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Empresas tentam sufocar na Justiça blogs que fazem críticas à mídia

Enquanto as grandes empresas de comunicação tentam emplacar o seu conceito de “liberdade de expressão comercial” , blogueiros são sufocados por exercerem o seu direito de criticar a postura da grande mídia. No dia 29 de março (sexta-feira), foi a vez do jornalista Luiz Carlos Azenha anunciar, depois de dez anos de existência, o fim do blog “Viomundo”, devido à ação judicial movida pelo diretor da Central Globo de Jornalismo, Ali Kamel.

A condenação foi definida no dia 19 de março pela juíza Juliana Benevides de Barros Araujo, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. Azenha, ex-funcionário da Globo, terá que pagar R$ 30 mil a Kamel em indenização por danos morais. Os advogados do diretor da emissora alegam que esteja ocorrendo “perseguição pessoal” do réu, por este ter sido citado em pelo menos 28 artigos divulgados desde 2008. Azenha afirma que diante dos mais de 25 mil posts isto representa uma porcentagem “irrisória” e que não pode ser utilizada como critério.

Para Azenha a ação judicial movida contra si diz respeito à tentativa de suprimir o direito a expressar uma opinião. Suas matérias que questionam a condução do jornalismo na Globo durante os últimos pleitos eleitorais (como a exibição pela emissora por 18 minutos de uma matéria sobre o julgamento do mensalão, às vésperas da eleição paulista)  teriam feito com que Kamel tivesse interesse em fazê-lo se calar. O interesse da empresa e de seu diretor se confundem dessa forma em uma ação movida pela pessoa física. “O caso é movido em nome dele, mas não dá pra separar o cara da função que desempenha”, afirma.

O jornalista anunciou no dia 1º de abril, (segunda) que refundaria o site com novo nome (“Democratas”) e com mudanças, após se dizer emocionado com a solidariedade demonstrada por seus leitores. "Serão trabalhos jornalísticos, não de militância, sobre assuntos que a mídia corporativa brasileira simplesmente desconhece", afirmou no blog.

Casos similares

Briga semelhante à que vem sendo travada entre o diretor global e o blogueiro que vê o mundo tem sido a que o jornal “Folha de São Paulo” declarou contra o blog de paródia “Falha de São Paulo”. No dia 20 de fevereiro, a justiça paulista tomou em segunda instância decisão desfavorável à crítica humorística. A alegação, nesse caso, não foi a dos “danos morais”, mas a do “uso indevido da marca”, por identificar semelhanças estéticas utilizadas pelo website paródico. Como consequência, os irmãos Bocchini, que mantém o sítio eletrônico, tiveram o domínio congelado e estão sujeitos a multas caso insistam na tentativa de levar o projeto à frente.

Para os blogueiros, é característico desse tipo de humor de caricatura, utilizado inclusive pela própria Folha de São Paulo, o uso das formas estéticas para fazer alusão ao objeto da crítica. “O nome do negócio ‘Falha de São Paulo’ é o cerne da brincadeira e a paródia e a crítica não estão só no conteúdo”, explica Lino Bocchini.

Segundo Bocchini, as empresas que movem esse tipo de ação abrem um precedente jurídico (uma jurisprudência) que pode ser utilizado inclusive contra a possibilidade delas mesmas exercerem a função de crítica pública. “A gente tem martelado que é importante a defesa da liberdade de expressão e eles focam na discussão comercial da marca”.

Procurado pelo Observatório do Direito à Comunicação, o jornal Folha de São Paulo declarou que “não há qualquer perigo de censura, uma vez que todo o conteúdo humorístico ou baseado na paródia –sem violação de marca– está sendo veiculado no blog/site desculpenossafalha , sem que contra isso o jornal tenha manifestado qualquer objeção. A única e tão só objeção da Folha foi a violação da marca pela utilização de elementos que a caracterizam”.

Há ainda outros casos vítimas de Kamel, como o julgado no último dia 28 de fevereiro, em que o jornalista Paulo Henrique Amorim foi condenado a pagar indenização de R$ 50 mil a Ali Kamel por danos morais, por acusá-lo em seu blog de racista e de promover o racismo. O blogueiro Rodrigo Vianna teve o valor da multa fixado em R$ 50 mil por ter associado a imagem do diretor de jornalismo da Globo a de um homônimo que teria sido ator de filme pornô.

