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Entidades cobram convocação ainda este ano

Cerca de 300 pessoas de 66 entidades lotaram um dos plenários de comissões da Câmara dos Deputados nesta terça-feira (2) para o Encontro Preparatório da Conferência Nacional de Comunicação. Em coro uníssono, os participantes cobraram do governo federal a convocação urgente da conferência para sua realização em 2009 e a instalação de um Grupo de Trabalho com a participação de movimentos sociais, entidades da sociedade civil, empresários e poder público. O GT seria responsável pela definição do formato, metodologia, temário e organização do processo.

"A conferência é possível e necessária e precisa ser convocada pelo Executivo. Temos que sair daqui com uma data para instalar o Grupo de Trabalho apontando para a conferência no ano que vem. Esta será a grande novidade deste encontro", defendeu Celso Schröder, coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, que representou a Comissão Pró-Conferência na primeira mesa de debates do dia.

O consultor jurídico do Ministério das Comunicações, Marcelo Bechara, afirmou que a atual gestão da pasta quer ter a “honra de convocar esta conferência para que ela aconteça em 2009”. A convocação estaria, entretanto, condicionada ao preenchimento de requisitos como a previsão de recursos no orçamento e a disposição em construir um processo amplo, que chegue nas várias regiões e municípios do país.

Apesar da manifestação de Bechara, outra frase sua indicando ser o Congresso o "lugar propício para os grandes debates" ainda deixou dúvidas sobre a real disposição do ministério e do governo federal em levar à cabo tal empreitada. Sobretudo, considerando que as exigências apresentadas pela pasta já foram preenchidas. O orçamento de 2008 já previa um montante de R$ 6 milhões para a realização da Conferência e a proposta defendida pela comissão previu, sempre, a realização de etapas locais e estaduais.

O presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Sérgio Murilo de Andrade, sugeriu que o êxito do projeto esbarra em “discursos subterrâneos” dentro do governo federal e defendeu que a discussão sobre o mérito desta bandeira seja feita claramente. “Quem tem medo da Conferência Nacional de Comunicação?”, questionou em tom desafiador às autoridades presentes Cristina Charão, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social.

Para o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ), o receio está naqueles que detêm posição privilegiada no atual status quo da área das comunicações. “Quem manda na comunicação define muita coisa na ação”, disse, em uma referência aos empresários do setor. No entanto, as diversas manifestações favoráveis à realização da conferência por parte de representantes de associações empresariais de serviços como telefonia fixa, radiodifusão e televisão por assinatura feitas no evento reforçaram que o foco da resistência está no Executivo Federal.

Propostas concretas

Ao final de sua fala, Marcelo Bechara, do Minicom, sugeriu que o documento final do encontro “fosse mais pragmático”. A dica foi incorporada pelos presentes, que aprovaram uma carta contendo propostas de formato, objetivos, temas e cronograma para a conferência. O texto defende o dia 31 deste mês como prazo para a publicação do Decreto Presidencial convocando a conferência e da Portaria do Ministério das Comunicações instalando o Grupo de Trabalho.

O GT, acrescenta o documento, deveria ter perfil colegiado, sendo “assegurada a participação de representantes do poder público e da sociedade civil, profissionais, empresários, movimentos e entidades sociais, designados pelos respectivos setores”. Ele teria como funções “definir a metodologia, a estrutura, a organização, o calendário e os temas da conferência, firmando-os em um Regimento Interno, e coordenar a conferência até sua etapa nacional”.

Ainda segundo a proposta aprovada no encontro de ontem, o governo federal deveria criar também uma comissão operacional do evento, responsável pelo encaminhamento das deliberações do grupo até a realização da etapa nacional. O texto sugere ainda que as etapas municipais ou regionais aconteçam até maio de 2009, as estaduais entre junho e agosto e a nacional nos dias 3, 4 e 5 de novembro do mesmo ano em Brasília.

O documento lista também um conjunto de objetivos que deveria nortear o processo: "(1) identificar os principais desafios relativos ao setor da comunicação no Brasil; (2) fazer um balanço das ações do poder público na área; (3) propor diretrizes para um novo marco regulatório e para as políticas públicas de comunicação; (4) apontar prioridades de ações governamentais dentro destas diretrizes; e (5) referenciar políticas públicas, planos e projetos de organizações da sociedade civil, de empresas, instituições de ensino e pesquisa e de profissionais atuantes em comunicação nas suas diversas formas."

