Arquivo da tag: Observatório da Imprensa

O nascimento da Altercom

Por não terem seus interesses representados ou defendidos na atuação das associações atualmente existentes, empresários e empreendedores de mídia – revistas, jornais, livros, sítios e blogs – iniciaram nas conferências estaduais preparatórias e ao longo da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), no final de 2009, entendimentos para a organização de uma entidade alternativa cujos objetivos e compromissos não são coincidentes com aqueles da grande mídia.

Agora, em seminário que contou com a presença de cerca de sessenta empresários e uma dezena de convidados especiais, realizado em São Paulo, no sábado (27/2), foi criada a Associação Brasileira de Empresas e Empreendedores de Comunicação (Altercom). Uma Carta de Princípios e o estatuto da entidade estão sendo elaborados por uma comissão especial eleita no seminário e deverão ser divulgados em março.

Interesse de poucos

Na prática, as associações existentes, em particular a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) e a Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), embora se apresentem publicamente como representantes do conjunto de jornais, revistas e concessionários do serviço público de radiodifusão, têm atuado, sobretudo, na defesa dos velhos interesses dos poucos atores dominantes na mídia brasileira – vale dizer, das Organizações Globo, dos grupos Folha, Estado e Abril e de seus parceiros.

Há, no entanto, uma nova realidade no setor de mídia que está a emergir a cada dia. Atravessamos um período de crise profunda no campo da grande mídia que abarca mudanças tecnológicas, a emergência de uma nova mídia e de novos modelos de negócio, com repercussões e conseqüências ainda não apreendidas ou compreendidas em todas as suas dimensões.

A maior novidade, certamente, é o papel que a nova mídia já demonstrou ser capaz de desempenhar nos processos eleitorais. O que havia acontecido de forma relativamente menos acentuada nas eleições presidenciais brasileiras de 2006, ganhou uma dimensão inédita na eleição de Barack Obama nos EUA, em 2008. A grande mídia, por óbvio, continua relevante, mas não tem mais, nem de longe, a importância na formação da opinião pública que atribuíamos a ela em passado recente.

O surgimento de uma entidade alternativa, representando empresários e empreendedores de comunicação – a Altercom – é, certamente, uma das expressões dessa nova realidade.

Liberdade de expressão de quem?

Uma das principais bandeiras que tem servido de referência para a atuação das atuais associações é a defesa do que chamam de liberdade de expressão, associada, sem mais, à liberdade de imprensa. Na prática, a liberdade de expressão que tem sido defendida se limita, historicamente, à expressão daqueles poucos – pessoas e/ou interesses – que têm acesso à grande mídia.

C. Edwin Baker, especialista na Primeira Emenda da Constituição dos EUA e professor da University of Pennsylvania, em seu livro Media Concentration and Democracy – Why Ownership Matters (Concentração na Mídia e Democracia – Por que a propriedade é importante), publicado em 2007 pela Cambridge University Press, defende vigorosamente o princípio da máxima dispersão da propriedade (maximum dispersal of ownership) [ver, neste Observatório, "Pela máxima dispersão da propriedade"]. Segundo ele, quanto maior for o número de "controladores" dos meios de comunicação, isto é, quanto mais estiver distribuído o poder de comunicar, melhor servida será a democracia. Na verdade, mais "controladores" significa a possibilidade do exercício da liberdade de expressão por um número maior de cidadãos.

O compromisso com a universalização da liberdade de expressão deverá ser uma das diferenças fundamentais na atuação da Altercom.

Novos públicos e o papel do Estado

Por outro lado, a Altercom deverá também atuar junto aos anunciantes públicos e privados, em importante trabalho educativo e de convencimento, sobre a crescente importância da nova mídia e/ou da mídia alternativa na formação de novos hábitos de "consumo" da própria mídia. Isso pode significar o surgimento de novos públicos "consumidores" e/ou o deslocamento/superposição de velhos e novos "consumidores" de comunicação.