Luiz Carlos Azenha vê semelhança entre o seu caso com o de Vianna (que também é ex-funcionário da Globo), pois ambos dirigiram fortes críticas à emissora carioca por sua cobertura durante as eleições ter privilegiado o candidato tucano.

O jornalista Lúcio Flávio Pinto, e seu “Jornal Pessoal”, já foi alvo de 33 processos na justiça do Pará, condenado em quatro e agredido fisicamente. “Para quem já foi processado 33 vezes, ter um oficial de justiça à sua porta deixou de ser novidade, conquanto continue a ser um constrangimento social (presume-se que o intimado é sempre culpado)”, diz em artigo publicado no Observatório da Imprensa. Entre 1992 e 2005, os Maiorana, donos de empresas de comunicação no Pará, foram a origem de 19 ações, cíveis e criminais, contra Lucio Flávio. Foi deles também que veio o “sopapo no meio da fuça”, no dizer “carinhoso” do juiz Amílcar Roberto Bezerra Guimarães, que condenou o jornalista em um dos casos movidos contra ele.

Resistência

No dia 2 de abril, reunidos no Centro de Estudos de Mídia Barão de Itararé, em São Paulo, blogueiros, ativistas, militantes de partidos políticos, movimentos sociais e advogados decidiram criar um fundo nacional para batalhas judiciais que envolvam comunicadores que estejam fora da grande mídia e sejam perseguidos judicialmente ou tenham a integridade física ameaçada.

Segundo Azenha, “aqueles que detém o monopólio da mídia” tem se utilizado da “judicialização do debate político” contra os seus críticos, porque nessas brigas judiciais “quem tem mais recursos ganha, quem tem menos perde e é obrigado a se calar”.

O fundo emergencial será composto por doações e gerido pelo “Conselho Nacional da Blogosfera”, formado por 26 ativistas. A conta bancária que receberá as contribuições de internautas ficará, por enquanto, em nome do Barão de Itararé. Além disso, será criado um corpo jurídico para defender os  blogueiros.

“Rede Globo tem medo da internet”

Um dos espaços mais fortes de contraponto à hegemonia dos grandes meios de comunicação são os blogs de jornalistas e ativistas espalhados pela internet. A velocidade da rede e a capacidade de disseminação de informações têm provocado reações que revelam o verdadeiro compromisso dos empresários da mídia com a liberdade de expressão.

Na mais recente investida contra blogueiros, na semana passada, o diretor de jornalismo da TV Globo, Ali Kamel, venceu em segunda instância o processo que move contra Rodrigo Vianna, repórter da TV Record e dono do blog Escrevinhador, que chega a ter mais de 30 mil acessos diretos por dia. O blogueiro, que foi repórter da Globo e saiu justamente por discordar da cobertura parcial da emissora nas eleições presidenciais de 2006 – em favorecimento à candidatura do PSDB – pode ser obrigado a pagar uma salgada indenização apenas porque exerceu o “sagrado” direito constitucional da livre opinião. O problema é que foi contra a Globo.

Vianna publicou em seu blog que o jornalismo da emissora comandada por Kamel era algo “pornográfico”, em alusão a uma infeliz coincidência: um ator pornô dos anos 1980 também usava o mesmo nome do manda chuva do jornalismo da Globo. Ao se apropriar da informação como metáfora, para produzir uma crítica, o jornalista atingiu o alvo.

“O que me interessava era a homonímia entre o ator pornô e o diretor da Globo, e não dizer que um era o outro, como afirma meu acusador. Tratou-se do exercício da liberdade de opinião, ou seja, usar uma metáfora para criticar o jornalismo pornográfico que a Globo pratica. Aí não pode, porque metáfora só quem pode fazer é o Arnaldo Jabor, que escreveu um livro chamado Pornopolítica. Eu recorri ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e perdi. O que eu vou fazer agora é recorrer aos tribunais em Brasília e seguir protestando, mostrando a hipocrisia dos caras que falam em liberdade de expressão, mas só para eles. É como os liberais do século XIX, que reivindicavam o liberalismo para serem donos de escravos porque abolir a escravidão, na visão de alguns desses liberais, atentava contra a propriedade privada, que eram os próprios escravos”, desfere o escrevinhador.

