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AGU atende empresários e suspende regulamentação da publicidade de alimentos

Na terça-feira (13), a Advogacia Geral da União (AGU) proferiu uma recomendação à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para suspender resolução que apresenta normas para a propaganda e publicidade de alimentos considerados não saudáveis. A AGU atendeu pela terceira vez solicitação das empresas de publicidade, representada pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar).

Por enquanto, a Anvisa é obrigada interromper a implementação da norma e fica à espera da análise da Consultoria-Geral da União, que costuma retificar recomendações da AGU. A diretoria da Anvisa reuniu-se ontem. Oficialmente, comunicou que ainda está estudando o teor da decisão da AGU e só tomará providências após reunião colegiada.

A nova resolução da Anvisa obriga que os fabricantes apresentem os riscos à saúde de produtos com grande quantidade de açúcar, gordura saturada ou trans e sódio, e bebidas com baixo valor nutricional tanto nas embalagens, como em anúncios publicitários. A decisão da agência aproxima as regras de publicidade de alimentos não saudáveis no país das resoluções da Organização Mundial da Saúde.

O Conar questiona a constitucionalidade das regras definidas pela Anvisa, bem como possível distorção nas funções da agência, alegando que esta não pode legislar sobre o tema publicidade. Entretanto, de acordo com especialistas, a decisão encontra apoio na Constituição, que separa a publicidade dos parâmetros para liberdade de expressão, que protege posições de natureza ideológica, política, artística, jornalística e intelectual.

Em 2007 e 2009, o mesmo modelo de ato foi proferido pela agência para regulamentar a propaganda de bebidas alcoólicas e de medicamentos. Nas duas ocasiões, a AGU conseguiu revogar as resoluções.

Inconstitucionalidade

O professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e especialista em questões relacionadas à regulamentação de conteúdos voltados para a criança, Edgard Rebouças, criticou a AGU, afirmam que esta deveria trabalhar para a União e não para os grupos empresariais. “A Anvisa deveria contar com a AGU para defender ações contra ela. Os advogados das empresas deveriam ir para o Judiciário”, comenta.

Rebouças cita a Constituição para referendar o trabalho da Anvisa. “No inciso 29 do Artigo 22, é exposto que compete à União legislar sobre a publicidade. A Anvisa tem plena competência para o assunto”, diz. Ainda citando o Artigo 220, o professor explica que a publicidade não se enquadra em nenhum critério de liberdade de expressão por ser atividade comercial. Além disso, o texto constitucional confirma que é dever do Estado proteger a população de questões nocivas a saúde. “E a obesidade é uma epidemia”, lembra.

Edgard Rebouças lamenta que empresas que, em outros países, cumprem normas desta natureza sem causar problemas, se negam a fazer o mesmo no Brasil. “Aqui, se tornou prática recorrente que qualquer regulamentação é um atentado a liberdade de expressão. É uma retórica sem qualquer fundamento, a exemplo da classificação indicativa.”

Pesquisa 

A pesquisadora do Observatório de Políticas de Segurança Alimentar e Nutrição da Universidade de Brasília (UnB), Renata Monteiro, endossa a avaliação que há distorções no papel da AGU neste caso. A pesquisadora ressalta, ainda, a importância da regulamentação da publicidade de alimentos não saudáveis, especialmente aquela direcionada às crianças. De acordo com o Ministério da Saúde, a população de baixa renda e o público infantil são os principais atingidos pelos problemas de obesidade no Brasil.

Segundo Renata, o monitoramento de propagandas em dois canais infantis abertos (Globo e SBT) e dois fechados (Discovery e Cartoo Network) constatou que os comerciais de alimentos representam 10% do total de peças publicitárias exibidas. Quase todos (96,7%) dos produtos anunciados favorecem o excesso de peso, diabetes ou pressão alta. 

As estratégias persuasivas de repetição, associação afetiva, brindes e valores de felicidade são mais impactantes ainda com as crianças, segundo Monteiro. “Até os 6 anos, ela não entende os processos perssuasivos. É uma limitação cognitiva. Entre 6 e 12 anos, ela a começar a entender, a partir de então passa a ter um olhar crítico sobre a propaganda”, explica.

Autorregulamentação

Fortalecido pela decisão da AGU, o Conar afirmou através da Assessoria de Imprensa que participa das discussões da Anvisa e demais instâncias do Judiciário, Legislativo e Executivo em que é convidado. Porém, diverge da agência em relação à publicação de resoluções, sob justificativa de que o arcabouçou legal garante a plena defesa da publicidade, restringindo possibilidades de impor normas. O Artigo 220 da Constituição também é mencionada pelo Conar, para justificar que somente a Lei Federal pode impor limites a publicidade, mas “nunca proibir”. “Se o produto é licíto, pode ser anunciado”, sintetiza o Conar. Em caso de abusos, o mecanismo a ser acionado segundo o Conar é o Código de Defesa do Consumidor.

A Associação Brasileira de Anunciantes (ABA) foi mais incisiva em sua nota pública sobre assunto: “A Anvisa foge do bom senso em termos de efetividade. Pretende impingir frases negativas à publicidade de produtos, cujo consumo regular não representa ameaça à saúde dos consumidores. Por outro lado, não realiza nenhuma ação expressiva e constante no sentido de esclarecer a população sobre os perigos da obesidade.”