Em relação ao temário, o documento defende que os debates sejam pautados por princípios como a compreensão da comunicação como um direito humano, especialmente no que incide sobre a liberdade de expressão, a diversidade de gênero, étnico-racial, sexual, cultural e religiosa, a convergência tecnológica e a regionalização da produção. E sugere que as discussões sejam organizadas ao menos nos grandes temas "meios de comunicação", "cadeia produtiva" e "sistemas de comunicação".

Próximos passos

A Carta Final do Encontro Preparatório da Conferência Nacional de Comunicações será protocolada no Ministério das Comunicações, endereçada ao ministro Hélio Costa e aos demais dirigentes da pasta. Os presidentes das Comissões de Ciência e Tecnologia (CCTCI), de Legislação Participativa (CLP) e de Direitos Humanos e Minorias (CDHM) da Câmara dos Deputados, junto às demais entidades da Comissão Pró-Conferência, irão solicitar uma audiência com o ministro para receber uma posição de Costa a respeito das propostas apresentadas.

Outra ação que deve dar um grande passo em direção à Conferência é a aprovação da emenda ao Orçamento da União de 2009 destinando R$ 10 milhões para a realização da conferência naquele ano. Na última semana, o presidente da CCTCI, Walter Pinheiro (PT-BA), afirmou que já estava na fase final das negociações junto à Comissão Mista de Orçamento a aprovação do montante. As entidades devem agora intensificar as pressões para garantir estes recursos. Com eles em caixa, a justificativa da ausência de verba para a promoção da conferência seria desarmada.

Saldo positivo

Na avaliação de Carolina Ribeiro, do Intervozes, o encontro foi muito importante para avançar na interlocução com os diversos atores, mas especialmente com o Executivo Federal. “Conseguimos sair do patamar de discussão sobre a realização ou não da conferência para iniciar um diálogo sobre o decreto de convocação, a montagem do GT e sobre o calendário”, analisa. Mas, acrescenta, “mesmo com estes avanços não significa que a conferência esteja dada, razão pela qual precisamos intensificar a pressão neste mês para que o governo assegure a convocação antes da virada do ano”.

Outro ponto destacado pela representante do Intervzoes foi a forte presença de delegações estaduais, sobretudo do Pará, estado que já está em processo de organização de sua conferência. Outro momento marcante foi a apresentação dos resultados da conferência da Bahia, feita pelo secretário de Comunicação daquele estado, Robinson Almeida.

Para Celso Schröder, do FNDC, o encontro mostrou a força e a articulação da Comissão Pró-Conferência Nacional de Comunicação. “O encontro foi muito representativo e teve forte participação. Além disso, conseguimos reunir vários setores que anteriormente eram inconciliáveis, dando uma demonstração de maturidade política. Acho que agora seguimos em um outro patamar na discussão", avaliou.

Veja aqui o documento final do encontro.

Omissão do Executivo Federal é alvo de críticas

O último painel do 33o Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado em São Paulo ao longo da última semana, ficou sem seu personagem principal. O ministro das Comunicações, Hélio Costa, foi um dos convidados para discutir a realização da primeira Conferência Nacional de Comunicação. A expectativa sobre a participação do ministro estava relacionada à possibilidade do principal representante do governo na área romper o silêncio do Executivo em relação à proposta. O não comparecimento de Hélio Costa, se não pode ser considerada uma posição definitiva, dá claros indícios sobre a falta de disposição do governo federal para levar à cabo tal empreitada.

“A ausência do Hélio Costa significa uma retração do governo em relação à esta conferência, bancada pelos movimentos sociais”, criticou o mediador da mesa e 1o vice-presidente da Federação Nacional dos Jornalistas, Celso Schröder. Desde que a iniciativa entrou na agenda pública como uma reivindicação das entidades que lutam pela democratização da comunicação, houve por parte de membros do governo federal declarações dispersas, algumas simpáticas e outras descrentes sobre a realização da Conferência, mas nunca uma posição definitiva.

O clima de descrença foi ampliado pela aposta de outro convidado para a mesa do debate, o professor da Universidade de Brasília Murilo César Ramos. “A conferência, nos moldes tradicionais, não vai acontecer. O governo não vai fazer conferência, isso é assunto do Legislativo. Isso é desafio nosso, como fazer conferência do jeito que queremos”. Ramos atribuiu a certeza a informações obtidas de altos membros do governo em 2007.