Rodrigo Vianna não é o único. Outros blogueiros bastante conhecidos como Luiz Carlos Azenha – também ex-repórter da TV Globo, Luiz Nassif, Cloaca News e Paulo Henrique Amorim colecionam no currículo ações criminais impetradas pelo diretor da vênus platinada. “Então, não pode fazer política, não pode brincar, criticar através do humor. Nem os militares fizeram isso com o Pasquim. É incrível como um sujeito como o Ali Kamel, que controla os noticiários da principal emissora de TV do país, que acaba influenciando outros veículos das Organizações Globo, quer processar um blogueiro como eu. É porque eles estão dando muita importância para a blogosfera”, desabafa Vianna.

“A mídia não aceita ser questionada. E as brincadeiras que a Globo faz com a Dilma no Zorra Total, por exemplo? Eles são ótimos para defender a liberdade deles, dos monopólios. Quando a brincadeira é com eles, não gostam e revelam um DNA fascista muito forte. Outro caso diz respeito ao jornal Folha de S. Paulo. Quando a turma fez uma crítica, como foi o blog Falha de S. Paulo, o jornal reagiu com ação judicial para tirar o site do ar”, aponta o jornalista Altamiro Borges, do Blog do Miro e presidente do Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé. Miro é um dos organizadores do Encontro Nacional de Blogueiros Progressistas, que já teve três edições.

Desvendando o jogo

Já faz um tempo que a liberdade de expressão na internet tem incomodado os maiores conglomerados de mídia do país. Em 2006, durante as eleições presidenciais, o acirramento da disputa produziu um dos episódios mais constrangedores do jornalismo contemporâneo. Às vésperas do primeiro turno, com todas as indicações que o então presidente Lula confirmaria a vitória sem a necessidade de novas eleições, nasce um escândalo que daria sobrevida para a candidatura do PSDB, na figura de Geraldo Alckmin. Operação da Polícia Federal, duas semanas antes, tinha desbaratado a tentativa de duas pessoas ligadas ao PT em comprar, com R$ 1,7 milhão, um suposto dossiê contra José Serra e outros tucanos graúdos.

A denúncia não teve o efeito prático desejado. Faltava a bala de prata para sensibilizar o eleitorado. Foi aí que surgiu Edmílson Pereira Bruno, o delegado da PF que havia comandado a operação contra os “aloprados” – alcunha que teria sido dita por Lula ao se referir às figuras que tentaram adquirir o dossiê e acabaram prejudicando o próprio presidente. Bruno convidou quatro jornalistas para uma conversa reservada e repassou os CDs com as fotos do montante do dinheiro que havia sido flagrado nas mãos dos compradores do tal dossiê. A conversa foi inteiramente gravada e nela se pôde ouvir os apelos excitantes do delegado para que as imagens fossem parar na edição do Jornal Nacional (JN) do mesmo dia, 29 de setembro. Dito e feito. Os jornais do dia seguinte estamparam a manchete com as fotos e o JN dedicou quase toda sua edição para mostrar as imagens da montanha de dinheiro. O uso político das fotos ficou ainda mais evidenciado pelo fato das matérias, todas elas, omitirem a conversa com o delegado, em que ele claramente condiciona a divulgação dos fotos para atingir a candidatura petista. Os próprios jornais difundiram a informação mentirosa de que as fotos teriam sido roubadas, quando, na verdade, tinham sido repassadas a eles pelo mesmo delegado.

No caso do JN, o uso político pôde ser constatado porque, na mesma noite em que se exibiram as fotos sem a contextualização de como foram obtidas, ocorreu a tragédia com o avião da Gol, em que morreram 154 passageiros no impressionante choque aéreo com o jato executivo Legacy, comandado por dois pilotos norte-americanos. Nada sobre o acidente foi informado, mesmo com a notícia repercutindo no mundo inteiro ainda durante a edição ao vivo do jornal.

