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Sindicato dos jornalistas coloca RBS no banco dos réus

O Sindicato dos Jornalistas de Santa Catarina realizou no dia 28 de abril de 2009 uma discussão histórica, colocando no banco dos réus o oligopólio da Rede Brasil Sul, a RBS. Mas, esta proposta de transformar a maior rede de comunicação do sul do país em ré comum não foi privilégio da direção do sindicato, portanto a ela não se pode reputar nenhuma intenção ideológica. O responsável por esta façanha é o Procurador Regional dos Direitos do Cidadão em Santa Catarina, Celso Antônio Três, que apresentou uma ação civil pública ao Ministério Público Federal contra a empresa dos Sirotski, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica e a União.

Baseado exclusivamente na letra fria da lei, o procurador apela para a tutela dos direitos de informação e expressão do cidadão, a pluralidade, que é premissa básica do Estado democrático e de Direito. Com base nisso ele denuncia e exige providências contra o oligopólio da mídia sustentado pela RBS no Estado de Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. Segundo Três, é comprovada documentalmente a posse de 18 emissoras de televisão aberta, duas emissoras por cabo, oito jornais diários, 26 emissoras de rádio, dois portais na internet, uma editora e uma gravadora.

Ele lembrou ainda que o faturamento do grupo em 2006 chegou a 825 milhões de reais, com um lucro líquido de 93 milhões, tudo isso baseado no domínio da mente das populações do sul que atualmente não tem possibilidade de receber uma informação plural. Praticamente tudo o que se vê, ouve ou lê nos dois estados do sul vem da RBS.

No debate realizado pelo SJSC o procurador insistiu que filosoficamente ser é ser percebido e isso é o que faz a mídia, torna visível aqueles que ela considera “ser”. Os pobres, os excluídos do sistema, os lutadores sociais, toda essa gente fica de fora porque não pode ser mostrada como ser construtor de mundos. Celso Três afirma que na atualidade o estado é puro espetáculo enquanto o cidadão assume o posto de espectador. Nesse contexto a mídia passa a ser o receptor deste espetáculo diário, ainda que não tenha a menor consistência. “Nós vivemos uma histeria diária provocada pela mídia e o país atua sob a batuta desta histeria”.

No caso de Santa Catarina o mais grave é que esta histeria é provocada por um único grupo, que detém o controle das emissoras de TV e dos jornais de circulação estadual. Não há concorrência para a RBS e quando ela aparece é sumariamente derrotada através de ações ilegais como o “dumping”, como o que aconteceu na capital, Florianópolis, quando da abertura do jornal Notícias do Dia, um periódico de formato popular com um preço de 0,50 centavos. Imediatamente a RBS reagiu colocando nas bancas um jornal igual, ao preço de 0,25 centavos. Não bastasse isso a RBS mantêm cativas empresas de toda a ordem exigindo delas exclusividade nos anúncios, incorrendo assim em crime contra a ordem econômica.

Sobre isso a lei é muito clara. Desde 1967 que é terminantemente proibido um empresa ter mais que duas emissoras de TV por estado. A RBS tem mais de uma dezena. A Constituição de 1988 determina que a comunicação não pode ser objeto de oligopólio. Pois em Santa Catarina é. Segundo Três, na formação acionária das empresas existem “mais de 300 Sirotski” , portanto não há como negar que esta família controle as empresas como quis fazer crer o Ministério das Comunicações, também réu na ação. “Eles alegaram que a RBS não existe, é um nome de fantasia para empresas de vários donos. Ora, isso é mentira. Os donos são os mesmos: os Sirotski”.

O procurador alega que a lei no Brasil, no que diz respeito a porcentagem de produção local que deve ter um empresa, nunca foi regulamentada, mas não é por conta da inoperância do legislativo que a Justiça não pode agir. “Nós acabamos utilizando a lei que trata do mercado de chocolate, cerveja, etc. Nesta lei, uma empresa não pode controlar mais que 20% do mercado. Ora, em Santa Catarina, a RBS controla quase 100% da informação”.