Aqui há de se insistir no papel do Estado na regulação do mercado de mídia. Continua a existir, entre nós, uma evidente dificuldade na transição entre a defesa abstrata da liberdade de expressão e de sua efetivação através de medidas do Estado que promovam a democratização do direito de se comunicar. Prevalece ativa a ultrapassada posição do liberalismo clássico que considera o Estado sempre uma ameaça às liberdades individuais e não, muitas vezes, como promotor fundamental delas. Esse é o argumento do professor Owen Fiss, da Yale University, no seu fundamental e indispensável “A Ironia da Liberdade de Expressão – Estado, Regulação e Diversidade na Esfera Pública” (Editora Renovar, 2005).

Não é só no Brasil

Coincidentemente, enquanto a Altercom estava sendo criada no Brasil, nos Estados Unidos, o Media Consortium – a rede da "mídia progressista e independente" – promovia um encontro para discutir problemas e perspectivas, em Nova York, nos dias 25 e 26 de fevereiro.

Duas militantes da "mídia progressista e independente", Tracy Van Slyke e Jessica Clark, acabam de lançar pela New Press, o livro “Beyond the Echo Chamber: Reshaping Politics Through Networked Progressive Media” (Para além da caixa de ressonância: redesenhando a política através das redes progressistas de mídia), que faz uma avaliação otimista da nova mídia como alternativa à mídia tradicional e corporativa (ver aqui).

Como se vê, não é só entre nós que empresários e empreendedores da nova mídia se organizam e lutam para ter seu papel reconhecido e articular sua luta pelo direito à comunicação numa sociedade mais justa e democrática.

O que se espera é que iniciativas como a Altercom prossigam na trilha iniciada na 1ª. Confecom e sinalizem novos tempos e novos rumos para a universalização da liberdade de expressão por meio da verdadeira democratização do mercado de mídia em nosso país.

* Venício A. de Lima é pesquisador Sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília – NEMP/UNB.

TV paga, o debate rastaquera

Em pleno carnaval um arranca-rabo sobre o "esterco cultural" produzido pela TV paga americana mobilizou os foliões da política & vizinhanças.

Tudo começou com o comentário do assessor internacional do presidente Lula, o professor Marco Aurélio Garcia, noticiado pelo Globo (ver abaixo), sobre a qualidade e teor da programação da TV paga americana, e terminou numa cruzada da Folha de S.Paulo em defesa da "produção independente". Se o debate fosse travado numa mesa de botequim, regado a cerveja, seria mais profundo, veraz e produtivo. Em letra de forma virou samba do crioulo doido.

As opiniões de Garcia foram pinçadas de suas intervenções num debate sobre a política de relações internacionais do PT realizado em Brasília, no sábado (6/2), às vésperas do congresso nacional do partido, ao qual também compareceram o embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, secretário de Assuntos Estratégicos, e o sociólogo Emir Sader. Mas o jornalismo da Era Kindle dispensa este tipo de referência: alguém disse que Garcia falou, tá falado – sapecam-se aspas e estamos conversados.

Os comunicadores do PT ou palacianos também não se deram ao trabalho de registrar no site do partido ou do governo o que foi efetivamente dito pelo assessor presidencial e assim evitar distorções. A turma do aparelho também merece uma folga.

Neste vácuo, já na edição de terça-feira (16/2, pág. A-6) da Folha entra em operação a infernal máquina da repercussão: uma repórter perguntou à ministra Dilma Rousseff se concordava com a opinião do professor Garcia segundo a qual existe hoje "um retraimento do pensamento crítico" com um avanço da "subintelectualidade de direita". Dilma concordou, óbvio. Paulo Francis aplaudiria de pé.

Esporte saudável

Na quinta-feira (18/2), a mesma Folha resolve esquentar o debate em duas páginas da "Ilustrada" (ver "Que esterco é esse?"). De repente, amplia-se a crítica de Garcia e o que ele disse a respeito da TV paga americana, num passe de mágica, passa a valer para toda a TV paga, inclusive a européia e a brasileira.

O professor exagerou, foi simplista e sabe disso: o jornalismo da Fox é nauseante, o da CNN é infantil, algumas séries são realmente estúpidas, mas outras são críticas e hilariantes. A programação dos canais de filmes em muitos casos equivale a de um cineclube. Os canais de documentários são de excelente nível, deveriam ser mostrados em nossas escolas. A baixaria televisiva americana está na TV aberta, sobretudo nos filmes. O assessor presidencial não poderia referir-se a eles porque também são exibidos em redes amigas como a Record, a Bandeirantes e o SBT.