Toda a ação orquestrada pela mídia nesse fatídico dia 29 de setembro de 2006 foi depois denunciada em reportagem da revista Carta Capital, assinada pelo jornalista Raimundo Rodrigues Pereira. Ocorre que a matéria, por sua vez, foi incrivelmente espalhada através de sites e correntes de emails pela internet e gerou uma onda de indignação que ecoou na redação da TV Globo. “Foi naquele momento das eleições que eu percebi o papel da internet”, relata Rodrigo Vianna, à época repórter da Globo em São Paulo. “Primeiro, porque as informações que foram colocadas por um colega de TV Globo na época, o Luiz Carlos Azenha, serviram de base para uma matéria da revista Carta Capital”. Azenha havia transcrito para o seu blog, o Viomundo, a íntegra da conversa com o delegado da Polícia Federal que vazou fotos da apreensão do dinheiro no escândalo dos aloprados.

“Os jornalistas que participaram da conversa com o delegado fizeram de conta que o encontro nunca existiu. A matéria da Carta teve uma repercussão muito grande na internet, nos blogs, tanto que a Globo teve que responder. O Ali Kamel admitiu que teriam que responder. Nem tanto por causa da revista, mas principalmente pela repercussão na rede. Foi aí que eu percebi que a Globo tem medo da força internet”, calcula. Foi em decorrência desse episódio que Rodrigo Vianna se desligou da emissora. Meses mais tarde, o próprio Luiz Carlos Azenha também desembarcaria do grupo de comandados de Kamel. Atualmente, ambos são repórteres da TV Record e mantêm, de forma autônoma, alguns dos blogs mais prestigiados da internet quando o assunto é política, jornalismo e temas da conjuntura, batendo a casa dos milhões de acesso/mês.

Mídia que incomoda

De lá para cá, o debate público, especialmente nos períodos eleitorais, tem ficado um pouco menos desigual. “Quando há a centralidade do modelo eleitoral, como tem sido no Brasil, a luta de classes se exacerba e as contradições ficam mais visíveis, aí a mídia alternativa cumpre um papel mais relevante e incomoda”, avalia Miro Borges, do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé. Três episódios recentes estão entre os mais emblemáticos: a história da bolinha de papel é o campeão de preferência na internet. “Não fosse a mídia alternativa, a bolinha de papel teria virado um míssil na cabeça do Serra”, brinca Miro, em referência a bolinha de papel que atingiu a cabeça do tucano durante uma atividade de campanha no Rio de Janeiro. Ele alegou que tinha sido atingido por um objeto pesado e duro e criou toda uma cena, comprada pela maioria dos meios de comunicação, inclusive e novamente, o Jornal Nacional. A história virou piada.

Outro episódio foi a guinada conservadora da campanha de José Serra durante o segundo turno das eleições. Começou-se a espalhar um boato de que Dilma Rousseff seria defensora do aborto. Uma das porta-vozes do discurso obscurantista foi a própria esposa do candidato, Mônica Serra. “Até que uma aluna dela, através do facebook, escreveu uma mensagem dizendo estranhar a postura da Mônica Serra porque ela já tinha confessado ter feito aborto para as alunas, durante uma aula de dança. Aí eles tiveram que calar a boca e encerrar esse assunto imediatamente porque ficava evidente que era pura hipocrisia eleitoreira”, conta Miro.

Não à toa, também nessa época, José Serra cunhou a expressão blogueiros sujos, ao discursar para militares de pijama durante uma reunião na sede do Clube Militar, no Rio. Uma historia menos conhecida foi o clipe que a Globo preparou, em 2010, para comemorar o seu aniversário de 45 anos. “Por pura coincidência, justamente nos seus 45 anos de fundação, a Globo usou o mesmo refrão da campanha do Serra, o tal do ‘Queremos Mais’, utilizando, claro, atores globais e nas mesmas cores da campanha tucano. O clipe terminava com um número 45 gigante na tela”, ironiza Miro Borges. No dia seguinte, a blogosfera não deu sossego e a Globo, após uma consulta ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que confirmou se tratar de propaganda irregular, acabou tendo que tirar o clipe do ar em menos de 48 horas.