Aprofundando o debate sobre a ação oligopólica da RBS, Danilo Carneiro, estudioso do sistema capitalista e membro do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro, deu uma aula sobre a formação do sistema capitalista e mostrou como atualmente o capitalismo já não consegue mais reproduzir a vida, tamanha a sua dominação sobre a vida das pessoas e sua sanha por lucros.

Desde as cidades-estado italianas, onde o comércio impulsiona a acumulação de lucros, até os dias de hoje a consolidação do capitalismo está ligada à exploração dos trabalhadores e da natureza. Para que isso aconteça é necessário manter as gentes em estado permanente de alienação e aí entram os Meios de Comunicação de Massa. Não é à toa, portanto, que instituições governamentais como o CADE e o Ministério das Comunicações façam vistas grossas ao oligopólio da RBS assim como da Globo. Tudo faz parte da manutenção do sistema.

Sobre a ação na Justiça contra a RBS, Danilo lembrou que hoje no Brasil existem mais de 60 milhões de ações em andamento e isso por si só já dá um panorama do que pode acontecer. Sem uma mobilização política efetiva das entidades e do povo catarinense, essa ação pode se perder no sumidouro da Justiça brasileira.

Na platéia do debate um público muito representativo do movimento social de Florianópolis, tais como representantes do Diretório Central dos Estudantes da UFSC, da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias (UFECO), Sindicato dos Previdenciários (SINDPREVS), Sindicato dos Eletricitários (SINERGIA), jornalistas, estudantes, professores. Cada um deles compreendeu que à corajosa atitude do procurador Celso Três, devem se somar ações políticas e de acompanhamento da ação.

O Sindicato dos Jornalistas deve se colocar como assistente do Ministério Público, abastecendo-o com informações e as demais entidades vão difundir as notícias e fazer a pressão necessária para o andamento da ação. Conforme bem lembra Celso Três, esta não é uma ação voluntarista ou ideológica, ela é objetiva e se fundamente na lei maior. Oligopólios são proibidos e as populações de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul tem direitos a uma informação plural e diversificada. Não há amparo legal para a propriedade cruzada, o pensamento único e muito menos para a dominação econômica.

Na senda da fala de Danilo Carneiro, que deixou claro que sob a ditadura do capital é impossível a democratização da comunicação, também assomou entre os presentes a necessidade da discussão e da luta por outra comunicação e outro estado que não esse no qual imperam as relações de dominação. Agora é ficar atento e aprofundar a luta. Sem isso, não anda a ação, e tampouco acontecem mudanças estruturais.

Comissão do Senado proíbe outorgas a parlamentares

Um novo capítulo na história das relações entre parlamentares e concessões públicas de rádio e TV entrou no ar. No último dia 7, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou parecer que considera ilícita a aprovação de outorgas de radiodifusão a concessionários que possuam deputados e senadores entre seus proprietários, controladores ou diretores. O parecer, dado pelo senador Pedro Simon (PMDB-RS), respondeu a um requerimento de interpretação do Art. 54 da Constituição Federal feito pelos senadores Eduardo Suplicy (PT-SP), Tião Viana (PT-AC) e Heloísa Helena (PSOL-AL) em 5 de julho de 2006.

O requerimento, segundo o senador Eduardo Suplicy, foi motivado por matérias publicadas pelos jornais O Globo e Folha de São Paulo daquela semana. As reportagens repercutiram, respectivamente, os dados de pesquisa sobre parlamentares radiodifusores realizada pelo Instituto Projor (entidade mantenedora do site Observatório da Imprensa) e coordenada pelo professor Venício A. Lima, em 2005, e o pedido do governo federal ao Congresso Nacional de devolução de 225 processos de renovação de concessões de rádio e televisão que se encontravam sob ameaça de não renovação.

O requerimento apresentado pelos senadores baseou-se em uma suposta brecha no Artigo 54, que permite interpretações ambíguas quanto à relação entre os parlamentares e as concessões de emissoras de rádio e TV. O parágrafo 2º estabelece que os deputados e senadores não poderão, a partir da posse, “ser proprietários, controladores ou diretores de empresa que goze de favor decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público, ou nela exercer função remunerada.”

