Arquivo da tag: Entrevista publicada originalmente pela TeleSíntese

A nova regulação da TV por assinatura

Diminuir o preço da TV por assinatura brasileira, ampliar o acesso à informação e estimular a produção de conteúdo audiovisual nacional são os principais objetivos do deputado Jorge Bittar (PT/RJ), ao elaborar o projeto de lei que cria o novo Serviço de Acesso Condicionado. Por sua proposta, os canais de TV paga poderão ser distribuídos por qualquer empresa, inclusive de telecomunicações, nacional ou estrangeira. A produção e a programação também não teriam restrição ao capital. Mas os pacotes de canais só poderiam ser comercializados por empresas com o controle nacional. Além disso, tanto em um único canal como em um pacote de canais, pelo menos 10% de tudo que é transmitido terá que ser ocupado pelo conteúdo audiovisual nacional.

Confira a entrevista concedida pelo deputado à TeleSíntese.

Tele.Síntese – A sua proposta de projeto de lei convergente irá  tratar da radiodifusão?
Jorge Bittar – É um projeto de comunicação de massa, só que restrito aos serviços pagos. Com ele, está sendo criado o Serviço de Acesso Condicionado. Pretendo quebrar o paradigma da atual regulação, centrada na plataforma tecnologócia, e transformar a TV por assinatura em um serviço neutro do ponto de vista da tecnologia. A intenção é abrir a cadeia de valor que envolve de um lado o audiovisual e de outro lado as telecomunicações. 

A TV por assinatura no Brasil não pegou. Nós temos hoje menos de cinco milhões de assinantes e uma penetração entre as menores do mundo, mesmo comparada com países com PIB per capta iguais ao nosso.  No Brasil, enquanto a penetração de TV paga é de apenas 8%, na Argentina, a TV paga alcança 54% da população; no Chile, 25%; no México, 23% e na Venezuela, 19%.

A que você atribui essa diferença?
Bittar – Aos preços. A TV paga no Brasil é muito cara. Conforme levantamento da Ancine, o preços dos canais comerciais (excluídos os canais carregados pelo must carry) são muito mais altos do que os cobrados em outros países.  Comparando-se os pacotes de programação de países como Portugal, Espanha, Argentina com os do Brasil, a diferença de valores é muito grande. Enquanto aqui o menor preço encontrado é de R$ 1,92 e o maior, de R$ 6,84 o canal, na Argentina o preço mínimo é de R$ 0,63 e o máximo, de R$ 0,80. Na Espanha, de R$ 1,51 a R$ 2,20 e em Portugal, de R$ 1,07 a R$ 1,24. 

Nesses valores estão embutidos os impostos?
Bittar – Sim, pois esse levantamento tem como base o que paga o usuário final. Mesmo com a carga tributária brasileira, os preços no Brasil são muito mais altos, provocados pela falta de escala e falta de competição.

Não há diferentes operadores atuando no segmento de TV por assinatura?
Bit
tar – Constatamos que a marca Net detém 83% desse mercado, mesmo quando se considera todas as tecnologias (cabo, MMDS e satélite).  A Sky, por exemplo, que presta serviço de TV paga via satélite,  e que é controlada pelo capital estrangeiro e não é da Net, carrega os canais da Globosat. A Telefônica também firmou acordo com a Globosat.

Para que possamos sair desss cinco milhões de assinanates para 30 milhões, que seria um número razoável para o mercado brasileiro, precisamos criar um ambiente de maior competição na produção, programação, no empacotamento e na distribuição.

Por que a sua proposta concentra-se na TV paga e não trata da radiodifusão?
Bittar –  A radiodifusão, até por preceito constitucional é tratada de maneira distinta dos demais serviços. E, até para não suscitar discussão sobre a constitucionalidade do projeto,  decidi não tocar na TV aberta e me concentrar na TV paga.  Estou propondo a revogação da Lei do Cabo que tem a marca tecnológica, ou seja, é só para o cabo. Proponho também a supressão dos artigos na Lei Geral de Telecomunicações que remetem à essa lei; e quero acrescentar um dispositivo que torna sem efeito as normas contratuais do Serviço Telefônico Fixo Comutado (o STFC), que proíbem as teles de prestarem esse serviço.

Como se dará a reoganização do serviço?
Bittar – Qualquer empresa de telecomunicações poderá prestar o serviço de TV por assinatura. Ao revogar a Lei do Cabo, proponho também a simplificação das licenças. Hoje, tem que se fazer licitação, e as licenças se dão sob a forma de concessão, o que não faz qualquer sentido. As redes fixas não são um bem escasso. As únicas limitações continuarão ocorrendo com as freqüências, administradas pela Anatel.

Assim, os atuais serviços de TV a Cabo, de MMDS, de DTH e de TVA passarão a ser um único Serviço de Acesso Condicionado, explorado em regime privado, sob autorização, e não mais concessão.

Quem tiver a licença desse serviço, poderá prestar os demais serviços de telecomunicações, como voz e dados?
Bittar – Quem pode mais, pode menos. Se a licenciada pode levar sinais de vídeo, por que não levar os demais sinais?

