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Problemas na telefonia? Procure o Papa

Se você pensa que a Anatel e as empresas de telefonia que atuam no Brasil abusam da nossa paciência simplesmente porque somos meros consumidores, saiba que a agência reguladora não pratica esse tipo de discriminação. Recentemente ela resolveu perturbar o Ministério Público Federal. É isso aí. Nem procurador da República está imune à capacidade da Anatel de tirar as pessoas do sério.

A briga tem a ver com os bens reversíveis da União, usados pelas teles para prestar o serviço de telefonia fixa. Escolhi este tema para inaugurar esta coluna no mês passado, exatamente pelo interesse coletivo que está por trás do assunto, talvez o mais espinhoso do setor. Esse conjunto de bens devem ser devolvidos ao Estado brasileiro em 2025. O problema é que a Anatel, que deveria fiscalizar e controlar o uso desses equipamentos, não faz ideia de onde eles estão e como estão sendo usados. Se nada for feito imediatamente, o Brasil corre o risco de tomar um calote bilionário.

A associação paulista de defesa do consumidor ProTeste resolveu comprar a briga e entrou com uma ação civil pública exigindo que a Anatel controle efetivamente esses bens e divulgue a lista para a sociedade. E o que a Anatel tem a dizer sobre isso? Que os bens reversíveis não são problema dela.

A agência reguladora mandou centenas de documentos para o Ministério Público Federal alegando, nada mais nada menos, não ter responsabilidade nesse assunto. Segundo a agência, quem sabe da lista é o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que fez o leilão de privatização em 1997. E a União? A União também acha que não tem nada a ver com essa briga. Pasmem, mas o representante da União diz que todos os assuntos de telecomunicações estão nas mãos da Anatel e, por isso, a União não tem que se meter na história.

Transcrevo aqui um trecho do parecer do procurador da República Marcus Marcelus, responsável pelo caso no MPF, porque eu mesma não encontrei palavras melhores para descrever minha indignação. "Pergunta-se: quem deveria ser demandado para discutir eventual nulidade do procedimento relativo ao novo regulamento dos bens reversíveis? O Papa?"

Boa pergunta, procurador. Pelo visto, só o Papa para organizar o setor de telecomunicações no Brasil, já que nem a Anatel, nem a própria União tem nada a ver com esse negócio. A mesma Anatel que se omite em responder na Justiça sobre as suas responsabilidades têm trabalhado com afinco na flexibilização das regras para permitir que as teles vendam o patrimônio público sem que ninguém as perturbe. Mas, veja bem, ela não tem nada a ver com isso… O descaso chega a tal ponto que a agência acabou caindo em contradição na própria documentação enviada ao MPF. Apesar de dizer que não é obrigada a controlar os bens – que na visão da autarquia, são das empresas privadas apesar de terem sido comprados com dinheiro dos contribuintes e dos assinantes da telefonia fixa – diz que o assunto é problema só dela e das concessionárias. O consumidor não tem nada que se meter nessa história.

Mas, vejamos, a briga é sobre um patrimônio público comprado com dinheiro que veio do bolso do cidadão, usado por concessionárias públicas que prestam um serviço público. Ainda assim, a Anatel acha que os consumidores são muito enxeridos e devem ficar quietinhos, agradecendo o serviço (de má qualidade) que lhes é prestado. Por outro lado, não tem problema as teles ficarem com o que não é delas, mas sim da Nação.

É chocante a dificuldade da Anatel de se conectar com os interesses dos consumidores. E, mais uma vez, não sou eu quem diz. Repito as palavras do procurador da República: "a Anatel nunca enxerga o consumidor nas relações jurídicas que busca regular".

Em seu parecer, o procurador Marcus Marcelus sugere que não vai deixar barata essa história e, se for necessário, o próprio MPF entrará com uma ação para garantir que o patrimônio público não se perca. Infelizmente, as coisas não estão indo bem para os consumidores na Justiça. O juiz João Luiz de Sousa, da 15ª Vara Federal, responsável pelo caso negou o pedido de liminar feito pela ProTeste para impedir que a Anatel flexibilize as regras e permita que os bens reversíveis sejam vendidos pelas teles. Pelo visto, talvez tenhamos que comprar mesmo uma passagem para Roma e bater um papinho com o Papa.

 

 

Publicado originalmente aqui.

 

* Mariana Mazza, jornalista e especialista em telecomunicações, é editora nacional da Band em Brasília e comentarista da BandNews e da Rádio Bandeirantes.