A falta de clareza nesta redação permitiu que durante anos as concessões não fossem vistas como “favor” decorrente do contrato. Os parlamentares continuavam, portanto, sendo concessionários ou acionistas de emissoras e de grupos de mídia, afastando-se tão somente da qualidade de diretor ou gestor das empresas para que não houvesse a configuração de função remunerada.

Na visão do senador autor do parecer, Pedro Simon, mesmo com as imperfeições, fica claro que “as concessões de rádio e televisão gozam de favor do poder público, pois elas são isentas de impostos e de uma série de outras coisas.” Logo, completa o senador, seriam enquadradas na proibição prevista no Artigo 54 da Carta Magna.

Para o senador Eduardo Suplicy, um dos proponentes do requerimento, a interpretação anteriormente dada ao texto constitucional não parecia ser a do espírito da elaboração do Artigo. “Acredito que o espírito desse artigo seja de evitar que sócios, proprietários ou controladores de empresas públicas ou concessionárias possam exercer função no Congresso Nacional. As emissoras de rádio e televisão não são enquadradas nessa definição? Têm essa relação ou não? Acredito que sim. Então, me parece que seria próprio que aqueles que são concessionários não sejam parlamentares”, argumenta Suplicy.

Reação

O requerimento feito há quase três anos entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no dia 1o de abril, sendo apreciado e votado na continuidade da reunião, no dia 07 [veja trajetória do requerimento em artigo do professor Venício Lima ]. Ainda segundo o senador Pedro Simon, esta era uma matéria por vezes presente na pauta da Comissão, mas que terminava nunca sendo votada. A aprovação em reunião esvaziada da CCJ gerou desconforto por parte de alguns parlamentares, como o senador Antônio Carlos Magalhães Júnior (DEM-BA). Ao saber do resultado da aprovação do parecer, segundo publicado pelo jornalista Ilmar Franco (O Globo), Magalhães Júnior foi tomar satisfações com o seu companheiro de partido e presidente da CCJ, Demóstenes Torres (DEM-GO).

“O senador ACM Júnior (DEM-BA) deu um ataque ontem com o presidente da CCJ, senador Demóstenes Torres (DEM-GO), devido à aprovação, na sua ausência, de parecer dizendo que `não é lícito´ parlamentares serem diretores ou controladores de empresas de rádio e televisão. `Como você coloca um projeto desse em votação? Você disse na reunião de líderes que não colocaria nada polêmico´, cobrou ACM Júnior. Irritado, arrematou: `Ele contraria interesses meus, do Tasso [Jereissati], do [José] Sarney, do [José] Agripino e do Wellington Salgado, que é vice-presidente dessa comissão´", contou Franco em sua coluna no O Globo.

Eduardo Suplicy diz não ver problemas na aprovação da proposta com poucos senadores na reunião. “É fato que [o parecer] foi apreciado no momento em que alguns interessados não estavam presentes, mas foi aprovado. Quem quisesse acompanhar, poderia ter visto a matéria entrar em pauta, pois estava tudo sendo transmitido pela TV Senado. Os assessores poderiam tê-los alertado”, afirma o senador. Pedro Simon considera normal que outros senadores tenham divergido do parecer, mas que esta é uma interpretação de um artigo da Constituição que proíbe qualquer parlamentar de usufruir desse tipo de concessão.

Difícil batalha

Aprovado na CCJ, o parecer será agora votado no plenário do Senado. Pedro Simon avalia que a aprovação não será fácil e pode ser ameaçada a depender da capacidade de articulação da bancada dos donos de meios de comunicação. Opeso desta bancada sugere um quadro nada animador para os defensores da medida. Segundo dados da pesquisa realizada pelo Projor e coordenada por Venício A. Lima (a mesma que deu origem a matéria de O Globo de 2006), 25% dos senadores e 10% dos deputados são concessionários de rádio e TV. Contudo, esse número pode ser muito maior na realidade, pois, muitas concessões de rádio e TV são outorgadas para parentes diretos de parlamentares.