O representante da Fenaj relativizou a fala do acadêmico, sugerindo que ela refletia uma posição governamental em um determinado momento, mas que ainda não se poderia falar em uma decisão fechada neste sentido. “Costuramos este acordo de constituir uma esfera pública de debate. Isso não foi simples, foi acordado, foi negociado, e este processo nunca encontrou no governo uma resistência. Todos os contatos com ministros, com Luiz Dulci e com Hélio Costa foram no sentido de que [a Conferência] aconteceria”, disse Schröder, afirmando ainda que o que ocorreu a partir do final de 2007 foi uma desmobilização.

Segundo ele, houve uma articulação junto a diversos atores para cobrar uma posição do Executivo, movimento que teria contado inclusive com a concordância de membros da equipe de Lula em diversos momentos. Paulo Camargo, representante da Associação Nacional de Jornais (ANJ) também convidado da Fenaj para o debate, confirmou. “Nós fomos ao governo junto com o FNDC [Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação] dizer que queremos a conferência”, afirmou.

Segundo o dirigente sindical, seria um equívoco muito grande se o governo sinalizasse em uma direção e tomasse outra decisão. Isso manteria, acrescentou, o histórico de interditar o debate público sobre as políticas de comunicação no Brasil. Para Schröder, a conferência iria exatamente na direção oposta, abrindo um processo de discussão pública, ampla e democrática sobre a área.

Se os indícios se concretizarem e o governo se recusar a viabilizar a conferência, uma saída seria a organização desta iniciativa no âmbito do Parlamento. “Se não der, tentemos pelo Congresso”, propôs Schroder.

Objetivos da conferência

O representante da ANJ, Paulo Tonet Camargo, também defendeu a realização da conferência. “Ela é necessária, mas para entrar todo mundo e discutir tudo. E talvez pelo fato da conferência ter que discutir tudo, é que tem gente que não quer fazer”, analisou.

O “tudo” dito por Camargo envolve principalmente a nova conformação das comunicações brasileiras com o cenário de convergência midiática, em especial a perda de audiência e de participação econômica dos meios tradicionais (impressos e rádio e televisão) em relação aos novos serviços como Internet e telefonia celular. Segundo Tonet, a chegada dos grupos de telecomunicações no setor de conteúdo traz o risco do domínio do capital estrangeiro sobre os produtos culturais vistos, lidos e ouvidos pelos brasileiros.

“Nós chegamos a um momento novo para todo mundo, novo para o jornalismo, para as empresas, em que todos nós estamos tomados de perplexidade. Duas empresas do Brasil vão ter monopólio da banda larga, uma nacional e uma estrangeira. E vão cobrir todos os domicílios brasileiros. Sabe o que vão acontecer com as emissoras de rádio e TV? Vão para o lixo”, indicou em previsão catastrofista o representante da ANJ.

O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal, Romário Schettino, criticou a posição de que o problema seja apenas a ameaça do capital estrangeiro e lembrou que a entrada de agentes estrangeiros no mercado de conteúdo foi obra dos próprios empresários brasileiros, que pressionaram governo e Congresso pela aprovação da emenda constitucional que permitiu a presença de até 30% de capital estrangeiro nas empresas jornalísticas. O foco, defendeu Schettino, não deveria estar na disputa entre capitais, mas no atendimento ao interesse público. "Temos que discutir a democratização da comunicação com participação popular. Se isso não puder ser contemplado pelas diversas posições, a conferência não deve acontecer", afirmou.

Já o professor Murilo Ramos apontou que, assim como no caso dos meios tradicionais, para as novas mídias a questão central continua sendo a regulação do setor de comunicações. “O que tem que ser colocado é a questão do controle público. A pauta da convergência não é totalmente nova, ela tem que levantar a bola da regulação autônoma, o modo que existe para que o Estado possa exercer seu papel sobre setores econômicos”, argumentou.

Para Ramos, a conferência deve se ater sobre as últimas transformações nas comunicações e o crescente papel que novas formas de tráfego de dados têm assumido, em especial a banda larga. Mas isso deve ser feito à luz da revisão do capítulo constitucional sobre a comunicação social para potencializar conquistas democráticas e reverter a excessiva permissividade em favor dos meios comerciais na legislação. “Uma pauta central que deveria estar neste processo de conferência é o direito à comunicação, que é abstrato e pode se tornar concreto quando abre possibilidade de outras vozes”, defendeu.

Ao final do debate, o Congresso Nacional dos Jornalistas aprovou uma extensa resolução reiterando a importância da realização da Conferência Nacional de Comunicação e colocando como tarefa da categoria dos jornalistas ampliar a mobilização para pressionar o governo pela sua convocação. A resolução defende ainda que a organização do processo não se dê somente por parte do Executivo, mas em um espaço com presença da sociedade civil e do segmento empresarial.