Há restrições de capital para a produção nacional?
Bittar – A minha proposta é de desverticalização da cadeia de valor. Por isso lida com a produção, programação, empacotamento e distribuição do conteúdo audiovisual.   Na produção, entendo que não deve haver restrição ao capital,  ao ingresso de qualquer grupo econômico e também nenhuma restrição à gestão. As únicas limitações devem ser as mesmas de lei geral de telecomunicações, ou seja, os produtores devem ser empresas constituídas sob as leis brasileiras.

A sua proposta prevê, então, a liberalização total do setor?
Bittar – Não. Apenas na produção e distribuição do conteúdo audiovisual. No empacotemento desses canais, aí, sim, terá que ser uma empresa sob o controle nacional, gerida por brasileiros, mas aberta à participação de qualquer grupo de qualquer segmento econômico. É no empacotamente que se deve assegurar a participação do conteúdo nacional.

Tanto no empacotamento como na programação as empresas deverão ser geridas por brasileiros para preservar as responsabilidades editoriais exclusivas, previstas na Constituição.

Pela sua proposta, então, uma tele, se quiser distribuir os canais de TV paga, terá que comprar os pacotes de canais de uma empresa nacional?
Bittar – Sim, ou ela compra de outra empresa, como a Globosat, por exemplo, ou ela entra como sócia minoritária em uma empresa nacional que vai empacotar e comercializar os canais. Fiz essa opção para preservar a identidade e a cultura nacionais. 

Como ficará a relação do produtor nacional com esses diferentes agentes?
Bittar – O produtor vai vender a sua produção ao programador, que desenha a grade do canal. Esse programador pode ser também uma empresa estrangeira, mas gerida por brasileiros. O programador organiza os canais e o empacotador junta esses canais.  

O que é “produção nacional”?
Bittar – Para identificar o conteúdo nacional, uso o mesmo critério adotado pela lei da Ancine, ou seja, tem que ser produzido por empresa com maioria de capital brasileiro (há uma quantidade de técnicos que também precisam ser brasileiros), ou em regime de co-produção.

Uso também a mesma lei da Ancine para definir o que é produção independente. O independente não tem vínculo e não pode ter contrato de exclusividade com o programador. E, para a programação, estou estabelecendo que 10% da teledramaturgia deverá ser nacional.

Isso significa que os canais estrangeiros também terão que cumprir essa cota. Ela não terá que ser atendida, no entanto, pelos canais com documentários ou pelos canais especializados, mas sim pelos canais eminentemente comercais. Exemplo: na HBO, 10% de sua programação terá que conter o conteúdo nacional. Na Fox ou TeleCine, também. Todos os estrangeiros terão que cumprir essa cota.

No projeto, vou também incorporar uma decisão já tomada pelo Cade, de que os canais têm que ser oferecidos, em condição isonômica, para todos os distribuidores.

E para o empacotamento?
Bittar – Também haverá cota mínima: 10% dos programas empacotados devem ser nacionais. Ou seja, se forem oferecidos 100 canais, 10 deles têm que ser de brasileiros, pelo menos. Mas só essa cota não basta. Defino também que, no horário nobre (que vai das 6 horas da manhã até a meia-noite), 40% dos conteúdos devem ser nacionais. Dessas 50 horas semanais com conteúdos nacionais, 21 horas terão que corresponder à teledramaturgia, 17 horas à produção regional, 21 horas à produção independente e 7 horas  à programação educativa.

Essa cota irá considerar apenas os canais comerciais, ou os públicos, como TV Câmara, Senado, etc., poderiam ser contados para completar a cota?
Bittar – Não. A cota deve ser aplicada levando em consideração somente os canais comerciais.

Há restrições à publicidade?
Bittar – Sim. Estou propondo um máximo de 10% de publicidade e 15% em cada hora, limitado à metade em programações infantis. Esse percentual é a metade do que prevê, hoje, o Código Brasileiro de Telecomunicações, que regula a TV aberta. Não se pode descapitalizar as TVs abertas.

Na distribuição, continuará a existir a figura do must-carry, como ocorre hoje com a TV a cabo?
Bittar – Sim. Com as especificidades de cada tecnologia, já que , por exemplo, na transmissão via satélite (o DTH), se a operadora tiver que distribuir os programas de cada geradora aberta de TV, pode tornar a operação inviável, já que a sua atuação se dá em todo o território nacional. Também não poderia exigir o must carry para o MMDS analógico, que tem poucos canais, mas no digital, não vejo problemas. Caberá à Anatel regulamentar essa questão.

Mas há segmentos que defendem o fim do must-carry, porque prejudicaria justamente a produção nacional.
Bittar – Entendo que o must-carry está dando certo, e por isso, não vou mexer. Mas, estou aberto à discussão, sobre se ele deveria ser remunerado ou não.

Com esse projeto, o que almeja alcançar?
Bittar – Uma regulação convergente, neutra tecnologicamente. Com esse novo marco, acredito estar garantindo o acesso isonômico à progamação nacional; estimulando a competição no mercado de distribuição; incrementando a produção nacional de audiovisual, diminuindo o  custo da assinatura do serviço e democratizando o acesso à informação.