Levantamento do Laboratório de Políticas de Comunicação da Universidade de Brasília (Lapcom) publicado pelo Observatório do Direito à Comunicação mostrou que na atual legislatura há 14 senadores concessionários de radiodifusão apenas na Comissão de Ciência e Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) [veja aqui ]. Apesar das poucas chances, Simon deixa claro que o parecer já está em vigor para todos os parlamentares do Congresso Nacional, deputados e senadores, e que a aprovação no plenário da casa pode reafirmar ou derrubar a decisão.

Outras tentativas

No final de 2008, indicação parecida foi aprovada na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados. A Subcomissão de Outorgas de Radiodifusão da CCTCI produziu relatório sobre alterações necessárias nas regras sobre concessão de serviços de rádio e TV.

Um dos itens analisados foi o Artigo 54 da Constituição Federal, para o qual o documento final da Subcomissão propôs uma emenda que seria acrescentada ao Capítulo da Comunicação Social (artigos 220 à 224) com a seguinte redação: “Não poderá ser proprietário, controlador, gerente ou diretor de empresa de radiodifusão sonora e de sons e imagens quem esteja investido em cargo público ou no gozo de imunidade parlamentar ou de foro especial.”

Dessa forma, a relação entre parlamentares e outorgas de radiodifusão deixaria de ser disciplinada pela confusa redação do Artigo 54 e teria definição clara e própria. Contudo, mesmo que essa emenda constitucional não seja levada a cabo, até que o parecer dado pelo senador Pedro Simon seja derrubado, a proibição vigora para as duas casas.

Para João Brant, do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, uma decisão como essa, ainda que em caráter precário (pois pode ser derrubada no plenário), é importante e chega tarde no Brasil. “Uma democracia não pode prescindir da separação entre poderes. Os meios de comunicação são hoje, de fato, um espaço de exercício de poder. Nessa lógica, nenhum parlamentar poderia gozar do direito de ser concessionário. São comuns exemplos de emissoras usadas para manipular informação e beneficiar determinados grupos políticos, basta ver o último escândalo envolvendo a TV de Sarney no Maranhão”, defende.

Segundo Brant, o Intervozes defende a aprovação imediata do parecer do Senador Pedro Simon em plenário do Senado, bem como da proposta de emenda constitucional feita pelo relatório da Subcomissão de Outorgas da CCTCI da Câmara dos Deputados, aprovado no final de 2008. “Entendemos que a proibição a este tipo de prática deve ser explícita na Constituição e nas demais leis que regulamentam o setor. Deve haver a previsão de penas rigorosas para parlamentares que se mantiverem nessa prática. Não podemos continuar admitindo que no mínimo 10% dos deputados e 25% dos senadores sejam concessionários de meios de comunicação e façam uso político das suas concessões.”

Caso Sarney escancara ausência de controle sobre coronelismo eletrônico

Ex-presidente da República, parlamentar mais antigo em atividade (sua primeira eleição para deputado federal foi em 1955), em sua terceira gestão à frente do Congresso Nacional cujo triunfo recente foi caracterizado pela revista britânica The Economist como “uma vitória do semi-feudalismo”. José Sarney (PMDB-AP), 79, acaba de agregar ao currículo uma peça das mais curiosas, mais contestada fora do Brasil do que pela imprensa nativa. E não se trata de sua nova velha eleição à presidência do Senado Federal, mas do registro policial de uma prática conhecida, porém alvo de vista-grossa das autoridades competentes: o uso de concessões de rádio e TV para a defesa de interesses políticos particulares.

“Põe na TV. Manda botar o destino do dinheiro recebido” é a ordem que o senador dá a seu filho Fernando, que comanda a TV Mirante, afiliada da Rede Globo no Maranhão. O que o filho deveria colocar na TV é uma informação que ligaria o filho de Aderson Lago, primo do governador Jackson Lago e chefe da Casa Civil do governo estadual, a um esquema de desvio de verbas públicas. A conversa entre os dois foi publicada pela Folha de S. Paulo no último dia 9 e surgiu em escutas legais da Polícia Federal, que investiga movimentações financeiras feitas pela família Sarney durante a eleição de 2006.