Debater a mídia é um esporte salutar, próprio das sociedades desenvolvidas. Indispensável praticá-lo com fair-play e seriedade.

***
Marco Aurélio Garcia ataca programação de TV a cabo
Bernardo Mello Franco # reproduzido do Globo Online, 9/2/2010

Escalado para coordenar o programa de governo da ministra Dilma Rousseff, pré-candidata do PT à presidência, o professor Marco Aurélio Garcia anda preocupado com a influência da TV a cabo sobre os corações e mentes dos brasileiros. No sábado [6/2], o assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para assuntos internacionais discursou sobre o tema em debate na sede nacional do PT. Em meio a discussões sobre política externa, ele surpreendeu com um libelo contra o que chamou de "hegemonia cultural dos Estados Unidos".

Marco Aurélio comparou a influência da indústria de entretenimento ao poderio bélico da 4ª Frota, a divisão da Marinha americana que atua no Atlântico Sul.

– Hoje em dia, quase tão importante quanto a 4ª Frota são os canais de televisão a cabo que nós recebemos aqui. Eles realizam, de forma indolor, um processo de dominação muito eficiente. Despejam toda essa quantidade de esterco cultural – esbravejou.

Em tom de alerta, o assessor de Lula disse que a esquerda precisa reagir à difusão de valores capitalistas:

– Estamos vivendo um momento grave do ponto de vista de uma cultura de esquerda. A crise dos valores do chamado socialismo real e a emergência desse lixo cultural nos últimos anos nos deixaram numa situação grave.

O petista também reclamou de um suposto marasmo intelectual no Brasil, comparando os dias atuais a momentos de efervescência cultural das décadas de 1930 e 1950:

– Hoje vivemos uma transformação do ponto de vista econômico-social muito mais importante do que no passado. No entanto, temos um deserto de ideias, um deserto de produção cultural. Isso é um problema no qual temos que pensar.

O coordenador da campanha de Dilma disse que o Brasil foi programado para ser um país pequeno e defendeu o fortalecimento das estatais no governo Lula. Ao condenar o avanço da direita na Europa, fez uma recomendação à plateia:

– Nunca subestimem a estupidez humana. Quem subestimou a estupidez humana se deu mal na História.

Dois pesos, duas medidas

Na quinta-feira (28/1), o Jornal Nacional protestou contra a utilização de dois pesos e duas medidas na política externa brasileira. Segundo o telejornal, o Brasil apoiou o golpista Manuel Zelaya e se recusa a atacar o autoritário Hugo Chávez. Os jornalistas globais silenciaram sobre o Plano Nacional de Direitos Humanos porque os telespectadores ficaram cansados da ladainha acerca de uma suposta violação da liberdade de imprensa.

Quem usa dois pesos e duas medidas: o governo ou o Jornal Nacional?

Apesar das lamentações, a política externa brasileira tem sido absolutamente consistente. Zelaya foi regularmente eleito e seu mandato foi interrompido por um golpe militar. O Brasil não poderia deixar de dar-lhe apoio. Tanto a ONU quanto a OEA afirmaram de maneira inequívoca e veemente que a deposição do presidente de Honduras atenta contra a ordem internacional. Portanto, seria absolutamente contraproducente o Brasil ficar ao lado dos golpistas. Isto o Brasil fazia nos tempos da ditadura, a mesma ditadura que foi apoiada diligentemente pelo falecido Roberto Marinho.

Gostemos ou não, Chavéz é o legítimo presidente da Venezuela. Em razão do princípio da autodeterminação dos povos, a maioria dos venezuelanos tem o direito de escolher livremente qual será a ordem econômica e política do país. O Brasil não tem legitimidade para interferir na política interna da Venezuela, pois aquele país tem um regime constitucional legítimo que prevê eleições periódicas, eleições estas que foram realizadas de maneira absolutamente correta.

Sonegação de informações relevantes

O Itamaraty não está usando dois pesos e duas medidas. Portanto, podemos concluir que a Rede Globo não gosta da atual política externa brasileira. Não vou entrar no mérito das preferências globais. Mas não posso deixar de registrar que o Brasil tem Constituição e segundo esta a legitimidade para a condução da política externa é do Itamaraty, e não do Jornal Nacional.

