, o difícil é ser ouvido. No digital, vai haver um grande confronto entre estes ativistas e os grandes conglomerados”, sentenciou Amadeu.

Desafios

Diante da diversidade de opiniões, emergiu como desafio encontrar um fio condutor que ligue todas as perspectivas apresentadas: da garantia do acesso às novas tecnologias e da construção de redes horizontais à articulação de experiências de porte com condições de competir na arena midiática. Neste quadro, o acesso às novas tecnologias ainda é um problema que aumenta de proporção quando o assunto esbarra com o tema propriedade intelectual e a criminalização de midialivristas.

Para a representante do portal Overmundo, Oona Castro, haverá sempre a tentativa de se controlar a ação dos que promovem mídia livre. “É necessário que todos tenham a possibilidade de participar, sem intermediações”, enfatizou.

Financiamento surgiu como outra questão que merece a atenção do movimento. A necessidade da auto-sustentação é um consenso, mas também há o debate sobre o papel do Estado na garantia de uma mídia pública e livre, seja na liberação de verba publicitária estatal para meios livres, seja na promoção de políticas públicas que levem a uma maior democratização da comunicação brasileira. “Para sermos livre, precisamos da intervenção do Estado, pois ele media os conflitos da sociedade”, argumentou Sóter, da Abraço.

Crise econômica atinge finanças e credibilidade da grande mídia

Após terem contribuído como artífices da legitimação da financeirização radical que ruiu como castelo de cartas a partir da crise do sistema hipotecário estadunidense, os grandes grupos comerciais de mídia agora sentem os efeitos do forte abalo em curso no modelo econômico neoliberal. Eles, que se notabilizaram pela defesa do modelo,vêm sofrendo os efeitos deste, em um fenômeno que vai da esfera econômica, com a crescente dificuldade de capitalização dos empreendimentos, à jornalística, com uma inédita perda de referência dos produtos e seus discursos.

Esta foi a avaliação realizada em coro quase uníssono pelos participantes do debate "A crise e a grande mídia", realizado nesta segunda-feira no 2º Fórum Mundial de Mídia Livre, evento que antecede o Fórum Social Mundial 2009, em Belém do Pará.

Segundo Igácio Ramonet, do jornal francês Le Monde Diplomatique, a grande mídia internacional desempenhava papel fundamental no neoliberalismo, constituindo uma aliança com o poder econômico quase como uma espécie de "duopólio". "Com a crise que estamos vivendo no campo econômico, o neoliberalismo como teoria se vê golpeado, em minha opinião à morte, e o poder midiático, curiosamente, está se debilitando ante nossos olhos", afirmou.

O jornalista francês citou casos de diversos veículos tradicionais que vêm, em razão de seus balanços financeiros negativos, sendo repassados a empresários que não são tradicionalmente do ramo. Um caso exemplar foi a venda do New York Times ao empresário mexicano Carlos Slim Helú. O próprio Le Monde é um dos tradicionais veículos da mídia impressa que passa por sérias dificuldades financeiras.

Ramonet credita esta situação à aposta feita pelos grandes grupos comerciais na imagem pintada de calmaria e prosperidade neoliberal. Acreditando nela, investiram grandes montantes em estratégias de aquisição de grupos de mídia menores seguindo as tendências concentradoras do setor. Quando o crédito se esvaiu do mercado, estes conglomerados viram suas dívidas se transformando em um beco sem saída, apelando para a venda de empreendimentos seculares a neófitos no negócio da mídia.

Pacoal Serrano, do site espanhol Rebelion.org, foi mais longe e defendeu que a crise da grande mídia vai para além da dimensão econômica, atingindo sua própria credibilidade e autoridade junto aos seus públicos leitores, telespectadores e ouvintes. "Há uma crise de mediação. O cidadão já percebe que o discurso da mídia não se coaduna com interesses dos meios de comunicação. O leitor não se fia mais no que dizem os meios de comunicação", sugeriu Serrano.

Por fim, ele vê uma crise de informação que atinge os pressupostos históricos do jornalismo liberal, especialmente o da objetividade jornalística. Com o estouro do sistema hipotecário, os meios simplesmente se viram sem condições de explicar o fenômeno. "A dinâmica dos meios os impede de aprofundar, colocar os elementos de contexto para entender o que acontece", disse.

Armadilha

Na opinião do professor da Universidade de São Paulo (USP) Bernardo Kucinski, é irônico que a grande mídia, uma das atingidas pela crise, atue fortemente para alimentá-la. “Um aspecto mais perverso foi que a grande imprensa passou a alimentar a própria crise, através de um comportamento catastrofista e alarmista que levou empresários a rever seus planos.”

O editor do Portal Vermelho, Altamiro Borges, creditou este comportamento quase suicida à necessidade de legitimar uma saída conservadora do poder econômico à crise. “Estamos vivendo um choque do terror. A mídia está criando clima de pânico para gerar ações como demissões nas montadoras. Da mesma forma como aproveitou o Katrina para expulsar a população, ela aproveita a crise hoje para pautar ajustes mais duros. E isso é um perigo”, alertou.

Contraponto

Frente a este quadro, todos os participantes do debate propuseram a constituição de uma alternativa que possa enfrentar de igual para igual a ação dos grandes grupos midiáticos. "Queremos estar de igual para igual com os grandes meios. Não queremos ser marginais. A liberdade de expressão será uma realidade quando deixarmos de ser marginais", defendeu Pascoal Serrano, do Rebelion.

Joaquim Constâncio, do escritório uruguaio da agência internacional IPS, destacou que, para galgar esta posição, é necessário garantir a profissionalização da equipe de uma iniciativa deste porte, bem como uma estrutura robusta. "Represento uma agência com mais de 40 anos de vida, em mais de 100 países, e digo que com toda estrutura enorme, somos uma gota de água na batalha dos grandes meios. É preciso muito mais do que isso, construir meios alternativos realmente potentes e estruturados com força para gerar conteúdos", ponderou.

Ele defendeu que, apesar das novas possibilidades advindas da internet, não é possível disputar hegemonia contra os grandes meios apenas por iniciativas pontuais ou individuais. Luiz Fernando Navarro, do jornal mexicano La Jornada, foi na mesma direção. “É grande o desafio de não fazer apologia do marginal. Precisamos ser capazes em converter algo alternativo em hegemônico.”