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Cineasta brasileiro vê “censura branca” no país

Um cineasta procura patrocínio e editais que possam financiar o seu filme de terror. O elenco é negro e parte da história se refere à escravidão colonial. Resultado: recusas e mais recusas. Ele decide arriscar algumas alterações e mantém o mesmo roteiro com personagens brancos no sul do país. Resultado: vence o primeiro edital. Para o premiado diretor de cinema Joel Zito não há coincidência nessa história vivenciada por um colega. “Existe uma censura branca para filmes com temática racial e que abordem a questão do racismo no Brasil”, afirma.

Filho de pai motorista e de mãe empregada doméstica e operária, Zito, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), vê a persistência da ideologia do branqueamento no Brasil, mesmo que hoje esse discurso que um dia já foi explícito tenha se tornado implícito. “O principal mecanismo pelo qual funciona essa ideologia no cinema é a associação do branco e do belo, em que o negro e o indígena são associados ao feio, ao crime, ao “outro””.

De acordo com o cineasta, não se dá o devido destaque aos negros que participam na sociedade com consciência aguda da questão do racismo. Assim, quando aparece um negro protagonista na TV, seja numa ficção ou em uma situação cotidiana, o telespectador acostumado com a invisibilidade e subalternidade dessa representação se pergunta “de onde foi que ele surgiu?”, destaca Zito.

Para o diretor da Casa de Criação Cinema seriam dois os principais mecanismos de censura para negros que pretendem fazer cinema no país. O primeiro diz respeito a origem de classe da população negra. “Fazer cinema é muito caro e levantar recursos depende da rede de relacionamentos. Quase todo realizador negro vem da classe C e D. Mesmo os prêmios recebidos contam pouco nessa hora”, declara. Dessa forma, as camadas brancas da sociedade, localizadas nas classes A e B teriam acesso privilegiado aos fundos que financiam o cinema, pois já nascem dentro da rede que outros setores precisam buscar se inserir e, no caso específico de indivíduos negros e indígenas, enfrentar o preconceito racista.

O segundo caso é mais explícito e diz respeito à predisposição dos patrocinadores em financiar filmes com temáticas raciais e que abordem o racismo. Zito afirma já ter ouvido de uma empresa uma resposta do tipo “não quero ver meu produto associado a isso”. O cineasta defende que para contrabalançar essa situação é preciso definir políticas afirmativas para produtos audiovisuais com temática e elenco composto por grupos étnicos invisibilizados nos meios de comunicação.

Mesmo vendo um lado positivo em experiências recentes da produção audiovisual brasileira, em que há roteiro, elenco e direção que dão conta de um universo em que a população negra se torna protagonista, o diretor Joel Zito diz sentir certo incômodo com a persistência de uma imagem naturalizada do negro subalterno. “Temos muitos exemplos de lideranças e personagens conteporâneos que poderiam quebrar essa visão preconceituosa”, defende.

Comunicação não tem acompanhado avanços nas políticas raciais

De acordo com o jornalista e co-fundador do Instituto Mídia Étnica, André Santana, “o Brasil é referência internacional em políticas de promoção da igualdade, mas na comunicação é o oposto”. A afirmação do brasileiro reforça a impressão causada pela nossa televisão no cineasta americano Spike Lee, em sua visita ao país no início do ano. "Na primeira vez em que estive aqui, em 1987, fiquei chocado ao ver que na TV, em revistas, não havia negros. Melhorou um pouco. Mas há muito a fazer. Quem nunca veio ao Brasil e vê a TV brasileira via satélite vai pensar que todos os brasileiros são louros de olhos azuis", disse Lee em entrevista coletiva.

Mesmo com a emergência de uma classe C de maioria negra, cada vez mais consumidora de bens culturais, representantes da sociedade civil vêem na comunicação a persistência das barreiras raciais. “O negro e mestiço brasileiro são grande consumidores, telespectadores e leitores hoje em dia. Ainda assim são sub-representados na mídia”, afirma João Jorge Santos, membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) e presidente do grupo Olodum.  

Para Paulo Victor Melo, membro do Coletivo Intervozes, um dos principais problemas diz respeito à propriedade e concessão de meios de comunicação no país, que se encontra quase que exclusivamente na mão da população branca. A naturalização dessa situação poderia ser combatida por meio de políticas públicas. “Outros países, como a Bolívia, têm previsto a concessão de canais para comunidades tradicionais, como os indígenas”, aponta. No Brasil, experiências como a “TV da Gente”, de propriedade do apresentador Netinho de Paula em sociedade com grupos angolanos são exemplos isolados e que têm tido bastante dificuldade para conseguir se estabilizar.

Articulações nacionais da sociedade civil, como a campanha “Para expressar a liberdade” têm se mostrado sensíveis aos direitos da população negra do país, mas ainda sim encontram seus limites. “Falta enraizamento nas comunidades tradicionais”, afirma Paulo Victor. André Santana dá o exemplo do movimento “enegrecer a Confecom”, que se organizou durante a I Conferência Nacional de Comunicação e que conseguiu pautar resoluções importantes durante o evento.