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A Folha quer o fim da TV Brasil

A Folha quer o fim da TV Brasil. Em editorial publicado hoje argumenta que a audiência é baixa, que sua criação não foi um ato democrático (porque nasceu de um decreto) e que gasta, por ano, 350 milhões de reais do dinheiro do contribuinte. Por isso, encerra o texto da seguinte forma: “Os vícios de origem e o retumbante fracasso de audiência recomendam que a TV seja fechada – antes que se desperdice mais dinheiro do contribuinte” (veja a íntegra abaixo).

Eu tenho críticas à TV Brasil, mas nenhuma delas tem a ver com a opinião da Folha. Aliás, seria bom a gente perguntar: a quem serve a Folha? No cabeçalho se diz que é um jornal a serviço do Brasil, o que soa como piada pra quem conhece minimamente a história da imprensa do país. Pra não ir muito longe, basta dizer que o jornalão emprestou veículos para a ditadura. Mas talvez isso seja uma questão de ponto de vista: estavam, diria o jornal da “ditabranda”, a serviço do Brasil contra a Comunidade Comunista, que pretendia se instalar no governo federal.

Voltando. A TV Brasil é uma tentativa de cumprir a Constituição, que determina a complementariedade entre os serviços privado, público e estatal. Hoje só existe o privado e, tenho certeza, isto tem a ver com o lixo jogado no ar todos os dias. Sim, amigos, a televisão privada brasileira é um lixo. Não presta. Raríssimos são os programas razoáveis. Na Globo, por exemplo, nada menos que metade da programação entre 12h e 24h é de novela. E de uma novela que dissemina os piores valores morais que existem.

Posso concordar que existem erros graves na TV Brasil, e o primeiro deles foi a entrega dos cargos de direção para jornalistas oriundos das corporações de mídia. Com isso o governo indicou uma conciliação, não uma mudança substancial no jeito de fazer jornalismo. Assim, não é à toa que muito do conteúdo veiculado pela TV Brasil, sobretudo nos telejornais, tem sido muito parecido com aquele das corporações privadas (ver a carta do Mário Augusto Jakobskind à Ouvidoria da emissora, aqui no Fazendo Media ).

Por outro lado, não dá pra dizer que é tudo igual. Se pegarmos a programação como um todo, veremos a existência de iniciativas que jamais teriam vez no atual sistema privado de televisão. É o caso dos documentários, que dão voz e vez aos segmentos da sociedade que só aparecem na mídia corporativa como bandidos.

Por isso, o governo precisa se manter firme diante da pressão da Folha. E contra-atacar. Pra começar, coloque em pauta a mudança na lei que criminaliza as rádios comunitárias e determine que sua Polícia Federal vá se preocupar com aqueles que realmente ameaçam a sociedade. Essa babaquice de inimigo interno já fez muito mal ao país. Enquanto calam as vozes do povo, armas e drogas atravessam nossas fronteiras numa boa. O Rio está infestado delas, e boa parte da culpa é da falta de fiscalização.

No Brasil arcaico do século XXI, as emissoras privadas de televisão, todas golpistas, ainda recebem dinheiro grosso do governo (meu, seu, nosso) para veicular campanhas publicitárias de saúde pública. Em países um pouquinho mais civilizados isso não é assim, pois como as emissoras privadas são concessões públicas (decididas pelo meu, seu, nossos representantes no Congresso), trata-se de uma obrigação ceder espaço para veiculação de mensagens de interesse público, sobretudo em relação a epidemias (como, atualmente, a gripe suína). Isso a Folha não critica.

Assim como não vê problemas na existência de um oligopólio privado na televisão aberta. Justo o jornal que faz propaganda dizendo-se democrata (”quem lê a Folha fortalece a democracia”). Deveria ser processado por propaganda enganosa. A Folha não se incomoda com a SS brasileira, a Sociedade Sinistra que congrega TV Globo, RedeTV, Band, CNT, SBT e Record. É como se fosse natural que apenas 6 empresas tivessem o direito de se comunicar via tv com 191 milhões de pessoas. E, pior, é como se fosse natural que esse oligopólio se posicionasse, compacto, pela economia de mercado, pela cultura enlatada, pela política coronelista (Sarney foi “descoberto” com 30 anos de atraso), pelo imperialismo e pela exploração das riquezas e do povo brasileiro. É isso que veiculam, todos os dias, e, se discordam, desafio qualquer diretor de qualquer uma dessas empresas para um debate público, de preferência veiculado em cadeia nacional de rádio e televisão.

Eis a dupla desgraça brasileira. Um sistema de comunicação apátrida, a serviço do capitalismo internacional, e um governo – eleito pelo povo e pelos movimentos sociais organizados – que não se livra disso.

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Editorial da Folha de S. Paulo, 31 de julho de 2009:

TV que não pega

LANÇADA EM 2007 pelo governo como se fosse uma espécie de versão brasileira da BBC, a TV Brasil já perdeu 6 dos seus 15 conselheiros originais em pouco mais de um ano e meio. Coincidentemente, a TV criada por Lula acabou de ganhar uma nova identidade visual, que, segundo comunicado da emissora, dará “uma cara moderna e atual” ao logotipo. Mas pouca gente ficou sabendo, dado o exíguo alcance do canal.

A TV Brasil integra a EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que tem Orçamento de R$ 350 milhões por ano e abarca nove rádios e duas outras emissoras, além de seu carro-chefe.