No meu modesto modo de entender, quem utilizou dois pesos e duas medidas foi o próprio JN, que atacou ferozmente o que considerou uma interferência indevida na mídia venezuelana. Entretanto, os telespectadores não foram informados acerca de quais são as regras legais válidas a que estão submetidas as redes de TV na Venezuela.

Esta omissão é imperdoável. Sem conhecer as regras aplicáveis àquele país, ninguém pode avaliar se Hugo Chavéz agiu ou não de maneira autoritária. Afinal, gostemos ou não, ele pode apenas ter utilizado prerrogativas que lhe foram atribuídas pela legislação. Como podemos considerar ilegítima uma interferência na mídia que foi feita dentro da Lei? Desde quando a Venezuela tem a obrigação de adotar os mesmos padrões legais que o Brasil?

Além da omissão citada, há um outro detalhe importante. O JN reclamou da falta de liberdade de imprensa na Venezuela, mas utilizou a liberdade de imprensa que tem no Brasil para sonegar informações relevantes aos telespectadores brasileiros. Isto é correto? Onde começa e onde termina a liberdade de imprensa no Brasil?

Empresa vai conseguir o que não quer

Os cidadãos brasileiros têm direito constitucional à informação. Mas isto não quer dizer que tenham direito a "qualquer" informação. Informação é aquilo que reduz a incerteza, razão pela qual uma informação deformada ou lacunosa deve ser considerada uma "não informação". Por via de consequencia, no Brasil a mídia tem o dever de divulgar informações precisas, inteiras, detalhadas e de evitar produzir deformações ou omissões deliberadas ou não intencionais.

O JN tinha condições de consultar e divulgar a legislação venezuelana acerca da mídia para permitir aos cidadãos brasileiros avaliar e julgar as decisões de Chávez? Eu penso que sim. A Rede Globo tem correspondentes na Venezuela e o governo venezuelano disponibiliza on-line sua legislação (ver aqui).

As deformações e omissões divulgadas pela mídia impedem os cidadãos de exercer plenamente a cidadania. Foi exatamente isto que ocorreu no dia 28. O JN sonegou informações acerca da legislação venezuelana, informações que estavam à sua disposição. Não me parece absurdo concluir que é antiético defender a liberdade de imprensa através da difusão do erro. Que liberdade de imprensa a Rede Globo defende?

É irritante a insistência da Rede Globo em defender a RCTV impedindo os brasileiros de saber exatamente se Hugo Chávez poderia ou não suspender o sinal daquela emissora. O comportamento da Rede Globo me deixa cada vez mais curioso. Qual a composição acionária da RCTV? A Rede Globo está defendendo a liberdade de imprensa ou seus interesses empresariais na Venezuela?

O episódio provocado pela omissão do JN é sério e sugere um debate mais profundo sobre questões relevantes. Quais os limites da liberdade de imprensa? Pode uma empresa de mídia deformar ou sonegar informações relevantes? A liberdade de imprensa possibilita as empresas de mídia defender seus interesses comerciais? Uma Rede de TV brasileira tem legitimidade para colocar os cidadãos contra uma política governamental adequada levada a efeito pelo órgão governamental legítimo?

Deste jeito, a Rede Globo vai conseguir exatamente o que não quer. Ali Kamel está dando combustível para os defensores das normas do PNDH que pretendem frear os abusos midiáticos praticados pela mídia brasileira.

* Fábio de Oliveira Ribeiro é advogado em Osasco (SP).

TVE-RS: A agonia do desamparo

A TVE-RS, pertencente à Fundação Cultural Piratini, vem prestando importantes serviços à comunidade gaúcha desde sua fundação, em 1974, em Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul. No entanto, tem potencial para fazer muito mais, radicalizando sua missão de serviço público, para tal necessitando desatrelar-se dos governos de plantão, uma característica de sua atuação. De toda forma, possui uma programação voltada para os meios culturais e notícias da região e cumpre papel social ativo no setor televisivo.

Nos últimos anos, vem aumentando seu grau de dificuldades de operação na mesma proporção em que tem sido intensificada a desatenção do governo estadual para com os objetivos da televisão pública, em especial a respeito do Conselho Deliberativo e dotação orçamentária adequada para produzir e distribuir conteúdos que atendam à diversidade social. No ideário neoliberal, um canal público de TV é descartável, na medida que (quase) tudo, inclusive a midiatização, deve ser entregue ao privado.