Nesta eleição, Lago derrotou a filha de Sarney, Roseana. Agora, o atual governador enfrenta um processo de cassação junto ao Tribunal Superior Eleitoral. Com exceção da desfaçatez da confissão do senador, o fato de o clã Sarney não poupar sua concessão pública de TV na guerra com o governador Jackson Lago e seu primo poderia ser considerada quase como não novidade.

O “imortal” José Sarney detém concessões de rádio e TV por todo o Maranhão, além de jornais impressos. Em um dos estados mais pobres da federação, seu poder político atravessa décadas, sustentado tanto pelo poder econômico, quanto pela influência simbólica exercida através do controle de tantos veículos de comunicação.

Nesse contexto, o quase monopólio da informação se converte no que alguns especialistas da área de comunicação classificam como “coronelismo eletrônico”. “De modo geral, é a posse direta dos meios de comunicação e seu uso para fins políticos, assim como a posse da terra. O conceito transfere para os meios de comunicação o que existe em relação ao latifúndio”, explica Cristiano Aguiar Lopes, mestre em Comunicação pela Universidade de Brasília e consultor legislativo da Câmara dos Deputados.

A materialização disto pode ser observada através da descrição do professor Francisco Gonçalves, do curso de Comunicação Social da Universidade Federal do Maranhão. Segundo ele, existe no caso dos meios de comunicação, uma estrutura patrimonialista, que ganha particularidades no estado “uma vez que este modelo é utilizado [no MA] para negar a voz a determinados segmentos da sociedade, contrários a determinadas posições do grupo e/ou que fazem oposição política”.

“É preciso lembrar que este não é um problema que ocorre apenas no campo do sarneísmo”, lembra Gonçalves. “No caso específico do Maranhão, os coronéis eletrônicos se dividiram: uma parte está com o atual governo, outra com a oposição. Acontece que a maioria está na oposição.”

Dono do mundo

Lopes acredita que, no caso dos Sarney, a utilização política dos meios de comunicação serviu mais para reforçar um domínio que já existia, do que para construí-lo. Família de grande influência, o clã estabeleceu seu poder midiático em uma época onde não havia critérios para a concessão de outorgas.

“No inicio, era preciso ter um capital bastante expressivo, sobretudo no caso da TV. Além de influência, é preciso dinheiro” explica. “Quando começa a haver licitação [na segunda metade da década de 90] para a distribuição de outorgas, faz-se uma média ponderada entres os aspectos técnico e financeiro.” Contudo, é evidente que para atender aos critérios técnicos, o poder econômico se torna um argumento bastante convincente.

Como ocorre em vários outros estados, não é apenas através de suas próprias concessões que a família Sarney controla a mídia maranhense. Segundo Gonçalves, é preciso avaliar que além do controle familiar sobre o Sistema Mirante, existe todo um grupo político que o cerca e que controla outros veículos, além das retransmissoras de TV no interior afiliadas à rede dos Sarney. Isso aumenta significativamente seu poder de influência. “Basta lembrar que o segundo maior grupo de mídia do estado é da família do atual ministro de Minas e Energia [Edson Lobão], cujo filho, administrador do grupo, era o seu suplente de senador e que assumiu a vaga dele recentemente.”

Legislação permissiva

Não existe, no entanto, na legislação vigente sobre o tema, nada que proíba expressamente que um concessionário utilize sua outorga para uso político. É uma falha grave e uma demonstração da discricionariedade com que os legisladores têm tratado o tema ao longo dos anos. Enquanto não há ressalvas para os radiodifusores comerciais, a Lei 9612/98, que regula a radiodifusão comunitária, é explicita na vedação a qualquer tipo de proselitismo político ou religioso.