O governo queria, com a EBC, criar uma grande rede pública nacional. Após a saída de três diretores vinculados ao Ministério da Cultura, o controle ficou nas mãos da Secretaria de Comunicação, do ministro Franklin Martins. A TV que se queria pública é antes de mais nada um cabide de empregos.

O lance mais recente da novela da emissora foi o anúncio feito à Folha pelo presidente do conselho curador, Luiz Gonzaga Belluzzo, de que entregará o cargo.

Antes dos problemas políticos, a empresa padece de irrelevância técnica. Tem alcance muito restrito pela rede aberta, funcionando basicamente para clientes de operadoras de TV por assinatura. Segundo a emissora, muitos espectadores assistem à programação por antena parabólica, o que também serve como justificativa para não divulgar dados sobre audiência.

O fato é que a TV Brasil já começou mal, através de uma medida provisória, em vez do encaminhamento por projeto de lei. Tem 15 “representantes da sociedade civil” em seu conselho, todos nomeados pelo presidente Lula. Os vícios de origem e o retumbante fracasso de audiência recomendam que a TV seja fechada -antes que se desperdice mais dinheiro do contribuinte.

* Marcelo Salles, jornalista, é coordenador da revista Caros Amigos no Rio de Janeiro, editor do jornal Fazendo Media (www.fazendomedia.com) e integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Inclusão digital posta em risco por decisão da Anatel

Esta coluna tem a triste incumbência de informar a todos os interessados que o senhor Guglielmo Marconi faleceu. Tudo bem, o fato se passou há 70 anos, mas para algumas pessoas, especialmente na Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), parece que Marconi ainda está bem vivo.

Segundo a história oficial [1], Marconi teve a idéia de usar as ondas hertezianas para a comunicação, inventando, portanto, o rádio. Nos tempos de Marconi, contudo, a gestão do espectro eletromagnético seguia determinados requisitos técnicos, que tornavam o espaço disponível bastante escasso e assim diminuindo o número possível de emissores.

Ocorre que nos últimos 70 anos, como todos sabemos, as tecnologias de comunicação mudaram muito, especialmente a partir da digitalização do espectro eletromagnético. Isso possibilitou o surgimento de tecnologias de “rádio inteligente”. Fazendo uma analogia, estes novos receptores são mais ou menos como o ouvido humano numa festa. Se forem respeitadas regras mínimas de convivência, é perfeitamente possível que todos os convidados falem ao mesmo tempo e que todos se escutem. O ouvido humano sabe separar a voz do interlocutor à nossa frente daquelas demais conversas, que ficam apenas como um ruído de fundo. Quando o interlocutor é alguém que muito nos interessa (a pessoa amada, por exemplo), é como se ninguém mais estivesse falando, exceto aquela única pessoa. Não é necessário, portanto, que todos façam silêncio e que apenas uma pessoa fale de cada vez.

No rádio inteligente ocorre a mesma coisa. Várias emissões podem trafegar pelo mesmo espaço e nosso aparelho saberá descartar o que não lhe interessa e se fixar apenas no sinal que buscamos. Essa tecnologia permite acabar com a necessidade de termos que alocar faixas de espectro específicas para cada emissor. Consequentemente, com o fim de uma reserva do espectro, aumenta-se bastante o espaço disponível.

Baseado nessas novas tecnologias, surge um movimento mundial que luta pela chamado “espectro aberto”. Ou seja, pelo fim da necessidade de que todo emissor tenha que possuir uma outorga para fazer suas transmissões. Se já não há escassez, por que a necessidade de licenças do Estado?

Infelizmente, a Anatel não concorda com estas idéias. Não satisfeita em manter dezenas de licenças (STFC, rádio, TV aberta, cabo, DTH, MMDS, SLP, SCM, SMP, etc), a Anatel resolveu inovar. Agora, os roteadores de Internet sem fio terão que ter licença de uso. Esses roteadores ocupam hoje uma faixa do espectro que está dispensada de licenciamento. Não satisfeita em não ampliar as faixas não licenciadas, a Anatel resolveu aumentar a necessidade de licenças.

Segundo a consulta pública 809 (de alteração do Regulamento sobre Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita), encerrada no dia 27 de agosto (e tramitada quase em segredo), os roteadores sem fio que estiverem ligados a redes que ultrapassem os limites de um imóvel terão que obter licenças e pagar uma taxa de R$ 1.340,00 anuais. Vale lembrar que estes roteadores são usados em várias redes comunitárias que começam a se espalhar pelo país e que visam garantir acesso banda larga sem fio à comunidades que foram esquecidas pela lógica de mercado das operadoras de telecomunicações. Algumas dessas  redes comunitárias se utilizam de uma moderna tecnologia chamada wimesh, que nada mais é do que um conjunto interligado de roteadores. Pois, cada um destes roteadores das redes wimesh terá que arcar com uma taxa de absurdos R$ 1.340,00, inviabilizando qualquer experiência comunitária de inclusão digital e, por tabela, beneficiando as teles.

O Coletivo Intervozes, em conjunto com a RITS e a Associação Software Livre.org, redigiu resposta à consulta pública, solicitando o cancelamento dessa proposta nefasta a qualquer política de inclusão digital. Agora, vamos começar uma campanha pública de denúncia dessa proposta da Anatel. 

E cabe a todos nós lutarmos contra mais este absurdo.


[1] Vários historiadores comprovam que, antes de Marconi, o padre gaúcho Roberto Landell de Moura já transmitira a voz humana através de ondas de rádio.