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Jornalista apache cria site para jovens índios

Youth Magazine é uma revista eletrônica para jovens norte-americanos. O site tem seções como moda, esportes e cultura. Nada inovador e especial, não fosse o fato de esta revista ter sido criada por uma apache e ser direcionados a jovens índios norte-americanos.

Mary Kim Titla, membro da tribo apache de San Carlos, em Phoenix, é mãe deste projeto. É jornalista, já foi reporter de TV no Arixona e tem mestrado em Comunicação de Massa. Depois de receber prêmios da Associated Press, do Clube de Imprensa do Arizona e da Associação de Jornalistas Ameríndios, ela decidiu, em 2005, se dedicar às suas origens, que considera alvo de reportagens pouco elaboradas pela imprensa. O site (http://www.nativeyouthmagazine.com) noticia eventos da comunidade, campeonatos esportivos, política e, especialmente, dá voz a personagens nativos que se destacam nas comunidades indígenas de todo país.

Mary foi uma das palestrantes do Festival Herança Compartilhada, organizado pelo Consulado Geral dos EUA e pelo Senac em homenagem ao mês do índio (leia mais aqui).

Diferentemente do que possa parecer, não é uma publicação "temática": não há penas, pinturas, temas como caça e pesca. Porque os jovens índios dos EUA há muito vivem de maneira bastante parecida com os brancos – com exceção do abismo econômico que costuma os separar. Perguntada sobre qual os temas que mais agradam a seu público, Mary responde: música e esportes. No site, perfis de dezenas de jovens como Lauren Adams, que, apesar de o nome não denotar, é índia:

"Oi, meu nome é Lauren Adams. Tenho 15 anos. Sou de Akwesasne, Nova Iorque. Sou da tribo Mohawk. Estudo na Salmon River High School. Tenho dois irmãos. A cidade onde vivo é pequena, tem cerca de 9 mil habitantes. Meus hobbies são nadar, andar de bicicleta e ler." A idéia de Mary é justamente essa: mostrar o que eles têm a dizer. E que eles são do mesmo país dos jovens brancos e negros retratados em dezenas de sites, revistas e suplementos de jornal.

Leia íntegra da entrevista com Mary Titla:

Qual é a idéia do Youth Magazine? O que ele tem de diferente e o que tem em comum com as publicações jovens "convencionais", não direcionadas a indígenas?
Mary Titla – A Native Youth Magazine mostra os talentos e estilos de vida de jovens nativos nos EUA e no Canadá. Eu criei a revista online como se fosse mãe desses jovens. Há uma necessidade de publicações mais positivas direcionadas a essa comunidade. O site tem comentários, perfis, manchetes, fotos e trabalhos de arte feitos e aprovados por jovens indígenas. É uma oportunidade para eles não apenas contarem suas histórias, mas também explorarem o mundo do jornalismo.

O que querem os jovens índios norte-americanos? Quais são seus hábitos, seus gostos?
Nós realizamos uma pesquisa sobre assuntos de interesse com cerca de 86 jovens. E esporte e música são os temas que mais os interessam. Eles querem no site mais perfis de atletas e artistas indígenas, por exemplo. Na maioria das comunidades nativas, não há muito a fazer além de praticar esportes. Não há shoppings, cinemas, galerias… Então, praticar esporte e ouvir música são boa parte do dia-a-dia deles.

 

De que forma a internet pode ajudar a preservar a cultura native nos EUA? Você acha que o Youth Magazine ajuda os jovens indígenas a se reconhecerem como tais?
Muitas tribos indígenas estão utilizando a internet para criar seus próprios sites e registrar suas histórias. Algumas usam a rede para documentar e ensinar seus idiomas. Jovens índios norte-americanos mencionaram cultura como um tópico muito importante na pesquisa que fizemos. Espero poder incluir mais matérias sobre história, cultura e língua na Youth Magazine.

Walter Bigbee, um índio dos EUA que também participa do festival "Herança Compartilhada", quando entrevistado por Terra Magazine, disse que nos EUA os índios estão mais envolvidos com a cultura externa, dos brancos, do que no Brasil. Caimi, um xavante brasileiro que esteve numa tribo dos EUA, disse que ficou impressionado com a influência externa nas tribos. Qual a sua opinião sobre isso?
Em certa medida, todos os nativos norte-americanos foram colonizados. Muitos estrangeiros vêm aos EUA com uma visão romantizada dos indígenas daqui. A realidade é que nós não vivemos como nossos ancestrais, e nem todos os índios viviam em ocas e andavam de cavalo. Há mais de 500 tribos com culturas e línguas distintas. Enquanto adotamos muitos aspectos da cultura norte-americana, ainda praticamos alguns de nossos costumes.

Alguns cientistas sociais questionam a necessidade de preservação "forçada" das tradições dos povos pré-colombianos. Para eles, é necessário que a preservação dessas culturas seja natural, que "deve ficar o que ficar". O que você acha disso?
S
e você me pergunta sobre a sobrevivência da manutenção de tradições tribais, digo que algumas medidas já foram tomadas para preservar o que resta, especialmente o idioma. Algumas tribos estão prestes a perder seus idiomas. Há quem diga que, sem língua, um povo deixa de existir.

Você é jornalista e já trabalhou na grande imprensa do seu país. Como você vê a relação entre movimentos indígenas e a mídia? Você acha que tem uma perspectiva diferente dos fatos por ser índia?
As tribos norte-americanas são muito críticas com relação à forma como a grande mídia cobre suas comunidades. Eles crêem que as reportagens não os retratam de maneira favorável. Eles também acham que a mídia é mais rápida para cobrir assuntos controversos ou negativos do que para fazer reportagens positivas, porque "é isso que vende". Eu desafiei indígenas a serem pró-ativos e tomarem a iniciativa de construir uma relação com a grande imprensa. Eles podem iniciar o diálogo e fazer sugestões sobre assuntos que eles gostariam de ver publicados.