A Constituição Federal, por sua vez, proíbe que parlamentares detenham concessões, o que também é largamente desrespeitado. Segundo estudo da pesquisadora Suzy dos Santos, apenas no Maranhão, cerca de 70% das geradoras e 60% das retransmissoras são controladas por políticos. Todas as afiliadas à Rede Globo estão nesta situação.

“É uma situação imoral, mas é difícil enquadrar como ilegal, porque o sistema permite”, lamenta Lopes. “Há um debate e o Ministério das Comunicações tem um entendimento bastante sui generis: não pode ser diretor, mas pode ser dono.” É esta infinidade de interpretações que perpetua um sistema arcaico, em que também são exemplos Inocêncio de Oliveira em Pernambuco, Paulo Otávio no Distrito Federal e o espólio de Antônio Carlos Magalhães na Bahia, entre tantos outros casos.

“O modo de impedir esta situação seria restringir [o controle de concessões] para que tem mandato eletivo, além de democratizar as comunicações, através das rádios comunitárias, por exemplo”, afirma Lopes.

* Colaborou Luciano Nascimento, para o Observatório do Direito à Comunicação.

Projeto dá mais peso à proposta técnica em licitação de rádio e TV

O Projeto de Lei 4451/08, do deputado Valadares Filho (PSB-SE), em tramitação na Câmara, estabelece que a proposta técnica terá peso superior à de preço nas licitações para novas concessões ou permissões para emissoras de rádio e canais de televisão. Segundo o texto, o peso da parte técnica poderá chegar a até o limite de 80% da pontuação máxima possível.

As novas concessões ou autorizações de serviços de radiodifusão são disputadas em processo de licitação em que os interessados apresentam uma proposta técnica e uma proposta financeira para ficarem com o canal ou frequência oferecida.

O vencedor da licitação é o que conseguir melhor média ponderada na avaliação de suas propostas para esses dois requisitos.

Barreira à competição

"As licitações para exploração de canais de rádio e televisão são alvos da cobiça dos grandes grupos de mídia. Muitas vezes, o poder econômico torna-se uma barreira intransponível à entrada de novos competidores nesse mercado", afirma Valadares Filho.

A proposta ainda permite que, em caso de empate, a administração pública possa usar uma ponderação distinta da anterior ou definir o vencedor considerando apenas a proposta de preço ou de técnica, desde que essas regras estejam previstas no edital.

Tramitação

O projeto, sujeito a votação em Plenário, será analisado pelas comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

Veja a integra da proposta.

Radialista denuncia arrendamento de rádios por igrejas em Aracaju

Com a suspensão do programa “Fala Sergipe”, na Atalaia AM, o radialista Fernandes Dória, que comandava a atração, apregoa o “fim do rádio” em Aracaju, capital do Sergipe: “Propriamente é o fim do rádio em Sergipe. Das cinco AMs, só uma oferece emprego”, diz.

A emissora, pertencente ao Sistema Atalaia de Comunicação, arrendou todo o seu horário para um pastor, que o relocou para várias igrejas evangélicas. O diretor-administrativo da Atalaia AM, José Reis, explica que continua existindo horário para o jornalismo, mas ele é produzido pela arrendatária.

"O horário inteiro é da igreja. Isso não é uma coisa só aqui de Sergipe, é do Brasil inteiro", diz Reis.

Com o fim do programa, o Sindicato de Radialistas de Sergipe informa que cinco profissionais da área técnica e quatro da área artística foram demitidos. Dória, que é dirigente sindical, não perdeu seu emprego por ter estabilidade até 2011.

“Mas eu vou me aposentar. Eu comecei no jornalismo quando tinha 17 anos, estou com 63. Nunca vi um negócio desses. Eu já cheguei no meu ponto, mas lamento para os que estão entrando agora no mercado”, diz.

O presidente do Sindicato dos Radialistas do Estado do Sergipe, Antônio Barbosa de Melo, lamenta a situação diz que está lutando para a “manutenção do número mínimo de profissionais”.

“Há uns quatro anos, as igrejas começaram a comprar parte do horário. Uma hora, duas horas. Depois passaram a adquirir a madrugada toda. Agora estão arrendando o horário inteiro”, diz.