Não se identifica um compromisso do governo do estado do Rio Grande do Sul em relação à TVE. Os embates entre as diretorias da emissora, nomeadas pelo Executivo, e o Conselho Deliberativo têm sido freqüentes nos últimos anos, assim como as denúncias de interferências em sua linha editorial. Agora, a TV Educativa do Rio Grande do Sul vai mudar de prédio, pois estava instalada em um imóvel pertencente ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) — e um acordo não foi viabilizado por aparente falta de empenho para tanto.

A necessária independência

Um possível convênio com a TV Brasil não foi definido, ao que tudo indica, por questões menores, já que aquela é controlada pelo governo federal, comandado pelo PT, e a TVE é da alçada de um governo estadual do PSDB. A emissora gaúcha preferiu seguir retransmitindo a programação da TV Cultura, de São Paulo, mediante um pagamento mensal, enquanto a TV Brasil cederia seus conteúdos gratuitamente. Mais do que isso, o problema é que as questões partidárias ou de governos seguem sobrepondo-se às públicas.

Na verdade, a prioridade de atender aos governos não é exclusividade da TVE do Rio Grande do Sul. Não necessariamente no mesmo grau, interferências político-partidárias identificam-se até em algumas estações públicas européias, ainda que na Europa encontrem-se exemplos históricos de compromisso social, como a BBC. Em qualquer dos casos, trata-se de uma espoliação da sociedade, que perde um dispositivo efetivamente público num embate que, principalmente no Brasil, contabiliza muitas derrotas.

Carece a TVE-RS de um modelo de financiamento adequado que garanta a quantidade de recursos suficiente para cumprir seu compromisso público e, em simultâneo, assegure sua autonomia em relação aos governantes de plantão. Necessitando sempre do governo estadual para administrar suas decisões financeiras, apresenta-se hoje como uma emissora que, apesar do esforço de seu quadro de funcionários de carreira, tem dificuldade de se manter com a independência necessária para midiatizar a realidade aos gaúchos.

Transparência e seriedade

Cedo ou tarde terão que ser discutidas as relações de poder entre Estado e setor privado, cuja dinâmica, considerando-se elementos como parceria publicitária e acessos prioritários a fontes, tem garantido o espaço da televisão comercial, mas não o avanço da comunicação pública, seja detida pelo Estado ou não. Isto se chama ausência de compromisso para com a coisa pública, numa área tão estruturante quanto a comunicação, cuja força econômico-político-social é mais que sabida, como reconhecem o mercado publicitário e o setor político.

A sociedade precisa acompanhar de perto este momento crucial envolvendo a TVE do Rio Grande do Sul, monitorando a anunciada mudança para um prédio emblematicamente denominado Centro Administrativo. Como se espera que as administrações estaduais se mantenham distantes dos ambientes públicos de comunicação — e o Estado cumpra sua obrigação de fornecer referentes comunicacionais aos cidadãos —, é hora de os eleitores ficarem vigilantes, cobrando transparência e seriedade nesse campo.

* Valério Cruz Brittos é professor titular no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos.
* Diego Costa é graduando em Jornalismo pela mesma instituição.

Democratização da mídia e da educação

A forte concentração dos meios de comunicação de massa representa um obstáculo para que o país se reconheça enquanto nação plural, comprometendo a diversidade informativa e cultural. Ante tal cenário, é relevante uma ampla discussão, com a participação de todas as visões presentes na sociedade, sobre o papel do Estado como esfera de regulação e fomento do sistema comunicacional. Isso porque cabe ao ente estatal definir políticas públicas de comunicação, educação e tecnologia, assim combatendo ações homogeneizantes e auxiliando na construção de processos midiáticos que permitam ao Brasil compreender-se em sua totalidade e desenvolver-se enquanto país de muitos rostos e vozes.

