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Demanda atendida é desprezada por modelo de negócio

Organização das redes de TV, montadas com forte presença das afiliadas, impede interiorização por conta própria; RTVs em municípios pequenos não geram receita.

Entender a lógica que cria a rede de retransmissoras públicas para uso privado (ver matéria anterior) requer pensar em dois planos: o comercial e o político. A soma destes dois fatores afeta tanto a distribuição geográfica das autorizações de serviço de RTV outorgadas para prefeituras, como a opção dos governos locais por servir a esta ou àquela emissora.

Ao interiorizarem as programações das emissoras, as RTVs ampliam a audiência das redes e lhes dão caráter ao mesmo tempo nacional e local. No setor privado, estes são fortes valores a serem agregados ao preço dos espaços publicitários. No entanto, há um limite claro no interesse das emissoras em bancarem a montagem e manutenção das RTVs: pequenos municípios, com economias frágeis ficam de fora dos planos das redes.

Este limite é imposto pela forma como as grandes redes nacionais se organizam: cabeças-de-rede gerando programações nacionais e geradoras regionais afiliadas, que inserem algumas poucas horas de programas e publicidade locais.

As RTVs estão, em sua maioria, ligadas às geradoras regionais. Para as cabeças-de-rede, que negociam os grandes contratos publicitários de cobertura nacional, parece bom negócio aumentar sua área de coberturas. Já para estas emissoras regionais não há muita vantagem em gastar com antena, transmissor e manutenção em localidades que não tenham anunciantes de interesse regional.

Airton Nedel, presidente-interino da TVE-RS, descreve a situação no Rio Grande do Sul e confirma este modus operandi das redes. “A RBS tem 10 geradoras no interior do estado. Pode faturar em cada uma delas, vendendo anúncios regionais. Ela só não tem retransmissora nas cidades em que não tem interesse comercial nenhum”, relata. “Já a Record tem 3 geradoras no estado, ou seja, 3 possibilidades de faturamento. Agora, SBT e RedeTV não tem nenhum interesse em instalar RTVs, porque não têm geradoras no interior”.

Adesão

Diante do desinteresse econômico das geradoras, resta ao poder público, enfim, assumir a missão de conectar a cidade com os serviços de radiodifusão de som e imagem. Entram em cena aí, interesses pouco claros, mas que desenham um sistema de retransmissão plenamente favorável às grandes redes comerciais de televisão.

Segundo Nedel, no Rio Grande do Sul, a TVE, que deveria ser a primeira opção, “é a última. Se as prefeituras vão escolher, escolhem pela audiência: a RBS, a Record, o SBT”, diz. Seria uma maneira de responder a uma demanda “natural” da população local e apostar em agradar um maior número de eleitores.

Os números levantados pelo pesquisador James Göergen mostram, no entanto, que apenas a lógica da audiência não explica o fenômeno. Ele cita, a título de exemplo, o fato dos grupos Record e Rede TV! – respectivamente segunda e quinta colocadas nas pesquisas de audiência – apresentarem o mesmo número de RTVs vinculadas a prefeituras.

As prefeituras com que o Observatório do Direito à Comunicação entrou em contato citaram, invariavelmente, a demanda dos cidadãos por assistir programas que reflitam a realidade regional. Isso porque boa parte da população do interior do Brasil opta pelo uso de antenas parabólicas, que permite a recepção do sinal de satélite, ou seja, apenas as programações nacionais podem ser assistidas. Porém, em muitos casos, o sinal da geradora retransmitida vem da capital do estado, às vezes distante vários quilômetros do município. Em outros, é o próprio sinal de satélite que é retransmitido.

Inversão

Para James Göergen, para além de uma inversão da lógica que deveria reger a destinação da infra-estrutura pública – no sentido de que todas estas RTVs sequer servem para a conformação de uma rede pública e nacional de televisão –, há também uma subversão do espírito original do serviço de RTV. “O espírito da coisa pensada ainda no regime militar é que as RTVs fossem operadores da rede, com financiamento próprio, em um modelo igual ao de outros serviços de telecomunicações”, comenta. Neste modelo, uma entidade autorizada a ser retransmissora deveria garantir a distribuição de todos os sinais de TV gerados para a região. E garantir sua subsistência, por exemplo, com publicidade local.