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É preciso superar o analógico para pensar a TV digital: vem aí a P2PTV

A televisão ponto a ponto, num ambiente distribuído e sem centro, permite inovar nos projetos audiovisuais para o meio digital, que levem em conta a riqueza das redes.

ATIOBE Programming Community pesquisa todo mês, as linguagens de programação mais populares no mundo. Em agosto último, podemos notar um avanço considerável da linguagem Lua, que aparece entre as 15 mais populares do planeta. O que talvez poucos saibam é que a Lua foi criada por brasileiros da PUC do Rio de Janeiro. Seu crescimento é decorrência de sua qualidade para desenvolver games, animações e, principalmente, conteúdos interativos para a TV Digital. Sua vantagem advém do conceito de metamecanismos, permitindo que a linguagem seja simples, enxuta e possa se integrar fortemente com códigos escritos em outras linguagens, como C, C++, Perl, Fortran, entre outras. A Lua pode utilizar as bibliotecas escritas, por exemplo, em Java.

Criada em 1993, a linguagem Lua é livre, sem restrições de uso e de aplicações. Seu código é liberado. Segundo os mantenedores da Lua, ela é a única linguagem de programação de impacto desenvolvida fora do primeiro mundo. Atualmente, menos de 10% da comunidade de usuários da linguagem são de brasileiros. Lua é uma poderosa ferramenta para o futuro de convergência digital e de produção de conteúdos interativos. Para aqueles que diziam que o Brasil não possuía capacidade tecnológica para produzir o seu próprio padrão de TV digital ou que as grandes inovações e invenções estão nas grandes empresas multinacionais, o exemplo da linguagem Lua, criada, desenvolvida e mantida no ambiente universitário, deveria fazê-los pensar. Falta ao Brasil a cultura da ousadia. Podemos enfrentar problemas tecnológicos, se liberarmos a criatividade e utilizarmos as redes para compartilhar conhecimento. Estamos muito bem posicionados para desenvolvermos conteúdos e aplicativos que espelhem a diversidade cultural brasileira.

Lua também será utilizada na camada intermediária de software (middleware), que permite o desenvolvimento de aplicações interativas para a TV digital. O Ginga é o middleware que será utilizado na TV digital brasileira. Foi desenvolvido pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pela PUC/RJ com inovações que tornarão nosso middleware o mais avançado do momento. As pessoas terão que adquirir um aparelho conversor dos sinais transmitidos digitalmente para que os aparelhos televisores analógicos possam funcionar. Este aparelho é chamado de setop box. E o Ginga será sua plataforma de software intermediária, disponível nas versões Ginga J e Ginga NCL, de acordo com as necessidades de programação. O desenvolvimento de programas audiovisuais interativos será o dia-a-dia das TVs digitais, públicas ou privadas, corporativas ou comunitárias.

Pensar como será a programação interativa é um desafio que pode ser compartilhado pelos desenvolvedores de audiovisual para além das emissoras de TV que controlam a radiodifusão no Brasil. O meio digital aceita a reconfiguração constante e o uso de padrões e linguagens abertas, e permitirá a criação de aplicações que nem podemos imaginar. Precisamos de pessoas que atuem na produção de conteúdos para a convergência digital e realidades alternativas, como os games em rede. As aplicações educacionais podem ser revolucionadas, se comunidades de educadores já começarem a planejar usos que combinem a TV, o computador e os celulares.

Sinapses e diversidade

Talvez, o mais importante seja assumir uma postura P2P, peer-to-peer, e perceber que a diversidade é a matriz da ampliação da nossa capacidade inventiva. O conhecimento está nas redes, assim como a inteligência não se concentra em um ou dois neurônios, ela vem da sinapse, das associações e conexões em nosso cérebro. As redes permitem essa criatividade quando podem livremente expressar a diversidade cultural. Assumir essa postura também passa por pensar que o mundo digital mal se estruturou e que o ciberespaço ainda está em expansão.

O digital não convive bem com o estático. Os padrões, protocolos, códigos e linguagens digitais, quando abertas, são mais dinâmicas, não oferecem resistências e bloqueios à criação e recombinação, a principal prática da cibercultura. Assim, será preciso pensar como a TV digital irá conviver com a TV sobre IP, a Internet Television, e com o que está sendo chamado de P2PTV, peer-to-peer TV. Essa convergência ocorrerá em breve.

O P2P — do qual uma das maiores expressões é o protocolo BitTorrent e softwares como o Emule e LimeWire — utiliza uma arquitetura de rede distribuída, sem centralidade, onde cada máquina cumpre as funções de servidor e cliente de informações. Essa idéia aplicada na formação de redes de transmissão de vídeos pode revolucionar a TV pela internet. Com a expansão da banda larga e da qualidade das aplicações, com as possibilidades de pensar a interatividade para além da recepção, podemos ampliar nossa criatividade.

O uso de um sistema P2P na TV pela internet implicaria que todos os usuários de determinada programação ajudariam na distribuição das imagens. Cada usuário que estivesse realizando um streaming converteria-se em pequeno servidor do mesmo vídeo que estivesse baixando. Desse modo, é possível solucionar dois grandes problemas da transmissão broadcasting pela internet: diminui-se a carga do servidor e o tamanho da banda ocupada. Estudos indicam que a P2PTV poderia assegurar a um canal manter 100 mil conexões simultâneas, sem a necessidade de uma banda gigantesca. Joost é um exemplo de um sistema de distribuição de shows e outros vídeos pela web, usando a tecnologia peer-to-peer, criado por Niklas Zennström e Janus Friis, fundadores do Skype e do Kazaa (www.joost.com/).

A distribuição P2P de vídeo viabiliza a P2PTV e poderá provocar nas audiências um grau elevado de participação. O modelo P2P viabiliza a TV dos coletivos digitais, das pessoas ativas e suas comunidades. O governo e suas agências de fomento deveriam incentivar projetos P2P com o Ginga e a linguagem Lua, apenas para começar a explorar reconfigurações e recombinações. Os ativistas de projetos tecnoculturais deveriam começar a pensar no uso dessas novas tecnologias. Pensar o digital com a cabeça voltada para a riqueza das redes.