Nesse sentido, a Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) é um importante espaço de reflexão sobre as políticas de regulação da mídia, sobretudo das operações sob concessão pública (rádio e televisão abertos). Entre outros propósitos, a Conferência deve trazer à tona diferentes pontos de vista, revelando ser indispensável definir responsabilidades com a informação pública de qualidade, assim como o caráter educativo que nela deve estar presente, construindo uma agenda não-mercadológica a ser seguida pelos veículos.

A relevância da discussão desde o ângulo educacional pauta-se na constatação do grande público das indústrias culturais, em especial da TV, e da inegável força da mídia como produtora de sentidos e significados, com repercussão generalizada. Portanto, há uma dimensão socializadora nas ações da mídia que não pode ser menosprezada, visto que ela legitima valores e estimula comportamentos, através de seus programas, imagens e mensagens, ocasionando uma reconfiguração sócio-cultural, da qual faz parte.

Interatividade e Canal da Educação

A partir deste aspecto, é primordial, frente às mudanças provocadas pela digitalização, refletir como estão sendo desenvolvidas as políticas públicas e como devem ser definidos novos marcos regulatórios, para superar a concentração oligopólica e estimular os meios a cooperarem na promoção de melhorias do processo educacional, minimizando as desigualdades sociais. O Sistema Brasileiro de TV Digital (SBTVD) tem papel a cumprir na inclusão social dos cidadãos, na democratização da radiodifusão e na criação de uma rede universal de educação à distância, metas previstas no Decreto Presidencial 4901.

Tais objetivos consideram a relevante presença dos elementos midiático-tecnológicos na sociedade, que vêm transformando o modo dos indivíduos comunicarem-se, relacionarem-se e construírem conhecimentos, movimento potencializado com a digitalização. A escola, como espaço formal de educação, não pode ficar alheia a essas mudanças, sendo relevante refletir sobre a integração dos meios de comunicação no espaço de ensino e aprendizagem, em sua dimensão de ferramenta pedagógica para promover uma educação para e pela mídia. Pensar a responsabilidade social midiática exige uma reflexão sobre a importância de políticas públicas que também contemplem a educação nas áreas comunicacionais, valorizando a formação dos cidadãos e evitando que os meios funcionem basicamente como mecanismos favorecedores da dinâmica de acumulação de capital, beneficiando uma minoria.

A discussão sobre a TV digital merece atenção especial, dadas as perspectivas que se abrem ao campo educacional. No sentido de promover a educação diante das inovações tecnológicas, duas são as expectativas voltadas para a operação da televisão digital: a possibilidade da interatividade, citada no artigo 6 do Decreto 5.820, que implantou o Sistema Brasileiro de Televisão Digital Terrestre (SBTVD-T); e a abertura do Canal da Educação, mencionado no artigo 13 do referido diploma legal, atualmente em fase de planejamento, sob a coordenação do Ministério da Educação (MEC).

Compreensão, tecnologia e capacitação

A interatividade, uma característica dos novos meios digitais, vai ao encontro da necessidade de inovações nas práticas pedagógicas. A capacidade de interação entre o telespectador e a emissora e a convergência com outros aparelhos abrem ainda mais o leque de opções aplicativas de uso e propiciam o vislumbre preliminar de quais seriam os recursos que poderiam ser explorados nos processos de ensino-aprendizagem, na apropriação dos elementos de linguagem e nas alternativas técnicas para produção e transmissão do conhecimento.

Pensar um canal educativo público aberto, com lógicas não-comerciais, portanto, comprometido com a variedade cultural do país, a produção audiovisual nacional e um jornalismo plural, tem uma função importante na construção educacional da sociedade brasileira. Diante do exposto, aprofundar a discussão sobre a democratização da comunicação na Confecom é simultaneamente falar de cultura humana, economia, política, educação e desenvolvimento tecnológico, dentre outros temas que permeiam os espaços midiáticos. É ainda uma tentativa de assegurar bases democráticas para as mídias eletrônicas, na busca de atualização da legislação, defasada no passar de décadas.

Concluindo, é importante ressaltar que educar através das novas mídias exige que educadores e comunicadores abracem alguns objetivos comuns: a compreensão intelectual dos meios, o domínio da tecnologia e a capacitação para sua utilização livre e criativa. O caminho de promover uma educação pela mídia significa tanto comprometer emissoras a ofertar mais e melhores programas ao público, quanto lutar por mais canais educativos no sistema aberto de televisão.